versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.1 São Paulo jan./fev. 2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.10.012
A síndrome de febre periódica, estomatite aftosa, faringite e adenite cervical (PFAPA) foi descrita pela primeira vez por Marshall et al. em 1987;1 no entanto, sua causa ainda é desconhecida. Ela geralmente se inicia antes dos cinco anos e termina antes da puberdade. O principal sintoma dessa síndrome consiste em episódios de febre que duram três a seis dias com recorrência a cada 3-8 semanas. Um ou mais dos seguintes sintomas podem ser observados durante um ataque: estomatite aftosa, faringite e adenopatia cervical. Os pacientes raramente apresentam erupções cutâneas, dores de cabeça, dor abdominal ou artralgia. Os pacientes são assintomáticos entre os episódios e têm crescimento e desenvolvimento normais.
O papel da tonsilectomia na síndrome de PFAPA é controverso. Embora alguns estudos tenham relatado altas taxas de sucesso com tonsilectomia, são necessárias mais investigações com um número maior de pacientes. Neste estudo, relatamos a eficácia da tonsilectomia na síndrome de PFAPA em 23 crianças.
Foram identificados 23 pacientes com síndrome de PFAPA submetidos a cirurgia (tonsilectomia com ou sem adenoidectomia) em três hospitais (Kocaeli State Hospital, Golcuk Government Hospital e Derince Training and Research Hospital) em Kocaeli, entre janeiro de 2009 e novembro de 2014. Todos foram diagnosticados de acordo com os critérios para PFAPA estabelecidos por Thomas et al.2 Cada paciente apresentava febre recorrente regularmente, com idade precoce de início (menos de cinco anos), sintomas na ausência de infecção do trato respiratório superior, com pelo menos um sintoma de estomatite aftosa, linfadenite cervical e faringite, intervalos completamente assintomáticos entre episódios, crescimento e desenvolvimento normais. Todos os 23 pacientes foram monitorados durante cada episódio durante seis meses antes da cirurgia e avaliados uma vez por mês pelo menos por 12 meses após a cirurgia. Foram submetidos 21 pacientes à adenotonsilectomia e dois à tonsilectomia sem adenoidectomia devido à ausência de sintomas obstrutivos e achados clínicos.
Hemograma completo pré-operatório foi obtido durante todos os episódios febris para excluir neutropenia cíclica. Não foram observadas alterações anormais nas análises bioquímicas de rotina. Os níveis de vitamina D de todos os pacientes estavam dentro da faixa normal. Os pacientes foram encaminhados para a clínica pediátrica antes da cirurgia. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisas Não Invasivas da Kocaeli University (26.04.2017, protocolo nº 2017/130, decreto nº 2017/6.25) e os pais de cada criança incluída no estudo foram informados sobre o objetivo do estudo e forneceram o consentimento informado por escrito antes da inclusão no estudo.
Foram incluídos no estudo 23 pacientes (14 do sexo masculino, nove do feminino) com síndrome de PFAPA, entre 36 e 84 meses. A idade média de início dos sintomas foi de 27 meses (intervalo, 12-36). Os episódios apresentavam recorrência a cada 3-8 semanas (média: 3,9). Durante os episódios, a ocorrência de febre foi observada por uma média de 3,7 dias. Faringite (18/23) foi a manifestação clínica mais comum. Adenite cervical (14/23) e estomatite aftosa (10/23) também foram observadas. A idade média no momento da cirurgia (tonsilectomia com ou sem adenoidectomia) foi de 50 meses (intervalo, 36-84). Não foram observadas complicações maiores após a cirurgia. Todos os pacientes completaram o estudo. Dos 23 pacientes, 21 tiveram resolução completa de sintomas imediatamente após a cirurgia. Apenas dois não apresentaram resolução da febre após a cirurgia. Um paciente apresentou um episódio 24 horas após a cirurgia, mas não teve mais crises (caso 11). Um paciente apresentou três ocorrências com vários intervalos e a remissão completa foi observada após três meses (caso 18). As características demográficas e clínicas dos pacientes são apresentadas nas tabelas 1 e 2 .
Tabela 1 Características demográficas e clínicas pré-operatórias dos pacientes com PFAPA
Característica | Pacientes com PFAPA (n = 23) |
---|---|
Sexo masculino; n (%) | 14 (61%) |
Sexo feminino; n (%) | 9 (39%) |
Idade de início; média (variação), meses | 27 (12-36) |
Recorrência de episódios; média (variação), semanas | 3,9 (3-8) |
Duração da febre; média (variação), dias | 3,7 (3-5) |
Faringite; n (%) | 18 (78%) |
Adenite cervical; n (%) | 14 (61%) |
Estomatite aftosa; n (%) | 10 (43%) |
Idade à cirurgia; média (variação), meses | 50 (36-84) |
Tabela 2 Apresentação clínica e cirúrgica
Caso nº | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 | 17 | 18 | 19 | 20 | 21 | 22 | 23 |
Sexo masculino/feminino | M | F | M | M | M | M | M | F | M | F | F | M | F | M | M | M | F | F | F | M | M | M | F |
Idade de início, meses | 12 | 12 | 13 | 14 | 14 | 18 | 22 | 24 | 24 | 28 | 28 | 32 | 32 | 32 | 33 | 34 | 34 | 35 | 36 | 36 | 36 | 36 | 36 |
Recorrência de episódios, semanas | 3 | 8 | 3 | 3 | 3 | 6 | 3 | 4 | 3 | 4 | 4 | 4 | 3 | 5 | 3 | 3 | 4 | 3 | 3 | 4 | 3 | 6 | 4 |
Duração da febre, dias | 3 | 3 | 4 | 3 | 3 | 5 | 5 | 3 | 4 | 3 | 3 | 5 | 3 | 3 | 5 | 3 | 5 | 3 | 3 | 3 | 5 | 5 | 3 |
Faringite | - | + | - | - | + | + | + | - | + | + | + | + | + | + | + | - | + | + | + | + | + | + | + |
Estomatite aftosa | + | + | + | + | - | - | - | - | + | + | - | - | + | - | - | - | + | + | - | - | - | + | - |
Adenite cervical | - | - | - | + | - | + | + | - | - | + | + | - | + | - | + | + | - | + | + | + | + | + | + |
AT/T | AT | AT | AT | AT | AT | AT | AT | AT | AT | AT | AT | AT | T | AT | AT | AT | AT | AT | AT | T | AT | AT | AT |
Idade à cirurgia, meses | 48 | 40 | 55 | 44 | 36 | 36 | 39 | 36 | 36 | 41 | 37 | 38 | 52 | 84 | 72 | 50 | 40 | 80 | 42 | 60 | 68 | 70 | 46 |
Os casos são ordenados de acordo com as idades.AT, adenotonsilectomia; T, tonsilectomia.
A síndrome de PFAPA pode ser diagnosticada pela exclusão de outras causas de episódios regulares e repetidos de febre, como a neutropenia cíclica, a febre familiar do Mediterrâneo (FFM), a síndrome da hiperglobulinemia D, a doença de Behcet, a artrite reumatoide juvenil e a síndrome de febre periódica hereditária (FPH) autossômica dominante. 2,3 Acreditamos que o critério mais importante dos estudos sobre a síndrome de PFAPA deve ser a seleção do paciente. Consequentemente, prestamos muita atenção a isso em nosso estudo. Na maioria dos estudos, observamos que muitos pacientes não atendem a todos os critérios da síndrome de PFAPA. Em contraste, todos os diagnósticos no presente estudo foram feitos de acordo com os critérios para PFAPA estabelecidos por Thomas et al.2 Hemogramas completos foram obtidos durante todos os episódios febris para excluir a neutropenia cíclica. As culturas de garganta foram negativas para todos os pacientes durante os ataques. Os pacientes foram encaminhados para a clínica pediátrica para excluir outras causas.
A patogênese desconhecida da síndrome de PFAPA traz incerteza ao seu tratamento e existem poucos estudos sobre o tratamento dessa síndrome. Os tratamentos sugeridos consistem em terapias conservadoras (farmacológicas) e intervenção cirúrgica. O tratamento com corticosteroides parece ser a terapia não cirúrgica mais efetiva. A prednisona (1-2 mg/kg) ou betametasona (0,1-0,2 mg/kg) são agentes eficazes para resolver ataques de febre em poucas horas. 4-6 Entretanto, outros sintomas podem demorar mais tempo para ser resolvidos. Não foram relatados toxicidade sistêmica ou efeitos adversos relacionados com essas doses de corticosteroides. A desvantagem da terapia com corticosteroides é que ela não evita futuros ataques de febre e pode reduzir o intervalo entre os ataques. 4,7-10 A resposta aos esteroides pode ser útil para distinguir os episódios de PFAPA de outros diagnósticos diferenciais como FFM ou FPH 5,11 e pode ser usada para critérios de diagnóstico adicionais.12 Apesar de os esteroides serem os fármacos mais eficazes para o tratamento de sintomas, não acreditamos que sejam uma boa opção para o uso em longo prazo, porque não resolvem a raiz do problema ou prolongam intervalos entre os episódios febris.
A colchicina é um bom medicamento para reduzir a inflamação. A colchicina oral a uma dose de 0,5-1 mg por dia pode reduzir a frequência da febre. Como os esteroides, a colchicina não resulta em remissão completa.13 A justificativa para o uso de colchicina na profilaxia de PFAPA é baseada nas semelhanças clínicas e laboratoriais entre FFM e PFAPA. Consequentemente, se a colchicina é eficaz em um paciente com PFAPA, um diagnóstico diferencial de FFM deve ser considerado. 4,13-15
A cimetidina tem efeitos imunomoduladores através da inibição da quimiotaxia e da ativação das células T. Uma dose oral de cimetidina 20-40 mg/kg por dia também pode ser usada na profilaxia. 2,16 Entretanto, estudos demonstraram que a terapia com cimetidina não promete muita esperança. 5,13,17,18
A interleucina-1 desempenha um papel fundamental na patogênese de PFAPA. Em uma pequena amostra, foi demonstrado que uma única injeção subcutânea de anakinra melhorou drasticamente o quadro clínico e os parâmetros laboratoriais. 6,19,20 Nesse ponto, novas investigações são necessárias, com um número maior de pacientes.
Além dos achados de que os níveis de vitamina D estão associados a distúrbios inflamatórios, a vitamina D é considerada um possível regulador da inflamação.21 Stagi et al. e Mahamid et al. encontraram uma correlação significativa entre PFAPA e deficiência de vitamina D em seus estudos; uma redução significativa na frequência de episódios febris foi observada em pacientes após suplementação com vitamina D. 22,23 Apesar desses dados limitados, não é possível concluir que a vitamina D é efetiva na síndrome de PFAPA.
O papel da cirurgia no tratamento da síndrome de PFAPA ainda é controverso. Embora a síndrome de PFAPA seja uma doença autolimitante, a tonsilectomia com ou sem adenoidectomia como procedimento cirúrgico parece ser uma boa opção para o tratamento de PFAPA. Vários estudos relataram anteriormente altas taxas de sucesso com a tonsilectomia. Ao contrário, um estudo observacional de longo prazo que comparou a eficácia da tonsilectomia e do tratamento clínico (prednisona e anti-inflamatórios não esteroides) não mostrou diferença significativa entre os dois métodos.24 Infelizmente, períodos imprevisíveis, porém finitos, de episódios recorrentes em intervalos previsíveis exigem tempo fora da escola e a prescrição regular de medicamentos durante esse período pode ser muito traumática para pacientes e pais.25
Abramson foi o primeiro autor a relatar a eficácia da tonsilectomia em quatro crianças com PFAPA em 1989.26 Em 2000, um estudo retrospectivo foi conduzido por Dahn et al. e incluiu cinco pacientes submetidos à tonsilectomia, nenhum deles apresentou episódios após a cirurgia.27 Outro estudo feito por Galanakis et al., que incluiu 15 pacientes, apresentou sucesso de 100% após a tonsilectomia.3 Posteriormente, um estudo controlado randomizado que comparou 14 pacientes submetidos à tonsilectomia e 12 pacientes controle não cirúrgicos foi feito por Renko et al.28 A síndrome foi resolvida imediatamente em todos os 14 pacientes submetidos à cirurgia; em contraste, a síndrome foi resolvida espontaneamente em seis meses em seis pacientes não submetidos à cirurgia. No entanto, um ponto fraco de seu estudo foi que a maioria dos pacientes não preenchia os critérios de PFAPA. Em uma análise retrospectiva de nove pacientes submetidos à tonsilectomia por Wong et al., a remissão completa foi obtida imediatamente em oito pacientes e a frequência de ataques diminuiu no paciente que não obteve remissão imediata.29 O estudo prospectivo controlado e randomizado de Garavello et al. incluiu 39 pacientes com PFAPA.30 Dezenove pacientes foram submetidos à adenotonsilectomia e 20 foram tratados com terapia clínica. Após 18 meses de acompanhamento pós-cirúrgico, os autores observaram resolução completa em todos os pacientes submetidos à cirurgia; apenas um paciente no grupo controle apresentou resolução espontânea. Pignataro et al. Fizeram um estudo controlado randomizado,31 incluíram 18 pacientes com PFAPA, divididos em dois grupos; nove cirúrgicos e nove não cirúrgicos. Todos os nove pacientes cirúrgicos apresentaram melhoria sintomática, com recuperação clínica completa em cinco pacientes e redução significativa da frequência e duração dos episódios de febre nos quatro restantes. Dos nove pacientes no grupo não cirúrgico, oito tiveram períodos continuados de recidiva e remissão e um desses pacientes teve a cirurgia programada. O nono paciente foi perdido no seguimento. Licameli et al. demonstraram cessação completa dos sintomas em 26 dos 27 pacientes após a cirurgia em um estudo prospectivo em 2008; a criança que continuou a ter episódios febris apresentou intervalos tumultuosos.8 Outro estudo prospectivo feito por Licamelli et al. avaliou a eficácia em longo prazo da adenotonsilectomia em 102 pacientes com uma ampla variação de idades (18 meses a 18 anos) em 2012:32 99 obtiveram resolução completa imediatamente após a cirurgia e um obteve resolução seis meses após a cirurgia. Dos dois restantes, um continuou a ter episódios e o outro foi investigado e diagnosticado com deficiência de mevalonato-quinase.
Acreditamos que o presente estudo mostra que a cirurgia é uma opção de tratamento eficaz para a síndrome de PFAPA. Vinte e um (91%) dos 23 pacientes tiveram resolução completa imediatamente após a cirurgia. Um paciente teve um ataque 24 horas após a cirurgia, mas não teve episódios posteriores. É possível que o paciente tenha sido submetido a cirurgia no tempo de sobreposição de uma crise subclínica. Um paciente apresentou três ocorrências com intervalos diferentes, mas obteve remissão completa após três meses. Nosso estudo é limitado por não ter um grupo de controle para comparação.
PFAPA apresenta resolução espontânea e o tratamento pode ser administrado para tentar reduzir a gravidade dos episódios individuais. As terapias farmacológicas reduzem a duração do ataque, mas não previnem futuros ataques de febre. Uma segunda opção é a tonsilectomia. No entanto, é um tratamento invasivo e os pais da criança devem pesar os riscos e as consequências da cirurgia. A alta taxa de sucesso na prevenção de futuros ataques de febre demonstra que a tonsilectomia (com ou sem adenoidectomia) é uma boa opção para o tratamento da PFAPA.