versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 04-Dez-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0087
O conceito de humanização pode ser entendido como a valorização e a inclusão dos diferentes sujeitos implicados no processo de atendimento em ambiente hospitalar: usuários, funcionários, prestadores de serviços, cooperativados e gestores.1
No Brasil, desde 1988, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), os debates/as discussões sobre humanização são direcionados à consolidação dos princípios de universalidade, integralidade e equidade do atendimento ao usuário.2
A partir dos debates e das discussões, o Ministério da Saúde (MS) partiu da premissa de que é um direito de todo cidadão receber atendimento público de qualidade na área da saúde. Com vistas à melhoria da assistência no SUS, em 2003, o MS criou a Política Nacional de Humanização (PNH) para acolher os usuários e priorizar os casos de maior gravidade e o Humaniza SUS estabeleceu a diretriz denominada "acolhimento com classificação de risco".3
Em 2011, por iniciativa do MS, o Governo Federal lançou a Rede Cegonha (RC), com o objetivo de proporcionar melhor qualidade de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança. A RC incentiva a inovação e a qualificação da atenção pré-natal, da assistência ao parto e do período pós-parto, bem como das ações relativas ao desenvolvimento da criança durante seus primeiros dois anos de vida.4 Assim, o acolhimento e a classificação de risco são garantias proporcionadas pela RC.4
O acolhimento e a classificação de risco conduzem à tomada de decisões por parte do profissional da saúde a partir da escuta ativa das queixas do paciente, associada à avaliação clínica pautada em protocolos e fundamentada em evidências.4
Em obstetrícia, o acolhimento apresenta peculiaridades inerentes às necessidades e às demandas relativas ao processo gravídico, como a investigação de queixas comuns no período gestacional, por exemplo, cefaleia, náuseas, vômitos e visão turva, que podem camuflar situações clínicas demandando ação rápida; isso exige preparo das equipes de saúde para escuta qualificada e capacidade de julgamento clínico preciso.4,5
Na especialidade em foco, a classificação de risco envolve categorias de gravidade, diferenciadas por cores:
Vermelha (emergente) - pacientes com risco de morte;
Laranja (muito urgente) - pacientes em estado crítico ou semicrítico não estabilizadas;
Amarela (urgente) - pacientes em estado crítico ou semicrítico já estabilizadas;
Verde (pouco urgente) - pacientes menos críticos, sem risco de agravos;
O protocolo de acolhimento e classificação de risco constitui ferramenta de apoio à decisão clínica e linguagem universal para as urgências obstétricas. Seu propósito é a pronta identificação de casos críticos ou graves, possibilitando atendimento rápido e seguro de acordo com o potencial de risco, com base em evidências, além de basear e orientar uma análise sucinta e sistematizada para identificar situações de ameaça à vida.4
A implantação do protocolo de acolhimento e classificação de risco requer processos de acompanhamento avaliativo para adequar e ajustar sua efetiva operação. Contudo, a revisão da literatura em obstetrícia revelou escassez de estudos sobre o tema e deficiências no monitoramento e na avaliação dos fluxos de atendimento.
Considerando os indicadores de monitoramento e avaliação do MS, o objetivo deste estudo foi avaliar o funcionamento de um serviço de acolhimento e classificação de risco em uma maternidade de referência para gestação de alto risco, em Recife-PE.
Trata-se de estudo observacional, transversal e analítico com abordagem quantitativa,6 realizado, em abril e maio de 2015, no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), uma unidade do complexo hospitalar da Universidade de Pernambuco (UPE), situado no Distrito Sanitário II de Recife, que constitui uma maternidade-escola de referência no estado de Pernambuco por oferecer assistência à saúde de média e alta complexidade.
O estudo foi baseado em observação e nos indicadores de monitoramento e avaliação do protocolo de acolhimento e classificação de risco, implantado no Cisam em novembro de 2013, após a reabertura do serviço em questão.
A população do estudo consistiu nas usuárias que se encontravam na triagem do Cisam e nos enfermeiros que atuam nesse setor hospitalar. A amostra, não probabilística, foi definida por meio de cálculo amostral de usuárias do serviço com uso da Sample Size Calculator Raosoft,7 adotando estimativa de prevalência de 50%, intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 5%.8 Consideramos o número de pacientes atendidas em 2014 (377 sujeitos). Quanto aos enfermeiros, a amostra consistiu nos profissionais presentes no período da coleta de dados (seis sujeitos).
O critério de inclusão das pacientes da amostra foram: a) pacientes que buscaram ou foram encaminhadas à triagem obstétrica do Cisam. Os critérios de exclusão foram: a) pacientes cujas condições clínicas demandavam atendimento emergencial que fugia à rotina do protocolo de acolhimento e classificação de risco; b) pacientes que não tinham condições de responder aos questionamentos;
Quanto aos enfermeiros da amostra, foram incluídos todos os profissionais do plantão diurno e noturno (que se encontravam presentes durante o período da coleta de dados) e foram excluídos os trabalhadores que não faziam parte do quadro funcional efetivo do serviço: como foi o caso dos residentes.
O construto conceitual que embasou a seleção de variáveis de análise foi o protocolo de acolhimento e classificação de risco da RC do MS.4 Os indicadores analisados foram: 1) tempo médio de espera do cadastro até o início da classificação de risco; 2) tempo médio da classificação de risco; 3) tempo médio de espera do final da classificação de risco até o atendimento por parte do médico ou da enfermeira obstetra, por prioridade clínica; e 4) percentual de classificações segundo prioridade clínica. Outros parâmetros: 1) satisfação da usuária do serviço; e 2) treinamento dos enfermeiros em serviço.
A coleta de dados foi realizada em três momentos, com uso de um instrumento elaborado pelas autoras deste estudo: 1) aplicação de formulário para o registro das observações relativas ao tempo de espera desde a chegada até o atendimento médico; 2) entrevista das mulheres atendidas para avaliar sua satisfação; e 3) levantamento da situação de treinamento em serviço dos profissionais envolvidos na aplicação do protocolo de acolhimento e classificação de risco.
Os dados obtidos foram organizados em planilhas do programa Microsoft Excel, versão Windows 7, e processados no programa GraphPad Prism 4. Os resultados são apresentados em forma de gráficos e tabelas e analisados à luz da literatura.
A pesquisa foi desenvolvida de acordo com os preceitos da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que dispõe sobre os aspectos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UPE, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 42106615.2.0000.5207 e o Parecer nº 1.020.408, de 13 de abril de 2015.
Dentre as 377 pacientes incluídas na amostra, 84% buscaram assistência obstétrica e 16% buscaram atendimento ginecológico. Dentre as usuárias obstétricas, 64,4% encontravam-se no 3º trimestre de gestação, 17% no 2º trimestre, 13,2% no 1º trimestre, 3,2% no puerpério e 2,2% apresentavam condição clínica de abortamento ou fetos mortos. Dentre as usuárias ginecológicas, 38,3% relataram sangramento, 10% apresentaram amenorreia a esclarecer e 51,7% relataram outros problemas de saúde.
Os resultados demonstraram que, ao procurar o serviço, dentre as 377 pacientes da amostra, 74,5% deram entrada no serviço por demanda espontânea, 13,5% chegaram ao serviço por encaminhamento, com senha da central de regulação de leitos, provenientes de diferentes serviços, 4,5% foram encaminhadas por ambulatório especializado e 7,4% eram provenientes da atenção primária à saúde (APS).
Analisando os indicadores de qualidade do serviço de acolhimento e classificação de risco, foi verificado que o tempo de espera para a usuária ser classificada correspondeu, em média, a 21,2 min. A duração média da classificação correspondeu a 5 min. Na avaliação do tempo decorrido entre a classificação e o atendimento médico, de acordo com as prioridades clínicas, foi identificado que a prioridade clínica vermelha teve tempo médio de espera de 3,5 min.; já as prioridades clínicas laranja, amarela, verde e azul apresentaram, respectivamente, 12,5 min., 17,5 min., 45,3 min. e 50,8 min (Tabela 1).
Tabela 1 Avaliação dos indicadores propostos pelo Ministério da Saúde no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros. Recife, 2015
Indicadores | N | VR | TM | DPM | CV |
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Indicador 1 | |||||
Espera do cadastro até o início da classificação | 377 | <10 | 21,2 | 9,1 | 42% |
Indicador 2 | |||||
Duração da classificação de risco | 377 | <5 | 5 | 2,3 | 48% |
Indicador 3 | |||||
Espera pelo atendimento médico segundo a prioridade vermelha | 4 | 0 | 3,5 | 2,4 | 106% |
Espera pelo atendimento médico segundo a prioridade laranja | 11 | ≤15 | 12,5 | 7,9 | 63% |
Espera pelo atendimento médico segundo a prioridade amarela | 93 | ≤30 | 17,5 | 11,5 | 71% |
Espera pelo atendimento médico segundo a prioridade verde | 218 | ≤120 | 45,3 | 38,9 | 89% |
Espera pelo atendimento médico segundo a prioridade azul | 51 | ≤240 | 50,8 | 42,5 | 93% |
Indicador 4 | |||||
Demanda espontânea: prioridade vermelha | 4 (1%) | ||||
Demanda espontânea: prioridade laranja | 11 (4%) | ||||
Demanda espontânea: prioridade amarela | 93 (26%) | ||||
Demanda espontânea: prioridade verde | 218 (56%) | ||||
Demanda espontânea: prioridade azul | 51 (13%) |
VR: valor de referência do Ministério da Saúde; TM: tempo médio; DPM: desvio padrão médio; CV: coeficiente de variância.
O quarto indicador, que corresponde à avaliação da prevalência do tipo de classificação por prioridade clínica, indicou que 1% dos casos envolveu a categoria vermelha, 4% envolveram a laranja, 26% envolveram a amarela, 56% envolveram a verde e 13% envolveram a azul.
Quanto ao grau de satisfação das usuárias, 77% relataram estar satisfeita ou muito satisfeitas, conforme apresentado na Figura 1 abaixo.
Figura 1 Grau de satisfação das usuárias do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros. Recife, 2015. S: satisfeita; MS: muito satisfeita; PS: pouco satisfeita; I: insatisfeita.
A análise da capacitação e do treinamento em serviço, relacionado à implantação e funcionamento do protocolo de acolhimento e classificação de risco indicou que apenas 33% dos enfermeiros foram previamente treinados para executar o acolhimento com classificação risco. Os treinamentos foram executados pela equipe de educação permanente do próprio serviço (Cisam). Contudo, parte dos enfermeiros foram treinados em outros serviços, onde também integram a equipe de acolhimento e classificação de risco obstétrico.
Quando questionados a respeito das dificuldades para a implantação do protocolo de acolhimento e classificação de risco na instituição, os enfermeiros relataram que durante os dois primeiros anos de execução, o serviço enfrentou dificuldades como: falta de material informativo, banners e pulseiras para sinalização da gravidade das pacientes (Figura 2).
Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, indicam que o Brasil tem uma população de 206 milhões de habitantes. A Região Nordeste concentra 28% desse contingente populacional e Pernambuco é um dos estados mais populosos, com cerca de 9,5 milhões de habitantes; sua capital, Recife, tem população estimada em 1,6 milhões de habitantes.9 Nessa cidade, há 32% de mulheres de 10 a 49 anos (idade fértil) e 13% de mulheres com idade superior a 50 anos e 6% de mulheres com idade inferior a 10 anos (idade não fértil).10,11 Logo, observa-se grande prevalência de mulheres em idade fértil no estado, o que justifica o perfil de usuárias que buscaram atendimento no serviço em análise, o qual apresenta uma elevada demanda de atendimento obstétrico; embora as pacientes ginecológicas também se encontrem em idade fértil, em termos de saúde da mulher, a necessidade de atendimento de urgência está relacionada com maior frequência à obstetrícia do que à ginecologia. Estudos envolvendo o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), referentes ao total de ocorrências atendidas, identificaram que 10,66%, das ocorrências eram relativas à gravidez, parto e puerpério, confirmando que, durante a idade fértil, a gravidez e seus fatores associados motivam maior busca por serviços de urgência.12
A demanda espontânea se destacou; esta pode ser entendida como o comparecimento inesperado do usuário ao serviço, seja por problemas agudos ou por motivos que o próprio paciente julgue necessidades de saúde.13
A prevalência da demanda espontânea decorre da falta de políticas de saúde adequadas e da baixa resolutividade dos serviços, aliadas à dificuldade de mudança dos hábitos culturais e das crenças da população; assim, o usuário busca assistência médica onde há uma porta aberta, ou seja, nos serviços de urgência, que representam uma possibilidade de atendimento mais ágil, com disponibilidade de consultas, medicamentos, assistência de enfermagem, exames laboratoriais e internações, porém, a maioria dessas pacientes deveria ver suas demandas solucionadas pelos serviços de APS disponíveis em uma unidade básica de saúde (UBS).14
Dentre as pacientes que deram entrada no serviço, apenas 4% apresentaram encaminhamento oficial, no entanto, muitas das mulheres que deram entrada de modo espontâneo relataram ter sido orientadas na UBS a procurar o serviço de urgência; somando esse resultado ao percentual de demanda espontânea, temos 82% do total das entradas no serviço de emergência, ocasionando sua superlotação. Um estudo realizado em serviço de emergência de Santa Catarina identificou ser comum o grande fluxo de usuários em busca de atendimento, o que decorre da falta de referência e contrarreferência e prejudica a qualidade do atendimento. Além disso, a implantação dos serviços de acolhimento e classificação de risco deveria proporcionar o destino correto a essa clientela, contudo, a população cada vez mais numerosa e munida de recursos insuficientes na APS acaba encontrando no serviço de emergência sua única possibilidade de satisfazer necessidades de saúde.15
Apresenta-se como uma agravante a redução do número de leitos, uma medida nacional posta em prática, desde 2010, que levou a uma diminuição de quase 42 mil leitos no SUS em todo o País nos últimos anos. Em Pernambuco, essa queda correspondeu a 5,5%, destacando ainda que, dentre as especialidades mais atingidas pelo corte, a obstetrícia ocupa a terceira posição.16 A redução da oferta de leitos e a falta de profissionais e materiais, associadas a maior demanda, intensificam situações como: 1) peregrinação das parturientes pelas maternidades; 2) internações de gestantes de alto risco em maca, cadeira ou no chão; e 3) transferências de gestação de alto risco devido à ausência de recurso material ou recursos humanos (profissional competente) para assistir ao parto/nascimento.17
No serviço, também se destacam as transferências de pacientes com senhas da central de regulação de leitos do estado, senhas estas que proporcionam acesso dos usuários do SUS a um serviço de referência. Conforme a patologia definida pelo médico assistente, caberá ao médico regulador formular perguntas objetivas para que se evite a ocorrência de erros, com consequente encaminhamentos desnecessários.18 A demanda com senha, associada a pactuações entre os serviços de APS ou os ambulatórios especializados, configura possibilidades de organização da demanda, evitando peregrinação, superlotação e filas de pacientes.
Também há que se considerar que, mesmo diante da possibilidade de ocorrerem transtornos ocasionados pelo excesso de demanda, muitas mulheres persistem em optar pelo Cisam por se sentirem mais bem acolhidas e por acreditarem que encontrarão profissionais competentes, tendo em vista experiências anteriores bem-sucedidas - consigo ou com os familiares.
É importante destacar que o sistema de classificação e a regulação de usuários por meio de senhas pode favorecer o ordenamento de filas e estabelecer prioridades, mas a lógica do acesso, alicerçada na classificação de risco, pode remeter à falta de acolhimento e indiferença dos profissionais ao sofrimento dos usuários ao tratar de forma objetiva aspectos subjetivos.19
Os quatro indicadores propostos pelo Protocolo do MS3 avaliam e monitoram o serviço de acolhimento e classificação de risco. O propósito é: a) proporcionar subsídios ao processo de avaliação do acesso das mulheres ao setor de urgência; b) garantir, pactuar e monitorar os fluxos de encaminhamento; c) monitorar a resolutividade do serviço no hospital; e d) organizar o setor para prestar uma assistência segura e humanizada.4 O primeiro indicador analisado foi o tempo de espera do cadastro até o início da classificação, muito acima de 10 min., ultrapassando o período preconizado pelo protocolo. O excessivo tempo gasto na fila de espera aumenta a possibilidade de alterar o quadro de risco habitual ou de agravar o alto risco.20 Acredita-se que a espera decorra da alta demanda no serviço, problema que também pode estar relacionado ao fato de haver pequena quantidade de hospitais em Pernambuco que ofereçam serviços de referência voltados a casos de alto risco, categorizando a crise de leitos obstétricos no estado.
O segundo indicador analisado foi a duração da classificação de risco, tempo este que se revelou discretamente fora da meta; o referido indicador deveria ser abaixo de 5 min., sugerindo a necessidade de maior agilidade para o profissional que classifica. O protocolo3 constitui ferramenta para direcionar a avaliação da gravidade e do risco de agravamento, a classificação deve ser rápida e dinâmica para possibilitar atendimento hábil em casos mais graves, sendo necessária a reavaliação do risco das pacientes ainda não atendidas ou que o tempo de espera ultrapasse o tempo preconizado pelo protocolo.3 A análise do terceiro indicador, tempo de atendimento médico, segundo prioridade clínica, demonstrou que ele está de acordo com a meta do MS.3
Quanto ao quarto indicador, percebeu-se que a classificação relativa às prioridades clínicas vermelha, laranja e amarela, respectivamente, "emergente", "muito urgente" e "urgente", totalizaram apenas 31% e as classificações verde e azul, respectivamente, "pouco urgente" e "não urgente", totalizaram 69%, ou seja, muitos encaminhamentos não se enquadravam no perfil do serviço, tendo em vista que se trata de serviço de referência para gestação de alto risco. Esses resultados são compatíveis com achados de estudo realizado em Ribeirão Preto-SP,21 em 2011, que assinala a utilização de serviços de maior densidade tecnológica por pacientes com queixas compatíveis com a APS. Acredita-se que a supervalorização do modelo hospitalocêntrico é um fator contribuinte para: a) superlotação dos serviços de urgência/emergência; b) restrição de horário de funcionamento das UBS; c) dificuldade de encontrar horários disponíveis na UBS; d) maior disponibilidade de recursos no pronto atendimento do que na UBS; e) reclamações quanto ao atendimento prestado na UBS; e f) considerar-se um usuário com demanda de atendimento de urgência. Estas são algumas das razões que justificam as escolhas dos pacientes no SUS apresentadas no estudo realizado em Ribeirão Preto.21
Uma pesquisa sobre avaliação da satisfação dos usuários evidenciou que 65,7% dos pacientes se disseram satisfeitos em relação ao tempo de espera entre a chegada e o término do atendimento, corroborando a realidade observada na maternidade em análise, revelando uma avaliação positiva por parte da maioria das usuárias (77%).22
No entanto, é importante explorar e compreender os motivos que deixam as usuárias insatisfeitas, porque pode ocorrer certa insatisfação decorrente da discordância entre o risco estabelecido pelo profissional da classificação e o risco que a própria usuária ou seus familiares acreditam que a mesma esteja enquadrada.23
O registro da satisfação das pacientes que buscam o serviço de urgência/emergência do Cisam revela a leitura que essas usuárias fazem do serviço. Estudos que abordam a satisfação do usuário mostram-se importantes, uma vez que revelam a visão dos usuários sobre a resolutividade da assistência e parecem contribuir com a organização e o aperfeiçoamento dos serviços de saúde.24 Aparentemente, esse achado se revela positivo, contudo, há que se considerar que as mulheres podem não constituir um padrão excelente para a avaliação da assistência. É importante que as mulheres estejam satisfeitas com o serviço disponível e isto não pode ser desconsiderado, no entanto, seus parâmetros de análise de satisfação podem estar submersos em experiências de vida com pouco conhecimento sobre controle social, participação no SUS, e direitos de cidadania.
O enfermeiro é o profissional indicado pelo MS3 para proporcionar a classificação de risco, realidade observada no serviço de saúde em análise; dentre os profissionais que se dedicam à classificação, 33% receberam treinamento em serviço, valor considerado insatisfatório, uma vez que o processo de enfermagem e a educação permanente são primordiais para garantir a qualidade da assistência ao paciente e aos seus familiares e a segurança da equipe de saúde.25
Na maternidade, a implantação do protocolo de acolhimento e classificação de risco é considerada recente, o que demanda treinamento devido à mudança do funcionamento do serviço. Nesse sentido, o treinamento técnico mostra-se fundamental para adequar a classificação de risco, fazendo com que o enfermeiro siga o fluxograma do MS3 e possa avaliar as condições clínicas das pacientes, seu nível de consciência, ventilação e circulação, sua dor, seus sinais vitais e seus sintomas, considerando os fatores de risco e possibilitando o atendimento por prioridade clínica.4
O estudo apresenta limitações por tratar de uma realidade específica, o que impossibilita generalizar seus resultados. Todavia, a sua contribuição reside na possibilidade de impulsionar o monitoramento dos fluxos de atendimento em serviços com acolhimento e classificação de risco que podem evidenciar estratégias metodológicas válidas a serem aplicadas em outras unidades de saúde e os resultados servir como subsídios para melhoria dos serviços de classificação de risco oferecidos à população.
A implantação do protocolo de acolhimento e classificação de risco na instituição ocorreu de modo efetivo, porém, ao longo de seus dois primeiros anos, a execução enfrentou dificuldades relatadas pelos enfermeiros, como falta de material informativo, banners e pulseiras para sinalização da gravidade das pacientes e dispositivos capazes de promover orientação e prevenir questionamentos e conflitos entre as pacientes.
O grande desafio recai sobre a redução da demanda espontânea, somente possível quando houver pactuações com os serviços de APS ou os serviços especializados, algo que auxiliaria na organização do processo de trabalho e na melhoria do atendimento.
Em relação à sua satisfação, a maioria das usuárias declarou-se satisfeitas com o tempo de espera da chegada à recepção até o atendimento médico. O acolhimento e a classificação de risco se organizam pelo fluxograma do MS; a importância do treinamento dos profissionais de enfermagem é fundamental para uma classificação padronizada que obedeça ao fluxograma do protocolo, devido a peculiaridades próprias do atendimento gravídico que demandam ação rápida, exigindo preparo do profissional para escuta qualificada e capacidade de julgamento clínico preciso. Serviço que o usuário ou seus familiares acreditam estar enquadrado.
Este estudo constatou que o funcionamento do serviço de urgência/emergência obstétrica e ginecológica do Cisam requer reavaliações constantes, com monitoramento de periodicidade mensal, no qual os resultados deverão ser discutidos com a gestão e os trabalhadores para compartilhar as dificuldades e criar estratégias de enfretamento; os relatórios das avaliações podem subsidiar mudanças no formulário de classificação de risco do MS.