On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.30 no.1 São Paulo Jan./Feb 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700014
Os avanços na área da saúde e implementação de medidas preventivas e de controle da infecção pelo HIV reduziram a detecção de novos casos de Aids, mas em contrapartida, entre as pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA) houve um aumento do consumo de substâncias que causam dependência1 e repercutem na vida social, econômica e psicológica dessa população.2
O uso de álcool por PVHA está relacionado a um pior prognóstico, com aumento da morbidade e mortalidade,3 comportamentos sexuais de alto risco, aceleração da progressão da doença, baixa adesão à terapia antirretroviral (TARV), declínio dos linfócitos T CD4+ e aumento da carga viral, além da propagação da infecção pelo HIV, pois pessoas alcoolizadas estão mais propensas a manterem relações sexuais desprotegidas, favorecendo a transmissão do vírus.3,4
Muitas PVHA utilizam o álcool por este atuar em seu estado mental, proporcionando alívio do estresse, decorrente do estigma e preconceito.5Destaca-se também que o uso abusivo dessa substância e de outras drogas influenciam negativamente na Qualidade de Vida (QV).6 Esta pode ser descrita como uma expressão subjetiva, que abrange diversas áreas, incluindo as relações sociais, o meio ambiente e o espiritual, variando de indivíduo para indivíduo e que depende do estado de saúde, sendo um produto da interação de diferentes áreas da vida do ser humano.4,7
Diante do exposto, considerando o aumento do consumo de álcool entre as PVHA e,3-5 portanto suas possíveis repercussões sobre a adesão à TARV e qualidade de vida, delineou-se esse estudo com o objetivo de avaliar o efeito do álcool na adesão à terapia antirretroviral e na qualidade de vida de pessoas com HIV.
Estudo transversal, com abordagem quantitativa, desenvolvido em ambulatório de infectologia de um serviço de saúde universitário em Fortaleza, Ceará, Brasil, desenvolvido de maio a novembro de 2015 com pessoas vivendo com HIV.
Para atender aos objetivos do estudo, uma amostra foi dimensionada, adotou-se grau de confiança de 95%, prevalência presumida de 0,50, à população de 160 e ao erro tolerável (0,05), sendo calculada uma amostra de 114 pacientes.
Os critérios de inclusão foram indivíduos com HIV, ambos os sexos, idade igual ou maior a 18 anos e em uso de TARV por pelo menos seis meses. Os critérios de exclusão envolveram: doença mental, gravidez, reclusão em penitenciárias e moradores de casa abrigo.
A coleta de dados ocorreu em ambiente privativo, por meio de entrevista, com duração média de 60 minutos, utilizando-se o Formulário Sociodemográfico e Clínico, Teste de Identificação de Problemas Relacionados ao Uso do Álcool (AUDIT), Cuestionario para La Evaluación de La Adhesiónal Tratamiento Antiretroviral (CEAT-VIH) e o World Health Organization Quality of Life Instrument - HIV Bref.
O Formulário Sociodemográfico e Clínico contempla as variáveis: sexo, idade, cor, escolaridade, estado civil, orientação sexual, mora com parceiro, religião, situação ocupacional, renda familiar mensal, tempo de TARV, contagem de linfócitos TCD4+, carga viral, histórico de uso de álcool e outras drogas ilícitas.
O Teste de Identificação de Problemas Relacionados ao Uso do Álcool (AUDIT) foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde e validado no Brasil.8 Identifica bebedores de risco e investiga o padrão de consumo alcoólico nos últimos 12 meses, mediante 10 itens, que abrangem três domínios teóricos: Consumo de álcool; dependência do consumo de álcool; consequências adversas do consumo de álcool. Há possibilidade de uma resposta para cada pergunta, de modo que os escores variam de zero (0) a 40 pontos.9Adotou-se como ponto de corte o escore ≥ 8 para definir o uso arriscado ou prejudicial do álcool, ou seja, baixo risco (< 8) e uso de risco (≥ 8).3
O questionário para avaliação da adesão ao tratamento antirretroviral (CEAT-VIH), validado no Brasil10possui 20 itens, entre os quais17 apresentam respostas do tipo Likert, pontuadas de um a cinco e três itens apresentam respostas dicotômicas (sim/não), tendo como valor mínimo 17 e máximo 89. Os graus de adesão foram classificados em dois grupos: adesão adequada, cujo escore bruto é ≥ 75 e adesão inadequada, aqueles com escore ≤ 74.
O Instrumento de Avaliação da QV, o World Health Organization Qualityof Life Instrument - HIV Bref (WHOQOL-HIV Bref) validado no Brasil, possui 31 questões e está divido em seis domínios: I - Físico, II - Psicológico, III - Nível de independência, IV - Relações sociais, V - Meio ambiente, VI - Espiritualidade/religião/crenças, além da faceta geral de QV e percepção geral da saúde.11,12 Os escores entre 4 e 9,9 representam percepção inferior acerca da Qualidade de Vida, de 10 a 14,9, percepção intermediária, e de 15 a 20, superior.13,14
Para a análise das características sociodemográficas e clínicas e a descrição dos escores de AUDIT, QV e CEAT-VIH, foi utilizada a estatística descritiva, (frequência simples, medidas de tendência central) e medidas de dispersão (desvio-padrão, mínimo e máximo). Todas as correlações executadas utilizaram o coeficiente de correlação de Spearman. As escalas foram avaliadas quanto à correlação inter-itens (alfa de Cronbach) cuja variação é de 0 a 1, quanto mais próximo de 1, maior a consistência interna.
Realizou-se uma análise de associação entre a escala de AUDIT e as variáveis sociodemográficas e clínicas pelo método de Fisher e foi definida a razão de chance pelo método de Odds Ratio. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney para a comparação entre duas médias do AUDIT e do WHOQOL-HIV Bref. A Correlação de Spearman foi empregada para relacionar a classificação do AUDIT com a adesão segundo a CEAT-VIH. Em todos os casos, o nível de significância estabelecido foi de 0,05 (5%).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Ceará, sob protocolo nº 1.003.964.
Das 114 pessoas com HIV, houve maior frequência do sexo masculino (54,4%), com idades entre 30 e 50 anos (81,5%), heterossexuais (74,5%), com até 12 anos de estudo (86,8%), pardos (53,5%), católicos (62,2%), vivendo com parceiro(a)(45,6%), empregados (52,6%), renda familiar entre um e dois salários mínimos por mês (43,8%), sendo o salário mínimo vigente na época do estudo de R$ 788,00. Com relação aos dados clínicos, a maior proporção apresentava contagem de linfócitos T CD4+ superior a 300 células/mm3 (79,0%) e carga viral inferior a 50 cópias/ml (81,5%).
Sobre o uso do álcool, 44,8% reportaram história de consumo e 19,3% de drogas ilícitas. Quanto à classificação do uso de álcool, 102 (89,4%) PVHA eram usuárias de baixo risco (média ± desvio padrão: 1,6 ± 2,0; mediana: 1; mínimo: 0; máximo: 7). No entanto, 12 (10,5%) pacientes tinham uso de risco do álcool (média ± desvio padrão: 12,5± 5,7; mediana: 10,5; mínimo: 8; máximo: 27). A correlação inter-itens (Alfa de Cronbach) do questionário AUDIT, apresentou 0,844, demonstrado um elevado índice de consistência. As informações sobre o uso de álcool e sua relação com as características sociodemográficas da população estão descritas na tabela 1.
Tabela 1 Associação entre os escores do teste de identificação de problemas relacionados ao uso do álcool (AUDIT) e características sociodemográficas e clínicas das 114 pessoas com HIV
Variáveis sociodemográficas e clínicas | Classificação AUDIT | p-value* | Odds Ratio (IC 95%)† | |
---|---|---|---|---|
Baixo risco n(%) | Uso de Risco n(%) | |||
Sexo | ||||
Masculino | 54(52,9) | 8(66,7) | 0,37 | 1,7(0,5-6,2) |
Feminino | 48(47,1) | 4(33,3) | ||
Idade (anos) | ||||
≤ 50 | 90(88,2) | 12(100) | 0,40 | 3,4(0,1-62,0) |
> 50 | 12(11,8) | 0(0,0) | ||
Orientação sexual | ||||
Heterossexual | 74(72,5) | 11(91,7) | 0,18 | 4,1(0,5-33,7) |
Homo/bissexual | 28(27,5) | 1(8,3) | ||
Número de anos de estudo | ||||
≤ 8 | 26(25,5) | 5(41,7) | 0,24 | 2,0(0,6-7,1) |
> 8 | 76(74,5) | 7(58,3) | ||
Cor da pele | ||||
Parda | 56(54,9) | 7(68,6) | 0,82 | 1,5(0,3-3,8) |
Não parda | 46(45,1) | 5(31,4) | ||
Renda familiar (salários mínimos)‡ | ||||
≤ 2 | 62(60,8) | 7(58,3) | 0,21 | 0,46(1,3-1,5) |
> 2 | 40(39,2) | 5(41,7) | ||
Religião | ||||
Sim | 95(93,1) | 11(91,7) | 0,85 | 0,81(0,09-7,2) |
Não | 7(6,9) | 1(8,3) | ||
Situação funcional | ||||
Com rendimento | 70(68,6) | 11(91,7) | 0,12 | 5,0(0.62-40,6) |
Sem rendimento | 32(31,4) | 1(8,3) | ||
História pregressa de uso de álcool | ||||
Sim | 42(41,2) | 9(75,0) | 0,03 | 4,2(1,1-16,7) |
Não | 60(58,8) | 3(25,0) | ||
História de uso de drogas ilícitas | ||||
Sim | 17(16,7) | 5(41,7) | 0,04 | 3,5(1,0-12,6) |
Não | 85(83,3) | 7(58,3) | ||
Carga viral (cópias/ml) | ||||
< 10.000 | 99(97,1) | 12(100) | 0,93 | 0,8(0,04-18,0) |
≥ 10.000 | 3(2,9) | 0(0,0) | ||
Células T CD4+ (células/mm3) | ||||
≤ 200 | 10(9,8) | 3(25,0) | 0,13 | 3,0(0,7-13,2) |
> 200 | 92(90,2) | 9(75,0) | ||
Tempo de terapia antirretroviral (meses) | ||||
< 12 | 12(11,8) | 1(8,3) | 0,72 | 0,6 (0,08-5,76) |
≥ 12 | 90(88,2) | 11(91,7) |
*Teste de Fisher; †IC 95%-Intervalo de Confiança de 95%; ‡Na época do estudo, o salário mínimo vigente era de R$ 788,00, equivalente a US$251,77
Em relação à adesão à TARV, 42 (36,8%) apresentaram adesão inadequada. Quanto à correlação entre a classificação do uso de álcool e a adesão, 66 (64,7%) pessoas com baixo risco do uso de álcool apresentaram adesão adequada (média ± desvio padrão: 1,8 ± 2,0) enquanto 36 (35,3%) apresentaram adesão inadequada (média ± desvio padrão:1,2 ± 2,0), das 12 (10,5%) pessoas que apresentaram consumo de risco para o álcool, 6 (50%) apresentaram adesão adequada (média ± desvio padrão: 14,0 ± 7,4) e 6 (50%) adesão inadequada (média ± desvio padrão: 11,0 ± 3,5). Não houve correlação estatisticamente significante entre a classificação AUDIT e a adesão segundo a CEAT-VIH (Correlação de Spearman: 0,095; P=0,32).
Os domínios do WHOQOL-HIV Bref estão apresentados na tabela 2. Por sua vez, a associação entre os domínios desse instrumento e do AUDIT está demonstrada na tabela 3.
Tabela 2 Distribuição dos escores referentes aos domínios do instrumento de avaliação da qualidade de vida em pessoas com HIV (WHOQOL-HIV Bref)
Domínios da WHOQOL-HIV Bref* | Média± desvio padrão | Mediana | Valor Mínimo | Valor Máximo | Alfa de Cronbach |
---|---|---|---|---|---|
Físico | 16,00±3,57 | 17,00 | 5,00 | 20,00 | 0,702 |
Psicológico | 15,83±2,64 | 16,80 | 7,20 | 20,00 | 0,598 |
Nível de Independência | 15,00±2,55 | 15,00 | 7,00 | 20,00 | 0,500 |
Relações Sociais | 16,00±3,13 | 16,00 | 6,00 | 20,00 | 0,718 |
Meio Ambiente | 15,00±2,68 | 15,00 | 7,00 | 20,00 | 0,770 |
Espiritualidade/Religião/Crença | 16,00±3,92 | 16,50 | 5,00 | 20,00 | 0,669 |
*WHOQOL-HIV Bref - World Health Organization Quality of Life Instrument-HIV Bref
Tabela 3 Escores dos domínios do instrumento de avaliação da qualidade de vida em pessoas com HIV (WHOQOL-HIV Bref), segundo a classificação de risco do teste de identificação de problemas relacionados ao uso do álcool (AUDIT) em pessoas com HIV
Domínios do WHOQOL-HIV Bref | AUDIT | n | Média ± desvio padrão | p-value* |
---|---|---|---|---|
I - Físico | Baixo risco | 102 | 16,3±3,3 | 0,01 |
Uso de risco | 12 | 13,1±4,3 | ||
II - Psicológico | Baixo risco | 102 | 15,9±2,4 | 0,15 |
Uso de risco | 12 | 14,4±3,8 | ||
III - Nível de independência | Baixo risco | 102 | 15,1±2,5 | 0,14 |
Uso de risco | 12 | 14,1±2,0 | ||
IV - Relações sociais | Baixo risco | 102 | 16,1±2,8 | 0,01 |
Uso de risco | 12 | 13,0±3,9 | ||
V - Meio ambiente | Baixo risco | 102 | 15,0±2,6 | 0,71 |
Uso de risco | 12 | 13,0±2,9 | ||
VI - Espiritualidade/religião/crenças | Baixo risco | 102 | 15,9±3,7 | 0,11 |
Uso de risco | 12 | 13,8±4,9 |
*Teste de Mann-Whitney
Em virtude do advento da TARV e a cronicidade da Aids, PVHA tendem a se envolver em comportamentos de risco, tais como o uso de substâncias que causam dependência e que podem influenciar negativamente na sua condição de saúde.15
Em relação à história pregressa de uso de álcool, quase metade dos participantes reportaram contato prévio com essa substância. O álcool influencia negativamente na condição de saúde e na adesão ao tratamento, além de aumentar o risco de transmissão do vírus e de relações sexuais desprotegidas.16Em outro estudo realizado com pacientes em uso de TARV, a frequência do consumo de álcool e de bebedores de risco foi de 33,0%, portanto, superior ao da presente amostra.15 Já em outra pesquisa, o percentual de pacientes em uso de álcool foi de 5,2%, valor mais próximo ao desta amostra.16
O histórico de uso de álcool teve relação significativa com o seu atual uso nocivo, demonstrando a importância de se investir em estratégias ampliadas de prevenção do consumo do álcool que envolvam as esferas política e social. Essas ações devem incluir a participação da família, da escola e dos serviços de saúde em busca de evitar o início precoce do uso de álcool na infância e na adolescência a partir da sensibilização sobre os impactos negativos dessa substância no âmbito social, financeiro e na saúde.17
A história prévia de uso de drogas ilícitas não teve relação com o consumo de risco do álcool, divergindo de outro estudo.18 No Brasil o consumo de álcool é legalmente aceito e culturalmente incentivado, enquanto o consumo de outras drogas é ilegal.17Isso pode justificar a menor proporção de indivíduos entrevistados que mencionou história prévia de uso de drogas e, consequentemente a ausência da associação entre o consumo prévio de drogas e o uso nocivo do álcool.
Quanto aos marcadores de progressão da doença, indivíduos que fazem uso de bebidas alcoólicas apresentaram menor contagem de linfócitos T CD4+ e maior carga viral.18 Tem-se que os pacientes com contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm3tem maiores chances de serem menores consumidores de álcool, enquanto os indivíduos com carga viral indetectável são mais propensos a fazerem uso de bebidas alcoólicas.1
Com relação à adesão ao tratamento farmacológico, observou-se que a maioria dos pacientes teve adesão adequada à TARV, divergindo de pesquisas prévias.19-21Esse resultado pode estar relacionado ao fato de somente 12 indivíduos dessa pesquisa terem sido classificados como em uso nocivo de álcool, provavelmente decorrente do pequeno número de pessoas.
Além disso, essa evidência alerta para a necessidade da equipe multidisciplinar realizar a busca ativa dos indivíduos que não comparecem às consultas de rotina, com vistas a identificar e intervir nos casos em que a ausência no serviço se relaciona ao uso nocivo do álcool. Como se adverte, o acolhimento da equipe de saúde deve ser livre de preconceito ou julgamento de valor, com ênfase em ações que minimizem ou reduzam as consequências adversas do uso de álcool, sem necessariamente exigir abstinência.22
Pacientes em uso de TARV e que consomem álcool são significativamente mais propensos a parar ou esquecer de tomar alguma dose da terapia antirretroviral.19,20 Além disso, alguns pacientes deixam de fazer uso dos medicamentos para ingerir bebidas alcoólicas nos finais de semana,23 consequentemente, não alcançam a supressão viral completa e são mais suscetíveis à resistência viral.24 De forma geral, o uso de álcool é um forte preditor de falhas na adesão medicamentosa e piora no desfecho clínico de PVHA.2,16,25
O consumo do álcool e de outras substâncias que causam dependência em PVHA pode desencadear competições e interações com os antirretrovirais e alterar a sua proteína de ligação, uma vez que o etanol compete com os medicamentos nas ligações das isoenzimas do processo de metabolização. Assim, esses consumidores podem ter maior risco de toxicidade e terapia ineficaz, devido à concentração inadequada do fármaco no plasma.26
O presente estudo identificou associação estatística entre o uso de risco do álcool e os domínios Físico e de Relações Sociais do instrumento WHOQOL-HIV Bref, semelhante a outro estudo.18O domínio Físico avalia a dor, o desconforto, a energia,a fadiga, o sono e o repouso de PVHA, enquanto o domínio Relações Sociais avalia as relações pessoais, o apoio social, a atividade sexual e a inclusão social desses indivíduos.14 Esse achado reafirma os impactos negativos já conhecidos do uso nocivo do álcool sob os domínios físico, social e cognitivo.27
Quando há a presença de redes sociais de apoio e o envolvimento familiar, observa-se a redução do estigma e preconceito imposto pela doença e a consequente melhoria da QV de PVHA.28 Além disso, o emprego, a presença de parceiro, as melhores condições socioeconômicas e o tempo de uso da TARV estão relacionados com as melhores pontuações nas diferentes dimensões do instrumento de avaliação da QV.29
A interferência nos domínios Físico e de Relações Sociais pode comprometer a continuidade do tratamento do HIV,15,23 na medida em que altera a capacidade do indivíduo de cuidar de si mesmo, além de dificultar o oferecimento do suporte social por parte da família, dos amigos e dos profissionais de saúde.28 Isso traz como consequências dificuldades no comparecimento às consultas de acompanhamento, na realização dos exames rotineiros e na tomada dos antirretrovirais. Essas situações de risco podem tornar a PVHA em uso nocivo do álcool mais suscetível à ocorrência de infecções oportunistas e à morte.2,16,25
De forma geral, o uso de álcool tem-se mostrado como um forte preditor de falhas na adesão medicamentosa e piora no desfecho clínico de PVHA, quando comparado com os pacientes que não fazem consumo de bebidas alcoolicas.2,17,27 Assim, quanto maior o consumo de álcool, maior o índice de não adesão à TARV.16,20
Sobre a correlação entre uso do álcool, qualidade de vida e adesão à TARV, um estudo mostrou que pacientes que não eram consumidores de álcool e em uso de TARV tiveram 1,69 mais chances de melhor qualidade de vida quando comparado com aqueles que faziam uso dessa substância. Assim, o uso de álcool teve uma associação negativa significativa com a qualidade de vida global.7
O uso do álcool influencia negativamente os marcadores de progressão da doença, causando piora no quadro clínico, ocasionando a soroconversão para a Aids e o consequente aumento da mortalidade.18 Além disso, as PVHA em uso de álcool são mais propensas ao uso de maior número de medicamentos, fator que diminui a qualidade de vida.13
Apesar dos instrumentos aplicados terem demonstrado boa consistência interna, uma limitação do estudo consistiu na inclusão de indivíduos ativos no acompanhamento em saúde e o número reduzido de participantes. Para futuros estudos, recomenda-se a busca ativa dos indivíduos com baixa adesão com vistas a identificar aqueles cujo comprometimento da adesão se relaciona ao uso nocivo do álcool. Ressalta-se também a necessidade de implementação de estudos de intervenção e de ações nos serviços de saúde direcionadas à prevenção do uso de álcool e à redução de danos.
Nesse estudo, a maioria das PVHA apresentava consumo de baixo risco para o uso de álcool, adesão adequada adesão à TARV e boa qualidade de vida. O baixo uso do álcool não trouxe repercussões negativas sobre a adesão à terapia antirretroviral ou qualidade de vida. Porém, o uso nocivo do álcool alterou domínios da qualidade de vida que são imprescindíveis para a continuidade do tratamento, indicando a importância do apoio social entre PVHA com consumo de risco para essa substância.