versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.31 no.12 Rio de Janeiro dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00090314
Se identificaron patrones de dietas consumidas en Brasil y la agregación entre el padre, la madre y los niños, mediante la Encuesta Nacional de Alimentos, realizada en 2008/2009, en mayores de 10 años de edad. La ingesta dietética se estimó mediante el registro de alimentos. Los patrones fueron identificados por análisis factorial y la agregación familiar de éstos se verificó mediante regresión lineal. Se identificaron tres patrones principales de dieta: merienda tradicional (1) -café, pan, quesos y aceites y grasas-; comida tradicional (2) -arroz, frijoles, otras legumbres y carne-; y fast food (3) -sándwiches, carnes procesadas, refrescos, aperitivos y pizzas. La asociación más alta se encontró en el patrón 2 ( β = 0,37-0,64). En los padrones 1 y 3 también se encontraron asociaciones positivas, involucrando a todos los pares, con β variando de 0,27 a 0,44 y de 0,32 a 0,42, respectivamente. Este estudio mostró agregación familiar de los hábitos alimentarios en la población brasileña.
Palabras-clave: Relaciones Familiares; Consumo de Alimentos; Conducta Alimentaria
Práticas alimentares adotadas na adolescência tendem a se manter ao longo da vida1,2 e estão associadas com o aumento do risco de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes do tipo 2 na idade adulta 2,3.
Para que propostas de prevenção desse grupo de doenças e promoção da alimentação saudável em adolescentes sejam efetivas, é preciso compreender a formação do hábito alimentar e sua manutenção ao longo da vida. Múltiplos fatores socioambientais e pessoais interagem para influenciar padrões de comportamentos alimentares individuais, com destaque para as relações interpessoais dentro da família. Além da provisão dos alimentos, a família influencia as atitudes, preferências e valores relacionados ao consumo alimentar. Além disso, é fundamental considerar a independência e autonomia relacionada às escolhas alimentares, adquirida na adolescência 4.
Diversos estudos têm utilizado diferentes métodos de avaliação do consumo alimentar para investigar agregação familiar, ou seja, a semelhança entre os hábitos alimentares de indivíduos da mesma família. Para fins de análise, são avaliados pares no núcleo familiar, como pais e filhos, mãe e filhos, cônjuges, e irmãos 5. Na literatura, os fatores considerados para essa investigação são ingestão de calorias e micronutrientes, itens e grupos alimentares, bem como o índice de qualidade da dieta 6,7,8,9,10.
A proposta de identificação de padrões alimentares tem sido empregada em Epidemiologia Nutricional como forma de superar a limitação de estudos baseados no cômputo de nutrientes e alimentos, tendo em vista a complexa combinação de nutrientes e fatores antinutricionais envolvida na dieta humana. Para tal, são empregados métodos estatísticos que permitem analisar a estrutura de correlações entre um grande número de variáveis (no caso, os grupos alimentares), definindo um conjunto de dimensões latentes comuns, que podem fundamentar de forma mais objetiva a elaboração de recomendações e guias alimentares 11.
Embora haja muita discussão a esse respeito, até o presente momento não se tem conhecimento de estudos com o propósito verificar a associação entre padrões de consumo alimentar entre indivíduos da mesma família. Esta abordagem permite identificar a influência familiar em hábitos alimentares compatíveis com risco ou proteção para doenças. O objetivo do presente trabalho é investigar a agregação familiar de padrões alimentares em uma amostra representativa da população brasileira.
Foram utilizados dados do Inquérito Nacional de Alimentação(INA) 12, incluído como um módulo da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 13. Trata-se de um estudo transversal, cuja população é constituída por indivíduos de ambos os sexos, acima de dez anos de idade, considerando todas as regiões e espaços urbano e rural do Brasil.
A coleta de dados da POF foi realizada de maio de 2008 a maio de 2009. Após a estratificação geográfica e estatística das unidades primárias de amostragem, que correspondem aos setores da base geográfica do Censo Demográfico de 2000, foi adotado um plano de amostragem por conglomerado em dois estágios. O primeiro, correspondeu à escolha dos setores censitários, que foram selecionados por amostragem com probabilidade proporcional ao número de domicílios existentes em cada setor. Uma subamostra de setores foi selecionada por amostragem aleatória simples em cada estrato.
As unidades secundárias amostradas no segundo estágio de seleção foram os domicílios particulares permanentes, selecionados por amostragem aleatória simples sem reposição, dentro de cada um dos setores selecionados. Os setores foram avaliados ao longo dos 12 meses de pesquisa, permitindo assim que, em todos os trimestres, os estratos geográficos e socioeconômicos fossem representados pelos domicílios selecionados.
Para avaliação do consumo alimentar individual, foi selecionada, por amostragem aleatória simples, uma subamostra de 25% de unidades do segundo estágio, os domicílios em cada setor. Foram pesquisados todos os setores selecionados na POF 2008/2009 e todos os moradores com pelo menos dez anos de idade residentes nos domicílios da subamostra do INA. Do total de 55.970 domicílios selecionados para a POF 2008/2009, 34.003 indivíduos com idades acima de dez anos participaram da avaliação do consumo alimentar individual.
Para a análise de agregação familiar foram selecionados os domicílios onde residia pelo menos um(a) filho(a) adolescente. Dessa forma, identificou-se cada morador do domicílio com base na informação relacionada ao grau de parentesco ou sua natureza de subordinação doméstica em relação à pessoa de referência da unidade de consumo, cujas opções eram: (01) pessoa de referência; (02) cônjuge; (03) filho(a); (04) outro parente; (05) agregado; (06) pensionista; (07) empregado doméstico; (08) parente de empregado doméstico. Mais detalhes sobre a amostragem e coleta de dados foram publicados pelo IBGE 13.
Agrupou-se separadamente pessoa de “referência e cônjuge” e “filhos”. Por meio do procedimento NODUPKEY, do pacote estatístico SAS, versão 9.3 (SAS Inst., Cary, Estados Unidos), foi selecionado aleatoriamente um filho de cada domicílio e um segundo filho foi escolhido, independentemente do sexo, também de maneira aleatória, para ser considerado irmão. Por intermédio do filho, a mãe foi identificada como a pessoa de referência do sexo feminino e o pai como a pessoa de referência do sexo masculino. Da amostra total do INA, 5.927 famílias tinham pelo menos um filho, que somados a um irmão, pai e/ou mãe, quando existentes, totalizaram 17.918 indivíduos na amostra. A Figura 1 apresenta o fluxograma que demonstra a formação da amostra para a análise da agregação familiar.
O consumo alimentar foi estimado por registros alimentares de todos os alimentos e bebidas consumidos nos dias pré-determinados, relatando também o horário, as quantidades consumidas em unidades de medidas caseiras e a forma de preparação. Os registros foram preenchidos pelo próprio informante, exceto quando o mesmo apresentava algum impedimento, sugerindo-se então o auxílio de outro morador do domicílio ou familiar. Para o presente artigo, as análises são baseadas no primeiro dia de registro alimentar devido à falta de dados (1.103 indivíduos) no segundo dia. Os dados faltantes em estudos com amostras complexas afetam informações importantes, como informações sobre os estratos e clusters, devido às propriedades do desenho do estudo, o que pode enviesar as estimativas 14.
Um total de 1.120 itens alimentares foi citado pelos participantes no primeiro dia do INA, sendo todos reunidos em 27 grupos segundo semelhanças nutricionais e frequência de consumo, para posteriormente identificar os padrões alimentares por análise fatorial exploratória. Os 27 grupos alimentares podem ser observados na Tabela 1.
Tabela 1 Grupos de alimentos utilizados em análise fatorial de indivíduos participantes do Inquérito Nacional de Alimentação(INA), 2008/2009.
Grupos de alimentos | Alimentos |
---|---|
1. Arroz e preparações à base do mesmo | Arroz, arroz integral, preparações à base de arroz |
2. Milho e preparações à base do mesmo | Milho, preparações à base de milho |
3. Feijão e outras leguminosas | Feijão, feijão verde/corda, preparações à base de feijão, outras leguminosas |
4. Verduras e legumes | Alface, couve, repolho, salada crua, outras verduras, abóbora, cenoura, chuchu, pepino, tomate, outros legumes |
5. Batatas e outros tubérculos | Batata doce, batata inglesa, batata inglesa frita, mandioca, outros tubérculos |
6. Frutas e oleaginosas | Abacaxi, açaí, banana, laranja, maçã, mamão, manga, melancia, tangerina, uva, salada de frutas, outras frutas, oleaginosas |
7. Farinha de mandioca e farofa | Farinha de mandioca, farofa |
8. Cereais matinais | Cereais matinais |
9. Macarrões e massas | Massas, macarrão instantâneo, macarrão, preparações à base de macarrão |
10. Pães | Pães, pão de sal, pão integral |
11. Doces | Bolos, biscoito doce, biscoito recheado, bolos e biscoitos doces diet/light, chocolates, achocolatados, doces à base de leite, doces à base de fruta, sorvete/picolé, mel, rapadura, açúcar de mesa, outros doces, doces diet/light |
12. Biscoitos salgados | Biscoito salgado, salgadinhos industrializados (do tipo chips) |
13. Carnes | Carne bovina, preparações à base de carne bovina, carne suína, aves, preparações à base de aves, outros tipos de carne, vísceras |
14. Pescados | Peixes frescos e preparações, peixes em conserva, outros pescados |
15. Carnes salgadas | Peixes salgados, carnes salgadas |
16. Carnes processadas | Linguiça, salsicha, mortadela, presunto, outros frios e embutidos |
17. Ovos | Ovos |
18. Laticínios | Leite integral, leite desnatado, leite em pó integral, preparações à base de leite, vitaminas, iogurtes, outros laticínios, laticínios diet/light, bebidas lácteas com sabor e adoçadas |
19. Queijos | Queijos |
20. Óleos e gorduras | Óleos e gorduras, óleos e gorduras light |
21. Bebidas alcoólicas | Bebidas destiladas, cerveja, vinho |
22. Refrigerantes | Refrigerantes, refrigerantes diet/light |
23. Café | Café |
24. Sucos e outras bebidas | Sucos, sucos em pó reconstituídos, refrescos, bebidas à base de soja, chá, outras bebidas não alcoólicas |
25. Salgados e pizzas | Pizzas, salgados fritos, salgados assados |
26. Sanduíches | Sanduíches |
27. Sopas e caldos | Sopas, caldos, molhos |
A identificação dos padrões de consumo alimentar foi realizada por meio de análise fatorial, utilizando-se como método de extração a análise de componentes principais, que tem como objetivo reduzir os dados (grupos de alimentos) em fatores (padrões alimentares), baseando-se nas correlações entre estas variáveis. Esse procedimento foi empregado considerando-se a complexidade da amostra da POF. Para tal, inicialmente foi estabelecida a matriz de correlações estimada considerando o desenho complexo da amostra, utilizando o procedimento GLM do pacote estatístico SAS, versão 9.3, e a análise fatorial foi realizada utilizando como “input” a matriz de correlações estimada considerando o desenho complexo da amostra, de acordo com a metodologia proposta por Skinner et al. 15 e empregada em Epidemiologia Nutricional num estudo realizado por Kerver et al.16.
Para avaliar a adequação do uso do método de análise fatorial na amostra, foram considerados como aceitáveis os valores do Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) acima de 0,50 e os resultados significativos do teste de esfericidade de Bartlett 17. Para a determinação do número de fatores necessários para a representação dos dados considerou-se o gráfico scree plot, em que os valores situados antes do ponto de inflexão da reta determinam o número de fatores a serem retidos 18,19.
Para a rotação dos fatores foi utilizado o método Varimax, visando à obtenção de uma estrutura de independência entre os mesmos e maior interpretabilidade. Foram mantidos nos padrões os itens alimentares com carga fatorial igual ou superior a 0,30 17,19,20.
A análise gerou escores dos fatores que representam o somatório das cargas de cada fator, ponderadas pelo autovalor do fator e multiplicadas pela ingestão padronizada dos grupos alimentares de cada indivíduo. Os escores representam variáveis padronizadas, com média igual a zero e desvio padrão igual a um.
A agregação familiar dos padrões alimentares foi verificada por meio de regressão linear. Foi utilizado o procedimento PROC SURVEYREG, que permite a análise de dados provenientes de amostras complexas, considerando os fatores de expansão, por meio do pacote estatístico SAS, versão 9.3. A fim de testar as respectivas correlações entre os pares: “pai e filho”, “mãe e filho”, “pai e filha”, “mãe e filha”, “irmãos” e “pai e mãe”, cada modelo de regressão linear foi construído utilizando os escores fatoriais normalizados dos componentes de cada par, sendo que para as análises de regressão linear entre mães e filhos e entre pais e filhos, os escores fatoriais do filho foram utilizados como variável dependente, e para os modelos com os pares pai e mãe, os escores fatoriais do pai foram utilizados como variável dependente. Considerou-se que os filhos são largamente influenciados pelos hábitos alimentares dos pais 21,22,23,24,25. A influência da mulher na alimentação do homem, por ser historicamente portadora de maior controle e gerenciamento da alimentação da família como um todo 26 e, para os pares de irmãos, os adolescentes foram selecionados aleatoriamente no domicílio e o primeiro selecionado foi utilizado como variável dependente. Foram estimados os coeficientes de regressão linear e seus respectivos intervalos de 95% de confiança, o que permitiu a comparação das relações entre os pares familiares, para cada um dos três fatores.
O protocolo da pesquisa do consumo individual da POF 2008-2009 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAAE 0011.0.259.000-11).
A amostra é composta por 5.545 mães, 3.917 pais e 8.456 filhos, sendo 52,6% do sexo masculino e 47,4% do feminino. A idade média dos pais é 48 ± 12 anos, a das mães 46 ± 12 anos e a dos filhos 18 ± 8 anos. O KMO (0,534) e o teste de esfericidade de Bartlett (p < 0,01) indicaram que as correlações entre os itens eram suficientes e adequadas para que se conduzisse a análise fatorial. O scree plotindicou que três fatores deveriam ser retidos, conforme se observa na Figura 2.
Figura 2 Scree plot: representação do número de padrões alimentares obtido na Análise por Componentes Principais de grupos de alimentos doInquérito Nacional de Alimentação (INA). Brasil, 2008/2009.
O primeiro padrão, caracterizado como “lanche tradicional”, incluiu os seguintes alimentos: pães, queijos, óleos e gorduras e café, e não incluiu doces, biscoitos salgados e laticínios. O segundo padrão, caracterizado como “grande refeição tradicional” incluiu: arroz e preparações à base do mesmo, feijão e outras leguminosas e carnes, e não incluiu sopas, caldos e macarrões e massas. O terceiro padrão, “lanches do tipo fast food”, é representado por: sanduíches, carnes processadas, salgados, pizzas e refrigerantes, e pelo não consumo de frutas e cereais matinais.
Os três padrões alimentares identificados, juntos, explicaram 65,9% da variância total do consumo alimentar. A matriz fatorial rotada está representada na Tabela 2.
Tabela 2 Representação dos componentes da matriz rotada dos padrões alimentares retidos em análise fatorial de indivíduos participantes do Inquérito Nacional de Alimentação (INA), 2008/2009.
Grupo de alimentos | “Lanche tradicional” | “Grande refeição tradicional” | “Lanches do tipo fast food” |
---|---|---|---|
Pães | 0,78 | -0,17 | 0,22 |
Óleos e gorduras | 0,65 | -0,14 | 0,10 |
Café | 0,54 | 0,09 | -0,05 |
Queijos | 0,30 | -0,23 | 0,20 |
Doces | -0,50 | -0,10 | 0,07 |
Biscoitos salgados | -0,36 | -0,05 | -0,09 |
Laticínios | -0,35 | -0,28 | -0,15 |
Arroz e preparações | 0,16 | 0,82 | -0,10 |
Feijão e leguminosas | 0,20 | 0,80 | -0,08 |
Carnes | -0,06 | 0,61 | 0,04 |
Sopas e caldos | 0,02 | -0,40 | -0,21 |
Macarrões e massas | -0,09 | -0,29 | 0,12 |
Refrigerantes | -0,29 | -0,01 | 0,76 |
Salgados e pizzas | -0,25 | -0,10 | 0,48 |
Sanduíches | -0,36 | -0,07 | 0,37 |
Carnes processadas | 0,23 | -0,06 | 0,31 |
Frutas | -0,004 | -0,15 | -0,43 |
Cereais matinais | -0,17 | -0,20 | -0,30 |
Milho e preparações | -0,07 | 0,06 | -0,18 |
Verduras e legumes | 0,02 | 0,27 | -0,24 |
Batata e outros tubérculos | -0,07 | 0,16 | 0,02 |
Farinha e farofa | 0,01 | 0,13 | -0,14 |
Pescados | 0,02 | -0,15 | -0,18 |
Carnes salgadas | -0,02 | 0,02 | -0,08 |
Ovos | 0,17 | 0,13 | -0,11 |
Bebidas alcoólicas | 0,08 | 0,07 | 0,25 |
Sucos e outras bebidas | -0,09 | 0,04 | -0,18 |
Eigenvalues | 2,72 | 2,12 | 1,72 |
Percentual da variância (%) | 24,19 | 23,81 | 17,85 |
Percentual da variância acumulada (%) | 24,19 | 48,00 | 65,86 |
Nota: Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,534; teste de esfericidade de Bartlett (0,001).
Os maiores valores de beta ocorreram no padrão “grande refeição tradicional” para todos os pares investigados, variando de 0,37 (pai/filha) a 0,64 (pai/filho). Pai/filha e mãe/filha apresentaram os menores valores de beta, e pai/filho e mãe/filho apresentaram os maiores valores. No padrão “lanche tradicional”, os valores de beta variaram de 0,27 (pai/filha) a 0,44 (mãe/pai). No padrão “lanches do tipo fast food”, o menor valor de beta também foi observado para pai/filha (0,32), sendo estatisticamente diferente de todos os outros pares. Já os maiores valores de beta foram observados para mãe/filho (0,42), irmãos (0,41) e mãe/pai (0,40), semelhantes entre si (Tabela 3).
Tabela 3 Associação entre pares familiares e padrões alimentares em famílias participantes do Inquérito Nacional de Alimentação(INA), 2008-2009.
Pares familiares | “Lanche tradicional” | “Grande refeição tradicional” | “Lanches do tipo fast food” |
---|---|---|---|
β (IC95%) | β (IC95%) | β (IC95%) | |
Pai/Filho | 0,40 (0,39-0,40)a | 0,64 (0,63-0,65) | 0,38 (0,36-0,39)a |
Mãe/Filho | 0,38 (0,36-0,40)ab | 0,59 (0,57-0,60)a | 0,42 (0,40-0,45)b |
Pai/Filha | 0,27 (0,25-0,28) | 0,37 (0,35-0,38) | 0,32 (0,30-0,34) |
Mãe Filha | 0,36 (0,34-0,37)b | 0,46 (0,45-0,48) | 0,37 (0,35-0,39)a |
Irmãos | 0,40 (0,39-0,40)a | 0,55 (0,54-0,55)a | 0,41 (0,40-0,41)b |
Mãe/Pai | 0,44 (0,42-0,46) | 0,56 (0,55-0,57)a | 0,40 (0,38-0,41)ab |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Nota: letras iguais nas colunas indicam resultados estatisticamente iguais entre os pares (p > 0,05).
No presente trabalho, foram identificados três padrões alimentares em uma amostra representativa da população brasileira, que foram denominados: “lanche tradicional”, “grande refeição tradicional” e “lanches do tipo fast food”.
Ao nosso conhecimento, o presente estudo é a primeira tentativa de avaliação da agregação familiar do consumo alimentar, usando dados nacionalmente representativos da população brasileira. Ademais, embora estudos anteriores tenham avaliado associações entre grupos de alimentos e nutrientes entre membros da família 10,27,28,29,30, nenhum avaliou a agregação familiar em padrões alimentares.
Wang et al. 31, em recente revisão sistemática e meta-análise acerca da semelhança entre o consumo alimentar de pais e filhos, observaram associações de fracas a moderadas em estudos relacionados publicados desde 1980. Contudo, os autores destacaram que grande parte desses baseou-se em amostras pequenas e poucos foram realizados em países em desenvolvimento, onde o consumo feito por crianças e adolescentes fora de casa não é tão expressivo como em países desenvolvidos.
Além disso, estudos têm indicado que a influência da família nas escolhas alimentares de adolescentes reduz, tendo em vista a maior autonomia e oportunidades de escolha obtidas nesta fase da vida 31,32,33. Neste trabalho, foram observadas associações moderadas entre os escores fatoriais dos padrões alimentares de pais e filhos adolescentes, indicando agregação familiar nas escolhas alimentares, mesmo nesta faixa etária. Esses valores foram similares àqueles observados por outros autores que também examinaram a correlação entre o consumo alimentar de pais e filhos 10,27,31,34.
Dentre os fatores que podem contribuir para a agregação familiar, pode-se destacar a realização de refeições em família, a transmissão de informações sobre alimentação para os filhos e a iniciativa e esforço dos pais de incentivar os filhos a consumirem alimentos saudáveis, inclusive por meio da aquisição destes gêneros 35,36,37,38.
As maiores associações encontradas no presente estudo foram observadas para o padrão “grande refeição tradicional” em todos os pares familiares analisados, o que sugere a influência dos pais na manutenção dos hábitos alimentares tradicionais brasileiros de seus filhos, estimulando o consumo da dieta tradicional brasileira baseada no arroz e feijão 26,39. Diversos trabalhos têm demonstrado que esse padrão exerce efeito protetor para sobrepeso e obesidade tanto para adultos como para crianças e adolescentes 39,40,41,42,43,44,45,46,47. Neste estudo, além do padrão representado pela grande refeição tradicional, foi verificado também um padrão de lanche tradicional, caracterizado pela pequena refeição de tradição brasileira: pão, manteiga ou margarina, queijo e café, que apresentou associações positivas e moderadas entre todos os pares familiares, com destaque para o par mãe e pai. Segundo De Moura Souza et al. 48, no Brasil, esses alimentos são consumidos, principalmente, pelas mulheres.
O padrão “lanches do tipo fast food”, incluindo refrigerantes, doces, bolos, biscoitos, salgados, carnes processadas e outros produtos com alto teor de gordura, também identificado em outros estudos 47,49,50,51, apresentou associações positivas e moderadas entre todos os pares investigados. Esse achado pode indicar a ocidentalização dos hábitos alimentares na família, pois esse padrão é constituído por alimentos ricos em gordura, açúcar e sal, refletindo o processo de incorporação de hábitos e costumes pouco saudáveis, relacionados ao estilo de vida ocidental 52,53,54,55, principalmente nas famílias brasileiras com filhos adolescentes, visto que nesta faixa etária a prevalência de consumo de alimentos com esta característica é maior 48. Esse padrão alimentar tem sido associado ao aumento de distúrbios metabólicos e ganho de peso tanto na adolescência 47,56,57 quanto na fase adulta 55,58,59,60,61.
Estudos de diversas áreas já demonstraram efeitos benéficos da refeição em família, como contribuições para a melhoria da qualidade dos alimentos consumidos e para o bom estado nutricional, principalmente para os filhos. Essa prática foi associada com o consumo de gêneros tradicionais e fontes de fibras, e inversamente associada com o consumo de alimentos não saudáveis, como salgados fritos e refrigerantes 62,63,64.
Destaca-se que foram observados menores valores de beta para os pares com filhas quando comparados aos com filhos, o que pode indicar a influência do gênero na agregação alimentar, sendo os meninos mais influenciados pelo consumo alimentar de seus pais do que as meninas.
Possíveis limitações metodológicas no presente incluem a utilização da análise fatorial na derivação dos padrões alimentares, tendo em vista que este método envolve a tomada de algumas decisões arbitrariamente, como o agrupamento dos itens alimentares, a retenção dos fatores e sua nomeação. Contudo, os padrões alimentares identificados foram comparáveis com outros estudos.
O presente trabalho evidenciou agregação familiar de padrões de consumo na população brasileira, sugerindo a influência da família nos hábitos alimentares dos indivíduos. Esse contexto subsidia a importância do desenvolvimento de estratégias que estimulem a prática de refeições em família e explorem a contribuição da convivência familiar para a obtenção de práticas alimentares saudáveis, fornecendo suporte empírico para a elaboração de recomendações dietéticas e políticas públicas de saúde.