versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.7 Rio de Janeiro jul. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014197.08622013
The scope of this article is to assess the adequacy of the process of prenatal care provided to users of the Unified Health System in the city of Vitória, in accordance with criteria established by the Humanization of Prenatal and Birth Program (PHPN) and the World Health Organization (WHO). The information on the prenatal care records of 360 pregnant women interned in public hospitals in the city at the time of delivery were assessed. The information was collected, processed and submitted to descriptive statistical analysis for calculations of absolute and relative frequencies and confidence intervals. None of the pregnant women were given entirely appropriate prenatal care in accordance with WHO criteria, and only 5% of pregnant women received prenatal care in line with PHPN. 44.7% of the women did not begin prenatal care until the 4th month. With respect to conducting technical procedures in the appointments, the main emphasis was on checking maternal weight (95.0%) and blood pressure (95.6%). The results indicate the need for a review of the number of prenatal appointments in the municipality and the adoption of strategies to meet the minimum criteria that need to be performed during prenatal care in public health services.
Key words: Maternal and child health; Prenatal care; Quality of health care; Health evaluation
A avaliação em saúde tem se constituído como uma ferramenta importante e indispensável para o planejamento e a gestão dos serviços de saúde. Sua prática vem se fortalecendo desde a década de 1970, sendo influenciada pelos movimentos de democratização da saúde e da reforma sanitária1.
A avaliação de programas e políticas de saúde vem ganhando espaço no Brasil e, destacadamente, as políticas de saúde materno-infantil. Além das condições socioeconômicas, a qualidade da atenção pré-natal está diretamente associada a melhores indicadores de saúde materno e infantil, contribuindo para a redução das taxas de morbimortalidade materna e perinatal2. Dessa forma, é relevante a avaliação do pré-natal, principalmente em países com amplas desigualdades regionais econômicas e sociais e de acesso aos serviços de saúde.
Após a implantação no ano de 2000, pelo Ministério da Saúde, do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN), a qualidade da assistência pré-natal tem sido objeto de estudos em várias regiões do país de acordo com revisão sistemática3.
Embora a avaliação da qualidade do pré-natal tenha sido por meio de critérios que julgam o acesso, também se deve considerar não somente o número de consultas ou a idade gestacional de início do acompanhamento, mas também a adequação do conteúdo da assistência prestada. Estudos demonstram que a avaliação do processo da assistência pré-natal contribui para a melhoria da qualidade dos serviços, bem como é fundamental para a redução dos índices de mortalidade materna e perinatal4,5.
Existe ainda uma discussão sobre as condutas mínimas que devem ser adotadas pelos profissionais de saúde durante a gestação, o parto e o puerpério que não comprometam a qualidade da assistência e que não gerem impactos desfavoráveis em relação à saúde da gestante e do feto6-9. Conduzindo os questionamentos sobre o número ideal de consultas de pré-natal, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu um modelo, elaborado a partir de revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados, que preconiza as ações a serem desenvolvidas, a fim de otimizar os recursos sem comprometer a saúde das gestantes de baixo risco gestacional10.
No Brasil, o Ministério da Saúde, estabeleceu um protocolo com critérios mínimos a serem observados durante o acompanhamento pré-natal, garantindo a qualidade da assistência às gestantes atendidas na rede pública de saúde11. O PHPN recomenda a realização de no mínimo seis consultas de pré-natal para uma gestação a termo, com início do acompanhamento ainda no primeiro trimestre da gestação, além de recomendar a realização de exames laboratoriais e clínico-obstétricos somados às orientações sobre aleitamento materno.
Este estudo parte do questionamento se a adequação da assistência pré-natal no município de Vitória é coerente com os indicadores socioeconômicos e de serviços de saúde. Nesse sentido, o estudo tem por objetivo avaliar a adequação do processo da assistência pré-natal prestada às usuárias do SUS do município de Vitória (ES), segundo os critérios estabelecidos pelo PHPN e pela OMS por meio dos dados registrados nos cartões das gestantes.
Um estudo epidemiológico seccional foi desenvolvido em Vitória, ES, no período de abril de 2010 a fevereiro de 2011 para avaliar a qualidade da assistência pré-natal no SUS do município, por meio das informações registradas nos cartões das gestantes e em formulários específicos12.
As puérperas foram selecionadas nos três principais estabelecimentos de saúde que realizam a totalidade de partos pelo SUS no município. Foram incluídas apenas as puérperas residentes no município e excluídas as que realizaram acompanhamento pré-natal, todo ou em parte, no sistema privado. Também foram excluídas as puérperas com menos de 12 horas de parto cesáreo e as que, no momento da entrevista, estavam em grave estado de saúde.
O cálculo do tamanho da amostra foi feito utilizando-se a fórmula de tamanho amostral para estimar uma proporção. Foram considerados o número estimado da população de nascidos vivos em 2007 no município de Vitória (4.404 nascimentos), pois reflete aproximadamente a quantidade de parturientes por ano que residem no município, e os indicadores de percentual de nascidos vivos cobertos por sete ou mais consultas de pré-natal, 74,4%, como uma aproximação da utilização de serviços de saúde na gestação. Além de uma precisão desejada de 5%, efeito do desenho igual a um e nível de significância de 5%. Esses cálculos resultaram num tamanho amostral de 275 sujeitos. O total foi aumentado em 30% para considerar as possíveis perdas, resultando em 360 parturientes a serem avaliadas.
Os dados foram coletados por uma equipe de sete entrevistadoras, previamente treinadas, que visitou, no mínimo, uma vez por semana todas as três maternidades incluídas no estudo. As puérperas foram selecionadas por meio de amostragem sistemática. Foi aplicada uma entrevista estruturada com questões fechadas às puérperas. O cartão da gestante foi solicitado e copiado na íntegra, além de serem retiradas informações contidas no prontuário médico do estabelecimento de saúde. As variáveis de estudo foram construídas a partir das informações contidas nos cartões e nos formulários.
Os registros nos campos do cartão da gestante foram analisados segundo os critérios de avaliação propostos pela OMS10 e pelo PHPN11.
O processo de assistência pré-natal, verificado de acordo com o PHPN, foi analisado por meio da categorização dos dados em quatro níveis independentes (níveis 1, 2, 3 e 4) mais a soma de todos eles. No nível 1, avaliou-se a utilização do pré-natal: início do pré-natal até 4 meses de gestação e número de consultas igual ou maior a seis. No nível 2, avaliou-se a realização dos exames laboratoriais complementares: tipagem sanguínea/fator Rh, sorologia para sífilis (VDRL), urina tipo I, glicemia de jejum, dosagem de hemoglobina e hematócrito (Hb/Ht), teste anti-HIV e a realização de pelo menos uma dose da vacina antitetânica. No nível 3, avaliou-se a repetição dos exames laboratoriais: VDRL, urina tipo I e glicemia de jejum. No nível 4, avaliaram-se as orientações recebidas quanto à amamentação, à classificação do risco gestacional e ao encaminhamento para serviços de referência das gestantes com gravidez de risco.
O manejo adequado do risco obstétrico foi considerado realizado quando este, durante o pré-natal, foi classificado como alto/médio e, em seguida, a gestante foi encaminhada para o serviço de referência. Também foi considerado manejo adequado quando o risco obstétrico foi classificado como baixo e a gestante teve o acompanhamento pré-natal na unidade básica de saúde.
O processo de assistência pré-natal, verificado de acordo com a OMS, foi analisado por meio da categorização dos dados em quatro momentos não complementares (níveis 1, 2, 3 e 4) que se referem aos procedimentos que devem ser realizados nas quatro consultas de pré-natal definidas pela OMS. 1º Momento: primeira consulta realizada antes de 12 semanas de gestação, cálculo da idade gestacional, medida da altura uterina, verificação de pressão arterial, peso e altura maternos, solicitação de dosagem de hemoglobina, VDRL, ABO/Rh e urina tipo I, primeira dose da vacina antitetânica e suplementação de ácido fólico e sulfato ferroso. 2º Momento: segunda consulta realizada entre a 25ª e 27ª semanas de gestação, cálculo da idade gestacional, medida da altura uterina, verificação dos batimentos cardíacos fetais (BCF), verificação de pressão arterial e de peso maternos, repetição de exame de urina tipo I em gestantes com histórico de pré-eclâmpsia e em primigestas e se a gestante recebeu alguma recomendação de maternidade, no caso de emergências. 3º Momento: terceira consulta realizada entre a 31ª e 33ª semanas de gestação, cálculo da idade gestacional, medida da altura uterina, verificação dos Batimentos Cardíacos Fetais (BCF), verificação de pressão arterial e peso maternos, solicitação de dosagem de hemoglobina, segunda dose da vacina antitetânica e recomendações quanto ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês e complementar até os dois anos de idade da criança. 4º Momento: quarta consulta realizada entre a 37ª e 39ª semanas de gestação, cálculo da idade gestacional, medida da altura uterina, verificação dos batimentos cardíacos fetais e do movimento fetal, verificação de pressão arterial e de peso maternos e orientação quanto à maternidade/hospital para realização do parto.
O resultado final da avaliação permitiu classificar o processo da assistência pré-natal em adequado ou inadequado. Considerou-se como adequado o atendimento pré-natal que contemplou todas as atividades, conforme mostrado no Quadro 1.
Quadro 1 Critérios de avaliação da assistência pré-natal segundo instrumentos, níveis/momentos e atividades preconizadas
Os dados provenientes dos formulários e dos cartões das gestantes foram revisados e digitados no software SPSS versão 18.0 e no Microsoft Excel 2010. A análise estatística descritiva foi realizada pelos cálculos da frequência absoluta e da frequência relativa com intervalo de confiança de 95%.
O estudo permitiu avaliar 360 puérperas, contudo houve dados faltantes para algumas variáveis. Para a variável inicio do pré-natal até o 4º mês, houve perda de cerca de 3,6% da amostra pois não havia o registro da data da primeira consulta de pré-natal no cartão da gestante. Pela mesma razão, houve perda de cerca de 4,0% para a variável início do pré-natal até a 12ª semana de gestação; a ausência dos registros justifica as perdas para as demais variáveis.
A Tabela 1 apresenta a adequação do pré-natal aos níveis de qualidade propostos para todas as gestantes de acordo com as orientações do PHPN. O total de puérperas abordadas nas maternidades foi de 360. Destas, cerca de 45% iniciaram o pré-natal ainda no primeiro trimestre. Foi observada uma cobertura de pré-natal no município na qual cerca de 75% das gestantes realizaram seis ou mais consultas.
Tabela 1 Frequência de adequação do processo de assistência pré-natal, segundo os critérios do PHPN. Vitória, ES, Brasil. 2011.
n | N | % | IC 95% | ||
---|---|---|---|---|---|
Adequação Nível 1 | 347 | 146 | 42,1% | 37,0% | 47,2% |
Início do pré-natal até o 4º mês | 347 | 155 | 44,7% | 39,5% | 49,8% |
Número de consultas 6 ou mais | 360 | 272 | 75,6% | 71,1% | 80,0% |
Adequação Nível 2 | 360 | 162 | 45,0% | 39,9% | 50,1% |
Tipagem sanguínea/Fator Rh | 360 | 254 | 70,6% | 65,8% | 75,3% |
Sorologia para sífilis (VDRL) | 360 | 285 | 79,2% | 75,0% | 83,4% |
Urina tipo I (EAS) | 360 | 260 | 72,2% | 67,6% | 76,8% |
Glicemia de jejum | 360 | 290 | 80,6% | 76,5% | 84,6% |
Hemoglobina | 360 | 285 | 79,2% | 75,0% | 83,4% |
Hematócrito | 360 | 260 | 72,2% | 67,6% | 76,8% |
Teste anti-HIV | 360 | 247 | 68,6% | 63,8% | 73,4% |
Imunização antitetânica | 360 | 247 | 68,6% | 63,8% | 73,4% |
Adequação Nível 3 | 360 | 108 | 30,0% | 25,3% | 34,7% |
Repetição VDRL | 360 | 148 | 41,1% | 36,0% | 46,2% |
Repetição EAS | 360 | 149 | 41,4% | 36,3% | 46,5% |
Repetição Glicemia de jejum | 360 | 159 | 44,2% | 39,0% | 49,3% |
Adequação Nível 4 | 360 | 95 | 26,4% | 21,8% | 30,9% |
Atividades Educativas | 360 | 98 | 27,2% | 22,6% | 31,8% |
Manejo do Risco | 360 | 335 | 93,1% | 90,4% | 95,7% |
Adequação Níveis 1,2,3 e 4 | 360 | 16 | 4,4% | 2,3% | 6,6% |
A realização dos exames laboratoriais variou em cerca de 70 a 80% dos casos. A frequência dos exames laboratoriais de repetição, próximos à 30ª semana de gestação, foi menor (30,0%) quando comparada com a frequência dos exames solicitados na primeira consulta (45,0%). A cobertura da prevenção do tétano neonatal foi de 70%.
Quase 30% das gestantes foram orientadas, durante o acompanhamento pré-natal, quanto ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida e a continuidade com alimentação complementar até o segundo ano de vida ou mais.
O manejo do risco gestacional foi relatado por mais de 90% das puérperas. Quanto ao risco gestacional, 20,6% mulheres tiveram a gestação classificada como de médio ou alto risco e destas, cerca de 70,0% foram encaminhadas para acompanhamento especializado.
O processo de assistência pré-natal foi considerado totalmente adequado, segundo o PHPN, para somente 4,4% das gestantes. A Tabela 2 apresenta a adequação do pré-natal nos quatro momentos de qualidade propostos para todas as gestantes de acordo com as orientações da OMS.
Tabela 2 Frequência de adequação do processo de assistência pré-natal, segundo os critérios da OMS. Vitória, ES, Brasil. 2011.
N | n | % | IC 95% | ||
---|---|---|---|---|---|
Adequação Momento 1 | 347 | 3 | 0,9% | -0,1% | 1,8% |
Início do pré-natal até 12ª semana | 347 | 133 | 38,3% | 33,3% | 43,4% |
Hemoglobina | 360 | 285 | 79,2% | 75,0% | 83,4% |
Idade Gestacional | 360 | 292 | 81,1% | 77,1% | 85,2% |
Altura Uterina | 360 | 153 | 42,5% | 37,4% | 47,6% |
Pressão Arterial | 360 | 335 | 93,1% | 90,4% | 95,7% |
Peso materno | 360 | 334 | 92,8% | 90,1% | 95,5% |
Altura materna | 360 | 210 | 58,3% | 53,2% | 63,4% |
Sorologia para sífilis (VDRL) | 360 | 285 | 79,2% | 75,0% | 83,4% |
Urina tipo I (EAS) | 360 | 260 | 72,2% | 67,6% | 76,8% |
Tipagem sanguínea/Fator Rh | 360 | 254 | 70,6% | 65,8% | 75,3% |
Imunização antitetânica | 360 | 254 | 70,6% | 65,8% | 75,3% |
Suplementação com Ácido Fólico | 360 | 262 | 72,8% | 68,2% | 77,4% |
Suplementação com Ferro | 360 | 281 | 78,1% | 73,8% | 82,3% |
Adequação Momento 2 | 359 | 59 | 16,4% | 12,6% | 20,3% |
Uma consulta na 25ª, 26ª ou 27ª semana | 360 | 132 | 36,7% | 31,7% | 41,6% |
Idade Gestacional | 360 | 330 | 91,7% | 88,8% | 94,5% |
Altura Uterina | 360 | 332 | 92,2% | 89,5% | 95,0% |
Ausculta dos Batimentos Cardíacos Fetais | 360 | 338 | 93,9% | 91,4% | 96,4% |
Pressão Arterial | 360 | 344 | 95,6% | 93,4% | 97,7% |
Peso materno | 360 | 342 | 95,0% | 92,7% | 97,3% |
Urina tipo I (primíparas/eclampsia) | 360 | 286 | 79,4% | 75,3% | 83,6% |
Recomendação em emergências | 359 | 218 | 60,7% | 55,7% | 65,8% |
Adequação Momento 3 | 360 | 8 | 2,2% | 0,7% | 3,7% |
Uma consulta na 31ª, 32ª ou 33ª semana | 360 | 162 | 45,0% | 39,9% | 50,1% |
Idade Gestacional | 360 | 313 | 86,9% | 83,5% | 90,4% |
Altura Uterina | 360 | 309 | 85,8% | 82,2% | 89,4% |
Ausculta dos Batimentos Cardíacos Fetais | 360 | 317 | 88,1% | 84,7% | 91,4% |
Pressão Arterial | 360 | 327 | 90,8% | 87,9% | 93,8% |
Peso materno | 360 | 328 | 91,1% | 88,2% | 94,1% |
Hemoglobina | 360 | 183 | 50,8% | 45,7% | 56,0% |
Imunização antitetânica | 360 | 36 | 10,0% | 6,9% | 13,1% |
Recomendação em aleitamento materno | 360 | 244 | 67,8% | 63,0% | 72,6% |
Adequação Momento 4 | 262 | 98 | 37,4% | 32,4% | 42,4% |
Uma consulta na 37ª, 32ª ou 39ª semana | 360 | 207 | 57,5% | 52,4% | 62,6% |
Idade Gestacional | 360 | 297 | 82,5% | 78,6% | 86,4% |
Altura Uterina | 360 | 292 | 81,1% | 77,1% | 85,2% |
Ausculta dos Batimentos Cardíacos Fetais | 360 | 301 | 83,6% | 79,8% | 87,4% |
Pressão Arterial | 360 | 313 | 86,9% | 83,5% | 90,4% |
Peso materno | 360 | 311 | 86,4% | 82,8% | 89,9% |
Verificação dos Movimentos Fetais | 360 | 325 | 90,3% | 87,2% | 93,3% |
Referência à Maternidade | 259 | 226 | 87,3% | 83,8% | 90,7% |
No momento 1 a frequência de adequação foi mais baixa quando comparada aos demais momentos. Apenas três gestantes (0,9%) realizaram todos os procedimentos preconizados para a primeira consulta de pré-natal. Cerca de 38% das gestantes iniciaram o pré-natal até a 12ª semana e a realização dos exames laboratoriais foi superior a 70%. A suplementação com ácido fólico e sulfato ferroso foi prescrita para a maioria das gestantes.
No momento 2, a frequência de realização dos exames clínico-obstétricos foi cerca de 93,5%. A repetição do exame de urina para primíparas e gestantes com histórico de eclampsia em gestação anterior foi de 79,4%. Do total das 360 gestantes, 141 eram primigestas e, destas, cerca de 63% repetiu o exame de urina. Apenas uma relatou hipertensão gestacional anterior, repetindo o exame de urina por volta do terceiro trimestre gestacional. Cerca de 60% das gestantes receberam orientação quanto à maternidade para realização do parto.
Quanto à segunda dose da vacina antitetânica, 10% das gestantes encontravam-se imunizadas na terceira consulta, mais de 67% receberam orientação quanto ao aleitamento materno no período. Metade das gestantes repetiu a dosagem de hemoglobina.
O momento 4 apresentou a maior frequência de adequação (37,4%). Os movimentos fetais foram verificados em cerca de 90% das gestantes e 87,3% tiveram o parto realizado na maternidade planejada.
A medida da altura uterina foi o procedimento clínico-obstétrico menos frequente em todos os momentos. A aferição de pressão arterial foi o procedimento mais frequente, seguido do peso materno.
Nenhuma gestante realizou o acompanhamento pré-natal de acordo com todos os critérios estabelecidos pela OMS.
A avaliação da adequação do processo da assistência pré-natal no município de Vitória, ES, foi realizada considerando os critérios mínimos estabelecidos pela OMS e pelo PHPN para o acompanhamento de gestantes de baixo risco gestacio nal. No Brasil, o Ministério da Saúde define como padrão de adequação do pré-natal os critérios estabelecidos pelo PHPN que incluem a realização da primeira consulta até o quarto mês de gestação, número mínimo de seis consultas e uma consulta de puerpério até 42 dias após o nascimento11. Já a OMS propõe de um modelo de acompanhamento pré-natal que considera a realização da primeira consulta até a décima segunda semana de gestação, somadas a três consultas de pré-natal e uma de puerpério, nas quais deverão ser realizados exames laboratoriais e clínicos10.
Não foram encontrados estudos brasileiros que utilizaram como referência de adequação da assistência os padrões da OMS. Por outro lado, não existe um consenso quanto à padronização dos parâmetros mínimos a serem observados nos estudos de avaliação da assistência pré-natal, visto que alguns estudos utilizam critérios diferenciados13-16.
A maioria das gestantes realizou seis ou mais consultas de pré-natal. A média foi de quatro consultas por gestante, resultado inferior ao encontrado por Ribeiro et al.17 na área metropolitana de Aracaju, que constatou uma média de seis consultas por gestante. No entanto, o número ideal de consultas durante o pré-natal e o espaçamento entre elas são questionáveis. Isso fomenta uma discussão sobre o número ideal de consultas que assegure uma assistência de qualidade, que não comprometa a saúde materna e do embrião/feto e que gere maior satisfação para a gestante.
Nos países desenvolvidos, os modelos tradicionais são baseados em uma quantidade de consultas que gira em torno de sete a quatorze atendimentos, número variável conforme a paridade da mulher18 e com a necessidade de intervenções específicas para cada gestante7. No Brasil, diferentemente dos protocolos dos países desenvolvidos, é preconizado um número mínimo de seis consultas11.
O estudo de Villar et al.10, que avaliou a eficácia de diferentes modelos de assistência, concluiu que, para gestantes de baixo risco, a realização de quatro consultas de pré-natal e uma de puerpério seria ideal, sem levar ao aumento de resultados adversos para a mãe e para o bebê, questionando, dessa forma, um número excessivo de consultas. Em concordância, de acordo com Gelband et al.19, que fazem parte da Commission on Macroeconomics and Health Working, a redução do número de consultas não compromete a qualidade da assistência quando a conduta profissional é objetivamente orientada.
Munjanja et al.8 concluíram que gestantes acompanhadas em um programa de pré-natal com quatro consultas não tiveram risco maior de morbimortalidade do que aquelas que realizaram seis ou mais. Por outro lado, em estudo realizado com bebês nascidos no Brasil entre 1995 e 2002, Wehby et al.9 apontaram que consultas de pré-natal mais frequentes podem afetar significativamente a saúde materna e reduzir as complicações perinatais, principalmente nas gestações de maior risco.
A quantidade de consultas possivelmente está relacionada ao número de procedimentos técnicos realizados e à necessidade de garantir a adesão da gestante ao serviço de saúde, e não, necessariamente, à realização do conteúdo preconizado para as consultas.
A OMS preconiza que em todas as consultas devem ser realizados o cálculo da idade gestacional, a medida de altura uterina e as aferições de peso e de pressão arterial maternos. Com exceção da medida de altura uterina na primeira consulta, a frequência de realização desses procedimentos técnicos foi alta, embora não haja resultados de estudos brasileiros para comparação. No caso deste, o processo de assistência pré-natal foi inadequado para a totalidade das gestantes segundo os padrões da OMS, e para mais de 95% das gestantes, segundo os parâmetros do PHPN, reafirmando que a quantidade de consultas e a frequência de realização dos procedimentos não asseguram a adequação da assistência prestada. O estudo de Coutinho et al.15 também encontrou inadequação elevada, maior que 70%, segundo o PHPN modificado.
O conteúdo das consultas é importante para a detecção das morbidades típicas da gestação por meio da realização dos exames físicos e laboratoriais. Nesse sentido, a realização dos exames nos períodos gestacionais recomendados é de fundamental importância para garantir uma gestação e parto saudáveis, uma vez que o uso inadequado dos cuidados está associado a uma maior morbimortalidade materna e infantil20 e a uma maior mortalidade neonatal independente da existência de condições de alto risco21.
O manejo dos fatores de risco modificáveis que surgem durante a gestação é de grande importância. Como exemplo, o controle do ganho de peso gestacional, bem como o da pressão arterial são necessários, uma vez que a história de hipertensão crônica ou o desenvolvimento de pré-eclâmpsia e o baixo peso materno estão relacionados com o baixo peso ao nascimento22. Além disso, mesmo apresentando tendência de redução entre os anos de 1990 e 2010, a principal causa específica de morte materna no Brasil é a hipertensão arterial na gestação23.
A idade gestacional na primeira consulta de pré-natal revela a captação precoce das gestantes pelos serviços de saúde. A maioria das gestantes não está sendo captada nem até o 4º mês (55,3%) e nem antes da 12ª semana (61,7%). O estudo de Domingues et al.24 revelou que cerca de 75% das gestantes do município do Rio de Janeiro iniciaram o pré-natal precocemente. Esses resultados são superiores aos encontrados no presente estudo.
O início tardio do acompanhamento pré-natal evidencia a fragilidade na organização dos serviços de saúde25 e lacunas no processo de trabalho quanto à captação de gestantes precocemente e quanto à conscientização da população. O quadro torna-se mais crítico ao se considerar que o município de Vitória é quase totalmente coberto pela Estratégia de Saúde da Família somada ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde26.
Sabe-se que o início precoce do pré-natal permite antecipar a detecção de riscos e prevenir complicações. A relação de cada intervenção durante a gestação com o declínio da mortalidade materna no mundo ainda não está claro, embora sejam eficazes para a melhoria da saúde em geral27.
Na análise do componente realização de exames laboratoriais deve-se considerar os fatores que estão relacionados com sua submissão pela gestante, análise dos resultados e posterior registro dos mesmos. Há a possibilidade de diversas falhas na organização dos serviços de saúde que se estendem desde as dificuldades de agendamento do exame, sua realização que depende de insumos disponíveis e do funcionamento dos equipamentos e o tempo de retorno dos resultados.
Mundialmente, estima-se que 50% das grávidas desenvolvem anemia por deficiência de ferro28, devido a isso os exames de tipagem sanguínea/fator Rh e dosagem de hemoglobina e hematócrito são fundamentais para o rastreamento da anemia. Tratar a deficiência de ferro previne, por exemplo, a espoliação por ocasião do parto, hipoxemia fetal e prematuridade. Dessa forma, a suplementação com sulfato ferroso é recomendada, associada à orientação nutricional, de preferência, no período antenatal29. Juntamente com a suplementação de ferro, faz-se a de ácido fólico. Essa suplementação preventiva permite uma redução substancial do número de ocorrências dos distúrbios de fechamento do tubo neural, de acordo com o Guia para Serviços de Prevenção Clínica30. No presente estudo, as frequências de suplementações com ferro e ácido fólico foram superiores a 72%. Outros estudos encontraram frequências menores do registro nos cartões das gestantes31,32.
O rastreamento das infecções e das doenças sexualmente transmissíveis no pré-natal assume alta relevância. O Estudo Sentinela Parturiente33, de 2002, estimou a cobertura efetiva da detecção da infecção do HIV durante a gestação em 52% no território nacional. Estudo realizado em maternidades públicas do município de Vitória (ES)34 revelou que mais de 10% das gestantes entrevistadas não realizaram ou não tiveram acesso aos resultados dos exames de HIV e VDRL durante o acompanhamento pré-natal. No presente estudo, mais de 20% das gestantes não realizaram sorologia para sífilis e número ainda maior, cerca de 30%, não realizou o exame de HIV. A não detecção do HIV e da sífilis durante o pré-natal é uma falha que impacta diretamente na prevenção e tratamento precoces, comprometendo o controle da transmissão vertical do HIV e a erradicação da sífilis congênita.
O registro de exame de urina foi observado para a maioria das gestantes, porém a frequência obtida foi muito inferior a do estudo realizado no Sul do Brasil, no qual apenas 3% das gestantes não realizaram a urinálise durante o acompanhamento pré-natal35. A realização do exame de urina é fundamental para o diagnóstico de infecção urinária e bacteriúria assintomática precoces, a fim de iniciar tratamento imediato para o controle de possíveis agravos maternos e perinatais36.
Quanto ao manejo das doenças crônicas no pré-natal, a glicemia de jejum foi o exame que apresentou registro mais frequente, cerca de 80% na primeira consulta. A realização desse exame foi cerca de 60% em Santa Maria, Rio grande do Sul25. O rastreamento para o diabetes deve ser realizado no primeiro trimestre gestacional e repetido na segunda bateria de exames, conforme preconização do PHPN, independente da presença de fatores de risco37.
A importância do rastreamento relaciona-se ao próprio efeito diabetogênico da gestação e à prevalência de Diabetes Mellitus nesse período. Segundo o Estudo Brasileiro de Diabetes Gestacional, a prevalência da doença nas gestantes brasileiras é de 4,7 a 12%38. Além de evitar complicações atuais e futuras da doença no organismo materno, o tratamento do diabetes gestacional reduz a taxa de complicações perinatais graves39.
Quanto aos exames de repetição preconizados pelo PHPN, a adequação foi de 30%. A reduzida realização da segunda bateria de exames é uma fragilidade apontada pelo próprio Ministério da Saúde40, embora Anversa et al.25 tenham indicado uma maior frequência daqueles realizados próximos à 30ª semana de gestação do que dos solicitados na primeira consulta, cujos resultados são inferiores a 40%.
A repetição do exame de urina na segunda consulta para primíparas e gestantes com história de pré-eclâmpsia foi significativa, cerca de 80%. A dosagem de hemoglobina na terceira consulta foi repetida para metade das gestantes. A repetição desses exames é preconizada pela OMS. Contudo, não há estudos brasileiros que utilizam esses critérios, impossibilitando comparações.
Neste estudo, o manejo do risco gestacional pode ser considerado elevado, mais de 90%. Diferentemente do estudo de Halpern et al.5, no qual foi observado que quanto maior o risco gestacio nal, menos referidos eram os procedimentos tais como a suplementação com ferro e a orientação sobre amamentação. O Ministério da Saúde37 orien ta que a classificação do risco gestacional deve ser realizada na primeira consulta e nas subsequentes, além de ser indispensável garantir o acesso ao serviço de referência para as gestantes classificadas como de risco. A criação do vínculo com o serviço especializado é importante e, da mesma forma, o acompanhamento pela unidade de saúde de origem deve ser mantido para o monitoramento da assistência pré-natal. O manejo do risco gestacional foi obtido por meio do autorrelato da puérpera, constituindo-se em uma limitação dessa variável.
A cobertura da vacinação antitetânica, considerando pelo menos uma dose da vacina, foi inferior à cobertura encontrada no município de Curitiba (87,2%) por Carvalho e Novaes41. Ao considerar duas doses da vacina apenas 10% das gestantes encontravam-se imunizadas entre a 31ª e 33ª semanas. Uma vez que a vacina antitetânica está disponível na maioria dos serviços públicos de saúde, a baixa cobertura pode ser explicada pela ausência do registro das doses no cartão da gestante. Além disso, os serviços dispõem de outros impressos para o registro das vacinas e em alguns modelos de cartão de gestante não há campo específico para o controle das doses.
Mais da metade das puérperas relatou ter sido informada quanto à maternidade/hospital que deveriam procurar no caso de situação de emergência. A omissão dessa informação para o restante das gestantes pode ter ocorrido pelo fato de as maternidades do município serem previamente conhecidas e a maior parte das gestantes já serem multíparas, cerca de 61%. Contudo, isso não isenta a responsabilidade dos profissionais de saúde em orientarem as gestantes em todas as oportunidades durante o acompanhamento pré-natal. Quase todas as puérperas relataram ter recebido informação sobre a maternidade de referência para a realização do parto. Essa orientação deve ser feita na última consulta de pré-natal, segundo a Organização Mundial de Saúde. No estudo de Domingues et al.24 baixa proporção de mulheres recebeu informação quanto a maternidade de referência no ultimo mês de gestação.
A vinculação da gestante com a maternidade de realização do parto deve ser feita desde o início do acompanhamento pré-natal. A omissão dessa orientação pode levar a uma peregrinação das gestantes pelos estabelecimentos de saúde no momento do parto ou em caso de emergências. No município do Rio de Janeiro, Leal et al.42 encontraram alta proporção de mulheres que não conseguiram atendimento, por ocasião do parto, na primeira maternidade procurada, refletindo uma ausência de planejamento para a assistência ao nascimento.
A adoção do modelo de cartão da gestante com espaço próprio para o registro do nome da instituição de saúde a ser procurada no caso de parto ou de intercorrências poderia direcionar melhor as gestantes. A Lei n° 11.634 de 27 de dezembro de 2007 garante o direito da gestante ao conhecimento prévio da maternidade de realização do seu parto, bem como a vinculação prévia à maternidade em caso de intercorrências, inclusive durante o puerpério43.
Neste estudo, a frequência de orientações sobre aleitamento materno no pré-natal foi menor do que a observada no estudo de Leal et al.44. O recomendável seria que todas as gestantes fossem orientadas, uma vez que desde a década de 1980 há um esforço mundial por parte da OMS juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para promover e apoiar o aleitamento materno45.
Um dos pontos inéditos do estudo foi avaliar a assistência pré-natal no Brasil de acordo com critérios estabelecidos pela OMS, uma vez que estudos anteriores utilizam os indicadores de processo do PHPN, aplicando índices de adequação internacionais ou nacionais14,46. Os critérios adotados foram os requisitos mínimos para uma assistência pré-natal de baixa complexidade e, ainda assim, a adequação da assistência foi insatisfatória. Possivelmente, a baixa adequação aos critérios do PHPN deve-se a uma prática não orientada das atividades que são desenvolvidas rotineiramente no SUS, à ausência do registro de informações nos cartões das gestantes, à ausência de cumprimento de protocolos pelos profissionais de saúde e à falta de organização dos serviços de saúde. A total inadequação ao instrumento adotado pela OMS pode estar relacionada à idade gestacional precoce de início do pré-natal, bem como com o período gestacional de realização das consultas, somando-se a isso o não cumprimento de todos os critérios estabelecidos. Além disso, deve-se considerar que o SUS não adota os critérios da OMS para oferta da assistência pré-natal.
Não foram utilizados elementos da avaliação relacionados à estrutura, ao processo e ao resultado como no estudo de Costa et al.47, a inclusão dessas dimensões tornaria a avaliação mais completa e consistente, permitindo a ampliação das conclusões sobre a qualidade do cuidado. Por outro lado, a adequação contemplou o conteúdo da assistência prestada, não se limitando a apenas à época de início do acompanhamento pré-natal e ao número de consultas realizadas.
No presente estudo foi necessário adaptar os registros dos procedimentos aos momentos gestacionais preconizados pela OMS. No entanto, é possível concluir que o resultado da adequação não seria diferente ao do encontrado, uma vez que pequena parte das gestantes realizou as consultas no período gestacional recomendado.
A avaliação do processo de assistência observada no município é encorajadora e capaz de nortear mudanças que possam potencializar os pontos positivos observados e de reorientar estratégias para superar as deficiências. Sugere-se uma revisão do número de consultas de pré-natal no município, por meio de discussões que envolvam os profissionais de saúde e as gestantes, uma vez que deve ser levada em conta a satisfação e as expectativas das mulheres para garantir sua adesão e a continuidade do cuidado.
Embora haja um reconhecimento nacional das políticas públicas de saúde desenvolvidas no município de Vitória, a inadequação do processo de assistência pré-natal, pelo conjunto dos dois critérios utilizados, foi elevada. Chamando à atenção para a necessidade de futuras investigações acerca da qualidade da assistência pré-natal em municípios com nível inferior.
Avaliações periódicas nos serviços de saúde devem se tornar uma prática rotineira, a fim de se identificar os nós críticos e propor ações que intervém de forma a garantir a realização dos critérios mínimos de assistência e que contemplem as características sociais e demográficas da população atendida.