versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.11 Rio de Janeiro nov. 2019 Epub 28-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.04182018
Donabedian1 já enfatizava as relações interpessoais como um componente fundamental no cuidado de saúde, o que sugere que a ideia de centralidade do cuidado de saúde no sujeito não é nova. Até hoje, não corresponde a um conceito preciso2 mas ganhou força neste milênio com a inclusão do “cuidado centrado no paciente” como um dos objetivos de um plano de melhoria da qualidade do cuidado de saúde nos Estados Unidos, conforme estabelecido no relatório Crossing the quality chasm: A new health system for the 21st century, do Institute of Medicine (IOM). No documento, o cuidado centrado no paciente é definido como “a prestação de cuidado de forma respeitosa, respondendo às necessidades, preferências e valores da pessoa assistida, com a garantia de que tais valores norteiem todas as decisões clínicas”3.
Atualmente, uma diversidade de termos traduzem a centralidade do cuidado de saúde no sujeito. Tais termos são intercambiáveis e sua utilização pode variar de acordo com o contexto em que ocorre a prestação dos serviços de saúde4.
Há evidências que a prática do cuidado centrado no paciente produza efeitos positivos sobre os resultados clínicos, estimulando a cooperação e viabilizando o apoio e a consolidação dos seus direitos5. Trata-se de um modelo de atenção que se propõe a romper paradigmas remanescentes do modelo biomédico e superar a fragmentação do cuidado6.
Porém, a implementação desta prática de cuidado representa um grande desafio para os serviços de saúde5-6. Tais desafios são atribuídos ao paternalismo, crenças e culturas da população; profissionais resistentes a mudanças por acreditarem já praticar o cuidado centrado no paciente; poucos estudos empíricos direcionadores; ausência de lideranças; e a infraestrutura do ambiente5-7.
Os princípios que orientam a prática do cuidado centrado no paciente são: dignidade, compaixão e respeito; coordenação e integração do cuidado; cuidado personalizado; apoio ao autocuidado; informação, comunicação e educação; conforto físico; apoio emocional, alívio do medo e ansiedade; envolvimento de familiares e amigos; transição e continuidade; e, incorporado mais recentemente, acesso ao cuidado8.
Considerando a importância do tema e as peculiaridades do contexto brasileiro, é oportuna a proposição de uma agenda de elementos a serem priorizados na área de pesquisa, com vistas à implementação efetiva do cuidado centrado no paciente nos serviços de saúde. Nesse sentido, este artigo tem o objetivo de apresentar uma agenda que subsidie o desenvolvimento de estudos capazes de apontarem estratégias para a implementação do “cuidado centrado no paciente” em serviços de saúde no Brasil.
Foi realizado um painel de especialistas, na expectativa de apreender diferentes olhares, teóricos e práticos, sobre “cuidado centrado no paciente”. Para o painel foram convidados 11 profissionais, contemplando afinidade com o tema e atuação na prestação de serviços de saúde em estabelecimentos no setor privado ou público, seja em atividades de planejamento e coordenação de ações em instituições gestoras do SUS, seja em atividades acadêmicas. A representação de categorias não foi uma preocupação na escolha dos participantes. Julgou-se ainda relevante a participação de um paciente engajado na luta pela defesa dos pacientes, buscando-se esse indivíduo em uma associação de pacientes (Quadro 1).
Quadro 1 Composição do Painel de Especialistas.
Perfil | Participante |
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Representante de associação de pacientes | X |
Advogada. Professora especialista em Bioética e Direitos Humanos. | |
Médica. Professora e Pesquisadora no campo da Gestão em Saúde | X |
Médica. Gestora no nível municipal. | X |
Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Especialista em Vigilância em Saúde e Segurança do Paciente. | X |
Médica. Doutora em Saúde Pública. Professora e Pesquisadora no campo da Qualidade do Cuidado de Saúde | X |
Médica. Intensivista e Assessora de Qualidade em um hospital especializado de grande porte | X |
Médica. Doutora em Saúde Pública. Atua como especialista em Endocrinologia em consultório privado. | X |
Terapeuta ocupacional. Mestre em Saúde Pública com dissertação dedicada ao tema do cuidado centrado no paciente/pessoa. | X |
Médico. Doutor em Saúde Coletiva. Professor e Pesquisador atuante no campo da Bioética | |
Médica. Doutora em Saúde Pública. Geriatra atuante na Atenção Primária, no setor público e no setor privado. | X |
Após consentimento dos participantes, o debate foi gravado a fim de resguardar todas as contribuições técnicas, vinculando-as aos temas de discussão propostos, e subsidiar a análise dos resultados do painel (Quadro 2).
Quadro 2 Pontos abordados no documento base submetido ao painel de especialistas.
Definição de uma Agenda de Pesquisa e Abordagem do Cuidado Centrado no Paciente no Brasil | ||
Objetivo | Estabelecer uma agenda para a pesquisa e abordagem do cuidado centrado no paciente no âmbito dos serviços de saúde, partindo da apreciação e indicação (ou não) de uma designação terminológica preferencial. | |
Proposta estratégia | Discussão breve sobre as designações "cuidado centrado no paciente" e "cuidado centrado na pessoa", com vistas à indicação de um termo de escolha a ser preconizado no contexto de saúde brasileiro, seguida por um debate sobre pontos a comporem a agenda. | |
Resultados esperados | Estabelecimento da agenda e a elaboração de um artigo contendo a sistematização do trabalho realizado, tendo como coautores todos os participantes do painel. | |
Agenda submetida ao painel | ||
Item | Justificativa | Principais questões |
O conceito de "cuidado centrado no paciente | Os conceitos propiciam a operacionalização das intervenções e práticas de saúde. | Quais são os atributos do cuidado centrado no paciente a serem prioritariamente operacionalizados na realidade da atenção à saúde no Brasil, considerando a diversidade territorial? |
Aspectos contextuais relevantes para a implementação do cuidado centrado no paciente. | Reconhecimento de que fatores contextuais influenciam o sucesso (ou não) das intervenções, no sentido de melhoria da qualidade do cuidado de saúde e interação dinâmica com tais ações. | Quais são os aspectos contextuais que facilitam ou dificultam uma cultura no sentido da provisão do cuidado de saúde centrado no paciente? A provisão do cuidado centrado no paciente varia conforme os efeitos desses aspectos contextuais? |
As estratégias políticas para implementação do cuidado centrado no paciente como dimensão da qualidade do cuidado de saúde no Brasil. | Não há no Brasil, uma política de saúde que reconheça e apoie inteiramente o cuidado centrado na pessoa como uma dimensão da qualidade dos serviços de saúde. | Cabe o estabelecimento de uma política neste sentido? Quais estratégias seriam cabíveis nas três esferas de governo no âmbito institucional, da atenção à saúde, do financiamento e da gestão do trabalho, no sentido de desenvolvimento das habilidades dos trabalhadores? |
A comunicação entre profissionais de saúde e pacientes | A comunicação é o elemento chave para todo e qualquer tipo de relação. A forma como é desenvolvida é capaz de determinar o sucesso ou fracasso da relação entre profissionais de saúde e profissionais e pacientes. | Quais os desafios presentes para o desenvolvimento da comunicação? Como melhorar a comunicação entre profissionais de saúde e entre profissionais e pacientes no sentido de promover o cuidado centrado no paciente? |
O compartilhamento de decisões como elemento do cuidado centrado no paciente. | São grandes os desafios para o compartilhamento de decisões nos serviços de saúde: a comunicação fragilizada, uma prática centrada exclusivamente no profissional, aspectos culturais e organizacionais, a insuficiência de recursos humanos e a sobrecarga de serviços, podem contribuir para um cuidado com baixa participação dos pacientes e familiares, mais centrada nos interesses institucionais e dos profissionais de saúde. | Como vencer a resistência dos profissionais de saúde? Como lidar com questões como a desproporcionalidade de recursos humanos à demanda? Que limites são importantes, do ponto de vista do paciente, para o compartilhamento de decisões? |
Aspectos contextuais interferem na continuidade do cuidado e adesão ao plano terapêutico | As práticas de saúde interagem dinamicamente com aspectos internos, inerentes à organização das ações e serviços de saúde, e externos, caracterizados pela influência de outros setores da sociedade, fatore individuais, coletivos e culturais de uma comunidade. | Como os aspectos culturais e as diferentes concepções de saúde interferem na continuidade do cuidado de saúde? Até que ponto, a maneira como o sistema de saúde está organizado propicia ou dificulta a continuidade do cuidado? |
A relação entre integralidade e cuidado centrado no paciente. | A integralidade é um dos princípios do SUS que deve nortear todas as práticas de saúde | A prática do cuidado centrado no paciente é capaz de promover a integralidade do cuidado? |
A incorporação de mudanças curriculares e nos processos de formação no sentido de promover uma nova orientação teórica e práticas de saúde. | A Educação e treinamento do profissional de saúde ainda está, predominantemente, sob uma perspectiva biomédica (DNV/GL, 2013, p.126). As mudanças sociais decorrentes do processo de transição demográfica e epidemiológica, modificam as demandas e necessidades da população. | Considerando o envelhecimento populacional e o predomínio das condições crônicas de saúde, que tipo de disciplinas poderiam ser incorporadas nas bases curriculares? Que novas demandas e responsabilidades são impostas à academia? |
O cuidado centrado no paciente para a produção de um cuidado seguro. | Alta incidência de eventos adversos no Brasil. O envolvimento dos pacientes e seus familiares no cuidado da sua saúde contribuem para um tratamento mais seguro. Preocupação dos sistemas de saúde com a questão da qualidade do cuidado e da segurança do paciente. | Em que grau a legitimação do paciente e acompanhantes no processo de cuidado contribui para um cuidado seguro? Como o paciente e acompanhantes podem ser envolvidos no processo de cuidado de saúde de modo a torná-lo mais seguro? |
Criação de instrumentos de mensuração específicos voltados para estudos dos elementos que conformam o cuidado centrado no paciente. | Instrumentos para mensuração de componentes do cuidado centrado no paciente são utilizados, com maior ênfase nos países desenvolvidos. No Brasil não é reconhecido a validação de um instrumento capaz de mensurar o cuidado centrado no paciente. | Até que ponto a criação e validação de um instrumento de mensuração do cuidado centrado no paciente pode contribuir para a melhoria da qualidade da atenção? |
Desenvolvimento de trabalhos empíricos no Brasil sobre o cuidado centrado na pessoa. | O desenvolvimento de trabalhos empíricos no Brasil que reconheça o cuidado centrado no paciente, como dimensão da qualidade dos serviços de saúde ainda é insuficiente. | As percepções sobre o cuidado centrado no paciente existentes no contexto de saúde brasileiro se distinguem daquelas observadas nos países desenvolvidos? Considerando as diversas perspectivas do cuidado centrado no paciente, como incentivar o desenvolvimento de trabalhos empíricos no Brasil voltados para esta temática? Há questões especialmente relevantes? |
Em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição onde se promoveu o painel, argumentou-se que os membros de um painel de especialistas são convidados para prover opiniões técnicas, baseadas em seu conhecimento e experiência. Assim, eles não estão em condição de vulnerabilidade, justificando a não necessidade de submissão ao referido Comitê. Após consulta do CEP à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, o argumento foi aceito.
O encontro dos especialistas foi realizado no dia 21 de maio de 2015, com duração de seis horas. Apesar de todos os convidados terem manifestado interesse, apenas nove especialistas participaram do painel. Como ponto de partida, foi realizada breve apresentação do conceito de cuidado centrado no paciente, elementos teóricos e a relevância de discussão do tema nos contextos brasileiro e internacional. O painel chegou ao consenso de que o contexto teórico da discussão sobre cuidado centrado no paciente guarda estreita relação com outras dimensões da qualidade do cuidado de saúde, incorrendo em questões pertinentes à própria complexidade do cuidado na atualidade.
O Quadro 3 sistematiza o resultado final do debate que se travou, sendo alguns elementos destacados a seguir.
Quadro 3 Resultado final da discussão consolidado: Agenda proposta pelo painel.
Recomendações para o cuidado centrado no paciente | |||
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Item | Justificativa | Principais questões | Principais pontos levantados |
O conceito de "cuidado centrado na pessoa/paciente | Os conceitos propiciam a comunicação entre os indivíduos. | O que define o conceito de cuidado centrado no paciente (CCP) para a realidade brasileira? | Optou-se pela utilização do termo "cuidado centrado na pessoa. Destacou-se, entretanto, que a escolha do termo pode ser condicionada ao nível de complexidade em que se dá a prestação do cuidado e, neste sentido, enfatizou-se a necessidade de cautela a fim de se evitar descaracterizações, obscuridades e perda do foco central do cuidado de saúde. Não se chegou a uma definição precisa do cuidado centrado na pessoa, ficando a proposta de se constituir uma agenda específica para esta discussão. |
Aspectos contextuais relevantes para a implementação do cuidado centrado na pessoa/paciente. | Reconhecimento de que fatores contextuais, em diferentes níveis, influenciam o sucesso (ou não) de ações. | Quais são os aspectos contextuais que facilitam ou dificultam uma cultura de provisão do cuidado de saúde centrado no paciente? | O reconhecimento de aspectos contextuais é essencial quando se quer promover mudanças. As variações de contexto influenciam as práticas de saúde, afetando sua efetividade. Os aspectos de contexto aracterizam-se por práticas organizacionais, tais como o trabalho em equipe, bem como tudo que está no entorno das práticas que pode constituir entrave ou facilitar a implementação do cuidado centrado na pessoa/paciente. |
As estratégias políticas para implementação do cuidado centrado na pessoa. | Ainda que existam políticas que considerem elementos do cuidado centrado na pessoa em sua composição e na definição de suas estratégias, ainda não há uma política de saúde voltada para o cuidado centrado na pessoa no país. | Cabe o estabelecimento de uma política neste sentido? Quais estratégias seriam cabíveis? Quais as similaridades e diferenças existentes entre a PNH e o cuidado centrado na pessoa? | Não se nega a existência de interfaces entre o cuidado centrado na pessoa e a Política Nacional de Humanização (PNH), mas se reconhece que não se tratam da mesma coisa. Destacou-se a contribuição do cuidado centrado na pessoa para um cuidado seguro. Fica proposto que se busque estabelecer uma interlocução entre grupos que atuam na área da qualidade do cuidado de saúde e o grupo que participa da formulação da PNH. |
A comunicação entre profissionais de saúde e pacientes. | Toda relação construída entre profissionais, pacientes e familiares é permeada pela comunicação e por aspectos organizacionais que interferem na continuidade do tratamento. | Quais os desafios para o desenvolvimento de habilidades de comunicação? Qual o papel das tecnologias na comunicação desenvolvida nos serviços de saúde? Como promover a melhoria da comunicação entre profissionais de saúde e entre profissionais e pacientes no sentido de promover o cuidado centrado na pessoa? |
Elementos organizacionais e a falta de habilidades comunicacionais são aspectos que podem interferir no processo de comunicação. Dentre os fatores organizacionais destacados: tempo de consulta; o ambiente da consulta médica; o papel das tecnologias na organização do cuidado; a redução dos gradientes de hierarquia nas relações entre profissionais; o compartilhamento de informações; a criação de meios que possibilitem a aquisição de informações precisas e confiáveis; aumento da literacia em saúde. Uma comunicação efetiva contribui para o compartilhamento de informações. |
O compartilhamento de informações e decisões como elemento do cuidado centrado na pessoa |
Há grandes desafios para que o compartilhamento de decisões seja uma prática frequente nos serviços de saúde. | Que limites são importantes, do ponto de vista do paciente, para o compartilhamento de decisões? | A comunicação é um elemento essencial para o compartilhamento de decisões. A privacidade foi citada como um princípio que deve ser respeitado e preservado. A declaração de direitos do paciente foi apontada como um documento que deve estar disponibilizado nos serviços de saúde. A confiança influencia no compartilhamento das decisões. As notícias veiculadas pela mídia alimenta a "cultura do medo" e interfere na construção da confiança. |
Aspectos contextuais que interferem na continuidade do cuidado e adesão ao plano terapêutico | Fica a proposta de desmembramento deste item: a "continuidade do cuidado" foi referida como uma dimensão do sistema de saúde; a "adesão" foi relacionada a aspectos inerentes ao sujeito do cuidado, mas que não negligencia o aspectos organizacionais. | ||
A relação do princípio da integralidade com o modelo de cuidado centrado no paciente. | Recomendou-se a retirada deste item, visto que, a integralidade consiste em um conceito multidimensional que não deve ser discutido isoladamente; Considerou-se a necessidade de um referencial para discutir integralidade. A integralidade foi destacada como a essência do cuidado centrado na pessoa. |
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A incorporação de mudanças nas bases curriculares e nos processos de formação no sentido de uma nova orientação teórica e das práticas em saúde. | A educação e treinamento do profissional de saúde ainda estão predominantemente dominados pela perspectiva biomédica (DNV/GL, 2013, p.126), mas as mudanças sociais decorrentes do processo de transição demográfica e epidemiológica, modificam as demandas e necessidades da população. | Considerando o envelhecimento populacional e o predomínio das condições crônicas de saúde, que tipo de disciplinas poderiam ser incorporadas nas bases curriculares? Que novas demandas e responsabilidades são impostas à academia? | A influência do mercado na formação dos profissionais de saúde; O Estado como indutor de mudanças no processo de cuidado; Inclusão de disciplinas teórico-práticas voltadas para o desenvolvimento da empatia e compaixão; A interdisciplinaridade e o trabalho em equipe são elementos importantes a serem incentivados durante o processo de formação. |
O cuidado centrado na pessoa para produção de um cuidado seguro | Alta incidência de eventos adversos no Brasil. Evidências que o envolvimento de pacientes e seus familiares no cuidado contribuem para um cuidado mais seguro. Preocupação dos sistemas de saúde com a questão da qualidade do cuidado e da segurança do paciente. |
Em que grau a legitimação do paciente e companhantes no processo de cuidado contribui para um cuidado seguro? Como o paciente e acompanhantes podem ser envolvidos no processo de cuidado de saúde de modo a torna-lo mais seguro? |
A legitimação do paciente e acompanhantes no processo de cuidado contribui em alto grau para um cuidado seguro; O compartilhamento de informações é essencial para um cuidado mais seguro. |
Criação de instrumentos de mensuração específicos voltados para estudo de elementos do cuidado centrado na pessoa. | Instrumentos para mensuração de componentes do cuidado centrado na pessoa/paciente são utilizados, com maior ênfase nos países desenvolvidos. E uma área em que o Brasil precisa avançar, validando instrumentos existentes ou propondo novos instrumentos. | Que dimensões e aspectos devem ser considerados na mensuração do cuidado centrado na pessoa. Em que medida a proposição ou validação deinstrumentos de mensuração do cuidado centrado na pessoa/paciente pode contribuir para a melhoria da qualidade da atenção? | Destacou-se a possibilidade da adaptação de instrumentos internacionais utilizados para mensuração de elementos do cuidado centrado no paciente ou até mesmo a livre criação condizente com a cultura do cuidado de saúde no Brasil |
Desenvolvimento de trabalhos empíricos no Brasil sobre o cuidado centrado na pessoa | O desenvolvimento de trabalhos empíricos no Brasil sobre o cuidado centrado na pessoa/ paciente, que reconheça-o como dimensão da qualidade dos serviços de saúde ainda é insuficiente. | As percepções sobre o cuidado centrado na pessoa/paciente existentes no contexto de saúde brasileiro se distinguem daquelas observadas nos países desenvolvidos? Considerando as diversas perspectivas do cuidado centrado na pessoa/paciente, como incentivar o desenvolvimento de trabalhos empíricos no Brasil voltados para esta temática? Há questões especialmente relevantes? |
Destacou-se a insuficiência de trabalhos empíricos no Brasil na área da qualidade dos serviços de saúde de uma maneira geral, sublinhando-se, em particular, a necessidade de subsídios governamentais e financeiros de fomento ao desenvolvimento de pesquisas sobre o cuidado centrado na pessoa. Foi levantado que há poucos trabalhos no Brasil sobre o cuidado centrado na pessoa/paciente e os que existem possuem denominações genéricas e estudam isoladamente elementos teóricos desta prática de cuidado. |
Considerando a diversidade de termos que expressam a centralidade do cuidado de saúde no sujeito, foram apresentadas aos participantes duas opções consideradas mais adequadas nos serviços de saúde: cuidado centrado no paciente e cuidado centrado na pessoa. A pré-seleção dessas expressões foi calcada no fato do vocábulo “paciente” ainda ser bastante utilizado no contexto de prestação de cuidados de saúde, e “pessoa” ser mais abrangente e ter muitos defensores na literatura nacional e internacional.
Admitindo especificidades e sobreposição dos termos apresentados, o painel concluiu que o uso da expressão “cuidado centrado na pessoa” seria mais congruente à realidade do sistema de saúde brasileiro. Segundo as opiniões, o vocábulo “paciente” restringe a abordagem do sujeito e sugere certa vulnerabilidade daquele que recebe o cuidado de saúde, além de excluir o componente da promoção da saúde.
Porém, se atentou também para a necessidade de cautela em afirmar que a expressão “cuidado centrado na pessoa” é mais apropriada do que “cuidado centrado no paciente”, no sentido de evitar descaracterizações e perda do foco central do cuidado.
Segundo o painel, as características organizacionais, determinadas pela forma como as ações e serviços de saúde estão organizados no âmbito do sistema, repercutem diretamente na operacionalização das práticas de saúde. Dessa forma, pode-se dizer que as políticas públicas, a organização do processo de trabalho, a disponibilidade de recursos, os valores organizacionais, a liderança e os valores individuais de cada pessoa, exercem influência no modo como uma instituição planeja e implementa suas atividades.
Ainda que se admita a importância do cuidado centrado no paciente para a melhoria da qualidade dos serviços de saúde, ficou claro que não há no Brasil uma política que integre todos os elementos teóricos e princípios necessários para a conformação desta prática de cuidado. Segundo os participantes, há interfaces entre elementos do cuidado centrado no paciente e a Política Nacional de Humanização (PNH), porém esta última não trabalha o conceito em sua plenitude.
Assumindo que, no contexto brasileiro, a PNH emergiu como uma estratégia transversal de produção e reorganização das práticas coletivas de atenção e gestão, foi proposta a interlocução entre pesquisadores que se debruçam em estudos sobre qualidade do cuidado de saúde e profissionais que participaram da formulação e implantação dessa política a fim de comparar aspectos contemplados pela PNH com elementos do cuidado centrado no paciente. Tal comparação propiciará circunstâncias favoráveis à implementação da prática do cuidado centrado no paciente, a partir da identificação de elementos comuns ou divergentes entre ambos.
A comunicação foi reconhecida como elemento fundamental e uma habilidade a ser desenvolvida na prestação do cuidado de saúde, destacando-se a sua complexidade e caráter dinâmico. Diversos fatores podem interferir na qualidade da comunicação entre profissionais de saúde e entre profissionais e pacientes, abrangendo desde características individuais dos sujeitos a circunstâncias do contexto. No contexto, importam, entre outros aspectos, as conjunturas organizacionais - fluxo do processo de trabalho, sobrecarga dos profissionais; a infraestrutura adequada ou não para preservação da privacidade; o nível de hierarquização das relações profissionais e a assimetria do conhecimento.
Os panelistas afirmaram que a assimetria de informação manifestada nas relações entre profissionais de saúde e pacientes, pode ser atenuada por técnicas de comunicação capazes de promover o melhor entendimento do paciente sobre a sua condição de saúde.
A Internet foi problematizada, sendo considerada uma ferramenta útil, capaz de esclarecer dúvidas, mas também perigosa ao apresentar informações, às vezes, pouco compreensíveis, com implicações na segurança do paciente.
A comunicação efetiva e o compartilhamento de decisões são indissociáveis para a prática do cuidado centrado no paciente. Incentivar a participação dos pacientes e familiares nas ações de cuidado, coopera para a co-responsabilização em relação ao próprio cuidado e à segurança do paciente, dependendo do grau de assimetria de conhecimento entre o profissional de saúde e o paciente.
A comunicação efetiva entre profissionais e pacientes e a utilização de estratégias que apoiemos pacientes nas decisões referentes à sua saúde favoreceriam a construção e o fortalecimento de vínculos e de confiança.
Entretanto, a confiança durante a prestação dos cuidados de saúde é ameaçada por informes divulgados pelos meios de comunicação que evidenciam fatos negativos e sensacionalistas decorrentes da assistência à saúde, disseminando no meio social sentimentos de incerteza e desconfiança e contribuindo para o surgimento da “cultura do medo”.
Tendo em vista a definição dos termos “continuidade do cuidado” e “adesão ao tratamento”, o painel sugeriu um debate desagregado e particularizado, reforçando a ideia de complementariedade entre ambos, porém não excluindo características particulares no debate de cada termo. Segundo os especialistas, a “continuidade do cuidado” depende da maneira como as ações e serviços de saúde estão fisicamente organizadas dentro do sistema. Já a “adesão ao cuidado” reflete aspectos objetivos, assim como subjetivos, concernentes ao sujeito.
Segundo os especialistas, não cabia nos propósitos do painel a discussão isolada sobre integralidade, sem remetê-la previamente a um conceito que oriente o debate. A integralidade não pode ser garantida exclusivamente pela prática do cuidado centrado no paciente; a implementação dos elementos que conformam tal prática colabora para um cuidado integral.
Foi reconhecida a necessidade de incluir disciplinas e abordagens pedagógicas que discutam, orientem e reflitam sobre condutas e comportamentos entre os sujeitos, apresentando estratégias capazes de aprimorar relações interpessoais e transformar práticas de cuidado.
A influência do setor privado na formação universitária de profissionais de saúde no Brasil, contribuindo para o predomínio da lógica de mercado em detrimento das práticas sociais e repercutindo no modo de produção dos cuidados de saúde, ocupou essa discussão. É socialmente importante repensar a formação do profissional de saúde, de modo a torná-la facilitadora da inserção do profissional nos sistemas de saúde, de forma mais interativa e menos fragmentada socialmente.
A legitimação da participação do paciente e seus familiares/acompanhantes no planejamento e execução dos cuidados em saúde foi vocalizada como uma estratégia para prevenção de incidentes. De acordo com os especialistas, o cuidado centrado no paciente e a segurança são dimensões da qualidade indissociáveis e complementares. Para tanto, fazem-se necessárias estratégias que promovam comunicação efetiva dos profissionais de saúde entre si e pacientes/acompanhantes; o envolvimento dos pacientes e acompanhantes nos processos de cuidado e a disponibilização de evidências científicas para apoiar o compartilhamento das decisões.
Segundo os especialistas, a utilização de instrumentos de mensuração de cuidado centrado no paciente adequada ao contexto de saúde brasileiro e capaz de indicar a real implementação desta prática na produção dos cuidado de saúde. Ela subsidiaria uma reorganização das práticas de saúde, de modo a torná-las mais centradas no paciente. Reconhecendo a importância dessa prática de atenção para melhorar a qualidade dos serviços de saúde, considerou-se possível adaptar ao contexto brasileiro ferramentas de mensuração já utilizadas em países desenvolvidos ou desenvolver instrumentos condizente com a cultura do cuidado no país.
O número de trabalhos empíricos no Brasil voltados para a área da qualidade do cuidado de saúde, de modo geral, ainda é insuficiente. Destacou-se a premência de fomentar o desenvolvimento de estudos nesta área visando, possíveis reordenações das práticas de saúde, de modo a torná-las mais centradas no paciente.
Resultados do painel mostraram-se alinhados à literatura no que concerne às diversas terminologias empregadas para referenciar a centralidade do cuidado de saúde, admitindo-se que apesar da intercambialidade entre elas, há nuances e atributos particulares. As conotações peculiares dependem de como as práticas de cuidado são implementadas e do contexto em que ocorre a produção do cuidado4, considerando que os aspectos contextuais determinam variações das práticas de saúde, sendo fundamental considerar o seu papel em intervenções para melhoria da qualidade do cuidado e segurança do paciente9.
O contexto da realidade brasileira é complexo e contempla desde as condições e recursos disponíveis à disponibilidade de estudos empíricos sobre o cuidado centrado no paciente. Mesmo no contexto de um país como a Suécia, foram identificados desafios para a prática do cuidado centrado no paciente: baixo incentivo à participação dos pacientes; a priorização de aspectos objetivos em detrimento do subjetivo; conflitos de poder nas relações profissionais; infraestrutura inadequada dos serviços de saúde; profissionais que acreditam já realizar práticas centradas no paciente; diversidade cultural; e ausência de registros do cuidado de saúde10.
Considerando o cuidado centrado no paciente e a segurança do paciente como dimensões da qualidade indissociáveis, é central a identificação de estratégias para o envolvimento do paciente e acompanhantes na redução de danos evitáveis produzidos pelos serviços de saúde8-11.
O compartilhamento de decisões entre profissionais de saúde, pacientes e acompanhantes foi declarado pelos participantes do painel como uma habilidade necessária na implementação da prática do cuidado centrado no paciente. Estudos mostram que, quando o paciente é envolvido nas decisões referentes ao seu tratamento, os desfechos clínicos são mais efetivos11,12. Porém, compartilhar decisões na prática de saúde exige dos profissionais envolvidos responsabilidades éticas, dada a assimetria do conhecimento técnico existente na relação com o paciente. É importante os profissionais de saúde apresentarem claramente as evidências e incertezas científicas existentes acerca de alternativas de tratamento12.
A ideia de que a comunicação é um elemento estratégico para o cuidado de saúde de qualidade perpassou vários pontos de discussão do painel, ficando assinalado que a sua efetividade favorece o compartilhamento de decisões, a coprodução dos serviços de saúde, aumenta a segurança do paciente, influenciando positivamente os resultados clínicos12-13. Comunicação eficaz é aquela que melhora a qualidade da assistência em saúde14. Mas, embora a comunicação seja reconhecida como uma ferramenta essencial, ela ainda enfrenta desafios nas esferas física e relacional. Segundo os participantes do painel, é vital criar condições favoráveis e projetos de melhoria que possam tornar a comunicação eficaz e, assim, promover um atendimento centrado no paciente.
A qualidade da formação profissional foi levantada como uma questão que precisa ser problematizada, repensada, e talvez, reformulada. Algumas instituições de ensino vêm implementando modificações curriculares em seus cursos de formação, incorporando disciplinas que oportunizam reflexões sobre as práticas de saúde15. Mas, em termos mais gerais, ainda prevalece a fragmentação do conhecimento, crescente especialização e valorizações tecnológica, com predomínio da visão biológica em detrimento da social15.
Seria oportuno estabelecer conjunturas favoráveis à promoção de mudanças individuais e organizacionais facilitadoras da incorporação do cuidado centrado no paciente como um dos objetivos da qualidade do cuidado nos serviços de saúde brasileiros.
Em suma, a experiência aqui reportada possibilitou a agregação de diversos olhares e perspectivas sobre o cuidado centrado na pessoa/paciente e elementos teóricos que o conformam. Contribuiu para a proposição de bases investigativas que permitirão um aprofundamento sobre o cuidado centrado na pessoa/paciente, com potencial agregação de evidências científicas sobre caminhos para a sua implementação e avaliação da sua efetividade no contexto de saúde brasileiro.