versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.2 São Paulo 2019 Epub 18-Abr-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180128
Um grande desafio para o controle efetivo da tuberculose (TB) em todo o mundo é a ocorrência de cepas do complexo Mycobacterium tuberculosis (MTBC) mostrando resistência tanto à rifampicina (RIF) quanto à isoniazida (INH), os dois medicamentos de primeira linha mais efetivos no tratamento da TB.1 Esse perfil de resistência, denominado “TB multirresistente” (TBMR), leva a regimes de medicamentos menos eficientes,1 e está associado a falhas no tratamento, recidivas e resultados clínicos desfavoráveis.2
Em razão do aumento da TBMR, foram desenvolvidos novos testes diagnósticos mais rápidos e precisos que permitem o início de um tratamento precoce e mais eficaz, reduzindo a transmissão da TB resistente a medicamentos.3,4 Em 2008, a Organização Mundial da Saúde (OMS) endossou o uso de ensaios moleculares para a triagem da TBMR.5 Um deles, o GenoType MTBDRplus (Hain Lifescience, Nehren, Alemanha), é um ensaio de sonda em linha que detecta MTBC, bem como mutações e sequências do tipo selvagem na região determinante de resistência a rifampicina de 81 pares de bases do gene rpoB, no códon 315 do gene katG, e na região promotora do gene inhA.6 Assim, o MTBDRplus prevê TBMR por meio da detecção de resistência tanto à RIF (gene rpoB) como também à INH (genes katG e inhA). Embora a resistência à RIF tenha sido considerada um marcador da TBMR,4,7 identificar a resistência à INH pode ser útil, principalmente em regiões com alta carga de TB, nas quais a prevalência de TBMR é baixa,4 como no Brasil, onde 1,5 e 8,0% dos 82.676 casos de TB notificados em 2016 foram estimados como TBMR primária e adquirida, respectivamente.8
O MTBDRplus demonstrou boa precisão e agora é usado rotineiramente em muitos países,4 acelerando o diagnóstico de TBMR e reduzindo a demanda laboratorial por testes convencionais de suscetibilidade a medicamentos (TSM). No entanto, nenhum estudo utilizando este teste aplicado a isolados no fluxo de trabalho de diagnóstico de um laboratório de referência foi realizado até o momento no Brasil.
Nosso objetivo foi avaliar prospectivamente o desempenho do ensaio MTBDRplus a partir de culturas do MTBC em comparação com TSM fenotípico em um laboratório de referência de TB de alto volume, bem como elucidar eventuais discrepâncias entre os dois métodos.
Este estudo foi realizado no Núcleo de Tuberculose e Micobacterioses do Instituto Adolfo Lutz (IAL), uma instituição do governo do estado de São Paulo. O IAL é o laboratório de referência de TB e micobacterioses de São Paulo, responsável por 291 laboratórios em todo o estado, com diferentes infraestruturas para o processamento do material clínico coletado de pacientes ambulatoriais e internados, cobertos pelo sistema público de saúde. Esses laboratórios realizam baciloscopia de bacilos álcool-ácido resistentes ou o teste Xpert MTB/RIF (Cepheid, SUNV, CA, EUA) implementado em 36 deles a partir do final de 2014. Oitenta laboratórios dessa rede realizam culturas e enviam para o IAL, onde o TSM é realizado para pacientes com maior risco de TB resistente a medicamentos. Estes incluem quaisquer casos de baciloscopia positiva após 2 meses de tratamento da TB, aqueles que são contatos de pacientes TB-resistentes conhecidos, casos de TB de retratamento e quaisquer pessoas imunodeprimidas, usuários de álcool ou drogas ilícitas, profissionais de saúde, indivíduos sem moradia, indígenas, imigrantes, reclusos, internados e agentes penitenciários.9 Em 2016, essa estrutura laboratorial em São Paulo atendia virtualmente a uma população de 44,85 milhões de habitantes com uma taxa de incidência de 36,4 por 100.000.10 O IAL recebe por ano aproximadamente 7.000 culturas de micobactérias para confirmar a identificação e realiza o TSM de primeira linha em quase 4.000 isolados.
Para este estudo, um tamanho de amostra (n) de 307 casos de TB foi calculado usando a fórmula n = Z 2 P(1-P)/d 2(11 aplicada a uma frequência esperada de 15% (p = 0,15) de resistência a pelo menos um dos medicamentos antiTB, RIF ou INH, e 95% de intervalo de confiança (IC 95%), com valor de Z de 1,96 e precisão de 4% (d = 0,04).
Dados demográficos e clínicos foram coletados do Sistema de Informação e Gestão Hospitalar (GAL) e do Sistema de Controle de Pacientes com Tuberculose (TBWEB) do estado de São Paulo.
Culturas primárias de micobactérias enviadas ao IAL em meio sólido ou líquido MGIT (do inglês, tubo indicador de crescimento de micobactérias) foram identificadas presuntivamente pela observação do crescimento e características microscópicas para diferenciar MTBC de micobactérias não tuberculosas (MNT). A identificação subsequente por testes fenotípicos, incluindo detecção de proteína MPT64, foi realizada sempre que necessário, como já descrito.12,13
Os isolados identificados presuntivamente como MTBC foram submetidos ao TSM pelo sistema automatizado BACTEC MGIT 960 (Becton, Dickinson & Co., NJ, EUA),14 usando o protocolo modificado adequado às condições de rotina do IAL.13 As concentrações finais foram de 0,1 µg INH mL-1 e 1,0 µg RIF mL-1. Em caso de contaminação ou ausência de crescimento, a respectiva cultura primária foi submetida a mais testes de identificação da espécie.
Este ensaio foi realizado prospectivamente em 341 isolados, um por paciente, que estavam prestes a ser submetidos ao TSM em MGIT. As culturas foram submetidas à extração de DNA em agosto e outubro de 2014, um dia antes de entrarem no instrumento BACTEC.
A extração de DNA a partir de culturas líquidas ou sólidas foi realizada utilizando o kit Genolyse versão 1.0 (Hain)15 para não mais do que 23 isolados e um controle negativo por vez. O MDRTBplus foi realizado como descrito anteriormente,15 e as reações detectadas nas tiras foram interpretadas visualmente com o auxílio de um gabarito. No caso de resultados inválidos, como nenhum sinal com o conjugado ou qualquer uma das outras sondas de controle, e reações duvidosas como reações fracas com as bandas de genes, o teste foi repetido usando nova extração de DNA.
O sequenciamento de Sanger foi realizado sempre que os resultados entre o MTBDRplus e o TSM fenotípico permanecessem discordantes ao se repetir os dois testes. Isolados mostrando resultados conflitantes para INH tiveram a região reguladora mabA-inhA (posições -168 a 80, relativa ao códon) amplificada e sequenciada com os oligonucleotídios iniciadores mabA-inhAF e mabA-inhAR,16 assim como foram sequenciados os genes completos inhA e katG, usando os pares de iniciadores inhA3 e inhA4, inhA3F e inhA5R, e os oligonucleotídios iniciadores anversos e reversos katG-P4, -P5, -P6, -P7 e -P8.17 Para isolados com resultados discordantes de RIF, utilizou-se os oligonucleotídios iniciadores RPOB-1 e RPOB-218 para amplificar e sequenciar um fragmento de 350-bp de rpoB, abrangendo a região determinante de resistência à RIF.
A PCR única incluiu 12,5 µl de Polimerase de DNA PrimeSTAR Max (Takara Bio, Shiga, Japão), 5 pmol de oligonucleotídios iniciadores para mabA-inhA e katG, 10 pmol de oligonucleotídios iniciadores para inhA e rpoB, 2 µL de DNA de amostra e água de grau de PCR para um volume final de 25 µL. A amplificação compreendeu 30 ciclos de 98 °C durante 10 segundos, 55 °C durante 5 segundos e 72 °C durante 20 segundos. Os produtos amplificados purificados com ExoSAP-it (Affymetrix, SCL, CA, EUA) foram sequenciados com um Analisador Genético ABI 3130xL e o kit Big Dye Terminator versão 3.1 (Applied Biosystems, FSTC, CA, EUA). As sequências foram alinhadas e analisadas usando o software BioEdit v7.2.519 e as ferramentas MUBII-TB-DB20 e BLAST21 baseadas na internet.
O tempo necessário para realizar os testes TSM em MGIT e MTBDRplus foi registrado para calcular o tempo médio gasto para completar os testes. O tempo de resposta (TR) dos resultados foi calculado a partir da data de adição de ácido oleico-albumina-dextrose-catalase (OADC) e soluções antimicrobianas aos tubos MGIT até a data em que o laudo do resultado do TSM estava disponível; e desde a data de extração do DNA até a data em que o resultado do MTBDRplus foi escrito na folha de avaliação.
A sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) do teste MTBDRplus foram avaliados para RIF e INH em comparação com o TSM fenotípico. A concordância entre os dois testes foi calculada pelo coeficiente kappa (k) e a força de concordância interpretada como ruim (<0,2), regular (> 0,2 ≤ 0,4), moderada (> 0,4 ≤ 0,6), boa (> 0,6 ≤ 0,8) e muito boa (> 0,8 ≤ 1).22 O teste exato de Fisher bicaudal foi usado para comparações entre proporções. Diferenças nos TR foram avaliadas usando o teste t pareado. O limiar de significância foi estabelecido em 0,05. As análises estatísticas foram realizadas usando o programa OpenEpi.23
O Conselho Técnico-Científico (CTC-IAL nº 98C/2012) e o Comitê de Ética em Pesquisa (CEPIAL nº 207.606, de 21/02/2013) do IAL aprovaram este estudo.
Os resultados do TSM em MGIT, juntamente com as características demográficas e clínicas dos pacientes, são mostrados na Tabela 1. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (80%), tinha TB pulmonar (93%) e nenhum histórico de tratamento de TB (65%). A TBMR foi observada apenas em pacientes com TB pulmonar tratados anteriormente.
Tabela 1 Características dos pacientes indicados para testes de sensibilidade à rifampicina e à isoniazida em agosto e outubro de 2014
Características | Pacientes | Ensaios de susceptibilidade a RIF e INH - sistema BACTEC 960 MGIT | |||
---|---|---|---|---|---|
Suscetível n = 276 | Monorresistente n = 15* | Multirresistente n = 12 | Teste inválido n = 38 | ||
Idade | 37 ± 13, (range 1-84) | 37 ± 13 | 44 ± 15 | 35 ± 12 | 38 ± 15 |
Sexo | |||||
Masculino | 272 (80) | 225 (82) | 10 (67) | 8 (67) | 29 (76) |
Feminino | 69 (20) | 51 (18) | 5* (33) | 4 (33) | 9 (24) |
Apresentação clínica | |||||
Pulmonar | 317 (93) | 259 (94) | 14 (93) | 12 (100) | 32 (84) |
Pulmonar e extrapulmonar | 15 (4) | 12 (4) | 0 | 0 | 3 (8) |
Extrapulmonar | 9 (3) | 5 (2) | 1* (7) | 0 | 3 (8) |
Histórico de tratamentos | |||||
Sem histórico (paciente novo) | 222 (65) | 191 (69) | 6 (40) | 0 | 25 (66) |
Retratamento | 119 (35) | 85 (31) | 9* (60) | 12 (100) | 13 (34) |
Valores de idade expressos como média ± desvio padrão e os outros valores como n (%). *Um isolado é RIF-monorresistente e os outros são INH-monorresistentes. RIF: rifampicina; INH: isoniazida.
A Figura 1 mostra o plano de estudo dos 341 isolados testados prospectivamente. O TSM fenotípico forneceu resultados interpretáveis para 303 (89%) isolados, dos quais 276 (91%) foram suscetíveis, 14 (5%), monorresistentes a INH, 12 (4%) multirresistentes, e um (<1%) foi monorresistente a RIF .
Figura 1 Fluxograma dos isolados do complexo Mycobacterium tuberculosis (MTBC) neste estudo. RIF: rifampicina, INH: isoniazida; CC para MGIT CG: Tubo controle de crescimento no sistema BACTEC 960; Ag MPT64: detecção do antígeno MPT-64; PRA-hsp65: reação em cadeia da polimerase e análise por enzimas de restrição do gene hsp65, NTM: micobactérias não tuberculosas. katG.S315T1: T1 significa AGC→ACC exchange. *n.1798_1799insT, p.Lys600IlefsTGA623.
Para as 38 culturas com resultados TSM inválidos devido à contaminação (n = 35) ou à ausência de crescimento (n = 3), a especiação subsequente identificou 23 MTBC, seis MTBC + MNT mistos e quatro culturas MNT. Entre os cinco isolados restantes, a identificação não foi avaliada devido ao crescimento insuficiente de três culturas primárias e à contaminação pesada em dois casos, ambos negativos para Ag MPT64, reportados como isolados não-MTBC.
Todos os resultados duvidosos (n = 9) e inválidos (n = 2) tornaram-se válidos após a repetição do ensaio. O MTBDRplus deu resultados interpretáveis para todos os 341 isolados (Figura 1). Entre os 335 isolados identificados como MTBC, havia 308 (92%) suscetíveis, 12 (3,6%) multirresistentes, 12 (3,6%) monorresistentes a INH e três (1%) isolados monorresistentes a RIF.
O MTBDRplus apresentou resultados interpretáveis significativamente mais altos, fornecendo informações sobre 38 isolados adicionais (11%; IC 95% 8,1-14,8%; p<0,0001) para os quais não estavam disponíveis resultados de TSM em MGIT (Figura 1). Entre esses isolados, o teste genotípico identificou 32 MTBC (31 suscetíveis e um INH-monorresistente) e seis não-MTBC. Os isolados INH-monorresistente (um) e suscetíveis (sete) foram posteriormente confirmados pelo TSM para MGIT, em um segundo isolado.
Para a previsão de resistência a RIF, o MTBDRplus apresentou 100% de sensibilidade (13/13), 99,3% de especificidade (288/290) e 99,3% de precisão (301/303), como mostrado na Tabela 2. O teste detectou corretamente a resistência a INH em 23/26 isolados (sensibilidade 88,5%) e suscetibilidade a INH em todos os 277 isolados (especificidade 100%), com acurácia diagnóstica geral de 99,0% (300/303). Os valores de VPP e VPN foram altos para resistência à RIF, resistência à INH e multirresistência, variando de 86,7% a 100%. A concordância entre os testes genotípico e fenotípico foi muito boa (κ ≥ 0,91). Para averiguar a reprodutibilidade do teste, todas as 31 repetições confirmaram os primeiros resultados.
Tabela 2 Índices de desempenho do teste MTBDRplus para a detecção de isolados resistentes a rifampicina, isoniazida e multirresistentes, e discordâncias em comparação com o teste fenotípico de susceptibilidade aos fármacos pelo sistema BACTEC MGIT 960.
Genótipo MTBDRplus comparado ao MGIT 960 | Resultados discordantes | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Desempenho | Correspondência de n/total | Proporção | (IC 95%) | n | Discordância | MTBDRplus | Sequenciamento genético |
RIFAMPICINA | |||||||
Sensibilidade | 13/13 | 100% | (77,2-100) | ||||
Especificidade | 288/290 | 99,3% | (97,5-99,8) | 2 | Falso-RIFR | rpoB mut 526-529 rpoB mut 513-519 | rpoB − His526Asn rpoB − Asp516Tyr |
Precisão | 301/303 | 99,3% | (97,6-99,8) | ||||
VPP | 13/15 | 86,7% | (62,1-96,3) | ||||
VPN | 288/288 | 100% | (98,7-100) | ||||
Concordância (k) | 301/303 | 0,93 | (0,81-1,04) | ||||
ISONIAZIDA | |||||||
Sensibilidade | 23/26 | 88,5% | (71,0-96) | 3 | Falso-INHS | katG and inhA − TS | katG and inhA - TS katG and inhA - TS katG - Lys600IlefsTGA623 |
Especificidade | 277/277 | 100% | (98,6-100) | ||||
Precisão | 300/303 | 99,0% | (97,1-99,7) | ||||
VPP | 23/23 | 100% | (85,7-100) | ||||
VPN | 277/280 | 98,9% | (96,9-99,6) | ||||
Concordância (k) | 300/303 | 0,93 | (0,82-1,05) | ||||
Multirresistência | |||||||
Sensibilidade | 11/12 | 91,7% | (64,6-98,5) | 1* | Falso-INHS | katG and inhA - TS | katG - Lys600IlefsTGA623 |
Especificidade | 290/291 | 99,7% | (98,1-99,9) | 1† | Falso-RIFR (multirresistente) | rpoB mut 513-519 | rpoB - Asp516Tyr |
Precisão | 301/303 | 99,3% | (97,6-99,8) | ||||
VPP | 11/12 | 91,7% | (64,6-98,5) | ||||
VPN | 290/291 | 99,7% | (98,1-99,9) | ||||
Concordância (k) | 301/303 | 0,91 | (0,80-1,03) |
VPP: valor preditivo positivo; VPN: valor preditivo negativo; k: coeficiente kappa de Cohen; IC 95%: intervalo de confiança de 95%; RIFR: resistência à rifampicina; INHS: susceptibilidade à isoniazida; mut: mutação; TS: tipo selvagem; *o isolado é uma das discordâncias da isoniazida nesta tabela. †o isolado é discordante de rifampicina nesta tabela.
Quando os 303 resultados válidos pelo teste fenotípico foram comparados com os resultados dos testes genotípicos, houve sete discordâncias. Após o subcultivos e repetição dos testes destes isolados, dois dos cinco isolados inicialmente resistentes à INH pelo TSM convencional coincidiram com os resultados do MTBDRplus. Os resultados dos cinco isolados que permaneceram discrepantes estão resumidos na Tabela 2. Os dois isolados de RIF falso-resistentes tiveram suas mutações rpoB confirmadas como His526Asn e Asp516Tyr por sequenciamento.
O MTBDRplus não conseguiu detectar resistência a INH em dois isolados fenotipicamente INH-monorresistentes e um multirresistente. O sequenciamento genético mostrou que os dois primeiros isolados não tiveram mutações no gene katG nem inhA, enquanto o isolado multirresistente apresentou uma inserção de timina entre as posições 1.798 e 1.799 no gene katG, levando à mutação Lys600Ile e à formação precoce de um códon de parada (TGA), na posição 623 do gene.
Dez perfis diferentes de mutação foram identificados entre os 27 isolados genotipicamente resistentes, como mostrado na Tabela 3. Em relação às mutações do gene rpoB, o mais frequente foi o Ser531Leu (11/15; 73%), principalmente entre os isolados fenotipicamente multirresistentes (10/12; 83%). A mutação His526Asn rpoB foi observada em um isolado fenotipicamente suscetível e no único isolado multirresistente apresentando mutações duplas no gene rpoB e mutações simultâneas katG e inhA. Ser315Thr1 (AGC → ACC exchange) foi a mutação katG mais frequente (14/16, 88%), observada principalmente nos isolados multirresistentes (10/12; 83%). A única mutação encontrada no gene inhA foi a C-15T (10; 100%), que foi mais frequente nos isolados monorresistentes à INH (8/12; 67%).
Tabela 3 Perfis de mutação em genes do complexo Mycobacterium tuberculosis associados à resistência à rifampicina (RIF) e à isoniazida (INH) e teste de susceptibilidade fenotípico pelo sistema BACTEC MGIT 960.
n | Padrão de mutação | Resultados fenotípicos para RIF e INH | ||
---|---|---|---|---|
total = 27 | rpoB | katG | inhA | |
1 | His526Asn | TS | TS | Suscetível |
1 | Ser531Leu | TS | TS | RIFR |
7 | TS | TS | C-15T | INHR |
1 | Asp516Tyr | TS | C-15T | INHR |
1 | TS | Ser315Asn | TS | INHR |
4 | TS | Ser315Thr (G>C) | TS | 3 INHR; 1 ND |
9 | Ser531Leu | Ser315Thr (G>C) | TS | RIFR - INHR |
1 | Asp516Val | Lys600IlefsTGA623 | TS | RIFR - INHR |
1 | Ser531Leu | TS | C-15T | RIFR - INHR |
1 | Phe505Leu + His526Asn | Ser315Thr (G>C) | C-15T | RIFR - INHR |
TS: tipo selvagem; RIFR: resistente à rifampicina; INHR: resistente à isoniazida; ND: não determinado em razão de contaminação.
Para o ensaio MTBDRplus, duas rodadas consecutivas de extração de DNA, contendo 11 isolados e um controle cada, levaram cerca de 3 horas. A mistura de amplificação, ciclagem térmica, hibridação e interpretação dos resultados em uma rodada de 24 amostras levaram 50 minutos, 1 hora e 50 minutos, 2 horas e 20 minutos e 40 minutos, respectivamente. Portanto, a média de TR da extração de DNA para relatar os resultados de 24 amostras realizadas por uma pessoa sozinha foi de 8 a 9 horas no total.
Os TRs dos TSM em MGIT e MTBDRplus foram comparadas usando apenas resultados válidos no TSM convencional. A mediana do TR para liberar os resultados do MTBDRplus foi de 3 dias (zero a 17 dias), significativamente menor do que o do TSM em MGIT (mediana de 11 dias, 7 a 78 dias; p<0,0001). Intervalos > 9 dias para 16 resultados de MTBDRplus foram devidos a indisponibilidade temporária do kit, e aqueles > 23 dias para a liberação de 12 laudos de TSM em MGIT foram devidos à repetição de testes apresentando falha de crescimento ou contaminação. Como mostrado na Figura 2, os resultados do MTBDRplus estavam disponíveis muito antes do que pelo MGIT, embora o teste tenha sido realizado por um único operador e em rodadas de 24 isolados. No 7º dia, quando os três primeiros (1%) resultados do TSM em MGIT foram reportados, já havia 231 (76%) resultados do MTBDRplus disponíveis. O número de testes completos pelo ensaio genotípico no 9º dia (287; 95%) foi obtido apenas no 14º dia pelo TSM para MGIT (285; 94%).
Este estudo avalia o uso do ensaio MTBDRplus no fluxo de trabalho de um laboratório de rotina de TB no Sudeste do Brasil, onde cerca de 4.000 isolados de MTBC de pacientes com alto risco de TB resistente a medicamentos em São Paulo são submetidos a TSM em MGIT por ano. O ensaio molecular foi comparado com o TSM de referência no MGIT 960, e os resultados discordantes entre os dois métodos foram resolvidos pelo sequenciamento de Sanger. Os últimos relatórios anuais do IAL estimavam 91% de resultados válidos de TSM de primeira linha, dos quais 91% dos isolados eram suscetíveis a RIF e INH, 4% eram multirresistentes, 4% eram resistentes à INH, mas suscetíveis à RIF e <1% eram RIF-resistente mas INH-suscetível (dados não mostrados), confirmando que a amostra do estudo refletiu com precisão a população de isolados examinados a cada ano.
Nossos achados estão de acordo com uma revisão24 que estimou as sensibilidades e especificidades agrupadas para predição de resistência a RIF (91,3% e 97,1%) e INH (89,4% e 98,9%). Em relação aos dados do Brasil utilizando o MTBDRplus em isolados clínicos, nossos achados são comparáveis com um estudo25 no Estado de Minas Gerais, mostrando sensibilidades de 93,3% para RIF, 83,3% para detecção de multirresistência ou resistência a INH e 100% de especificidade para ambos medicamentos. Um estudo em pacientes com TBMR em Ribeirão Preto (SP) revelou sensibilidade de 100% e 80% na detecção de resistência a RIF e INH, respectivamente.26)
Neste estudo, as mutações Ser531Leu do gene rpoB e Ser315Thr do gene katG predominaram, como em outras situações.25-28 Identificar a mutação específica associada à resistência medicamentosa, que não é possível por métodos fenotípicos, pode fornecer informações adicionais sobre a categoria de resistência e guiar decisões terapêuticas, como a escolha do regime de tratamento.29 Neste estudo, um isolado portador da mutação Asp516Val rpoB, que mostrou conferir resistência à RIF, mas não à rifabutina,7,28 ilustra como os testes genéticos podem ajudar os médicos a tratar casos resistentes à TB. Além disso, a tradução dos achados genéticos em terapia clínica tem implicações relevantes no uso de INH para TB-resistentes, uma vez que esse medicamento mostrou-se eficaz dependendo da mutação que confere resistência à INH.30 A dose usual de INH é efetiva quando mutações ocorrem apenas na região promotora inhA, e para mutações apenas em katG, altas doses de INH ainda são uma opção para a maioria dos pacientes.30,31 Esses achados podem explicar a eficácia da INH no regime mais curto de tratamento para TBMR.
Algumas mutações de rpoB detectáveis apenas pela ausência de reação com as sondas do tipo selvagem no MTBDRplus podem não estar associadas à resistência à RIF.7,28,32 Este foi o caso de dois isolados fenotipicamente suscetíveis a RIF neste estudo, apresentando mutações nos códons rpoB 513-519 e 526-529, identificados ainda por sequenciamento como Asp516Tyr e His526Asn, que mostraram não estar associados à resistência à RIF.7,28 Como não são verdadeiras as discordâncias com o teste fenotípico, não foi observada falsa resistência à RIF em nosso estudo. Os resultados acima demonstram claramente porque nos casos em que não ocorre nenhuma reação com as sondas de mutação, o sequenciamento ou TSM fenotípico deve ser realizado para melhor interpretar a resistência. Não encontramos na literatura publicada a dupla mutação rpoB Phe505Leu e His526Asn vista em um isolado neste estudo. O perfil multirresistente desse isolado, também abrigando as mutações katG Ser315Thr e inhA C-15T, é semelhante ao recentemente descrito,33 que apresentou Phe505Leu e Asp516Tyr, uma dupla mutação que confere resistência a RIF.32
A sensibilidade à detecção da resistência à INH foi menor, como esperado, uma vez que pode surgir de mutações diferentes daquelas no códon 315 do katG e na região reguladora do inhA. Segundo Brossier et al.,27 o MTBDRplus pode perder de 8% a 21% dos isolados resistentes à INH. Neste estudo, o MTBDRplus perdeu 2/25 isolados resistentes à INH, mas suscetíveis à RIF, e 1/12 de isolados multirresistentes. O isolado multirresistente diagnosticado erroneamente como RIF-resistente por si só teria sido submetido ao TSM em MGIT de primeira linha de acordo com o algoritmo do IAL atualmente em uso para isolados de amostras resistentes a Xpert. Portanto, a resistência INH desse isolado seria devidamente identificada pelo TSM em MGIT. A verdadeira resistência à INH dos outros dois resultados de INH falso-negativos provavelmente seria corretamente detectada durante o acompanhamento do tratamento da TB.
Com base na sensibilidade e especificidade do MTBDRplus e considerando as estimativas de prevalência da resistência INH entre 4.000 isolados recebidos anualmente no IAL, estimamos que esse teste perderia 34 dos 292 isolados resistentes à INH. Por outro lado, o MTBDRplus forneceria informações adicionais sobre as suscetibilidades a RIF e INH de 375 MTBC de um total de 446 isolados com resultados inválidos no TSM para MGIT, anualmente.
O TR mais curto para a conclusão do teste faz do MTBDRplus o método mais eficaz. A maioria dos laudos laboratoriais seria divulgada antes que 1% dos laudos do TSM em MGIT estivessem disponíveis. Além disso, a carga de trabalho para realização do TSM fenotípico seria drasticamente reduzida, proporcionando tempo para acomodar mais exames. Portanto, não só os pacientes presumidamente resistentes a TB teriam a oportunidade de iniciar o tratamento mais cedo com o regime mais adequado, como observado em Ribeirão Preto,26 mas também poderíamos ampliar o acesso a pelo menos um TSM para todos os pacientes, como recomendado pela OMS.24 Além disso, o MTBDRplus representa um risco biológico menor para o pessoal de laboratório do que o TSM convencional, uma vez que requer menos manipulação de culturas vivas.
Para os autores, este é o primeiro estudo prospectivo no Brasil avaliando a utilidade do MTBDRplus em um laboratório de referência de TB que atende o estado brasileiro mais populoso. Ele fornece informações para a implementação desse teste no algoritmo de diagnóstico de TB no Brasil. No entanto, o estudo tem várias limitações. Primeiro, o número de isolados resistentes não foi grande o suficiente para tirar conclusões mais sólidas sobre a frequência e padrão de mutações em nosso meio. Segundo, não realizamos o teste de concentração inibitória mínima de isolados que apresentaram mutações, tampouco naquela que carrega uma combinação de duas mutações rpoB não descritas na literatura. Por fim, não investigamos a presença de mutações em isolados suscetíveis, pois apenas sequenciamos isolados mostrando resultados conflitantes ou não completamente identificados pelo MTBDRplus.
Em conclusão, a precisão do diagnóstico do ensaio MTBDRplus foi excelente na detecção de resistência ao MTBC para RIF e INH e multirresistentes. Nenhum isolado fenotipicamente suscetível foi erroneamente identificado como multirresistente, e nenhum isolado multirresistente foi incorretamente predito como suscetível a ambos os fármacos. As vantagens do teste, como a redução do tempo para o diagnóstico, a facilidade de execução e a obtenção de resultados adicionais, que de outra forma seriam inválidos pelo TSM fenotípico, impedem suas desvantagens, principalmente os resultados falsos suscetíveis à INH. Para diagnosticar a resistência clínica com precisão, a associação da natureza das mutações com o nível de suscetibilidade fenotípica deve ser cuidadosamente avaliada.