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Adesão ao Programa de Educação Permanente para médicos de família de um Estado da Região Sudeste do Brasil

Adesão ao Programa de Educação Permanente para médicos de família de um Estado da Região Sudeste do Brasil

Autores:

Luciana Souza d'Ávila,
Lucília Nunes de Assis,
Marilene Barros de Melo,
Luiz Carlos Brant

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.2 Rio de Janeiro fev. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014192.01162013

ABSTRACT

Ongoing Health Education is a strategy for transformation of health practices, though the adherence of professionals is one of the challenges facing its implementation. Thus, the objective of this study was to investigate the factors associated with adherence of family doctors to the Ongoing Education Program in a southeastern Brazilian state from the perception of supervisors. It is a cross-sectional and quantitative study with the use of online questionnaires. Data were analyzed using the chi-square test with ongoing correction to determine the association between structure, topics, activities and difficulties of the supervisors working in Ongoing Health Education, difficulties of the physicians in Primary Health Care (PHC) and poor and good adherence to the program. Excellent medical participation was statistically related to the adequacy of physical space (p = 0.001), a multidisciplinary approach (p = 0.035) and epidemiological aspects (p = 0.043). Low adherence was associated with the inadequacy of the physical structure, difficulty understanding the methodology, less time in a supervisory position, multiple workdays, among others. A good adherence to Ongoing Health Education is a possibility for collective reconstruction of the everyday work of physicians in Primary Health Care.

Key words: Ongoing education; Primary Health Care; Medical education

Introdução

O Programa de Saúde da Família (PSF) foi criado em 1994 como eixo reorientador do modelo de atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que, em 1997, foi redefinido como Estratégia de Saúde da Família (ESF). A operacionalização dessa estratégia se dá a partir do trabalho de equipes multiprofissionais, que são constituídas, no mínimo, por um auxiliar de enfermagem, seis agentes comunitários de saúde (ACS), um enfermeiro e um médico generalista. Esses profissionais são responsáveis por grupos populacionais de aproximadamente mil famílias, ou quatro mil habitantes, em territórios delimitados1.

Diante do desafio imposto pelas diretrizes da ESF, pelos saberes que mediam a relação equipe/comunidade e entre os integrantes da equipe, e pela necessidade de adequação às especificidades de cada território, são necessários mudanças no modelo de formação2, bem como, investimentos nos processos permanentes de formação e qualificação profissionais. Nesse contexto, a Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007, implementa a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde3. Alguns movimentos procuram consolidar essa política, entre eles, o Programa de Educação Permanente (PEP) para médicos de Saúde da Família de um Estado da região sudeste.

O PEP, lançado em 2004, é financiado integralmente com recursos do tesouro estadual e está presente em todas as 13 regiões ampliadas de saúde do Estado investigado, tendo como parceiras 17 instituições (16 universidades e a prefeitura da capital do Estado). A opção desse programa em contemplar, inicialmente, somente os médicos da Saúde da Família se relaciona à baixa adesão desses profissionais à ESF, com curta permanência nas equipes; à frágil formação do médico no campo da Atenção Primária, assim como à pequena participação desses trabalhadores em qualificações pertinentes a esse nível de atenção4.

De acordo com Silvério4, o objetivo da implementação do PEP foi favorecer o exercício da prática médica de maneira a reconstruí-la, permanentemente, de acordo com as necessidades em saúde, visando o aprimoramento do cuidado. Entre as suas metas, encontram-se a qualificação da prática; o fortalecimento da autoestima; a minimização do isolamento; o estabelecimento de protocolos; a ampliação da efetividade e resolutividade da APS e a redução dos diagnósticos e prescrições incorretos e da rotatividade dos médicos na ESF4.

Em relação à sua metodologia, o PEP tem como núcleo a consulta médica centrada no paciente e é organizado a partir dos Grupos de Aperfeiçoamento Profissional (GAP), compostos por 8 a 12 médicos que integram a ESF de uma mesma região de saúde. As atividades desses grupos são desenvolvidas em encontros mensais ou quinzenais, com a orientação de um professor da Universidade parceira, ou de um médico de família pertencente à rede de um dos municípios da região. Esse professor/médico de família é chamado de supervisor e é responsável por direcionar e acompanhar as discussões dos GAP, de acordo com a metodologia preconizada pelo programa, sem aulas expositivas4.

Quanto à infraestrutura do programa, recomenda-se que seja disponibilizado nos municípios um espaço educativo constituído por salas de educação permanente, com capacidade e qualidade adequadas. Ainda, o PEP é operacionalizado por meio de quatro estratégias educacionais, sendo que para cada, devem ser dedicadas quatro horas mensais no horário de trabalho, organizadas de acordo com as necessidades de cada grupo4.

Essas estratégias educacionais englobam: a) Plano de Desenvolvimento Profissional (PDP) - ferramenta para promover a autoaprendizagem e a identificação das fragilidades profissionais individuais, sobre as quais são traçadas estratégias; b) Módulos de Capacitação - reuniões em torno de um eixo temático constituído a partir do estabelecimento de prioridades, identificadas pelos gestores e médicos do GAP; c) Treinamento de Habilidades Clínicas - acompanhamento e avaliação de um preceptor/ facilitador quanto ao atendimento clínico; e, d) Ciclo de Aperfeiçoamento de Prática Profissional (CAPP) - pilar da ação educacional, constituindo um espaço permanente de discussão e de proposição crítica da prática, por meio da análise das consultas, dos eventos, dos prontuários, dos mecanismos de auditoria clínica e operacional, da discussão de casos clínicos e de protocolos externos e internos4 , 5.

O referencial teórico do Programa, por sua vez, refere-se à Educação Permanente em Saúde (EPS), que pode ser compreendida como uma estratégia de desenvolvimento de ações educativas que tem seu significado traduzido no processo de trabalho. De acordo com esse referencial, o cotidiano laboral se configura como fonte de conhecimento, propiciando a reflexão e a problematização da realidade em saúde, a partir da "experienciação", de maneira a compreendê-la e, se necessário, propor ações para transformá-la. Assim, a construção da ação educativa deve estar pautada nas necessidades de saúde e especificidades locais, além de ser articulada ao processo de atenção, à formação/qualificação, à gestão e ao controle social6 - 10.

A importância da Educação Permanente na Atenção Primária em Saúde está associada à busca pela garantia da universalidade e integralidade do SUS, uma vez que, além de compreender um território adscrito a partir do enfoque familiar e comunitário, a APS é considerada espaço de construção coletiva, onde os diversos sujeitos estão envolvidos nos cuidados em saúde8 , 11 , 12.

Diante da complexidade da ação que o PEP se propõe, fez-se necessário analisar a sua implantação. O objetivo deste trabalho é identificar, a partir da percepção dos supervisores, os fatores relacionados à adesão dos médicos às atividades do Programa de Educação Permanente para médicos de família de 11 regiões ampliadas de saúde em um Estado da Região Sudeste.

Metodologia

Obtenção das informações

Trata-se de um estudo transversal, de natureza quali-quantitativa, realizada entre abril de 2011 e janeiro de 2013, que teve como objetivo analisar o processo de implementação do PEP. Este artigo tem como foco os fatores relacionados à adesão (participação, assiduidade, frequência e envolvimento) dos médicos nas atividades do programa, segundo a percepção dos supervisores dos GAP.

As informações foram obtidas a partir da aplicação de um questionário on-line ao universo de supervisores que iniciaram sua atuação no programa até agosto de 2011 (N = 215). Foi realizado um piloto com três representantes desses atores, visando à compreensão e a pertinência do conteúdo do questionário, assim como da operacionalização e utilização da ferramenta web (LimeSurvey(r)) utilizada para envio do instrumento.

Paralelamente, os endereços eletrônicos e/ou números de telefone dos supervisores foram coletados por meio do contato com os coordenadores da prefeitura e das Universidades parceiras. O instrumento de coleta foi hospedado na página da Escola de Saúde Pública do Estado e o link codificado, de acesso individual, foi enviado ao endereço eletrônico dos participantes (N = 215). A utilização do questionário visou à construção do perfil dos supervisores, obtenção de informações quanto às ações e atividades do programa e sua concepção sobre a adesão dos médicos e a prática na APS.

Após o encaminhamento dos questionários, foram enviadas três mensagens lembrando a importância da resposta, em intervalos de 10 a 15 dias, além de novo envio em caso de solicitação individual pelo supervisor. O prazo de resposta foi de dois meses, sendo ampliado por mais dois, devido a problemas operacionais com o servidor de rede da instituição executora da pesquisa.

O questionário respondido não apresentou qualquer tipo de identificação e continha duas formas de consentimento ou recusa de participação na pesquisa. A primeira forma consistiu em um recurso automático do programa web, em que, no corpo do e-mail enviado, foram disponibilizados dois links distintos, sendo o primeiro de aceite de participação e, o segundo, de recusa. Ao clicar no link de aceite, o supervisor tinha acesso ao questionário, cuja primeira pergunta foi denominada de "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido" (segunda forma de consentimento ou recusa), contendo explicações gerais sobre o estudo, assim como sobre a garantia de anonimato das respostas. Essa questão englobou duas opções "sim" ou "não", sendo que ao marcar a resposta "não", o supervisor foi excluído do estudo.

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética do Centro de Pesquisa René Rachou.

Análise das informações

Para análise das informações foi utilizado o desenho de estudo do tipo caso-controle, realizando-se, primeiramente, uma análise descritiva das informações referentes ao perfil dos supervisores. A seguir, fez-se o cruzamento entre as variáveis relacionadas à participação, frequência, assiduidade e envolvimento dos médicos nas atividades do programa (variáveis resposta) e as variáveis relativas às ações do programa e à prática dos médicos na APS (variáveis explicativas).

As variáveis explicativas foram categorizadas em: a) estrutura do Programa; b) critérios considerados na organização e desenvolvimento dos GAP; c) tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP; d) atuação dos supervisores e dificuldades no cotidiano laboral; e) percepção dos supervisores das dificuldades dos médicos na APS. As variáveis resposta foram classificadas em: a) boa adesão ao PEP e b) baixa adesão (Quadro 1).

Quadro 1 Variáveis explicativas e variáveis resposta utilizadas na análise das informações, Programa de Educação Permanente para Médicos de Família, Sudeste, Brasil, 2011-2012. 

Para verificar a associação entre as variáveis resposta e explicativas, utilizou-se o teste qui-quadrado com correção de continuidade, a uma significância p < 0,05 e o cálculo da razão de chances (RC) e de seu intervalo de confiança (IC) a 95%. Para a realização dos testes descritos foi utilizado o Pacote Estatístico SPSS 19,0.

Resultados

Perfil dos supervisores

Foi obtida uma taxa de resposta de 71,6% (n = 154), considerada boa em relação às esperadas relatadas na literatura13 , 14 para estudos de avaliação de necessidades e de impacto e com populações homogêneas em determinadas características, no caso, ser supervisor do PEP.

O perfil dos supervisores é equitativo quanto ao gênero, sendo 49,4% (n = 76) dos participantes do sexo feminino e 50,6% (n = 78), do masculino. Aproximadamente, 47% (n = 72) dos supervisores estão na faixa etária entre 31 a 40 anos e 45,5% (n = 70) são especialistas na área de Atenção Primária, Saúde da Família, Medicina de Família ou Saúde Pública. A maioria dos supervisores tem como instituição de origem a Universidade (38,3%; 59) ou Serviços de Saúde (37,7%; 58) e 13,6% (n = 21) são originados de ambas as instituições. A experiência na assistência à saúde pelos médicos supervisores é predominante na APS, referenciada por 86,4% (Tabela 1).

Tabela 1 Perfil dos supervisores (n = 154) quanto às características demográficas, à formação e à atuação profissional, Sudeste, Brasil, 2011-2012. 

Perfil dos supervisores n %
Características demográficas
Sexo
Feminino 76 49,4
Masculino 78 50,6
Total 154 100,0
Faixa etária
De 21 a 30 anos 11 7,1
De 31 a 40 anos 72 46,8
De 41 a 50 anos 30 19,5
50 anos ou mais 41 26,6
Total 154 100,0
Formação
Especialização*
Não 49 31,8
APS, Saúde da Família, Medicina 70 45,5
de Família ou Saúde Pública
Outras especialidades 58 37,7
Residência*
Não 83 53,9
APS, Saúde da Família, Medicina 23 14,9
de Família ou Saúde Pública
Outras áreas 54 35,1
Mestrado
Não 115 74,7
APS, Saúde da Família, Medicina 11 7,1
de Família ou Saúde Pública
Outras áreas 28 18,2
Total 154 100,0
Doutorado
Não 132 85,7
APS, Saúde da Família, Medicina 03 1,9
de Família ou Saúde Pública
Outras áreas 19 12,3
Total 154 100,0
Atuação profissional
Instituição de origem
Universidade 59 38,3
Serviço 58 37,7
Universidade e serviço 21 13,6
Não especificado 16 10,4
Total 154 100,0
Área de experiência assistencial*
Atenção Primária à Saúde 133 86,4
Pronto Atendimento 61 39,6
Urgência/Emergência 47 30,5
Atenção especializada 84 54,5

* Total maior que 154, pois alguns supervisores deram mais de uma resposta para essa questão

Fatores relacionados à boa adesão às atividades do PEP

A boa adesão dos médicos de família foi verificada pela análise dos fatores associados à BOA ou ÓTIMA participação e à BOA ou ÓTIMA assiduidade nas atividades do programa. Em relação à participação dos médicos, a boa participação se mostrou inversamente associada (p = 0,050) a uma adequação ruim do espaço físico às demandas dos GAP (RC = 0,46; IC95% = 0,22-0,94) ou seja, o fato de se ter uma adequação ruim do espaço físico, reduz em 2,17 vezes a chance de se ter uma boa participação dos médicos no PEP (Tabela 2).

Tabela 2 Fatores relacionados à BOA ou ÓTIMA participação e à ÓTIMA assiduidade dos médicos nas atividades do PEP, Sudeste, Brasil, 2011-2012. 

BOA participação dos médicos nas atividades do PEP
Sim Não
n (%) n (%) p RC IC 95%
Estrutura do Programa
Adequação do espaço físico às demandas dos GAP:
RUIM
Sim 16 (36,4) 28 (63,6) 0,050 0,46 0,22-0,94
Não 61 (55,5) 49 (44,5)
ÓTIMA participação dos médicos nas atividades do PEP
Sim Não
n (%) n (%) p RC IC 95%
Estrutura do Programa
Adequação do espaço físico às demandas dos GAP:
BOA
Sim 12 (25,0) 36 (75,0) 0,001 0,46 1,94-15,90
Não 6 (5,7) 100 (94,3)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no
PEP
Aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde
prevalentes na APS
Sim 14 (17,3) 67 (82,7) 0,043 0,46 1,13-11,51
Não 4 (5,5) 69 (94,5)
Abordagem multidisciplinar dos problemas de
saúde prevalentes na APS
Sim 13 (18,3) 58 (81,7) 0,035 0,46 1,18-10,36
Não 5 (6,0) 78 (94,0)
ÓTIMA assiduidade dos médicos nas atividades do PEP
Sim Não
n (%) n (%) p RC IC 95%
Estrutura do Programa
Adequação do espaço físico às demandas dos GAP:
BOA
Sim 11 (22,9) 37 (77,1) 0,004 4,95 1,71-14,36
Não 6 (5,7) 100 (94,3)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP
Aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde
prevalentes na APS
Sim 15 (18,5) 66 (81,5) 0,004 8,07 1,78-36,63
Não 2 (2,7) 71 (97,3)
Atuação dos supervisores e suas dificuldades no
cotidiano de trabalho no PEP
Dificuldade de compreensão e adesão dos médicos
participantes à metodologia utilizada no PEP
Sim 2 (3,3) 59 (96,7) 0,026 0,18 0,04-0,80
Não 15 (16,1) 78 (83,9)
Percepção dos supervisores quanto às dificuldades
dos médicos na APS
Remuneração insatisfatória
Sim 15 (15,3) 83 (84,7) 0,049 4,88 1,07-22,19
Não 2 (3,6) 54 (96,4)

De forma contrária, verificou-se que a boa adequação do espaço físico às demandas dos GAP (p = 0,001; RC = 5,56; IC95% = 1,94-15,90), a abordagem multidisciplinar (p = 0,035; RC = 3,50; IC95% = 1,18-10,36) e dos aspectos epidemiológicos (p = 0,043; RC = 3,60; IC95% = 1,13-11,51) dos problemas de saúde prevalentes na APS se associaram positivamente à ótima participação nas atividades do programa. Em outras palavras, o cruzamento com a boa adequação do espaço físico apontou uma chance de 5,5 vezes de se ter uma ÓTIMA participação, enquanto a abordagem multidisciplinar e dos aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde prevalentes na APS apresentaram uma chance de 3,5 e 3,6 vezes, respectivamente (Tabela 2). As outras variáveis explicativas não apresentaram uma associação estatisticamente significante com a boa ou ótima participação.

Quanto à assiduidade nas atividades do PEP, a boa assiduidade não se mostrou relacionada com nenhuma variável. Por outro lado, foi encontrada uma associação positiva da ótima assiduidade com a boa adequação do espaço físico às demandas dos GAP (p = 0,004; RC = 4,95; IC95% = 1,71-14,36); com a abordagem dos aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde prevalentes na APS (p = 0,004; RC = 8,07; IC95% = 1,78-36,63) e com a remuneração insatisfatória dos médicos na APS (p = 0,049; RC = 4,88; IC95% = 1,07-22,19). Uma associação inversa foi observada entre a ótima assiduidade e a dificuldade, vivenciada pelo supervisor, de compreensão e adesão dos médicos participantes à metodologia utilizada no PEP (p = 0,026; RC = 0,18; IC95% = 0,04-0,80).

Observa-se que, novamente, a adequação do espaço físico às demandas dos GAP se mostrou relacionada com a adesão às atividades do PEP, uma vez que uma boa adequação do espaço apresenta, em média, 4,95 vezes mais chance de se ter uma ótima assiduidade no programa. A abordagem dos aspectos epidemiológicos também pode ser considerada relevante, já que indica uma chance aumentada em 8,07 vezes de se ter uma ótima assiduidade no PEP. Vale ressaltar que o amplo intervalo de confiança encontrado nesse caso pode ser explicado pela presença de um valor menor que cinco na contagem dessa variável. Além disso, a dificuldade percebida pelos supervisores em seu cotidiano de trabalho no PEP de compreensão e adesão dos médicos à metodologia utilizada no programa pode reduzir em 5,5 vezes a chance de se ter uma ótima assiduidade. De forma inversa, a remuneração insatisfatória na APS, segundo a percepção dos supervisores, contribui para ótima assiduidade no programa (Tabela 2).

Fatores relacionados à baixa adesão às atividades do PEP

A baixa adesão dos médicos de família ao programa foi analisada por meio dos fatores associados à participação e assiduidade REGULAR ou RUIM dos profissionais e por meio da dificuldade, percebida pelos supervisores, de FREQUÊNCIA e ENVOLVIMENTO dos médicos nas atividades do PEP.

Quanto à participação dos médicos, a adequação ruim do espaço físico às demandas do GAP (p = 0,012; RC = 2,67; IC95% = 1,29-5,50); a abordagem da habilidade em comunicação e educação em saúde/relação médico-usuário (p = 0,025; RC = 2,72; IC95% = 1,19-6,20) e a dificuldade, vivenciada pelo supervisor, de compreensão e adesão dos médicos à metodologia utilizada (p = 0,040; RC = 2,16; IC95% = 1,09-4,27), apresentaram uma relação positiva com a participação regular no programa. A não abordagem dos aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde prevalentes na APS (p = 0,046; RC = 0,47; IC95% = 0,24-0,94) e a não discussão de eventos críticos (p = 0,023; RC = 0,41; IC95% = 0,20-0,84), também se mostraram relacionadas à participação considerada regular (Tabela 3). No caso da participação ruim, observou-se uma relação estatisticamente positiva com a dificuldade de articulação e cooperação por parte da gestão municipal (p = 0,010; RC = 13,97; IC95% = 1,58-123,37).

Tabela 3 Fatores relacionados à participação REGULAR ou RUIM e à assiduidade REGULAR ou RUIM dos médicos nas atividades do PEP, Sudeste, Brasil, 2011-2012. 

Participação REGULAR dos médicos nas atividades do PEP
Sim Não
n (%) n (%) p RC IC (95%)
Estrutura do Programa
Adequação do espaço físico às demandas dos GAP:
RUIM
Sim 22 (50,0) 22 (50,0) 0,012 2,67 1,29-5,50
Não 30 (27,3) 80 (72,7)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP
Aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde
prevalentes na APS
Sim 21 (25,9) 60 (74,1) 0,046 0,47 0,24-0,94
Não 31 (42,5) 42 (57,5)
Habilidade em comunicação e educação em saúde
– relação médico-usuário
Sim 43 (39,8) 65 (60,2) 0,025 2,72 1,19-6,20
Não 9 (19,6) 37 (80,4)
Discussão de eventos críticos
Sim 31 (27,9) 80 (72,1) 0,023 0,41 0,20-0,84
Não 21 (48,8) 22 (51,2)
Atuação dos supervisores e suas dificuldades no
cotidiano de trabalho no PEP
Dificuldade de compreensão e adesão dos médicos
participantes à metodologia utilizada no PEP 34 (55,7) 0,040 2,16 1,09-4,27
Sim 27 (44,3) 68 (73,1)
Não 25 (26,9)
Participação RUIM dos médicos nas atividades do PEP
Sim Não
n (%) n (%) p RC IC (95%)
Atuação dos supervisores e suas dificuldades no
cotidiano de trabalho no PEP
Dificuldade de articulação e cooperação por parte
da gestão municipal
Sim 5 (11,4) 39 (88,6) 0,010 13,97 1,58-123,37
Não 1 (0,9) 109 (99,1)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP
Abordagem multidisciplinar dos problemas de
saúde prevalentes na APS
Sim 21 (29,6) 50 (70,4) 0,020 0,43 0,22-0,84
Não 41 (49,4) 42 (50,6)
Atuação dos supervisores e suas dificuldades no
cotidiano de trabalho no PEP
Tempo de atuação no PEP
≤1 ano 35 (50,0) 35 (50,0) 0,037 2,11 1,10-4,06
> 1 ano 27 (32,1) 57 (67,9)
Assiduidade RUIM dos médicos nas atividades do PEP
Sim Não
n (%) n (%) p RC IC (95%)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP
Discussão de casos clínicos
Sim 18 (12,2) 130 (87,8) 0,041 0,14 0,03-0,74
Não 3 (50,0) 3 (50,0)
Percepção dos supervisores quanto às dificuldades
dos médicos na APS
Múltiplas jornadas de trabalho
Sim 18 (19,6) 74 (80,4) 0,018 4,78 1,34-17,02
Não 3 (4,8) 59 (95,2)

A abordagem multidisciplinar dos problemas de saúde prevalentes na APS mais uma vez se relacionou à adesão, já que o fato de não abordar esse tópico no programa, está associada a uma assiduidade considerada regular 2,32 vezes maior (p = 0,020; RC = 0,43; IC95% = 0,22-0,84). Paralelamente, um tempo de atuação do supervisor no PEP menor ou igual a um ano determinou a chance de se ter uma assiduidade regular de 2,11 vezes maior (p = 0,037; RC = 2,11; IC95% = 1,10-4,06), ou seja, um tempo de atuação do supervisor maior que um ano está associado a uma melhor assiduidade dos médicos (Tabela 3).

A assiduidade ruim dos médicos, por sua vez, apresentou uma relação inversa com a discussão de casos clínicos no PEP (p = 0,041; RC = 0,14; IC95% = 0,03-0,74) e uma relação positiva com as múltiplas jornadas de trabalho na APS (p = 0,018; RC = 4,78; IC95% = 1,34-17,02), percebidas como dificuldades pelos supervisores (Tabela 3).

No caso da frequência dos médicos percebida como uma dificuldade pelos supervisores em seu cotidiano no PEP, observou-se uma relação inversa com a discussão de tópicos que envolvem a habilidade em comunicação e educação em saúde focada na abordagem coletiva (p = 0,050; RC = 0,44; IC95% = 0,21-0,94). Ao se realizar o cruzamento da "frequência dos médicos" com outras variáveis da categoria de dificuldades percebidas pelos supervisores, encontrou-se uma associação positiva com a dificuldade de compreensão e adesão dos médicos à metodologia utilizada no PEP (p = 0,009; RC = 2,64; IC95% = 1,32-5,28), em contraposição à dificuldade de acesso a material de referencial teórico (p = 0,036; RC = 0,47; IC95% = 0,24-0,91) e à dificuldade de disponibilidade e qualidade de equipamentos e instrumentos (p = 0,022; RC = 0,44; IC95% = 0,23-0,85), conforme mostrado na Tabela 4.

Tabela 4 Fatores relacionados às dificuldades vivenciadas pelos supervisores, FREQUÊNCIA e ENVOLVIMENTO dos médicos, em seu cotidiano de trabalho no PEP, Sudeste, Brasil, 2011-2012. 

FREQUÊNCIA dos médicos é dificuldade do supervisor em seu cotidiano de trabalho no PEP
Sim Não p RC IC (95%)
n (%) n (%)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP
Habilidade em comunicação e educação em saúde
- abordagem coletiva
Sim 16 (43,2) 21 (56,8) 0,050 0,44 0,21-0,94
Não 74 (63,2) 43 (36,8)
Atuação dos supervisores e suas dificuldades no
cotidiano de trabalho no PEP
Dificuldade de acesso a material de referencial
teórico
Sim 30 (47,6) 33 (52,4) 0,036 0,47 0,24-0,91
Não 60 (65,9) 31 (34,1)
Dificuldade de disponibilidade e qualidade de
equipamentos e instrumentos
Sim 30 (46,9) 34 (53,1) 0,022 0,44 0,23-0,85
Não 60 (66,7) 30 (33,3)
Dificuldade de compreensão e adesão dos médicos
participantes à metodologia utilizada no PEP
Sim 44 (72,1) 17 (27,9) 0,009 2,64 1,32-5,28
Não 46 (49,5) 47 (50,5)
Percepção dos supervisores quanto às dificuldades
dos médicos na APS
Múltiplas jornadas de trabalho
Sim 65 (70,7) 27 (29,3) 0,000 3,56 1,81-7,01
Não 25 (40,3) 37 (59,7)
Critérios considerados na organização e
desenvolvimento dos GAP
Demandas individuais dos médicos
Sim 28 (38,9) 44 (61,1) 0,015 0,43 0,22-0,82
Não 49 (59,8) 33 (40,2)
Tópicos abordados e atividades desenvolvidas no PEP
Aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde
prevalentes na APS
Sim 32 (39,5) 49 (60,5) 0,010 0,41 0,21-0,78
Não 45 (61,6) 28 (38,4)
Aprimoramento da consulta médica e dos
métodos clínicos centrados no paciente
Sim 55 (45,5) 66 (54,5) 0,050 0,42 0,19-0,93
Não 22 (66,7) 11 (33,3)
Atuação dos supervisores e suas dificuldades no
cotidiano de trabalho no PEP
Dificuldade de disponibilidade e qualidade de
equipamentos e instrumentos
Sim 24 (37,5) 40 (62,5) 0,014 0,42 0,22-0,81
Não 53 (58,9) 37 (41,1)
Dificuldade de compreensão e adesão dos médicos
participantes à metodologia utilizada no PEP
Sim 46 (75,4) 15 (24,6) 0,000 6,13 2,97-12,66
Não 31 (33,3) 62 (66,7)
Percepção dos supervisores quanto às dificuldades
dos médicos na APS
Múltiplas jornadas de trabalho
Sim 55 (59,8) 37 (40,2) 0,005 2,70 1,39-5,26
Não 22 (35,5) 40 (64,5)

As múltiplas jornadas de trabalho, percebidas pelos supervisores como dificuldades dos médicos na Atenção Primária, também apresentaram uma associação positiva com o problema de frequência no PEP, uma vez que o fato de as múltiplas jornadas de trabalho ser considerado uma dificuldade dos médicos na APS aumenta a chance de dificuldade com frequência no PEP em 3,56 vezes (p = 0,000; IC95% = 1,81-7,01).

Em relação ao envolvimento dos médicos como uma dificuldade vivenciada pelos supervisores no PEP, a escolha de temas relativos às demandas individuais (p = 0,015; RC = 0,43; IC95% = 0,22-0,82); aos aspectos epidemiológicos dos problemas de saúde prevalentes na APS (p = 0,010; RC = 0,41; IC95% = 0,21-0,78) e ao aprimoramento da consulta médica e dos métodos clínicos centrados no paciente (p = 0,050; RC = 0,42; IC95% = 0,19-0,93), mostrou-se inversamente relacionada, ou seja, a abordagem desses temas está relacionada a uma menor taxa de dificuldade com o envolvimento dos médicos (Tabela 4).

No cruzamento com as outras dificuldades percebidas pelos supervisores no PEP, o problema com o envolvimento dos médicos apresentou uma relação significativa positiva com a dificuldade de compreensão e adesão dos médicos à metodologia utilizada no PEP (p = 0,000; RC = 6,13; IC95% = 2,97-12,66) e, assim como no caso da frequência, uma relação inversa com a dificuldade de disponibilidade e qualidade de equipamentos e instrumentos (p = 0,014; RC = 0,42; IC95% = 0,22-0,81). Quanto às dificuldades na APS, observou-se novamente uma relação positiva com as múltiplas jornadas de trabalho (p = 0,005; RC = 2,70; IC95% = 1,39-5,26), como observado na Tabela 4.

Discussão

Investigar a adesão dos médicos ao PEP é fundamental devido ao seu objeto de intervenção (trabalho em saúde), à amplitude geográfica de atuação, ao número de instituições e sujeitos envolvidos, ao seu custo operacional e à possibilidade de extensão para outros integrantes da ESF. A análise da adesão, a partir do olhar dos supervisores, mostrou-se de extrema relevância, dado o papel estratégico desse ator no processo de condução e mediação das discussões e atividades desenvolvidas no programa.

O trabalho em saúde, além de pressupor uma produção imaterial, consumida no momento da sua realização a partir de uma relação intersubjetiva e com uma considerável autonomia15, constitui-se em uma ação coletiva, que envolve vários sujeitos e exige domínio e interação de saberes técnico-científicos diversos. Na articulação entre trabalho e educação no âmbito da saúde, fazem-se necessárias, tanto a compreensão de todo o processo de trabalho nesse campo, quanto a competência para atuar com problemas de saúde e contextos socioculturais variados12 , 16 - 19. Dessa forma, o PEP pode representar um espaço de ressignificação, no qual todos os atores envolvidos assumem importância, visando uma construção coletiva de novos significados do fazer em saúde. O supervisor, entretanto, tem uma posição diferenciada a partir da função exercida de mediador e facilitador.

Ao se analisar o perfil desses sujeitos, observa-se que a diferença percentual, entre os respondentes, quanto ao gênero é pequena, o que pode indicar a tendência de mudança no perfil do médico, uma vez que, historicamente, a profissão médica apresentava um predomínio do sexo masculino. Destaca-se que no ano de 2009, o Conselho Federal de Medicina (CFM) teve mais registros do sexo feminino. No universo deste estudo, a inversão do perfil ainda não ocorreu devido, provavelmente, à maior concentração etária dos supervisores entre 31 a 40 anos, já que a maior concentração do sexo feminino, segundo o CFM, encontra-se abaixo dos 29 anos.

Além disso, o CFM demonstrou que a proporção de especialistas na área de Atenção Primária, Saúde da Família, Medicina de Família ou Saúde Pública no Brasil tem média de idade de 39,51 anos, assemelhando-se à faixa etária dos supervisores deste estudo20. Acrescenta-se que a opção por essa área justifica-se pelo campo de atuação do supervisor.

A relação supervisor/instituição de origem pode ser explicada pela distribuição das instituições para a realização do PEP, assim como por uma possível maior taxa de resposta dos supervisores vinculados à prefeitura ou pelo fato de alguns destes, mesmo ligados ao PEP das universidades, serem vinculados à rede municipal. A pequena proporção de médicos vinculados às duas instituições pode ser justificada - segundo o relatório de demografia médica no Brasil20 - pelo acúmulo de vínculos em serviço público ou privado, com a atividade em consultório pela maioria dos médicos. Ainda, o grande percentual dos supervisores com um maior tempo no PEP demonstra que eles têm experiências mais significativas na APS, parecendo traduzir um horizonte mais ampliado e rico, possibilitando melhor condução do processo de supervisão e maior estímulo para uma participação mais efetiva dos médicos no programa.

A precariedade do espaço físico destinado às atividades do PEP pode representar o pequeno interesse da gestão em tornar a estratégia educativa mais acolhedora, o que induz a questionamentos quanto à qualidade da ação educacional, ou seja, a adequação dos recursos institucionais à proposta é fundamental para o pleno desenvolvimento da ação educativa, assim como evidenciado no projeto para conformação da Rede de Polos de Educação Permanente em Saúde da Bahia21. A adequação do espaço físico às demandas dos GAP não considerada ruim está relacionada à boa participação dos médicos, assim como a boa adequação do espaço está associada à ótima participação e à assiduidade dos médicos. Esse resultado evidencia uma estreita relação entre o espaço físico e a adesão dos médicos ao PEP. Uma boa adequação do espaço, portanto, parece influenciar a adesão dos médicos, ou uma boa participação dos médicos promove maiores investimentos no espaço utilizado nos GAP. Definir qual das duas está associada ao PEP exige o desenvolvimento de estudos qualitativos.

Os tópicos abordados no PEP foram as variáveis que mais apresentaram associação com a adesão dos médicos ao programa. A abordagem multidisciplinar dos problemas de saúde prevalentes na APS se associou positivamente à ótima participação dos médicos e a abordagem dos aspectos epidemiológicos prevalentes na APS se relacionou com a ótima participação e ótima assiduidade dos médicos. Essa situação demonstra que o PEP tem buscado abordar o contexto da APS, minimizando a concepção da qualificação dos profissionais das ESF como elemento crítico.

A abordagem interdisciplinar do trabalho em equipe multiprofissional tem sido evidenciada como um processo voltado ao cuidado integral das necessidades de saúde da população, além do âmbito individual-biológico, e à melhora da qualidade de vida da comunidade. Médicos residentes de uma residência multiprofissional relatam que os momentos de discussão e trocas de experiências com os outros profissionais potencializam a construção do conhecimento e a articulação com as outras áreas do saber22.

Por outro lado, a não abordagem multidisciplinar e a não discussão de eventos críticos se mostraram relacionadas à participação regular dos médicos, e a falta de enfoque epidemiológico dos problemas prevalentes na APS se associou tanto à participação regular dos médicos quanto à dificuldade de envolvimento dos mesmos nas atividades. Essa realidade parece estar associada à estrutura da graduação em Medicina, a qual contempla de maneira frágil as questões das ciências sociais, do planejamento e da epidemiologia, tripé disciplinar da Saúde Coletiva23.

Além disso, no âmbito da Educação Médica, as abordagens multidisciplinares; epidemiológicas; do impacto das políticas de saúde nos cuidados voltados à comunidade e ao paciente; da economia em saúde e da não centralização na doença e na média e alta complexidade não são realizadas de maneira adequada. Enfatiza-se ainda a importância de enfoques que ressaltam a interação com a comunidade e a gestão local do SUS, configurando uma formação menos hierarquizada e que aproxima os diversos sujeitos na prática em saúde. Assim, provavelmente, os profissionais com um perfil diferenciado, inseridos em unidades de APS melhor estruturadas, tentam, de alguma maneira compensar esta fragilidade nesse processo de qualificação, o que pode favorecer a fixação deste médico na ESF18 , 24 , 25.

A abordagem da habilidade em comunicação e educação em saúde com abordagem individual/relação médico-usuário apresentou uma relação positiva com a participação considerada regular dos médicos no programa. A discussão de tópicos envolvendo habilidade em comunicação e educação em saúde focada na abordagem coletiva apresentou uma relação inversa com a dificuldade de frequência dos médicos evidenciando que a abordagem da educação em saúde centrada na abordagem coletiva está relacionada à melhor adesão dos médicos. O processo de trabalho é regido pela ação comunicativa e a prática em saúde depende da relação estabelecida entre a equipe de saúde e os usuários, favorecendo a interação entre promoção, prevenção e recuperação da saúde e, dessa forma, conseguindo compreender as necessidades de saúde da comunidade adscrita. O Programa, portanto, é um processo educativo de características emancipatórias, uma vez que consegue envolver os médicos para ações coletivas e participativas, facilitando o foco no princípio da integralidade26.

A assiduidade ruim dos médicos apresentou uma relação inversa com a discussão de casos clínicos no PEP. A escolha de temas relativos às demandas individuais dos profissionais para o aprimoramento da consulta médica e dos métodos clínicos centrados na perspectiva dos residentes médicos em saúde da família apresentaram uma associação inversa com a dificuldade de envolvimento dos médicos. Essa posição demarca que os médicos participantes buscam ultrapassar o modelo de educação tradicional, próximo ao da graduação que privilegia a concepção biomédica centrada na abordagem individual, na consulta, na cura da doença e no trabalho isolado. A discussão de casos clínicos é reconhecida como espaço de experiência do cotidiano laboral dos profissionais da ESF, abrindo possibilidades para a realização de ações em saúde com a participação efetiva dos profissionais no planejamento26 , 27.

Em relação às dificuldades vivenciadas pelos supervisores, foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre a ótima assiduidade dos médicos e o fato de a compreensão e adesão dos médicos participantes à metodologia utilizada no PEP não ser uma dificuldade vivenciada pelo supervisor. A estratégia metodológica utilizada nas ações educativas é pautada em metodologias ativas de ensino-aprendizagem, que privilegiam a participação ativa dos sujeitos, a articulação entre teoria e prática e a problematização da realidade. Os trabalhadores participam efetivamente na construção de novas abordagens do 'fazer' em saúde e dos temas a serem contemplados nos CAPP, de acordo com as necessidades de qualificação, além de ter o supervisor como facilitador e orientador desse processo. A assimilação e a incorporação da metodologia do programa pelos médicos são fundamentais para a consolidação do programa, assim como evidenciado na literatura27.

Simultaneamente, essa dificuldade mostrou uma relação positiva com a participação considerada regular dos médicos no programa e com as dificuldades de frequência e de envolvimento dos médicos, apontando ser um fator relevante para a adesão ao PEP.

No caso da participação ruim dos médicos nas atividades do PEP, observou-se uma relação estatisticamente positiva com a dificuldade de articulação e cooperação por parte da gestão municipal. Apesar do reconhecimento em relação à importância do investimento em educação permanente para os trabalhadores da Saúde da Família, tanto para o desenvolvimento de competências e de habilidades complexas e diversificadas, quanto para a mudança nas práticas, a literatura relata baixa participação desses trabalhadores nas ações educativas, muitas vezes devido à falta de pessoal, o que impede muitos profissionais de saírem de suas unidades para realizar essas capacitações28. Neste estudo, a falta de cooperação do gestor municipal pode estar reproduzindo uma preocupação com a permanência do profissional no local, com a redução da produtividade e com o não reconhecimento do programa como um excelente mecanismo de organização do trabalho na APS.

A dificuldade de acesso ao referencial teórico, por outro lado, mostrou-se inversamente relacionada à dificuldade de frequência dos médicos, demonstrando a participação nos CAPP como uma forma de minimizar os efeitos do problema de acesso ao material. A dificuldade quanto à disponibilidade e qualidade de equipamentos e instrumentos, no entanto, relacionou-se a uma menor dificuldade no envolvimento dos profissionais. Destaca-se que as condições de trabalho devem ser adequadas para o desempenho das funções, desde uma boa organização, estrutura física e de material e equipamentos apropriados, seguros e disponíveis para que estimulem a fixação dos profissionais e o alcance de resultados efetivos18 , 29.

Quanto às dificuldades dos médicos na APS percebidas pelos supervisores, observou-se uma associação significativa entre a ótima assiduidade e a remuneração insatisfatória dos médicos. Esse resultado pode ser explicado pela necessidade dos médicos de interação com seus pares para discussão dos problemas vivenciados pela categoria, como a remuneração insatisfatória. A utilização desses espaços é uma maneira de fortalecer e legitimar diversas ações por parte dos profissionais, desde condições inadequadas de trabalho, até a melhoria nos salários.

Algumas estratégias, conforme relatado na literatura, têm sido adotadas pelas Secretarias Municipais de Saúde (SMS) diante das reivindicações e movimentos dos trabalhadores das ESF visando remunerações mais condizentes com as suas funções e responsabilidades18. As autoras estudaram o processo de gestão do trabalho no âmbito das equipes em quatro municípios brasileiros, sendo que dois desses criaram formas de melhor remunerar os integrantes das equipes. Uma dessas melhorias trouxe questionamentos, uma vez que a carga horária dos trabalhadores em regime estatutário foi fixada em vinte horas, somadas a mais vinte horas na forma de extensão de jornada de trabalho, gerando prejuízos aos direitos trabalhistas, inclusive na aposentadoria. Outra medida relatada foi a disponibilização pela SMS de plantões em pronto-atendimento/urgência para os profissionais das equipes, com uma remuneração adicional18.

As múltiplas jornadas de trabalho, percebidas pelos supervisores como dificuldades dos médicos na Atenção Primária, apresentaram uma associação positiva, tanto com a assiduidade ruim dos médicos, quanto com o problema de frequência e de envolvimento dos médicos no PEP. Tal achado aponta que o problema das múltiplas jornadas na Medicina - uma realidade evidenciada na literatura30 , 31- pode estar reduzindo o tempo disponível dos médicos para participarem do Programa.

Apesar de a profissão médica lutar pela manutenção de uma prática liberal, os profissionais se submetem às regras do sistema capitalista moderno, caracterizado por múltiplos vínculos trabalhistas; pelo ritmo acelerado, sobrecarregado e prolongado nas jornadas de trabalho; pela instabilidade e pela baixa autonomia, em busca de uma remuneração ideal. O multiemprego na categoria médica geralmente é marcado pela simultaneidade de práticas assalariadas, tanto públicas, como privadas, com a liberal. Esse contexto favorece o não envolvimento adequado às questões relativas às instituições as quais estão vinculados e uma frágil inserção no âmbito do processo de atenção à saúde, o que favorece a precarização do SUS30 , 31.

A boa adesão ao PEP parece se relacionar à possibilidade que o programa apresenta de se construir coletivamente, a partir de significados e valores apreendidos na realidade laboral cotidiana e abordagem do médico no processo de atenção à saúde32. Para isso, pressupõe-se uma ação/reflexão crítica e problematizada, além da colaboração para a minimização dos desafios apresentados relacionados à baixa adesão. A centralização da qualificação em uma determinada categoria, entretanto, impede uma compreensão mais abrangente da realidade cotidiana do processo de trabalho na ESF, podendo se perder pelo caminho uma série de significados e valores33 , 34.

Apesar dos desafios evidenciados, o PEP busca resgatar habilidades e competências, conhecimentos e saberes, a partir do conhecimento técnico e científico, das experiências de trabalho e de interação social no 'fazer' médico. O programa compreende que alguns dos critérios para se ter uma APS de qualidade e caracterizada como o centro de comunicação entre os pontos de atenção, em uma perspectiva de horizontalidade, é a resolutividade e a credibilidade dos médicos quanto ao diagnóstico e à terapêutica, a redução de encaminhamentos à média e alta complexidade, mas, ao mesmo tempo, uma melhor interação entre os pontos de atenção, o usuário e a comunidade.

O desafio de qualificar os profissionais para o processo de trabalho no SUS vem sendo cumprido, atualmente, em cem por cento do Estado investigado, com o apoio da própria gestão estadual, das instituições parceiras e dos sujeitos envolvidos no processo. Acrescenta-se, ainda, o estímulo que o programa traz para ampliar a sua discussão, enquanto estratégia, a partir da abertura para a realização de uma investigação que visa, primordialmente, apreender suas implicações e as necessidades de reconstrução do programa.

Considerações finais

Espera-se que este estudo possa contribuir para o desenvolvimento do programa e para as discussões sobre as políticas e ações em Educação Permanente direcionadas ao profissional de saúde. As vantagens do estudo se encontram na possibilidade de generalização dos resultados para o Estado, dada a alta taxa de resposta apresentada e o tipo de informações obtidas (objetivas e voltadas para o delineamento de um panorama geral do trabalho realizado pelos supervisores no PEP). As desvantagens, por sua vez, estão relacionadas à não abordagem de características específicas de cada instituição e/ou situação, à não inclusão de outros atores envolvidos, além da impossibilidade de se aprofundar questões relativas aos microprocessos de trabalho no programa, o que seria acessado por meio de um estudo qualitativo.

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