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Ajuste e reposicionamento da pirâmide e septo nasal - uma técnica conservadora e eficaz em rinoplastia

Ajuste e reposicionamento da pirâmide e septo nasal - uma técnica conservadora e eficaz em rinoplastia

Autores:

Nedio Atolini Junior,
Vanessa Lunelli,
Gustavo Pereira Lang,
Luís Fernando Melotti,
Tatiany Tiemi Yamamoto,
Emílio Jonatas Muneroli

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.2 São Paulo mar./abr. 2019 Epub 29-Abr-2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.11.009

Introdução

Rinoplastia é um dos procedimentos cirúrgicos mais complexos, que exige resultados precisos, em que a fronteira entre um desfecho favorável e o erro é bastante tênue. Além disso, a dinâmica observada entre diferentes áreas nasais, bem como a variedade de técnicas cirúrgicas disponíveis e os objetivos estéticos, torna esse procedimento bastante desafiador.1 Nesse sentido, a redução do dorso nasal é um dos principais alvos da rinoplastia e um passo essencial para os cirurgiões que desejam alcançar os resultados desejados.

Durante a abordagem do dorso nasal, a fim de prevenir ou minimizar complicações potenciais, é extremamente importante que o cirurgião tenha profundo conhecimento da anatomia do dorso nasal e sua relevância no quadro estético e funcional.2 O esqueleto do dorso nasal consiste em septo posterior e ossos nasais, em sua porção cefálica, e nas cartilagens laterais superiores e no septo em sua porção caudal. Durante a rinoplastia, a redução do dorso nasal refere-se à diminuição de seus componentes individuais (septo, cartilagem, osso e mucosa), com máxima precisão e ressecção controlada.3

Tradicionalmente, o dorso nasal é modificado para corresponder à estética da ponta nasal.2 A redução da giba dorsal, quando feita sem uma avaliação adequada, pode levar a resultados cosméticos desfavoráveis e comprometer a função nasal. Dentre as potenciais consequências, é possível citar as irregularidades dorsais, o estreitamento da válvula nasal, a deformidade em V invertido e a hiper ou hiporressecção do dorso.

O termo SPAR (ajuste e reposicionamento do septo e pirâmide) consiste em uma técnica cirúrgica conservadora do dorso nasal, que não requer a desinserção das cartilagens laterais superiores do septo nasal, em contraste com o que acontece na rinoplastia clássica.4 Esse procedimento cirúrgico permite remodelar o dorso nasal, manter as linhas estéticas e a função nasal, reduzir potencialmente complicações frequentes nas cirurgias mais tradicionais.

O objetivo deste estudo é descrever em detalhes o SPAR, expor suas vantagens e desvantagens em relação às outras abordagens cirúrgicas, bem como apresentar os resultados desse procedimento cirúrgico em pacientes submetidos à rinoplastia primária no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo/RS.

Método

Este estudo foi baseado numa casuística levantada do sistema de saúde pública e clínica privada.

Todos os pacientes incluídos neste artigo foram submetidos ao SPAR, técnica considerada por esta equipe como a primeira opção para a maioria das rinoplastias primárias na abordagem do dorso nasal.

Os autores revisaram vários dos métodos de abordagem do dorso nasal na literatura e encontraram poucos artigos que descrevessem a técnica.

Foram avaliados os registros médicos de todos os 153 pacientes operados de 2011 a 2015 por essa técnica cirúrgica, pela mesma equipe. Desses casos, foram analisadas algumas variáveis, como: sexo, idade, indicação de reoperação e complicações cirúrgicas.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (n° 55143216.0.0000.5564).

A técnica cirúrgica

SPAR é baseado na técnica usada por Wilson Dewes4 durante suas décadas de prática em cirurgia plástica facial. Influenciado pela técnica descrita pela primeira vez por Cottle,5,6 adaptou o conhecimento inicial aos resultados obtidos durante sua atividade na prática privada. A representação esquemática da técnica cirúrgica está ilustrada na figura 1.

Figura 1 Representação esquemática da técnica cirúrgica SPAR. 

A cirurgia pode ser feita sob sedação ou anestesia geral, depende da experiência do cirurgião e da equipe. Se o cirurgião optar pela sedação, os nervos infraorbital e nasociliar devem ser bloqueados com solução de lidocaína, bupivacaína e epinefrina. Em seguida, segue-se a infiltração do septo, dorsal nasal, ponta nasal e áreas das fraturas laterais e transversas com a mesma solução, respeita-se a dosagem máxima de cada componente.

Passo 1: Após 10 minutos de espera, para o efeito adequado da vasoconstrição, a cirurgia começa com uma incisão septal hemitransfixante ou transcolumelar. Assim, segue-se o acesso das estruturas da ponta nasal, do septo e do dorso nasal.

Passo 2: Uma vez feita a incisão, o cirurgião procede ao descolamento dos quatro túneis do septo para acessar todas as regiões osteocartilaginosas.

Passo 3: Com os túneis septais acessados, deve-se seguir para o descolamento do dorso nasal; isso pode ser conseguido por acesso aberto ou fechado, depende da escolha do cirurgião em cada caso, como ilustrado na figura 2A. Na sequência, a giba dorsal pode ser raspada sem abrir o dorso nasal, ou seja, uma raspagem delicada para corrigir pequenas irregularidades.

Figura 2 Passos esquemáticos. A, dissecção dorsal nasal. B, condrotomia inferior. C, condrotomia posterior. D, remoção de parte da lâmina perpendicular do etmoide. E, remoção da crista maxilar. F, fratura transversa do osso nasal. G, fratura lateral do osso nasal. H, resultado pós-operatório. 

Passo 4: Uma pequena porção da lâmina perpendicular do etmoide deve ser removida em todo seu o comprimento, como mostra a figura 2 em B, C e D. Às vezes é necessário remover uma pequena tira de cartilagem vertical na porção posterior da cartilagem quadrangular, com o objetivo de diminuir da tensão após a manobra de abaixamento (push down).4 Nos casos em que a lâmina perpendicular do etmoide e o vômer apresentarem desvios, eles podem ser removidos sem redução dos resultados estéticos finais.

Passo 5: Remove-se parte da crista maxilar - se presente desvio - ou uma tira de cartilagem septal horizontal, na região onde se articula com a crista maxilar em todo o comprimento desde a espinha nasal anterior, como demonstrado na figura 2E. Importante esclarecer que se pode remover as partes osteocartilaginosas em bloco - se ambas apresentarem desvio - presta-se a atenção para remover a quantidade suficiente para abaixar o dorso e não ficar flutuante.

Passo 6: Fraturas transversais à frente da giba dorsal. Para essas fraturas, pode ser escolhido o acesso transcutâneo medialmente à sobrancelha com osteótomo angulado de 2 ou 3 mm de espessura, como ilustrado na figura 2F.

Passo 7: Em seguida, o cirurgião deverá fazer as fraturas laterais, tal como mostra a figura 2G. Nos casos em que a protuberância é bastante proeminente, as fraturas laterais duplas devem ser consideradas. Também podem ser feitas fraturas assimétricas nas laterorrinias.

Passo 8: Com o nariz todo "solto" pode-se empurrar para baixo o dorso nasal (manobra de push down). O movimento deve ser suave e, em caso de resistência, deve-se estar atento a possíveis fraturas incompletas, remoção insuficiente das estruturas osteocartilaginosas ou remoção incompleta da "fita" septal cartilaginosa posterior, como ilustra a figura 2H.

Passo 9: Pode ser necessário algum ajuste fino, como raspagem leve do dorso e colocação do enxerto de cartilagem no nível do rádix, para camuflar alguma protuberância residual.

Devido ao fato de a técnica propor a redução da altura nasal pelo abaixamento "em bloco", manobras acessórias podem ser críticas para alcançar o objetivo final. Assim, a turbinoplastia aumenta a área da válvula nasal interna e reduz a chance de obstrução nasal, uma vez que a manobra de empurrar para baixo reduz a área nasal interna.

Ainda, o abaixamento nasal, por vezes, induz uma rotação da ponta para baixo e também pode torná-la proeminente em altura. Assim, as técnicas para a rotação da ponta nasal e redução da altura podem ser necessárias.

Finalmente, a ampliação do vestíbulo nasal e o aumento da base são frequentes em alguns casos; logo, a redução da narina suaviza as linhas de contorno da base nasal.

Como em todas as rinoplastias, é essencial fixar o septo na espinha nasal anterior. Os autores preferem monocryl 4-0 para suturar o septo e incisões internas; e as suturas da pele com mononylon 6-0. É preferível a sutura septomucosa aos splints nasais.

No fim, deve-se fazer curativo com leve pressão para baixo para manter o dorso na posição ideal.

Resultados

Dos 153 pacientes submetidos à cirurgia, 55 (35,9%) eram homens e 98 (64,1%) mulheres. A média de idade foi de 27,2 anos.

De todos os 153 casos, 13 pacientes tiveram segunda indicação cirúrgica para corrigir alguma giba residual e em três pacientes foi feita uma terceira cirurgia para corrigir irregularidades do dorso nasal.

O SPAR geralmente tem uma baixa taxa de complicações cirúrgicas. Dos casos acima, três pacientes tiveram sangramento nasal no pós-operatório precoce e tiveram que ser tamponados por um dia; seis pacientes de 2011 até 2014, durante o intraoperatório, tiveram raspagem excessiva e abertura do dorso nasal e tiveram que ser reconstruídos com spreader grafts. Logo, foram excluídos da casuística. Ainda, um paciente apresentou hematoma de septo e teve que ser submetido à drenagem cirúrgica.

As Figuras 3 e 4 ilustram o resultado da técnica SPAR em dois pacientes. O caso 1 mostra a aparência pré-operatória e após sete meses de cirurgia, enquanto o segundo caso mostra o aspecto antes da cirurgia e um ano após o procedimento.

Figura 3 Caso 1 (A-D) aparência pré-operatória de paciente com giba dorsal e ponta nasal quadrada (boxy tip). (E a H) aparência pós-operatória do paciente sete meses após ser submetido a rinoplastia. Técnica de SPAR, enxerto de cartilagem no rádix, strut de ponta nasal e turn-in flap alar. 

Figura 4 Caso 2 (A-C) aspecto pré-operatório do paciente com giba dorsal. (D-F) aparência pós-operatória do paciente um ano após ser submetido ao SPAR. 

Discussão

A giba nasal é uma das principais queixas dos pacientes submetidos a uma rinoplastia estética. Assim, a redução adequada do dorso nasal é um fator determinante no sucesso da cirurgia e, consequentemente, na satisfação do paciente. A boa aparência do dorso nasal depende da correta recriação e/ou preservação das chamadas linhas estéticas dorsais, que determinam a visão frontal estética do dorso.1

O dorso nasal é formado por um componente osteocartilaginoso constituído na base pelos ossos nasais e distalmente pelas cartilagens laterais superiores e septo. A formação da proeminência nasal, na maioria dos pacientes, depende principalmente da porção cartilaginosa, cujas características variam de acordo com a força e espessura das cartilagens, que diferem de acordo com sexo, idade, etnia e história de trauma (acidental ou iatrogênico).7

As primeiras descrições de rinoplastia datam do fim do século XIX. No entanto, só em 1931, com a sistematização desenvolvida por Joseph, que a rinoplastia se popularizou em todo o mundo.8 Sabe-se que o osteótomo de Rubin constituiu, por muitos anos, a ferramenta clássica para a abordagem da giba nasal, levou a osteotomias de alto impacto sem visualização direta, aumentou o risco de hipo/hiper-ressecções e alterações assimétricas nas linhas dorsais.9 Recentemente, o uso das raspas foi introduzido e permitiu redução e modelagem mais precisas do osso e com menor impacto, mas ainda limitadas e ineficazes em alguns casos.

Dentre as complicações associadas às abordagens tradicionais ao dorso nasal, é possível citar irregularidades dorsais, estreitamento da válvula nasal, deformidades em V invertido etc. Sabe-se que a melhor estratégia para a correção de um dorso nasal proeminente é evitar a ressecção excessiva, considerar que as osteotomias de alto impacto (frequentemente observadas na rinoplastia clássica) podem levar ao colapso da área K (Keystone), formada pela confluência dos ossos nasais, da lâmina perpendicular do etmoide, das cartilagens laterais superiores e da cartilagem septal, que representam a estrutura básica e fundamental da pirâmide nasal. Além disso, o enfraquecimento da estrutura nasal pode resultar no colapso da válvula nasal interna e levar à obstrução nasal e à mudança fisiológica da respiração.5

Assim, para minimizar tais complicações, foram descritas algumas técnicas de reconstrução. Os enxertos alargadores do dorso (spreader grafts), obtidos a partir da cartilagem septal, constituem placas cartilaginosas de 5-6 mm de altura e de 30-32 mm de comprimento, fixadas entre o septo e as cartilagens laterais superiores. Na rinoplastia primária, os principais objetivos do uso desses enxertos, cuja obtenção e fixação requerem considerável capacidade técnica do cirurgião, é a recriação do dorso nasal com manutenção da suavidade das linhas estéticas dorsais. Além disso, eles trabalham na fisiologia nasal, aumentam o ângulo da válvula nasal interna e reduzem o risco de obstrução.

A técnica dos spreader flaps propõe dobrar as cartilagens laterais superiores e suturá-las ao septo, como fazem os enxertos alargadores (spreader grafts). Como vantagem, essa técnica tem execução mais rápida e fácil. Contudo, outro ponto importante dessa técnica refere-se ao fato de a aba de cartilagem estar disponível perto da área a ser reconstruída. Porém, como nos enxertos alargadores, o uso dos spreader flaps pode ocasionar um alargamento do dorso nasal, comprometer a estética dorsal, especialmente em pacientes que já têm uma ampla pirâmide nasal.9

O uso de enxertos no dorso nasal ainda se destina a camuflar irregularidades do dorso. A fim de melhorar as linhas estéticas dorsais, vários materiais e técnicas são descritos na literatura. Como exemplos, podem-se citar o uso de cartilagem autóloga (geralmente do septo nasal), osso (colhido do septo nasal, mastoide, corneto inferior e até mesmo tíbia e olecrano), tecidos moles (derme cadavérica, gordura autóloga e tecido fibroso), implantes sintéticos (com o uso de materiais como silicone e polietileno) e cola osteocartilaginosa.10,11

Neste sentido, o ajuste e reposicionamento do septo e pirâmide é apresentado como uma técnica menos traumática, uma vez que seu principal objetivo é preservar as estruturas do dorso nasal, ao mesmo tempo em que faz a redução da altura da pirâmide nasal.12,13

Conclusão

A técnica cirúrgica de ajuste e reposicionamento do septo e pirâmide apresenta-se como um procedimento mais fácil de fazer, em comparação com as técnicas tradicionais de rinoplastia, principalmente por não exigir a reconstrução do dorso nasal. Além da viabilidade técnica, esse procedimento cirúrgico reduz o número de complicações, é menos traumático e preserva as estruturas anatômicas.

Os autores consideram o SPAR uma boa opção cirúrgica para pacientes com rádix alto, dorso nasal estreito e sem irregularidades intensas, pele fina, giba osteocartilaginosa e sem desvio nasal e septal intensos.

REFERÊNCIAS

1 Rohrich RJ, Adams WP, Gunter JP. Estudo avançado de anatomia para a rinoplastia. In: Gunter JP, Rohrich RJ, Adams WP, editors. Dallas Rinoplastia - Cirurgia do Nariz pelos Mestres. 1ª edição Revinter: Rio de Janeiro; 2006. p. 5-12.
2 Bagheri CH, Khan HA, Jahangirnia A, Rad SS, Mortazavi H. An analysis of 101 primary cosmetic rhinoplasties. J Oral Maxillofac Surg. 2012;70:902-9.
3 Arslan E, Aksoy A. Upper lateral cartilage-sparing component dorsal hump reduction in primary rhinoplasty. Laryngoscope. 2007;117:990-6.
4 Ferraz MBJ, Zappelini CEM, Carvalho GM, Guimarães AC, Chone CT, Dewes W. Cirurgia conservadora do dorso nasal - a filosofia do reposicionamento e ajuste do septo piramidal (S.P.A.R.). Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2013;42:124-30.
5 Cottle MH, John OR. Pioneer in modern rhinoplasty. Arch Otolaryngol. 1964;80:22-7.
6 Jammet P, Souyris F, Klersy F, Payrot C. The value of Cottle's technic for esthetic and functional correction of the nose. Ann Chir Plast Esthet. 1989;34:38-41.
7 Lohuis PJFM, Faraj-Hakim S, Knobbe A, Duivesteijn W, Bran GM. Split hump technique for reduction of the over projected nasal dorsum. Arch Facial Plast Surg. 2012;14:346-53.
8 Pochat VD, Alonso N, Meneses JVL. Avaliação functional e estética da rinoplastia com enxertos cartilaginosos. Rev Bras Cir Plást. 2010;25:260-70.
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10 Lee MR, Unger JG, Rohrich RJ. Management of the nasal dorsum in rhinoplasty: a systematic review of the literature regarding technique, outcomes, and complications. Plast Reconstr Surg. 2011;128:538-50.
11 Orak F, Baghaki S. Use of osseocartilaginous paste graft for refinement of the nasal dorsum in rhinoplasty. Aesth Plast Surg. 2013;37:876-81.
12 Barelli PA. Long term evaluation of "push down" procedures. Rhinology. 1975;13:25-32.
13 Pinto RM. On the "let-down" procedure in septorhinoplasty. Rhinology. 1997;35:178-80.