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Advanced practices in comprehensive nursing care for people with skin ulcer

Advanced practices in comprehensive nursing care for people with skin ulcer

Autores:

Maria Luiza de Medeiros Trivellato,
Flávia Cristiane Kolchraiber,
Giovana Andrade Frederico,
Dayse Christielle Alves Martins Morales,
Anna Carolina Martins Silva,
Mônica Antar Gamba

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.31 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800083

Resumen

Objetivo

Identificar los resultados clínicos de personas con úlceras cutáneas crónicas atendidas en consultas de enfermería. Métodos: Estudio transversal de análisis de registros de consultas de enfermería realizadas por personas con úlceras crónicas en un Centro de Atención de Enfermería entre 1994 y 2015, bajo la perspectiva de la Salud Colectiva. Las variables investigadas fueron epidemiológicas, clínicas, de cicatrización de la úlcera, cesación del tratamiento y deceso del paciente.

Resultados

De las 343 historias clínicas de personas atendidas en el servicio, se identificó mayor proporción de ancianos, de sexo femenino, con enseñanza primaria, de color autorreferido como blanco, jubilados, dependientes del Sistema Único de Salud, con condiciones crónicas de salud. La etiología de las úlceras cutáneas fue mayor en las neuropáticas y venosas sin resolutividad clínica previa en la red de servicios de salud. La cicatrización ocurrió en el 67,6% de las úlceras por adopción enfocada en la atención de enfermería. Se observaron bajas tasas de cesación del tratamiento y decesos.

Conclusión

Los resultados clínicos satisfactorios de personas con úlceras cutáneas crónicas fueron evidenciados en los registros de atención de enfermería. La consulta de enfermería se constituyó en estrategia potencial para la cicatrización de úlceras cutáneas.

Palabras-clave: Enfermería en salud comunitária; Úlcera cutânea; Integralidad en salud

Introdução

O cuidado centrado na pessoa é um desafio e uma necessidade/demanda no Sistema Único de Saúde (SUS) alicerçado no princípio da integralidade. Sob essa ótica situa-se a promoção de saúde, com foco nos cuidados primários, que tem destaque na prevenção de complicações decorrentes de doenças crônicas. (1-3)

O cuidado às pessoas com lesões na pele, de um modo geral, está centrado na doença/úlcera cutânea, mediado por especialidades e desconectado da atenção integral, com a avaliação da pessoa apenas para o tratamento da ferida, seja no âmbito dos cuidados primários, secundários ou terciários. (3)

A consulta de enfermagem teve sua inserção no Brasil na década de 80 e, desde então, inúmeros documentos e artigos foram publicados, demonstrando suas potencialidades e destacando que a mesma não sobrepõe outra atividade clínica, mas, potencializa o processo para a construção do vínculo e autonomia para o tratamento. (3-5) As ações de enfermagem devem seguir uma sistematização no âmbito da atenção integral, a partir de conceitos e práticas da Clínica Ampliada e do Projeto Terapêutico Singular (PTS), como um compromisso radical com os sujeitos e suas singularidades, buscando a intersetorialidade nas ações e assumindo a corresponsabilidade no cuidado à saúde. (5-7)

As desigualdades sociais e no acesso aos bens, a baixa escolaridade, as crenças, valores, além dos fatores de risco modificáveis como o tabagismo, o consumo, a inatividade física e alimentação inadequada constituem como potenciais/determinantes e colaboram para o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e suas complicações, aumentando a chance de ocorrência de lesões na pele. (8,9)

Estima-se que em 2050, cerca de 25% da população idosa apresentará lesões cutâneas consideradas crônicas. (10) As úlceras cutâneas crônicas são aquelas cujas etiologias são decorrentes do diagnóstico tardio ou do tratamento inadequado das DCNTs ou infecciosas de longa duração. Muitas vezes, essas úlceras não respondem aos tratamentos habituais, não logrando a cicatrização apesar das intervenções adequadas. (11) Os tipos de úlceras cutâneas mais prevalentes na atenção básica à saúde são as diabéticas, venosas, arteriais, seguidas das lesões por pressão. (12) A presença desses acometimentos representa perda na qualidade de vida por causar limitação nas atividades de vida diária, no trabalho, no lazer e na convivência familiar e social. (13)

Faz-se necessário que os cuidados às pessoas com úlceras cutâneas sejam adotados a partir de diagnóstico precoce, habilidade técnica da equipe de enfermagem e de conhecimentos específicos, subsidiados por protocolos assistenciais, com integração e avaliação global de equipe multiprofissional, para a articulação entre diferentes níveis da assistência à saúde, com participação efetiva da pessoa e de seus familiares. (14,15)

Em consonância com a prática assistencial, observa-se nas pesquisas científicas o foco de atenção voltado para uso de tecnologias duras, como coberturas de curativos e de terapias coadjuvantes. (16) A enfermeira tem papel essencial no cuidado às pessoas com úlceras cutâneas e na atuação com a equipe desenvolvendo ações de planejamento, organização e execução das práticas avançadas em enfermagem nos cuidados com a pele. (3,16-19)

Uma investigação descreveu que a autonomia da enfermeira no processo de cuidado das pessoas com úlceras cutâneas é uma estratégia para promover autonomia e autoestima das pessoas acometidas, pois atuando positivamente sobre sentimentos, espiritualidade, emoções para além do cuidado centrado no modelo biológico e na troca de curativo, expande-se para a perspectiva da adesão e resolutividade do agravo manifestado. Assim, a consulta de enfermagem se constitui como estratégia oportuna para abordar esses aspectos que influenciam no enfrentamento e na cicatrização das lesões. (17)

As dificuldades na manutenção dos cuidados, as condições de vida e avaliações dos serviços de saúde, no que tange disponibilidade de acesso, recursos disponíveis e motivação dos profissionais envolvidos no cuidado é um desafio na atualidade. (18)

Este estudo justifica-se pelo impacto que as úlceras cutâneas e complicações ocasionam na qualidade de vida de pessoas convivendo com o agravo, na família e na sociedade e o modo com que os cuidados de enfermagem são oferecidos à população.

Nesta perspectiva, questiona-se: quais os desfechos clínicos de pessoas com úlceras cutâneas crônicas e complicações, atendidas em consulta de enfermagem em um centro de assistência?

Este estudo, teve como objetivo identificar os desfechos clínicos de pessoas com úlceras cutâneas crônicas atendidas em consultas de enfermagem, sob a perspectiva da Saúde Coletiva.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, realizado a partir da análise documental de registros de prontuários de pessoas com diagnóstico de úlceras cutâneas crônicas atendidas no período entre 1994 e 2015, no Centro de Assistência e Educação em Enfermagem (CAENF), serviço integrado a uma universidade pública da cidade de São Paulo.

Esse local foi criado em 1994, como um serviço de apoio, acolhimento e cuidado a pessoas da rede de serviço de saúde cujas úlceras cutâneas estavam sem resolutividade clínica e que necessitavam de continuidade do tratamento, o mesmo serviu também como local para formação de graduandos de enfermagem e de profissionais da rede de serviços de saúde.

Os atendimentos com a população eram realizados por meio de consultas de enfermagem, fundamentadas nos princípios e pressupostos do SUS, no processo de enfermagem e nas diretrizes das ações da Saúde Coletiva, em que se valoriza a troca de experiências/saberes popular e técnico-científico.

Os dados foram coletados entre 2014 e 2015. A estratégia utilizada foi a construção e aplicação de instrumento próprio, baseado na literatura científica e na atuação das pesquisadoras com as pessoas com úlceras cutâneas. A fonte secundária constituiu das informações contidas nos registros impressos de sistematização da assistência de enfermagem, em prontuários das sistematizações, das consultas de enfermagem de pessoas atendidas no período entre 1994 a 2015, sendo consolidadas em um banco de dados em 2015.

As variáveis investigadas foram: sociodemográficas, fatores de risco e hábitos de vida, presença de comorbidades, etiologia e avaliação da úlcera quanto ao tipo de tecido, exsudato e diâmetro, identificados por meio de escores padronizados nos protocolos de assistências e diretrizes assistenciais. Os desfechos possíveis foram cicatrização completa, abandono do tratamento ou óbito e o acesso aos serviços de referência e contrarreferência foram confirmados por meio de inquérito telefônico, no período entre 2014 a 2015.

A análise de dados foi realizada, no período de 2015 a 2016, empregando-se os programas Excel 2007® e EPI-INFO. Além das análises descritivas, o teste de hipóteses das variáveis nominais foi efetuado, aplicando-se os testes t student e cálculo do qui quadrado (χ2; IC=95%).

As exigências éticas estabelecidas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridas e a presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, da Universidade Federal de São Paulo, no dia 06/12/2013, sob o parecer nº 482.039.

Resultados

Foram analisados 343 prontuários de pessoas com úlceras cutâneas crônicas, com idade média de 61,2 anos, mediana de 64 anos (IC= 9-91 anos; DP=16,22 anos), sendo que 51,3% era do sexo feminino e da região sudeste do país (75,6%); a cor autorreferida foi branca 65,9% e com tempo de estudo de oito anos (47,8%). Os dados ocupacionais apontaram 62,8% das pessoas eram aposentadas, do lar, estavam em licença médica ou desempregadas; quanto ao estado conjugal, 55,4% eram casadas e a renda per capita foi de três salários mínimos para 83,2% desses. A presença da religião foi enunciada em 80% dos usuários ( Tabela 1 ).

Tabela 1 Características sociodemográficas dos usuários do Centro de Assistência e Educação em Enfermagem - CAENF 

Variáveis sociodemográficas n(%)
100(343)
Idade Média (n=343) 60,1
Sexo (n=343)
Masculino 168(48,9)
Feminino 175(51,1)
Estado Cívil (N=233)
Solteiro 40(17,1)
Casado 129(55,4)
Separado/ divorciado 24(10,4)
Viúvo 40(17,1)
Escolaridade (N= 230)
Analfabeto 19(8,3)
Ensino fundamental incompleto 44(19,1)
Ensino fundamental completo 66(28,7)
Ensino médio incompleto 39(17)
Ensino médio completo 18(7,8)
Ensino superior 44(19,1)
Cor (N=220)
Brancos 145(65,9)
Pretos 22(10)
Outros 53(24,1)
Ocupação (N=285)
Aposentado 112(39,3)
Ocupado 106(7,2)
Do lar 43(15,1)
Licença médica 13(4,6)
Desempregado 11(3,8)
Naturalidade (N=295)
Centro-oeste 4(1,3)
Nordeste 51(17,3)
Norte 5(1,7)
Sudeste 223(75,6)
Sul 5(1,7)
Outros 7(2,4)
Procedência (N= 321)
Centro 266(82,9)
Leste 49(15,2)
Norte 3(1)
Oeste 2(0,6)
Sul 1(0,3)
Renda (N= 197)
Menos de 1 salário mínimo 3(1,5)
De 2 a 3 salários mínimos 161(81,7)
De 3 a 4 salários mínimos 18(9,2)
De 5 a 6 salários mínimos 8(4)
Mais de 6 salários mínimos 7(3,6)
Religião (N=164)
Católica 86(52,4)
Evangélica 26(15,8)
Espírita 15(9,2)
Outras 37(22,6)

As variáveis clínicas apontavam a presença de hipertensão arterial (HA) (64,2%), seguida do diabetes mellitus (DM) (71,5%) e o diabetes mellitus tipo II (76,3%), tabagismo no passado (37,5%) e atual 16%; consumo de bebida alcoólica no passado (26,3%) e atual (14,8%), duração média da doença de 15,2 anos. Quanto a presença das úlceras cutâneas crônicas detectou-se: 37% neuropáticas, 23,4% venosas, 12,3% oncológicas, 7,6% mistas, 6,3% arterial, 4,8% lesão por pressão, 3,7% por hanseníase, 3,3% traumáticas com duração média de até 120 dias e sem resolutividade clínica prévia. Quanto aos desfechos, observaram-se 67,6% das pessoas apresentaram cicatrização completa de suas úlceras após atendimento no serviço, 21,3% continuaram em tratamento terapêutico, 7,1% não cicatrizaram, 0,5% das pessoas sofreram amputação por obstrução aguda da artéria poplítea e 1,5% evoluíram a óbito por envelhecimento ou outras comorbidades ( Tabela 2 ).

Tabela 2 Características das úlceras/lesões e desfechos clínicos dos usuários atendidos no Centro de Assistência e Educação em Enfermagem - CAENF 

Variáveis n(%)
Úlcera (n=332)
Sim 290(87,3)
Não 42(12,7)
Número de úlceras/lesões (n=286)
Uma 219(76,5)
Duas 47(16,4)
Três 8(2,9)
Múltiplas 12(4,2)
Etiologia (n= 300)
Lesão por pressão 14(4,7)
Úlcera neuropática 111(37)
Úlcera venosa 70(23,4)
Úlcera mista 23(7,6)
Úlcera arterial 19(6,3)
Oncológica 37(12,3)
Traumática 10(3,3)
Hanseníase 11(3,7)
Outras 5(1,7)
Tempo de evolução (n=297)
Até 30 dias 92(31)
De 30 a 90 dias 103(34,6)
De 91 a 120 dias 53(18)
Acima de 120 dias 12(4)
Acima de 180 dias 20(6,7)
Mais de 365 dias 17(5,7)
Desfecho (n=197)
Cicatrização 133(67,6)
Não cicatrizou 14(7,1)
Amputação 1(0,5)
Óbito 3(1,5)
Abandono 4(2)
Em tratamento 42(21,3)

n=343

A propedêutica dermatológica norteia os cuidados e terapias tópicas às úlceras cutâneas, assim como os registros em prontuário, da evolução clínica possibilitam o cuidado longitudinal. As informações sobre presença, etiologia e avaliação das úlceras quanto ao tipo de tecido, exsudato e diâmetro apontavam para os desfechos clínicos. Na análise dos desfechos, as pessoas lograram a cicatrização pela adoção de evidências clínicas de terapias tópicas apontadas pelas sociedades de especialistas como cuidados podiátricos para as lesões neurotróficas e neuropáticas, alívio da pressão plantar pela ortetização, aplicação da compressão com a bota de Unna para as úlceras venosas, controle do biofilme nas lesões infecciosas e encaminhamento para a cirurgia vascular para pessoas com úlceras arteriais. Foi possível identificar que parte das pessoas utilizaram apenas os equipamentos e serviços do SUS para a assistência, tendo sido encaminhados ao CAENF pelo: HU (31,4%), unidade básica de saúde (UBS) (13%), dos ambulatórios de especialidades e campanhas de detecção do diabetes mellitus (55,6%). Para a análise da contrarreferência, observou-se que 50% retornou ao hospital para distintas especialidades e 41% para cuidados domiciliares e UBS. Todos os pacientes foram orientados e estimulados para a adoção de hábitos que promovessem o controle clínico, os cuidados com a pele e a monitorização terapêutica. De acordo com os registros dos prontuários, observou-se que a maior parte dos indivíduos adotou hábitos para o autocuidado, com retornos subsequentes ao serviço, apontando o vínculo com a equipe. Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre as pessoas com e sem cicatrização de úlcera para as variáveis sociodemográficas, clínicas e de acesso. A cicatrização completa das úlceras crônicas, com evolução de 120 dias, foi identificada em (67,6%) das pessoas atendidas no CAENF. Um discreto efeito protetor foi identificado para a cicatrização quando o hábito de ingerir bebida alcoólica socialmente estava presente, conforme exposto em tabela 3 .

Tabela 3 Análise comparativa entre característica sociodemográficas, clínicas e de cicatrização da ferida 

Variáveis Cicatrizada Não Cicatrizada Total p-value
n(%) n(%)
Sexo
Masculino 60(65,2) 32(34,8) 92 0,639
Feminino 73(69,5) 32(30,5) 105
Ignorado 64
Faixa etária
<60 anos 51(68) 24(32) 75 0,939
>60 anos 83(67,5) 40(32,5) 123
Ignorado 63
Estado Civil
Solteiro 16(57,1) 12(42,9) 28 0,129
Casado 47(59,5) 32(40,5) 79
Separado\Divorciado 17(85) 3(15) 20
Viúvo 10(52,6) 9(47,4) 19
Ignorado 107
Escolaridade
Analfabeto 5(55,6) 4(44.4) 9 0,598
Ensino fundamental incompleto 26(66,7) 13(33,3) 39
Ensino fundamental completo 12(50) 12(50) 24
Ensino médio incompleto 7(70) 3(30) 10
Ensino médio completo 18(75) 6(25) 24
Ensino superior 19(67,9) 29(32,1) 48
Ignorado 110
Renda familiar mensal
Menos de um salário mínimo 0(0) 100(1) 1 0,527
De 1 a 2 salários mínimos 68,9(62) 31,1(28) 90
De 3 a 4 salários mínimos 56,3 (9) 43.8(7) 16
De 5 a 6 salários mínimos 75(3) 25(1) 4
Mais de 6 salários mínimos 60(3) 40(2) 5
Ignorado 110
Hipertensão arterial
Sim 68(64,8) 37(35,2) 105 0,761
Não 38(65,5) 20(34,5) 58
Ignorado 91
Diabetes
Sim 85(66,4) 43(33,6) 128 0,793
Não 41(68,3) 19(31,7) 60
Ignorado 71
Outras Comorbidades
Sim 2(100) 0(0) 2 0,414
Não 55(62,5) 33(37.5) 88
Ignorado 69
Tabagismo passado
Sim 38(70,4) 16(29,6) 52 0,529
Não 72(65,5) 38(34,5) 110
Ignorado 87
Tabagismo presente
Sim 16(69,6) 7(30,4) 23 0,784
Não 94(66,7) 47(33,3) 141
Ignorado 87
Etilismo passado
Sim 25(67,6) 12(32,4) 37 0,942
Não 85(66,9) 42(33,1) 127
Ignorado 110
Etilismo presente
Sim 17(89,5) 2(10,5) 19 0,027
Não 93(64,1) 52(35,9) 145
Ignorado 67

n=197

Discussão

O cuidado centrado na pessoa norteado pela educação em saúde não sobrepõe outra atividade clínica, mas potencializa as ações para o autocuidado, mudanças de comportamento para a exposição a fatores de risco e colabora com o processo de adesão clínica. (17-19) As consultas de enfermagem imbuídas sob a ótica do cuidado integral foram espaços de interlocução com as ações intersetoriais na busca de soluções para os problemas detectados, como a automonitorização, cuidados terapêuticos, podiátricos, de mobilidade, ortetização e adoção de terapias avançadas. (20,21)

A adoção da consulta de enfermagem permitiu nortear a atuação não somente centrada na realização de curativos, mas, implementar recursos terapêuticos como a valorização do poder da escuta e da palavra, potencializando o efeito da educação em saúde e permitindo que o sujeito assuma a seu cuidado com autonomia para o tratamento.

É fato reconhecer que as manifestações das DCNTs têm aumentado substancialmente ao longo dos anos, visto que os fatores ambientais, como hábitos de vida, alimentação, o aumento do sedentarismo, estresse, o uso de tabaco predispõe e agrava essas condições e as suas complicações. As variáveis clínicas revelaram alta prevalência de comorbidades como a HA, DM e acometimentos vasculares, principalmente entre os longevos, o que corrobora a literatura afirmar a correlação entre DCNTs e incapacidades funcionais. (12)

Na análise realizada dos prontuários, este estudo identificou a uso social de bebida alcoólica com efeito protetor para a cicatrização de úlceras cutâneas, porém, necessita-se de maiores investigações científicas pela comparação com grupos controle para melhor elucidação do efeito destas bebidas.

Em 2011, aproximadamente 94% das amputações realizadas pelo SUS foram no membro inferior. Estima-se que as amputações do mesmo inferior correspondem a 85% de todas as amputações de membros, apesar de não haver informações precisas sobre este tema no Brasil. As indicações mais frequentes para estas amputações são decorrentes das complicações das doenças crônicas e ocorrem mais frequentemente em idosos. Na literatura, identifica-se que aproximadamente 80% delas são realizadas em pacientes com doença vascular periférica e/ou DM, majoritariamente relacionadas à recidivas de úlceras crônicas. (22,23)

A presença de lesões com longo tempo de duração e tratamento e, em função do DM e HA, foi detectada neste estudo, sendo as úlceras de etiologia neuropática e plantares as mais frequentes. A neuropatia é uma complicação do diabetes mal controlado que ocasiona perda da função sensorial, motora e autonômica, fatores estes relacionados à gênese das ulcerações e deformidades. As úlceras neuropáticas requerem um modelo de assistência que pressupõe qualificação podiátrica e encaminhamento para reabilitação, confecção de órteses e próteses de cicatrização e envolvem uma complexidade assistencial que necessita da adoção de tecnologias leves e duras. (24)

As ações exercidas por orientações das enfermeiras e da equipe como práticas avançadas para o autocuidado demandam a individualização do atendimento, cuidados centrados na ação terapêutica, orientação de mudanças de hábitos, pilares da gestão dos pés pela inspeção diária e cuidados dermatológicos. Esses cuidados devem ser exercidos com competência e especificidade técnica dermato podiátrica, exigindo que a consulta de enfermagem exerça terapêutica integral, efetiva e que promova a melhor prática na área de atenção à saúde da pele. (23,25,26) De fato, a consulta de enfermagem permite uma interação interpessoal que estimula a adoção de cuidados para o controle metabólico e tratamento das úlceras crônicas. Neste caso, as consultas demandam alta acuidade terapêutica e especificidade técnica, determinantes para o conforto, confiança, diminuição da dor, resolutividade do caso e maior adesão clínica.

No presente estudo, a maior parte das úlceras foi a de etiologia diabética e do tipo neuropático, seguidas pelas vasculares, compatíveis com outros achados. As feridas decorrentes do diabetes, são causadas pelo diagnóstico tardio, mau controle metabólico e pela perda da sensação protetora plantar. Em um estudo de seguimento de 185 pessoas com diabetes, que durante dois anos tiveram acompanhamento e educação intensiva sobre a prevenção de complicações, observou-se significativa redução da incidência de úlceras, maiores taxas de cicatrização e menor número de intervenções cirúrgicas. (25)

Sabe-se que a recuperação da saúde pode ser alcançada se houver uma rede de serviços com profissionais engajados, contando especialmente com atenção primária, como a porta de entrada no sistema com foco na promoção e proteção da saúde. (25)

A presença de úlceras venosas que são de longa duração e altas taxas de recidivas, acometeram mais mulheres e tem tempo médio maior que quatro anos. Estudos estimam que aproximadamente 1,5 a 3% da população adulta mundial tem úlceras venosas ativas, o que acarreta perda da qualidade de vida, dor, sofrimento psicossocial e limitação no trabalho. (27,28) O padrão ouro de tratamento da úlcera venosa é a terapia compressiva, porém é fundamental um programa de orientação para o estilo de vida. Um estudo randomizado recente apontou a eficácia de um programa de orientação para a cicatrização de úlceras venosas. Destacando a importância de profissionais de saúde habilitados para realizar a terapia compressiva e orientar hábitos de vida diária e monitoramento contínuo, ações também preconizadas na consulta de enfermagem. (29)

Quanto à rede de atenção à saúde e a presença da rede de suporte social, este estudo evidenciou que a maior parte dos usuários são dependentes do SUS, encaminhados pela atenção básica e ambulatórios de especialidades. Entre os acometidos, a maior parte necessitava de suporte de outros membros da comunidade nos deslocamentos para a assistência. Esses resultados permitiram elaborar, acompanhar e organizar o fluxo dos usuários para as redes de atenção, entre HU e atenção básica. Apontou ainda protocolos para realização dos cuidados domiciliares e acompanhamento na unidade de saúde, garantindo a referência e contrarreferência. (30,31)

Estudos epidemiológicos realizados no Reino Unido apontam que entre 2 a 3% da população com úlceras cutâneas vivem em distritos pobres, sem acesso a informação, bens de consumo e meios terapêuticos. Tais características alteram significativamente a qualidade de vida dos acometidos na comunidade, principalmente pela presença da dor, ausência no trabalho e à precarização das atividades de vida diária. (32,33) No tratamento a usuários com lesões crônicas a multifatoriedade causal deve ser observada e investigada. O reconhecimento das práticas de enfermagem em Saúde Coletiva que logram situações de melhoria do bem-estar e adesão clínica têm se constituído como meta dos indicadores de avaliação na área.

Em função da homogeneidade da população não se observaram diferenças significativas para as variáveis sociais, demográficas e clínicas quanto à presença ou ausência de cicatrização.

Os cuidados de enfermagem permitiram apontar que a consulta de enfermagem é uma atividade com importante função educativa, que pode possibilita a promoção de saúde, (34) estimulando as pessoas a tornarem-se protagonistas de suas histórias e os potencializando para a busca de soluções inovadoras para a melhoria das condições de vida e validando as ações do serviço. A educação em saúde promovida pela equipe durante as consultas de enfermagem favorece e direciona a atuação na prevenção e no tratamento de condições crônicas e a redução de complicações e merece ser vivenciada no processo ensino-aprendizagem da formação de enfermeiras e continuar a ser praticada na assistência à saúde.

Os resultados desse estudo somados ao resgate histórico da criação do CAENF, permitiu vislumbrar a atuação da enfermagem e avaliar o cuidado contribuindo com a capacitação de inúmeros profissionais da atenção básica que, culminou na implantação do Protocolo Proibido Feridas, embasando ações de enfermagem na área na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo pela promulgação da lei n o 14.984/2009 que garante esse direito à população. (35)

Resgatar a historicidade das ações de enfermagem no cuidado às pessoas com úlceras crônicas possibilita reflexões não apenas no campo da prática cotidiana, mas política, educacional, de pesquisa e extensão, de forma a ampliar a visibilidade da atuação desse profissional e garantir o cuidado integral ao indivíduo e a valorização profissional.

As limitações do estudo estão relacionadas ao método escolhido, pelo uso de dados secundários dos registros da sistematização da assistência de enfermagem não informatizados. A comprovação de dados muitas vezes não pôde ser confirmada em função da flutuação da localização dos usuários. Além de não haver grupo controle para a comparação dos possíveis dados de associações. Ainda que o desenho metodológico não possibilite generalizações, os resultados visam apresentar as experiências de enfermeiras e estudantes de enfermagem no cuidado à saúde, a partir da implementação efetiva da integralidade, a centenas de pessoas que tinham deflagrado a chance de ter seus membros amputados.

Conclusão

Esta investigação mostrou que as pessoas atendidas foram em sua maioria do sexo feminino, com idade média de 61 anos, brancas, aposentadas, com baixa escolaridade e renda, usuárias do SUS. Apresentavam comorbidades, úlceras de etiologias variadas, de longa duração e com indicações prévias que as conduziriam à deficiências físicas. Os desfechos clínicos demonstraram que a maior parte das pessoas acompanhadas em consulta de enfermagem, lograram à cicatrização completa. A consulta de enfermagem é uma estratégia que merece ser melhor elucidada como uma prática assistencial efetiva que pode contribuir para a cicatrização de úlceras cutâneas crônicas.

REFERÊNCIAS

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