versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.2 São Paulo abr./un. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20140028
A avaliação do estado nutricional é importante no cuidado do paciente com doença renal crônica (DRC). Os guias internacionais de condutas para pacientes com DRC como o National Kidney Foundation/ Clinical Practices Guidelines for Chronic Kidney Disease (Nutrition) (Nutrition K/DOQI),1 o European Best Practice Guidelines in Nutrition (EBPG),2 bem como as Diretrizes de terapia nutricional para pacientes em hemodiálise da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE),3 recomendam que se empregue métodos objetivos e subjetivos para avaliar o estado nutricional, de forma a se obter um diagnóstico nutricional mais preciso.
Os métodos objetivos do estado nutricional mais empregados na prática clínica em pacientes com DRC incluem a antropometria, impedância bioelétrica, força de preensão manual, dados de ingestão alimentar e exames laboratoriais.1-3 Com relação aos métodos compostos de avaliação do estado nutricional, a avaliação global subjetiva (AGS) e o índice de desnutrição e inflamação (malnutrition inflammation score - MIS) constituem os instrumentos subjetivos mais utilizados nesse grupo de pacientes.4
A AGS é considerada um instrumento que engloba aspectos subjetivos e objetivos da história clínica e física do paciente, podendo ser aplicada por qualquer profissional de saúde bem treinado.4 Esta ferramenta é recomendada pelo Nutrition-K/DOQI, pelo EBPG e pela SBNPE para avaliação nutricional de pacientes em diálise.1-3 A AGS foi originalmente desenvolvida por Detsky et al.,5 em 1984, com o objetivo de avaliar o estado nutricional de pacientes cirúrgicos. De acordo com o resultado final do instrumento, o estado nutricional é classificado em: (A) bem nutrido; (B) desnutrido leve a moderado ou (C) desnutrido grave. Desde então, este instrumento tem sido reformulado por pesquisadores em diversas populações com o objetivo de aumentar o seu valor preditivo e sua reprodutibilidade.6
A primeira validação da AGS para pacientes em hemodiálise (HD) e em diálise peritoneal (DP) foi realizada por Enia et al.,7 em 1993, demonstrando que pacientes com desnutrição energético proteica (DEP) diagnosticados pela AGS apresentavam valores menores de albumina, percentual de gordura corporal, circunferência muscular do braço e de ingestão proteica quando comparados aos pacientes bem nutridos. Posteriormente, um estudo multicêntrico incluindo pacientes em DP propôs uma expansão na escala de classificação do estado nutricional da AGS original (A, B e C) para 7 pontos (AGS-7p), na qual quanto menor o valor de pontos, maior o grau de desnutrição. Os resultados demonstraram forte associação entre a piora do estado nutricional e o aumento da mortalidade, onde a redução de 1 ponto da AGS-7p associou-se com um aumento de 25% na chance mortalidade.8
Em 2007, a AGS-7p foi validada para pacientes em HD por Steiber et al.,9 por meio de validação concorrente com medidas objetivas do estado nutricional. Em outro estudo, também empregando a AGS-7p, foi demonstrado que pacientes em diálise (HD e DP) classificados como desnutridos apresentavam maior risco de mortalidade.10 Após esses estudos, vários outros têm empregado a AGS-7p para avaliar o estado nutricional de pacientes com DRC.11-13
Em 2001, Kalantar-Zadeh et al.14 modificaram a AGS original e propuseram uma versão modificada chamada de dialisys malnutrition score a qual posteriormente, deu origem ao malnutrition inflammation score (MIS). O MIS é um instrumento que resulta em uma pontuação entre 0 a 30 pontos, sendo que 70% das questões são comuns à AGS e o restante por componentes objetivos como a albumina, capacidade total de ligação do ferro (TIBIC) e índice de massa corporal (IMC). No MIS, quanto maior a pontuação, pior é a condição nutricional. Em trabalho incluindo pacientes em HD demonstrou-se que valores indicativos de desnutrição se associaram com maior risco de hospitalizações e de mortalidade.14
Uma particularidade da AGS-7p e do MIS é que, embora sejam muito utilizados e já validados para pacientes em HD, os mesmos estão disponíveis originalmente na língua inglesa. Desta forma, para o seu uso em nosso meio, faz-se necessárioa a adaptação cultural do instrumento, incluindo a tradução criteriosa para a língua portuguesa. Tal conduta é importante, uma vez que a simples tradução para língua estrangeira pode comprometer a qualidade do instrumento traduzido.15
O termo adaptação transcultural é um processo que inclui primeiramente etapas de tradução e adaptação cultural de um instrumento para o uso em outro ambiente, de forma que os instrumentos originais e traduzidos possuam equivalência semântica.16 Essa etapa inicial constitui o alicerce para a avaliação da equivalência de mensuração, considerada outra etapa da adaptação transcultural, que envolve a avaliação de confiabilidade e a validade do instrumento traduzido.15 Dessa forma, o processo de adaptação transcultural busca, sobretudo, que o instrumento traduzido produza um efeito semelhante ao original e assim possa ser utilizado com segurança em outra cultura.
Sendo assim, se considerarmos que a AGS-7p e o MIS constituem instrumentos importantes para avaliar o estado nutricional de pacientes com DRC e que os mesmos ainda não passaram por um processo de adaptação transcultural, esse trabalho tem como objetivo realizar a adaptação transcultural da língua inglesa para a portuguesa desses dois instrumentos.
Este estudo tem desenho observacional e seccional, inserido em um projeto de pesquisa mais amplo que tem por objetivo avaliar o estado nutricional de pacientes idosos em tratamento crônico de HD. Para o presente estudo, foi incluída uma amostra de 101 pacientes em tratamento crônico de HD de 5 centros de diálise da cidade do Rio de Janeiro. Os critérios de elegibilidade compreendem: idade > 60 anos, tempo de tratamento de HD maior de 3 meses e com esquema de diálise de três sessões semanais em dias alternados, sendo cada sessão com duração de 3 a 4 horas. Indivíduos idosos institucionalizados, pacientes cadeirantes, com membros amputados, neoplasias, síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV), doença de Alzheimer e Parkinson não foram incluídos. O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O processo de adaptação transcultural foi realizado por meio da equivalência semântica e equivalência de mensuração,17,18 conforme ilustrado na Figura 1.
A primeira fase do processo constituiu a tradução da AGS-7p e do MIS da língua inglesa para a portuguesa utilizando-se o método da retrotradução.18 Para tanto, dois nutricionistas bilíngues nativos na língua portuguesa (CMA e MAK) traduziram de forma independente os instrumentos de AGS-7p e MIS da língua inglesa para a portuguesa. Os modelos originais da AGS-7p e do MIS encontram-se disponíveis em uma revisão sobre o assunto.4 Posteriormente, as duas versões traduzidas para o português de cada instrumento foram analisadas por dois outros nutricionistas (RLF e JC) e, uma versão-síntese em português de cada instrumento foi gerada. Na segunda fase, a versão-síntese em português foi retraduzida para o inglês por um professor de inglês bilíngue nativo de língua portuguesa (RB). Na terceira fase, testou-se o grau de similaridade das versões, na qual um nutricionista com idioma nativo inglês (AS) comparou a versão original em inglês com a versão retraduzida do português para o inglês. Para tanto, utilizou-se um formulário específico para avaliar os aspectos de equivalência semântica, com base nos significados referencial (denotativo) e geral (conotativo) das palavras. Para o significado referencial, utilizaram-se escalas analógicas visuais (Visual Analogue Scale - VAS)19 como opção de resposta. Nessa escala, a equivalência entre os pares de questões é avaliada de forma contínua em uma escala de 0 a 100. Para avaliar o significado geral, utilizou-se uma escala diferencial em quatro níveis de respostas discretas (inalterada, pouco alterada, muito alterada e completamente alterada) de todas as questões contidas nos instrumentos (7 questões no AGS-7p e 12 questões no MIS).
Após a finalização dessa etapa, foi realizado um pré-teste com 10 pacientes idosos em HD, a fim de avaliar se os instrumentos traduzidos eram facilmente compreendidos pelos avaliadores (nutricionistas) e pelos avaliados (pacientes). Não houve dificuldades na aplicação dos instrumentos na língua portuguesa por ambas as partes.
Para aplicação dos instrumentos, foi realizado um treinamento de três sessões. A primeira sessão consistiu em um treinamento teórico das questões da avaliação clínica e da execução do exame físico. Posteriormente, houve um treinamento prático no qual os nutricionistas avaliadores assistiram o nutricionista responsável pelo treinamento a aplicar o instrumento em cinco pacientes que fizeram parte da amostra de outro protocolo de pesquisa, também realizado com pacientes idosos em HD. Na terceira sessão, os nutricionistas em treinamento aplicaram os instrumentos sob supervisão do nutricionista responsável. Este treinamento foi realizado num período de uma semana no Laboratório Interdisciplinar de Avaliação do Estado Nutricional (LIAN) do Instituto de Nutrição (INU) da UERJ. As fases do processo de equivalência semântica estão ilustrados na Figura 2.
Foi avaliada pela medida de confiabilidade dos instrumentos traduzidos para o português. A medida de confiabilidade consiste na avaliação da consistência interna e da reprodutibilidade inter e intra-avaliadores. No presente estudo, foi feita a reprodutibilidade interavaliadores, realizada por dois nutricionistas que aplicaram no mesmo dia os instrumentos de AGS-7p e MIS de forma independente em 54 pacientes. A reprodutibilidade intra-avaliadores não foi avaliada nesse estudo.
As medidas de peso corporal (kg; balança eletrônica, marca Filizola®, com capacidade para 150 kg), estatura (m; estadiômetro acoplado na balança eletrônica) foram avaliadas, conforme descrito por Lohman et al.20 após a sessão de HD. O IMC (peso atual em kg dividido pela sua estatura em metro ao quadrado) foi calculado, sendo utilizados os pontos de cortes propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).21
Foram realizadas dosagens séricas de ureia, albumina (método colorimétrico verde de bromocresol) e TIBIC. Para albumina, adotou-se o valor de normalidade > 3,8 g/dL, conforme proposto por Fouque et al.22 Para o cálculo do Kt/V de ureia, foi utilizada a equação de Daugirdas II23 da diálise do meio da semana. Valores de Kt/V de ureia > 1,2 foram considerados indicativos de boa eficiência da diálise.24
Os dados serão apresentados em forma de média ± desvio padrão ou em mediana e limites interquartis a depender da distribuição da variável. A distribuição da variável foi testada pelo teste Kurtosis. Para equivalência de mensuração, foram aplicados os testes de confiabilidade que avaliaram a consistência interna e a reprodutibilidade interavaliadores da AGS-7p e do MIS. Para a avaliação da consistência interna, utilizou-se o coeficiente α de Cronbach seguindo os critérios de decisão de Nunnally & Bernstein,25 no qual se considera adequado um valor de coeficiente α ≥ 0,70 e o valor do coeficiente α de Cronbach ao excluir cada item dos instrumentos. O valor percentual de aumento ou redução do coeficiente α à retirada de cada item do instrumento deve ser substantiva (> 10%).26 A reprodutibilidade interavaliadores foi avaliada pela análise de correlação intraclasse (ICC), seguindo os critérios de decisão estabelecidos por Shrout27 de: ≤ 0,1: ausente; > 0,1-0,4: fraca; > 0,4-0,6: discreta; > 0,6-0,8: moderada; > 0,8-1,0: forte. Os testes estatísticos foram realizados no aplicativo SPSS versão 18.0 para Windows (SPSS, Inc., Chicago, EUA). Foi considerado significante os valores de p < 0,05.
Foram avaliados 101 pacientes em HD, sendo 75,2% (n = 76) do sexo masculino com idade de 70,8 ± 7,0 anos e tempo de HD de 2,3 (1,0; 5,3) anos. Com relação às comorbidades, hipertensão arterial (70,2%, n = 71) e diabetes mellitus (29%, n = 29) constituíram as mais frequentes. O IMC foi em média 25,5 ± 4,9 kg/m2, indicando sobrepeso, sendo que 53,5% (n = 54) apresentava IMC < 25 kg/m2; 33,7% (n = 34) IMC ≥ 25 kg/m2 e < 30 kg/m2 e 12,8% (n = 13) IMC ≥ 30 kg/m2. Com relação aos parâmetros laboratoriais, notou-se boa adequação de diálise (Kt/V = 1,5 ± 0,43) e albumina plasmática (3,7 ± 0,4 g/dL) reduzida. A Figura 3 descreve a distribuição das pontuações obtidas pela AGS-7p e MIS. Observa-se maior concentração de pacientes na faixa de 5 e 6 pontos para a AGS-7p e de 6 a 8 e 11 pontos para o MIS.
Figura 3 Distribuição da pontuação do estado nutricional avaliado pela avaliação global subjetiva de 7 pontos (AGS-7p) e pelo Índice de desnutrição e inflamação (MIS) (n = 101).
Os resultados da versão traduzida para o português dos instrumentos AGS-7p e MIS encontram-se nas Quadros 1 e 2.
Quadro 2 Versão-síntese final em português do índice de desnutrição e inflamação (MIS)
ÍNDICE DE DESNUTRIÇÃO E INFLAMAÇÃO | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
(A) História médica do paciente: | ||||||
1. Mudança peso seco (pós-sessão HD) nos últimos 3 a 6 meses | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Sem redução no peso seco ou redução de peso < 0,5 kg. | Redução do peso (≥ 0,5 kg, mas < 1kg). | Redução de peso > 1kg mas < 5%. | Redução de peso > 5%. | |||
2. Ingestão alimentar | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Apetite bom e sem piora no padrão alimentar. | Ingestão de dieta sólida, mas com ingestão alimentar sub-ótima. | Redução moderada da ingestão alimentar, passando para dieta líquida apenas. | Dieta líquida hipocalórica ou jejum. | |||
3. Sintomas gastrointestinais | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Nenhum sintoma com bom apetite. | Sintomas leves, pouco apetite ou náusea ocasionalmente. | Vômitos ocasionais com sintomas moderados do TGI. | Diarréia frequente ou vômitos ou anorexia severa. | |||
4. Capacidade funcional | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Capacidade funcional normal ou com melhora. Sente-se bem. | Dificuldade ocasional para deambular ou sentindo-se cansado frequentemente. | Dificuldade para realizar atividades que faz sem ajuda (ex. ir ao banheiro). | Confinado ao leito ou à cadeira, com pouca ou nenhuma atividade física. | |||
5. Comorbidade incluindo número de anos em diálise | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Em diálise por menos de 1 ano e sentindo-se bem. | Em diálise por 1 a 4 anos, ou com comorbidades leves, excluindo PC*. | Em diálise > 4 anos, ou com comorbidades moderadas (incluindo PC*). | Qualquer comorbidade múltipla, severa, com 2 ou mais PC*. | |||
(B) Exame físico (de acordo com o critério da AGS) | ||||||
6.Reserva de gordura corporal diminuída ou com redução de gordura subcutânea (tríceps, bíceps, peito e abaixo dos olhos). | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Normal (sem mudança) | Leve | Moderada | Severa | |||
7. Sinais de massa muscular reduzida (têmpora, clavícula, costela, quadríceps, joelho, interósseo). | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Normal (sem mudança) | Leve | Moderada | Severa | |||
8. Índice de massa corporal (IMC) | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
IMC ≥ 20 kg/m2 | IMC: 18-19,99 kg/m2 | IMC: 16-17,99 kg/m2 | IMC < 16,00 kg/m2 | |||
9. Albumina sérica | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
Albumina ≥ 4,0 g/dL | Albumina: 3,5 a 3,9 g/dL | Albumina: 3,0 a 3,4 g/dL | Albumina: < 3,0 g/dL | |||
10. Capacidade total de ligação de ferro (CTLF) ou Transferrina** | ||||||
0 | 1 | 2 | 3 | |||
CTLF ≥ 250 mg/dL | CTLF: 200 a 249 mg/dL | CTLF: 150 a 199 mg/dL | CTLF < 150 mg/dL | |||
Escore Total = soma dos 10 componentes acima (0-30): |
*PC: Principais comorbidades incluem insuficiência cardíaca congestiva classe III ou IV, AIDS, doença arterial coronária severa, doença pulmonar obstrutiva crônica moderada a severa, sequela neurológica grave, doenças malignas metastáticas ou quimioterapia recente.
**Sugestão de incrementos equivalentes para transferrina sérica são > 200 (0), 170 a 200 (1), 140 a 170 (2), e < 140 mg/dL (3).
O teste do grau de similaridade entre o instrumento original em inglês e o retraduzido para o inglês apontou um alto grau de similaridade do significado referencial tanto da AGS-7p quanto do MIS, uma vez que o valor obtido esteve próximo da pontuação máxima de 100 pontos (AGS-7p = 96,8 ± 7,8 pontos e MIS = 99,6 ± 1,4 pontos). Quanto à similaridade do significado geral, notou-se que das sete questões contidas no instrumento, seis foram consideradas inalteradas e apenas uma pouco alterada. Para o MIS, todas as 12 questões do instrumento foram consideradas inalteradas.
Conforme descrito na Tabela 1, foram calculados para a AGS-7p e para o MIS os valores do coeficiente α de Cronbach de todo o instrumento, bem como o coeficiente ao excluir isoladamente cada item do instrumento. Também calculou-se a correlação item-total, que mede o grau de associação do item com a escala total. O coeficiente de α de Cronbach foram obtidos a partir da aplicação da AGS-7p e do MIS nos 101 pacientes incluídos no estudo.
Tabela 1 Consistência interna da avaliação global subjetiva de 7 pontos e índice de desnutrição e inflamação (n = 101)
Item do instrumento | A | d (%) |
---|---|---|
AGS-7p total | 0,72a | |
História do peso corporal | 0,73b | 2,1 |
Mudança de peso corporal | 0,71b | -1,1 |
Ingestão alimentar | 0,67b | -6,7 |
Sintoma gastrointestinal | 0,69b | -4,2 |
Capacidade funcional | 0,65b | -8,8 |
Comorbidades | 0,70b | -2,2 |
Exame físico: Gordura | 0,68b | -5,2 |
Massa muscular | 0,66b | -8,1 |
MIS total | 0,53a | |
Mudança de peso corporal | 0,59b | 11,74c |
Ingestão alimentar | 0,51b | -2,84 |
Sintoma gastrointestinal | 0,55b | 3,97 |
Capacidade funcional | 0,46b | -12,5c |
Comorbidades | 0,53b | 1,13 |
Exame físico: Gordura | 0,41b | -23,1c |
Massa muscular | 0,41b | -22,0c |
Índice de massa corporal | 0,52b | -1,7 |
Albumina | 0,50b | -5,3 |
TIBIC | 0,48b | -8,7 |
AGS-7p: Avaliação global subjetiva de 7 pontos; MIS: índice de desnutrição e inflamação; TIBIC: Capacidade total de ligação do ferro. α Coeficiente α de Cronbach;
aCoeficiente α total do questionário;
bEstimativa do coeficiente α ao se excluir o item do escore total; d: Percentual de mudança no α total ao se excluir o item (Sinal positivo: percentual aumenta; Sinal negativo: percentual diminui);
cPercentual de mudança do α total ao se excluir o item (> 10%).
Com relação a AGS-7p, o valor do coeficiente α de Cronbach foi considerado satisfatório. As estimativas do coeficiente α ao se excluir isoladamente um item da escala apresentou discreta melhora do resultado com a retirada do item história do peso corporal. O percentual de mudança do α de Cronbach ao excluirmos um dos itens apresentou-se dentro do esperado (Tabela 1).
Para o MIS, o valor do coeficiente α de Cronbach total esteve abaixo do valor considerado satisfatório. As estimativas do coeficiente α ao se excluir isoladamente um item da escala apresentaram melhores resultados com a retirada dos itens mudança do peso corporal e sintoma gastrointestinal. O percentual de mudança do α de Cronbach ao excluírmos um dos itens apresentou-se fora do limite esperado (> 10% ou < 10%) para os itens mudança de peso corporal, capacidade funcional, exame físico de gordura corporal e massa muscular (Tabela 1).
No que se refere à reprodutibilidade interavaliador (Tabela 2) para a AGS-7p, o ICC foi indicativo de reprodutibilidade moderada e, para o MIS o ICC mostrou-se indicativo de forte reprodutibilidade. Com relação aos valores da reprodutibilidade avaliada para cada item dos instrumentos, nota-se que, na AGS-7p, os itens com reprodutibilidade interavaliador de moderada a forte foram história do peso corporal, sintoma gastrointestinal, capacidade funcional, comorbidades e exame físico de gordura corporal. Para o MIS, os itens de mudança de peso corporal, sintoma gastrointestinal, comorbidades e capacidade funcional apresentaram reprodutibilidade interavaliador moderada a forte. Não foi avaliada a reprodutibilidade interavaliador dos itens objetivos do MIS (IMC, albumina e TIBIC), uma vez que esses não são sujeitos à variabilidade interavaliador.
Tabela 2 Análise da reprodutibilidade interavaliador da avaliação global subjetiva de 7 pontos e do índice de desnutrição e inflamação.
Reprodutibilidade Interavaliadora (n = 54) | |
---|---|
AGS-7p total | 0,74 (95% IC: 0,58 a 0,84) |
Item da AGS-7p | |
História do peso corporal | 0,87 (95% IC: 0,79 a 0,92) |
Mudança de peso corporal | 0,49 (95% IC: 0,26 a 0,67) |
Ingestão alimentar | 0,50 (95% IC: 0,26 a 0,67) |
Sintoma tratogastrointestinal | 0,82 (95% IC: 0,70 a 0,89) |
Capacidade funcional | 0,82 (95% IC: 0,71 a 0,89) |
Comorbidades | 0,62 (95% IC: 0,43 a 0,76) |
Exame físico: Gordura | 0,60 (95% IC: 0,39 a 0,74) |
Massa muscular | 0,54 (95% IC: 0,32 a 0,70) |
MIS total | 0,88 (95% IC: 0,81 a 0,93) |
Item do MIS | |
Mudança de peso corporal | 0,80 (95% IC: 0,68 a 0,88) |
Ingestão alimentar | 0,37(95% IC: 0,11 a 0,60) |
Sintoma tratogastrointestinal | 0,66 (95% IC: 0,48 a 0,79) |
Capacidade funcional | 0,81 (95% IC: 0,69 a 0,88) |
Comorbidades | 0,90 (95% IC: 0,83 a 0,94) |
Exame físico: Gordura | 0,58 (95% IC: 0,37 a 0,73) |
Massa muscular | 0,41 (95% IC: 0,17 a 0,61) |
AGS-7p: Avaliação global subjetiva 7 pontos; MIS: índice de desnutrição e inflamação; TIBIC: Capacidade total de ligação do ferro;
aICC: Coeficiente de correlação intraclasse (95% intervalo de confiança [IC]).
Este trabalho refere-se à adaptação transcultural do inglês para o português de dois métodos de avaliação do estado nutricional, AGS-7p e MIS. Estes métodos têm sido amplamente empregados em pacientes com DRC em HD, tanto na prática clínica quanto em estudos clínicos e epidemiológicos.9-12,28-30 No Brasil, o emprego destes instrumentos tem ocorrido em menor escala, possivelmente pela ausência de validação da tradução desses para o português. Dessa forma, o presente estudo tem sua importância por apresentar resultados que contribuirão para a prática clínica e de pesquisa com relação à avaliação do estado nutricional de pacientes com DRC.
As versões traduzidas para o português da AGS-7p e do MIS apresentadas nesse trabalho foram realizadas pelo método da retrotradução, o qual assegura a qualidade semântica do instrumento traduzido.16-18 Conforme mostrado, tanto a AGS-7p quanto o MIS apresentaram equivalência semântica, haja visto o alto grau de similaridade do significado referencial e total entre a versão original e a retraduzida para o inglês. Outros trabalhos na população geral que realizaram a retrotradução foram considerados bem traduzidos com taxas de grau de similiaridade semelhantes às encontradas em nosso estudo.31,32 Dessa forma, os instrumentos traduzidos aqui apresentados encontram-se adequados para sua aplicação no Brasil.
Em nosso estudo, notou-se que as versões em português da AGS-7p e do MIS apresentaram consistência interna diferentes. A AGS-7p obteve um coeficiente α de Cronbach maior do que do MIS e indicativo de consistência interna adequada (α > 0,70). Ademais, na AGS-7p a avaliação daassociação entre o resultado de cada item que compunha o instrumento com o resultado final denotava homogeneidade dos itens. Este achado é confirmado pelo reduzido valor do percentual de mudança no α total ao se excluir algum item (< 10%). Em outras palavras, não havia um item com importância maior do que outro para o resultado total da AGS-7p. Já para o MIS, o α de Conbrach não indicava consistência interna satisfatória (α < 0,70). De fato, a retirada individual de alguns itens do instrumento se distanciava de forma importante do α total (> 10%). Esta diferença da consistência interna entre a AGS-7p e o MIS pode ser decorrente da forma como é dada a pontuação final de cada instrumento. Na AGS-7p, a pontuação final resulta a partir do valor que predomina em todos os itens, de forma que há maior participação do avaliador na pontuação final. Já no MIS, a pontuação final advém da soma da pontuação de cada item, de forma que a participação do avaliador é menor. Além disso, na AGS-7p todos os itens, incluindo a pontuação final, pode valer entre 1 a 7 pontos, ao passo que no MIS, cada item pode pontuar de 0 a 3 e no resultado final entre 0 a 30. Essa faixa mais ampla de pontuação também pode ter contribuído para a pior consistência interna do MIS. Contudo, não podemos afirmar se esse achado é decorrente da tradução dos instrumentos ou de uma característica dos instrumentos, uma vez que os trabalhos originais da AGS-7p e do MIS não descrevem dados de consistência interna.9,14
Com relação à reprodutibilidade interavaliador, notou-se moderada reprodutibilidade para a AGS-7p. Esse achado foi semelhante ao encontrado em outros estudos em pacientes com DRC.9,33 Um trabalho de nosso meio, porém, incluindo pacientes oncológicos, avaliou a reprodutibildade intra-avaliador da AGS gerada pelo próprio paciente. Os autores descreveram uma elevada reprodutibilidade (teste kappa 0,78; p < 0,001).34 Para o MIS, a reprodutibilidade interavaliador foi indicativa de forte reprodutibilidade, resultado esse contrário a outro estudo incluindo pacientes em HD, que encontrou reprodutibilidade interavaliador moderada (kappa 0,68; IC 0,52-0,72).35 Como a AGS-7p opera em um formato de decisão mais subjetiva do que o MIS, a melhor reprodutibilidade encontrada no MIS possa advir do formato de pontuação do mesmo.
Uma limitação do nosso estudo se dá por ser composto exclusivamente por pacientes idosos (> 60 anos), não representando a população geral em HD. Por outro lado, a equivalência semântica do processo de tradução da AGS-7p e do MIS independe da faixa etária estudada. Já os resultados da consistência interna, os quais foram avaliados no grupo de idosos em HD, merece ser ainda investigado tanto em grupo de pacientes idosos em DP, bem como em adultos em ambas as modalidades dialíticas. No entanto, é de se esperar que os resultados obtidos em idosos se reproduzam em adultos.
Em conclusão, a AGS-7p e MIS traduzidos para o português estão aptos a serem utilizados na população de pacientes idosos em HD. Cabe ainda o desenvolvimento de outros estudos que testem a aplicabilidade dessas versões traduzidas para o português em um grupo de pacientes com diversas faixas etárias e em DP.