On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.29 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201600081
Na prática da Atenção Primária à Saúde (APS) existem diferentes interações, com destaque para aquelas vivenciadas pelos profissionais na relação com o usuário/família, com a equipe, e com o próprio sistema de saúde. Desse modo associa-se a várias questões éticas, a exemplo do limite das intervenções desses profissionais no contexto da vida privada do usuário. No entanto, ao contrário do que acontece no nível terciário, elas são mais sutis, ainda que de grande complexidade.(1)
De tal modo, torna-se necessário pautar nas discussões bioéticas a atenção à saúde desempenhada nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), visto que a desconsideração desta confere incompletude à circunscrição da bioética, ao considerarmos a heterogeneidade dos serviços e ações que compõem esse nível do Sistema Único de Saúde (SUS).(2)
Nessa direção, é possível afirmar que na prática clínica, os profissionais de saúde se deparam com Problemas Éticos (PE) na esfera individual, compreendidos como os aspectos, as questões ou as implicações éticas habituais no exercício da APS, não configurando, fundamentalmente, um dilema.(1) O que diferencia o PE do Dilema/Conflito é que no primeiro encontram-se várias saídas admissíveis, gerando dúvidas sobre o que fazer, enquanto no segundo as possíveis soluções são sempre dicotômicas.(3)
Esses PEs podem ser vivenciados na execução das linhas de cuidado prioritárias da APS. Assim, nesse artigo destacamos a singularidade da Saúde da Criança (SC), justificada pela peculiaridade de estar em pleno processo de crescimento e desenvolvimento.(4) Agregado ao fato de que a população infantil, atendida nos programas ofertados pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), em sua maioria é menor de dois anos, consequentemente com limitação do exercício da autonomia.
Dentre a escassa produção disponível na literatura é possível descrever os problemas éticos mais frequentes da prática pediátrica. Mendiola(5) em revisão de literatura identificou PE no diagnóstico pré-natal, no programa de imunização, nos programas de atenção a criança com deficiência, na atenção a criança vítima de violência, na atenção a crianças de famílias religiosas, na relação com a prescrição de medicamentos e nas pesquisas médico-científicas. Guedert et al.,(6) em investigação qualitativa, reconheceram que os PE atingiram as esferas da relação-médico paciente (confidencialidade e relações pessoais difíceis), das condutas dos profissionais de saúde (discordâncias de indicações terapêuticas) e no socioeconômico e das políticas públicas de saúde (condições econômicas desfavoráveis, inadequação da rede de atenção à saúde e do ambiente de trabalho, e violência contra a criança).
Frente a essa perspectiva, um grupo de pesquisadores brasileiros verificaram a necessidade de reconhecer os problemas éticos que ocorrem no cotidiano de profissionais que atuam na APS a fim de delibera-los. Assim, ao longo de quase 12 anos de estudo, desenvolveram o Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária em Saúde (IPE-APS). Esse instrumento foi teoricamente ancorado na bioética deliberativa de Diego Gracia, construído por meio de entrevistas com médicos e enfermeiros, com o objetivo de identificar os PE vivenciados pelos profissionais, visando a melhoria da qualidade da assistência prestada nesse nível de atenção.(7)
O IPE-APS é multidimensional e já obteve as seguintes evidências de validade e confiabilidade: validade de conteúdo, em investigação com 46 profissionais da APS de São Paulo e 15 experts em Bioética;(4) validação de compreensibilidade, pesquisada em um grupo de nove experts em APS do Município de São Leopoldo-RS;(7) validade de construto e consistência interna, em estudo com 237 profissionais da APS de Porto Alegre-RS;(8) além de uma adaptação transcultural na cidade do Porto-Portugal.(9)
Assim, considerando: a inexistência de instrumentos que identifiquem problemas éticos vivenciados no cuidado a SC na APS, nas bases de dados pesquisadas (Portal Capes, Pubmed, Biblioteca Virtual em Saúde, Cinahl); a disponibilidade do IPE-APS, formulado na e para a realidade do Sistema Único de Saúde (SUS)(8) e a necessidade de disponibilizar um instrumento de mensuração de questões éticas associadas a faixa etária infantil, optou-se pela adaptação do IPE-APS para o contexto da SC.
Diante do exposto definiu-se como objetivo descrever o processo de adaptação do “Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária em Saúde”, para o contexto da saúde da criança.
Trata-se de um estudo metodológico, que utilizou procedimentos sistemáticos para a adaptação do IPE-APS no âmbito da SC (Figura 1). Considerando a diversidade de métodos para a adaptação de um instrumento, fez-se necessário eleger um: o modelo universalista de Herdman,(10–12) que prevê as seguintes equivalências: conceitual, de itens, semântica e operacional.
Figura 1 Etapas para adaptação do Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária em Saúde (IPE-APS)
O IPE-APS foi aplicado em três regiões brasileiras, na região Sudeste,(13) Centro-oeste(14) e Nordeste(15) e também da cidade do Porto-Portugal.(9) O instrumento, na versão original, possui 38 itens, distribuídos em três dimensões, do construto problemas éticos: (1) PE nas relações com usuários e família, com 18 itens, trata de questões que acontecem no cotidiano da relação dos profissionais de saúde com os usuários da USF; (2) PE nas relações da equipe, com 8 itens, envolve as demandas nas relações interpessoais da equipe da USF; (3) PE nas relações com a organização e o sistema de saúde, abarcam as questões da gestão do SUS com 12 itens. Para cada item é atribuído uma pontuação quanto à frequência com que o PE acontece, em uma escala tipo Likert 0 a 3 em ordem crescente de conformidade, onde: 0-nunca, 1-raramente, 2-comumente e 3-sempre. Além de uma questão onde é avaliada a percepção sobre a situação descrita ser ou não um problema ético.(13)
Essa etapa compreende a análise qualitativa para adaptação do contexto; a análise do contexto alvo, a avaliação por comitê de juízes e o pré-teste e visa identificar se o construto, dimensões e itens do instrumento original são pertinentes ao novo contexto.(16–18)
Para a análise qualitativa realizou-se uma ampla revisão da literatura, onde foi possível identificar a base para a teoria geral dos problemas éticos, que é deliberação moral do bioeticista Diego Gracia(8), porém não foram encontradas teorias específicas para o contexto da SC.
Seguiu-se com um levantamento psicométrico de todas as versões do IPE-APS, desde a sua construção, avaliando cuidadosamente cada uma das mudanças ocorridas nos itens ao longo das validações, bem como os métodos utilizados para validação do instrumento. Para consolidar essa análise, também foi solicitado que dois autores do instrumento original realizassem a avaliação da sua pertinência ao novo contexto.
Posteriormente o IPE-APS foi analisado por um comitê de 10 especialistas(17) com experiência em SC, APS e bioética, sendo: dois bioeticistas; dois pesquisadores na área de SC e dois na APS; duas representantes da população alvo (enfermeiras de USF), dois profissionais experientes na área de psicometria.
Os especialistas foram contatados, inicialmente, por correio eletrônico e telefone. A avaliação deu-se em duas rodadas, após aceite foram enviados as instruções para preenchimento e o formulário de avaliação. Na primeira rodada foi realizada a seguinte pergunta: “Você considera ser esse um problema ético que acontece na atenção à saúde da criança na ESF?”
A análise quantitativa dessa etapa foi realizada por meio do cálculo para a Porcentagem de Concordância, para cada item.(18,19) Considerou-se como adequados os itens que obtiveram um percentual de concordância maior que 70 %, com base nos achados de estudo nacional(20) e internacional.(21)
Os itens que obtiveram concordância inferior a 70 % na primeira rodada foram ressubmetidos a uma segunda rodada para avaliação dos especialistas, a fim de obter maior concordância.
Na segunda rodada questionou-se se o juiz concordava ou discordava com o conceito abarcado pelo item, com espaço para justificativa e novas proposições. (17)
A finalidade dessa etapa é buscar adequações dos itens ao contexto da SC e compreende a avaliação pelo comitê de juízes e pela autora do instrumento original, com posterior aplicação de pré-teste.(16)
A questão considerada pelos juízes na primeira rodada foi “O enunciado necessita de adaptação para o contexto da saúde da criança?”, sendo facultado reajuste na escrita do item que não fosse considerado claro ou adequado ao contexto. Na segunda rodada, apresentou-se os itens que não alcançaram a concordância adequada, cada item com a versão anterior e a versão após as inclusões. Depois, questionou-se a compreensão dos itens com espaço para a realização de sugestões.
Após inclusão de todos os ajustes propostos pelos especialistas nas duas rodadas o instrumento foi submetido à avaliação da primeira autora do IPE-APS, culminando na formulação do Piloto I.
O objetivo do pré-teste foi avaliar alguns aspectos do instrumento, a saber: adequação dos itens e das expressões à linguística e contexto próprio da SC. Avaliou-se, também, a aceitabilidade e compreensão.(15) Participaram dessa fase 30 enfermeiras das USFs do município de Feira de Santana-Bahia. A coleta de dados ocorreu durante as reuniões das supervisoras das USFs. Após a apresentação da proposta do estudo realizou-se o convite para participação. Os profissionais que aceitaram receberam a versão Piloto I, no qual questionava-se a clareza da linguagem e a necessidade de mudança na escrita dos itens, buscando assim, ampliar a pertinência semântica do instrumento.
Essa etapa objetivou avaliar a estrutura, o layout e as instruções do IPE-APS e compreende aplicação do piloto a população-alvo.(10–12)
Depois de avaliar o layout do instrumento utilizado no estudo mais recente(14), foi possível observar que foram realizadas algumas mudanças do formato original. Assim, essas alterações foram inseridas no piloto I, na perspectiva de facilitar o seu preenchimento.
Durante a aplicação do primeiro pré-teste, quando a enfermeira entregava o instrumento preenchido os pesquisadores faziam perguntas sobre a clareza das instruções e do layout. Aliado ao questionamento de qual termo seria mais compreensível, para uma das opções da escala tipo Likert do IPE-APS, se frequentemente ou comumente.
Após análise dos aspectos operacionais desse pré-teste fez-se necessário realizar pequenos ajustes nas instruções e no layout do cabeçalho. Consequentemente as pesquisadoras decidiram fazer o segundo pré-teste, com cinco representantes da população-alvo, objetivando testar as adequações recomendadas.(22)
Depois de realizadas todas essas etapas obteve-se a versão operacional denominada de Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde-Saúde da Criança (IPE-APS-SC).
O estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e o processo de adaptação do IPE-APS foi iniciado após autorização da primeira autora do instrumento.
A revisão da literatura sobre os problemas éticos no contexto da SC e a avaliação pelos autores do IPE-APS permitiu entender que os conceitos relacionados aos problemas éticos da saúde da família eram pertinentes ao universo da SC, por ter sido emanado da realidade do Sistema Único de Saúde (SUS), desse modo, concluiu-se que as três dimensões do instrumento se adequavam ao novo contexto.
Em geral, as três dimensões do IPE-APS tiveram altos índices de concordância de itens nas duas rodadas com os juízes. No entanto, a 1ª dimensão (PE na Relação Profissional-Criança/Família) apresentou mais itens com concordância inferior a 70%: cinco do total de 18 (Tabela 1).
Tabela 1 Proporção de concordância entre os juízes quanto às equivalências do IPE-APS
Equivalência de itens | ||
---|---|---|
Item | 1a rodada n(%) | 2a rodada n(%) |
1 | 3(30,0) | 6(60,0) |
5 | 6(60,0) | 10(100,0) |
8 | 5(50,0) | 9(90,0) |
13 | 6(60,0) | 10(100,0) |
17 | 4(40,0) | 7(70,0) |
Equivalência semântica | ||
---|---|---|
Item | 1arodada n(%) | 2a rodada n(%) |
1 | 6(60,0) | 9(90,0) |
2 | 6(60,0) | 10(100,0) |
3 | 5(50,0) | 9(90,0) |
5 | 5(50,0) | 8(80,0) |
7 | 6(60,0) | 10(100,0) |
8 | 5(50,0) | 8(80,0) |
9 | 5(50,0) | 10(100,0) |
11 | 6(60,0) | 10(100,0) |
12 | 6(60,0) | 8(80,0) |
13 | 6(60,0) | 8(80,0) |
14 | 4(40,0) | 9(90,0) |
15 | 6(60,0) | 10(100,0) |
17 | 6(60,0) | 9(90,0) |
18 | 5(50,0) | 9(90,0) |
IPE-APS - Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária em Saúde
O item 1 se destacou com baixa concordância, 30% (1ª rodada) e 60% (2ª rodada). Desse modo, acatando a sugestão de juízes, foi substituída a palavra “usuários” por “a criança e os pais (ou responsáveis)”, além do acréscimo “relação clínica dentro dos limites profissionais”. No entanto, mesmo com a inclusão dessas sugestões, o item não alcançou a concordância de 70% na 2ª rodada. Com a justificativa de que “a proximidade e o vínculo” facilitam a manutenção da relação clínica.
No item 5, alguns juízes sugeriram mudanças na sequência da frase e também na substituição da palavra usuário por criança/família, tendo alcançando posterior consenso (Quadro 1).
Quadro 1 Apresentação da comparação entre a versão original e a versão adaptada do IPE-APS
Versão original (IPE-APS) | Versão adaptada (IPE-APS-SC) |
---|---|
1 ° Domínio: problemas éticos nas relações com criança/família | |
1.A proximidade e o vínculo dos profissionais com os usuários dificultam manter a imparcialidade na relação | 1. A proximidade e o vínculo dos profissionais com a criança e os pais (ou responsáveis) dificultam manter a imparcialidade na relação clínica dentro dos limites profissionais |
2. Se a equipe da ESF pré-julgar os usuários e familiares com base em preconceitos e estigmas | 2. A equipe da ESF pré-julga a criança e os pais (ou responsáveis) com base em preconceitos e estigmas |
3.O profissional trata o usuário com falta de respeito | 3. O profissional trata a criança e os pais (ou responsáveis) com falta de respeito |
4. Os profissionais fazem prescrições inadequadas ou erradas | 4. Os profissionais da ESF fazem prescrições inadequadas ou erradas para a criança |
5. Os profissionais prescrevem medicamentos que o usuário não terá dinheiro para comprar quando não existe outra possibilidade de prescrição | 5. Mesmo sabendo que os pais (ou responsáveis) não terão dinheiro para comprar um determinado medicamento, os profissionais o prescrevem, se não houver outra opção de tratamento |
6. Os profissionais prescrevem um medicamento mais caro, mesmo que tenha ele tenha eficácia igual a do mais barato | 6. Os profissionais prescrevem um medicamento mais caro, mesmo que ele tenha eficácia igual a do mais barato |
7. Os usuários, durante a consulta médica ou de enfermagem, solicita exames, medicamentos ou outros procedimentos inadequados ou desnecessários | 7. Os pais (ou responsáveis), durante a consulta médica ou de enfermagem, solicitam exames, medicamentos ou outros procedimentos inadequados ou desnecessários para a criança |
8. Os profissionais sentem-se impotentes para convencer o usuário a dar continuidade ao tratamento | 8. Os profissionais sentem dificuldades para convencer os pais (ou responsáveis) a seguirem o acompanhamento da criança (a ex: consultas, vacinação, alimentação saudável). |
9. Os profissionais solicitam exames diagnósticos sem informar ao usuário o que está sendo pedido e por quê. | 9. Os profissionais solicitam exames diagnósticos para a criança sem informar aos pais (ou responsáveis) o que está sendo pedido e por quê. |
10.O ACS comenta informações desnecessárias sobre a intimidade da família e do casal com a equipe de saúde | 10. O ACS comenta informações desnecessárias sobre a intimidade da família e da criança com a equipe de saúde |
11.É difícil manter a privacidade do usuário nos atendimentos feitos em sua casa devido interferência de outros membros da família ou vizinhos | 11. É difícil manter a privacidade da criança nos atendimentos feitos em sua casa devido interferência de outros membros da família ou vizinhos |
12.O ACS conta a seus vizinhos informações obtidas no seu trabalho a respeito de usuários e famílias | 12. O ACS conta a seus vizinhos informações obtidas no seu trabalho a respeito das crianças e das suas famílias |
13.O profissional conta informações sobre a saúde de um dos membros da família quando este não consegue gerenciar o auto-cuidado e se expõe a riscos | 13. O profissional conta a outros membros da família informações sobre a saúde da criança quando identifica que está havendo negligência no cuidado, exposição da criança a riscos ou a situações de violência por parte dos pais (ou responsáveis) |
14.O profissional não consegue identificar até onde pode interferir em hábitos e costumes das famílias e dos usuários com vistas a que tenham um estilo de vida saudável | 14.O profissional não consegue identificar até onde pode interferir em hábitos e costumes dos pais (ou responsáveis) em relação ao cuidado das crianças, com vistas a que elas tenham um estilo de vida saudável |
15. Os usuários recusam tratamento por acreditarem numa cura divina | 15. Os pais (ou responsáveis) recusam tratamento prescrito à criança por acreditarem numa cura divina. |
16. Menores de idade procuram a UBS e pedem à equipe exames, medicamentos ou outros procedimentos, não previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, sem autorização e/ ou conhecimento dos pais | 16. Menores procuram a UBS e pedem à equipe exames, medicamentos ou outros procedimentos, não previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, sem autorização e/ou conhecimento dos pais |
17. Usuários se recusam a seguir indicações médicas ou a fazerem exames | 17. Pais (ou responsáveis) se recusam a seguir as indicações médicas ou a fazerem exames que os médicos e enfermeiras indicaram para as crianças |
18.A equipe realiza uma discussão interdisciplinar sobre as condições de saúde do usuário na frente dele, sem que ele participe | 18. A equipe de saúde discute as condições de saúde da criança na frente dos pais (ou responsáveis), sem que esses sejam incluídos na conversa |
2° Domínio - problemas éticos nas relações da equipe | |
19. Os profissionais da equipe de ESF atuam com falta de compromisso e envolvimento | 19. Os profissionais da equipe de ESF atuam com falta de compromisso e envolvimento na assistência à saúde da criança |
20. As equipes de ESF não colaboram umas com as outras | 20. As equipes de ESF não colaboram umas com as outras na assistência à saúde da criança |
21. Existe falta de respeito entre os membros da equipe da ESF | 21. Existe falta de respeito entre os membros da equipe da ESF |
22. Os profissionais da equipe não apresentam perfil para trabalhar na ESF | 22. Os profissionais da ESF não apresentam perfil para trabalhar com a saúde da criança |
23.É difícil cumprir, na prática, o papel e as responsabilidades de cada profissional da equipe de saúde da família | 23.É difícil cumprir, na prática, o papel e as responsabilidades de cada profissional da equipe de saúde da família no atendimento à criança |
24. Profissionais se omitem diante de uma prescrição inadequada ou errada. | 24. Profissionais se omitem diante de uma prescrição inadequada ou errada para a criança |
25. Usuários pedem a um dos membros da equipe de saúde da família que os outros membros não tenham acesso a alguma informação relacionada à sua saúde, mesmo em situação em que seja necessária a participação da família no cuidado | 25. Pais (ou responsáveis) pedem a um dos membros da ESF que os outros membros não tenham acesso a alguma informação relacionada à saúde da criança, mesmo em situação em que seja necessária a participação de toda a família no cuidado |
26. Funcionários da UBS levantam dúvidas sobre a conduta do médico da equipe da ESF | 26. Funcionários da UBS levantam dúvidas sobre a conduta dos profissionais da ESF |
3° Dimensão: problemas éticos nas relações com a organização e o sistema de saúde | |
27.A UBS tem problemas na estrutura física e rotinas que dificultam a preservação da privacidade do usuário | 27.A UBS tem problemas na estrutura física e rotinas que dificultam a preservação da privacidade da criança |
28. Os profissionais da equipe de ESF sentem falta de apoio de ações intersetoriais, que dependem da organização e gestão do sistema, para discutir e resolver problemas éticos que encontrem em sua prática | 28. Falta de apoio de ações intersetoriais para discutir e resolver problemas éticos que encontrem em sua prática na saúde da criança |
29.A direção da UBS não age com transparência na resolução de problemas com os profissionais | 29.O gestor da UBS não age com transparência na resolução de problemas com os profissionais |
30. Há um excesso de famílias adscritas para cada equipe da ESF | 30. Excesso de famílias adscritas para cada equipe da ESF |
31.O médico da ESF se recusa a atender o usuário que não tem consulta médica marcada para o dia, o que acaba por restringir o acesso dos usuários à UBS, mas o acolhimento sempre ocorre | 31.O médico da ESF se recusa a atender as crianças que não têm consulta médica marcada para o dia, o que acaba por restringir o acesso dessas à UBS. |
32. Os profissionais dos serviços de saúde privados desconsideram a conduta diagnóstica ou terapêutica feita pelos médicos da equipe de saúde da família | 32. Os profissionais dos serviços de saúde privados desconsideram a conduta diagnóstica ou terapêutica feita pelos profissionais da equipe de saúde da família |
33. Os profissionais de outros níveis da rede pública de saúde desconsideram a conduta diagnóstica ou terapêutica feita pelos médicos da equipe de saúde da família | 33. Os profissionais de outros níveis da rede pública de saúde desconsideram a conduta diagnóstica ou terapêutica feita pelos profissionais da equipe de saúde da família |
34. Há dificuldades no sistema de referência e contra-referência para a realização de exames complementares | 34. Dificuldades no sistema de referência e contra-referência para a realização de consultas com especialistas e de exames complementares para as crianças |
35. Há dificuldades quanto ao retorno e à confiabilidade dos resultados dos exames laboratoriais | 35. Dificuldades quanto ao retorno e à confiabilidade dos resultados dos exames laboratoriais |
36. A UBS não oferece às equipes de saúde da família condições para apoiar a realização de visitas domiciliares | 36. A UBS não oferece às equipes de saúde da família condições para apoiar a realização de visitas domiciliares das crianças |
37. A UBS não tem condições para realizar atendimentos de urgência | 37. A UBS não tem condições para realizar atendimentos de urgência às crianças |
38. Não há retaguarda de serviço de remoção, na UBS | 38.Não há retaguarda de serviço de remoção, na UBS |
IPE-APS - Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária em Saúde
No item 8, o termo “tratamento” foi substituído por “acompanhamento (consultas, vacinação, alimentação saudável)”, uma vez que a perspectiva da APS é a prevenção.
Na análise do item 13, a frase “[…] a saúde de um dos membros da família quando este não consegue gerenciar o auto-cuidado e se expõe a riscos” foi substituída por “[…] a saúde da criança a outros membros da família quando identifica negligência do cuidado ou exposição da criança a riscos”. Ao considerar que os riscos à SC estão associados aos maus-tratos.
No item 17, foi sugerido a inclusão da enfermeira como profissional que também indica exames para as crianças, ponderando a existência de protocolos municipais que permitem essa conduta. Assim, a frase “[…] a seguir indicações médicas ou a fazerem exames” foi modificada por “[…] a seguir as indicações médicas ou a fazerem exames que os médicos e enfermeiras indicaram para as crianças”. Todavia, o item alcançou concordância limítrofe (Quadro 1).
Quanto à pertinência semântica, também houve itens com concordância inferior a 70%, na 1ª dimensão. As propostas de mudanças no enunciado dos itens 5,7,8,9,11,12,17,18, na 1ª rodada, estiveram associadas a troca do termo “usuário” por “criança e/ou “pais (ou responsáveis)”. Com esta mudança, obteve-se uma concordância acima de 70% na 2ª avaliação dos juízes.
Nesta fase, as pesquisadoras também optaram por substituir alguns termos formais por outros coloquiais: “sentem-se impotentes” por “sentem dificuldades”; “revela” por “conta”; “sem que esses participem” por “sem que sejam incluídos”. Outros itens sofreram pequenas modificações gramaticais como flexão verbal e uso de sinônimos, com o objetivo de ampliar a compreensão das assertivas (Quadro 1).
Prosseguindo a avaliação semântica do IPE-APS, aplicou-se a versão do Piloto II a 30 enfermeiras de USF do município de Feira de Santana. No 1° pré-teste foi predominante a presença de mulheres (93,3%), a maioria atuava em USF localizadas na zona urbana (60%) e possuíam pós-graduação (96,6%), idade média de 36 anos, formadas a média de 21 anos, com tempo de experiência em USF e em puericultura com média de 6 anos.
A despeito dos ajustes sugeridos pelos juízes, dois itens permaneceram duvidosos na perspectiva das enfermeiras, a saber: no item 1, sinalizaram que a proximidade e vínculo facilitam e não dificultam a relação; no item 16, questionaram sobre crianças procurarem a unidade, afirmando que essa ação é realizada pelos responsáveis das crianças ou por adolescentes.
Durante a aplicação do primeiro pré-teste participantes propuseram a inserção do cabeçalho em todas as folhas do instrumento. O termo mais indicado para a escala Likert foi a palavra frequentemente. Na análise dos instrumentos preenchidos, foi possível observar que algumas enfermeiras ao considerarem que o item “não é um problema ético”, seguiram respondendo a frequência com que ele ocorre. Depois de realizadas esses ajustes foi alcançado consenso entre as respondentes, no segundo pré-teste, quanto ao layout e instruções do IPE-APS.
A finalidade deste artigo é descrever o processo de adaptação do IPE-APS, que partiu da compreensão de ao se objetivar a adaptação de um instrumento, construído em outro contexto, Ainda que se trate de adaptação de instrumento para o mesmo idioma, a necessidade de adaptação de instrumentos de aferição não se limita às condições que envolvem países e/ou outros idiomas, sendo indicado o mesmo cuidado nos ajustes locais e regionais.(16)
O modelo de adaptação elegido para este estudo já foi utilizado em outras investigações nacionais, obtendo sucesso em sua execução.(22–24) Assim faz-se necessário seguir rigorosamente as fases de avaliação das equivalências conceitual, de itens, semântica e operacional e, na sequência, realizar um pré-teste.(10–12,22)
As etapas de equivalência de itens e semântica, que usou em comitê de experts com 10 juízes, atendeu as orientações do número de especialistas necessários para validar o conteúdo de instrumentos como o IPE-APS.(17,25) Essa fase evidenciou a complexidade do construto e a dificuldade do trabalho com profissionais de formações e práticas diversificadas, o que demandou duas rodadas para o alcance da concordância estabelecida como aceitável.
A alteração conceitual realizada no item 8, justifica-se porque a SC, na perspectiva da USF, inclui ações preventivas que se iniciam no pré-natal e seguem até os cinco anos de idade da criança.(26) Enquanto que no item 13 foi necessária uma modificação mais ampla, por conta do construto “vulnerabilidade”, típico dessa faixa etária.(4)
Na equivalência de itens, o item 1 permaneceu com baixa concordância nas duas rodadas com os juízes e também foi avaliado como confuso pelas enfermeiras, no pré-teste. Desse modo, optou-se por manter o formato da versão utilizada no primeiro estudo do IPE-APS,(13) ao considerar que a linguagem estava mais clara e coerente com a realidade prática da SC.
As mudanças realizadas na primeira rodada de avaliação semântica tinham a expectativa de que as alterações nos itens possibilitassem o alcance da equivalência semântica do instrumento ao novo contexto, o que foi confirmado pelas elevadas taxas de concordância na segunda rodada.(22)
A amostra de 30 enfermeiras no primeiro préteste foi adequada as orientações dos estudos metodológicos(17,18,27) e a realização deste foi essencial para construção do piloto II, por possibilitar a observação da necessidade de ajuste semântico de algumas palavras, da inclusão de cabeçalho em todas as páginas do IPE-APS, da reformulação das instruções e das possíveis dificuldades que a população-alvo poderia ter no preenchimento do instrumento.(22)
A equivalência operacional foi confirmada, pois as enfermeiras avaliaram positivamente as instruções e o layout do instrumento.(16) A forma de aplicação (autopreenchimento) também foi mantida e o tempo médio de preenchimento foi inferior aos resultados dos outros estudos que utilizaram o IPE-APS.(14,15)
No entanto, a inexistência de estudos e de instrumentos de medidas para mensuração dos problemas da SC na APS dificultou a discussão e comparação da adaptação realizada no IPE-APS. Todavia, esse problema não está restrito à população infantil. Pesquisa de revisão sobre instrumentos de medida em ética, concluiu que o incremento de instrumentos concebidos para medir constructos bioéticos nas áreas de avaliação está em estágio inicial de desenvolvimento.(28)
Ressalta-se a necessidade de prosseguir com a validação de mensuração para verificar as propriedades psicométricas do instrumento, com a perspectiva de ampliação da produção de conhecimento sobre as questões éticas que envolvem o cuidado da criança. Por considerar que a adaptação e a validação são métodos diferentes no processo de mensuração de medidas, que demandam rigor metodológico e cuidado.(29)
As limitações desse estudo estão associadas a impossibilidade de realizar avaliação grupal com os juízes e com a população-alvo, justificadas pela distância geográfica dos primeiros e a indisponibilidade de tempo das enfermeiras que atuam na ESF.
Todavia, acredita-se que o IPE-APS-SC possui potencial para contribuir significativamente na prática assistencial das enfermeiras que cuidam de crianças.
A adaptação conceitual, de itens, semântica e operacional do instrumento foi realizada com sucesso, observando-se o rigor metodológico sugerido por estudiosos internacionais e nacionais da psicometria. O resultado foi a disponibilização da versão adaptada do IPE-APS para a Saúde da Criança, denominada IPE-APS-SC. Assim, a inexistência de instrumentos que mensurem a ocorrência de problemas éticos no contexto da SC coloca o IPE-APS-SC como pioneiro na produção científica nesta área temática.