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Alimentação: um direito humano em disputa - focos temáticos para compreensão e atuação em segurança alimentar e nutricional

Alimentação: um direito humano em disputa - focos temáticos para compreensão e atuação em segurança alimentar e nutricional

Autores:

Lúcia Dias da Silva Guerra,
Ana Maria Cervato-Mancuso,
Aída Couto Dinucci Bezerra

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.9 Rio de Janeiro set. 2019 Epub 09-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018249.20302017

Abstract

Situations involving food and nutritional insecurity are impediments to the realization of the human right to adequate food and may be linked to the availability, access, consumption, production and biological use of food and social, political and economic issues, which illustrate the current food problems existing between countries. The aim is to review how food is perceived as a human right in the scientific production on health in articles dedicated to the empirical analysis of food and nutritional security among children and adolescents in different urban settings. An integrated review of the literature was conducted with 80 scientific articles published in the PubMed database from 2007 to 2016. Information about the methodological approaches, the aspects related to food and nutritional insecurity, as well as conclusions and recommendations were extracted from the studies. The review revealed the diversity of the thematic focus for understanding food as a human right and its relation to other rights. Suggested action strategies focused on primary health care. Food in both developed and developing countries is a disputed human right that needs to be addressed in order to achieve social justice for all mankind.

Key words Food and nutrition security; Human rights; Public health; Public policies

Introdução

A alimentação e a nutrição são questões globais e locais relevantes para a saúde pública1,2, que no cenário contemporâneo têm mobilizado organizações (internacionais e nacionais) e países para a criação e implementação de políticas públicas que visam à garantia e a efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Essas políticas públicas trazem como foco ações em Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) nas suas diversas dimensões: disponibilidade, acesso, consumo, produção e utilização biológica dos alimentos3.

É direito de todo ser humano ter uma alimentação adequada e saudável, do ponto de vista da saúde, do respeito à cultura alimentar, da sustentabilidade econômica, social, ambiental, da disponibilidade e do acesso permanente aos alimentos de qualidade, sem comprometer outras necessidades inerentes a uma vida digna, como a educação, moradia, emprego e lazer4.

Contudo, os problemas alimentares contemporâneos permanecem atravessados pela transformação de bens essenciais aos seres humanos em mercadoria, como é o caso dos alimentos. Nesse contexto, observa-se que os alimentos são distribuídos de acordo com as leis da oferta e da demanda - um traço importante do capitalismo contemporâneo e uma das chaves para explicar o atual cenário produtor de doenças e de desigualdades econômicas e sociais, que impacta sobre os sistemas alimentares globais e impõe desafios no campo da saúde pública, criando obstáculos para a consolidação da SAN e a efetivação dos direitos humanos em diversos países2,5,6.

O Konzernatlas - Atlas das Multinacionais (2017)7 mostra a influência do capitalismo na alimentação humana, com destaque para o agronegócio, a indústria de alimentos e a rede de distribuição/comercialização que representam ameaças à soberania alimentar dos países e a luta por sistemas alimentares sustentáveis. O Konzernatlas destaca questões, como a concentração na produção de sementes e o comércio dos agrotóxicos que definem o que e como se planta, consequentemente, a qualidade do que se come.

Em cenários urbanos, a expressão do capitalismo na alimentação humana pode ser observada por meio do crescimento de ambientes alimentares agressivos, principalmente, do ponto de vista mercadológico e publicitário. Além de alimentar e nutricionalmente pouco saudáveis, são repletos de alimentos altamente industrializados (ricos em açúcar, sal, gordura) e com diversos aditivos químicos. Tudo isso apresentado com fácil acesso e baixo custo e expressivo emprego de estratégias de comunicação e publicidade que visam atrair como público alvo crianças e adolescentes para o consumo destes alimentos8-10. Tal fato tem gerado impactos financeiros significativos para o setor saúde11. Assim, considerando que crianças e adolescentes são parte essencial para a garantia das futuras gerações e neste contexto está em disputa a ideia de justiça intergeracional, o mundo em desenvolvimento já aponta os impactos que a globalização e a urbanização têm gerado na alimentação para a vida humana12,13.

No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas - ONU tem empregado esforços para enfrentar questões ligadas a SAN e os direitos humanos, a exemplo do direito humano à alimentação adequada. No entanto, as metas firmadas entre os países membros da ONU, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Meta 1 - “erradicar a fome e a miséria”) e nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Meta 2 - “fome zero e agricultura sustentável”), carecem de implementação no plano local, pois ainda permanecem no mundo 795 milhões de pessoas em situação de fome, que estão localizadas principalmente em regiões do oeste da Ásia, África Central, África Subsaariana e alguns países da América Latina14.

No caso do Brasil, nos últimos 10 anos foi possível observar a institucionalização normativa do DHAA, com a promulgação da Lei Orgânica de SAN - LOSAN nº 11.346/2006 que lançou as bases para a criação de um ordenamento jurídico nacional, a disponibilização de mecanismos e instrumentos necessários a sua operacionalização por meio de políticas públicas, como a Política Nacional de SAN - PNSAN; e criou o Sistema Nacional de SAN (SISAN). A LOSAN como primeiro marco jurídico para o DHAA implicou na instituição formal desse direito, com posterior incorporação na Constituição Federal (1988) através da Emenda Constitucional nº 64/2010. Deste modo, o DHAA está relacionado a outros direitos e a sua não garantia, proteção e efetivação podem gerar situações de Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN) que se revelam como um processo progressivo, gerenciado tanto no âmbito coletivo quanto no individual e estão relacionadas à piora da saúde (anemia, desnutrição, hipovitaminoses, obesidade, diabetes, hipertensão, síndromes metabólicas, asma, cárie, HIV/Aids), ao aumento da violência doméstica e comunitária, dos transtornos mentais, ao fortalecimento da construção de uma estrutura de produção de alimentos predatória em relação ao ambiente, aos preços abusivos dos bens essenciais e à imposição de padrões alimentares que não respeitam a diversidade cultural15-17.

Diante disso, este artigo tem por objetivo revisar como a alimentação é compreendida enquanto um direito humano na produção científica da área da saúde, especificamente, em artigos que se dedicaram a análise empírica da SAN em diferentes cenários urbanos com crianças e adolescentes.

Percurso metodológico

Este estudo é uma revisão integrativa desenvolvida a partir da seleção sistemática da literatura científica, que possibilita um aprofundamento na compreensão de um determinado fenômeno com base em estudos anteriores, a construção de uma análise sobre as abordagens metodológicas e atualização dos resultados de pesquisas, além de reflexões sobre a realização de futuros estudos e a tomada de decisões com relação a intervenções18.

A busca bibliográfica dos artigos foi realizada na base de dados PubMed, do National Center for Biotechnology Information (NCBI), uma das bases mais utilizadas na área das ciências da saúde. Essa busca ocorreu em três etapas (Figura 1).

Figura 1 Etapas da busca bibliográfica dos artigos que compuseram a revisão integrativa. Base de dados PubMed, 2007-2016. 

Na Etapa 1 de identificação e escolha do descritor a ser utilizado (Figura 1), foi consultado o Descritor Mesh (Medical Subject Headings) recurso da base de dados PubMed para a identificação da terminologia padronizada que auxilia na definição dos assuntos e na recuperação dos artigos de interesse. No entanto, o termo encontrado foi food supply, pouco utilizado nos títulos, resumos e palavras-chave, de artigos sobre IAN que têm como foco a abordagem da alimentação e nutrição no contexto da saúde pública. Assim, considerando o conhecimento dos autores sobre o tema, optou-se pelo uso do termo livre food insecurity mais presente nas publicações científicas de interesse do estudo. O intuito foi obter uma busca mais abrangente que permitisse capturar as demais variações do termo.

Assim, realizou-se a busca livre na base de dados com o termo food insecurity, a busca exata food insecurity e a busca avançada com a expressão food AND insecurity. Em adicional, optou-se por realizar também a busca livre com os termos human rigth to adequate food, human rigths dimensions of food e a busca exata com human rigths dimensions of food e human rigth to adequate food. Foram identificadas 12.950 publicações.

Após esse teste com os termos, selecionou-se alguns filtros da própria base de dados para aprimorar a busca, segundo o tipo de artigo (journal article), texto disponível (free full text), período de publicação (10 years), estudos realizados com humanos, nos idiomas inglês, espanhol e português, e idade (child: birth-18 years). Foram selecionados 1.281 artigos: 740 artigos disponíveis com o termo food insecurity, 258 food insecurity, 278 food AND insecurity, por fim, três artigos com human rigth to adequate food e dois artigos com human rigths dimensions of food.

Os critérios de inclusão adotados para a revisão integrativa foram: 1) ser artigo original advindo de estudo empírico; 2) ter sido publicado no período de 2007 a 2016; 3) ter sido realizado em cenário urbano; 4) incluir na população de investigação crianças e/ou adolescentes não institucionalizados.

Na Etapa 2 (Figura 1) foi realizada a revisão manual, com leitura dos títulos e resumos dos 1.281 artigos segundo os critérios de inclusão. Permaneceram na seleção 655 artigos. Dentre esses 655 artigos, foi feita a checagem dos critérios de inclusão e foram mantidos na seleção 169 artigos, quando foi realizado o download e leitura completa dos métodos. Houve a exclusão de 89 artigos: 25 por serem artigos de revisão, validação ou aprimoramento de escala para medir a IAN e avaliação de programas, e 64 artigos por serem estudos que mencionavam crianças e adolescentes no resumo, embora as análises tenham sido realizadas apenas com adultos. Além disso, não permaneceram na revisão artigos com comunidades tradicionais de pescadores, quilombolas e indígenas, área rural e restaurantes populares.

Assim, permaneceram na Etapa 3 (Figura 1) 80 artigos para leitura completa e extração dos dados. Dos 80 artigos foram extraídos os seguintes conteúdos para análise: ano de publicação; autores; títulos; as temáticas presentes nos títulos dos artigos; a abordagem metodológica do estudo; os países onde o estudo foi realizado; os cenários urbanos de investigação; os métodos utilizados para avaliação da situação de IAN; os aspectos relacionados a IAN descritos nos resultados; as conclusões e recomendações dos estudos.

Na organização e sumarização dos dados utilizou-se a elaboração de planilhas no Microsoft Excel 2010 e também foram realizadas análises estatísticas, com a produção de frequências e gráficos. Para a análise qualitativa de conteúdo foram feitas leituras sistemáticas e codificações para o agrupamento dos conteúdos semelhantes, bem como identificação das diferenças ou relações circulantes que descrevem o fenômeno estudado19.

O marco conceitual que norteou a análise dos dados teve como base o conceito do direito humano à alimentação adequada utilizado em documentos internacionais da Organização das Nações Unidas20,21: O direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. O direito à alimentação adequada não deverá, portanto, ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. O direito à alimentação adequada terá de ser resolvido de maneira progressiva. No entanto, os Estados têm a obrigação precípua de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome mesmo em épocas de desastres, naturais ou não.

Resultados

Dos 80 artigos, observou-se que 55 foram conduzidos em países do continente americano, 33 na América do Norte e 22 na América Latina e Caribe. Dentre esses 22 artigos com investigação conduzida na América Latina e Caribe, 15 foram realizados no Brasil, nas Regiões Nordeste (n = 4), Sul (n = 3), Sudeste (n = 1), Centro-Oeste (n = 1) e seis tinham abrangência nacional ou foram realizados em duas ou mais regiões.

O segundo continente com maior expressão de artigos (n = 13) foi a África, seguido da Ásia (n = 4), Europa (n = 3) e Oceania (n = 1).

Dos 80 artigos, quatro eram estudos multicêntricos realizados na África e Ásia (n = 1), América do Norte e África (n = 1), Europa, América do Norte e Ásia (n = 1), América Latina e Caribe e América do Norte (n = 1).

Nos títulos dos artigos foram identificadas 18 temáticas emergentes (Figura 2). A temática mais presente foi a que relacionava a IAN com diversos aspectos demográficos, socioeconômicos e condições de moradia (n = 16); seguida daquelas que relacionavam a IAN ao estado nutricional (n = 15) e ao consumo alimentar (n = 10).

Figura 2 Temáticas emergentes identificadas nos 80 artigos e origem geográfica dos estudos. Base de dados PubMed, período 2007 – 2016. 

A maior diversidade temática segundo a origem geográfica dos estudos foi encontrada em países da América do Norte (Canadá e Estados Unidos), seguidos da América Latina e Caribe, e África (Figura 2).

Os estudos realizados em países da América Latina e Caribe abordaram temáticas como carências nutricionais, iniquidades em saúde, absenteísmo escolar, parasitose e amamentação. Apesar da diversidade temática encontrada nesses estudos, não estiveram presentes assuntos importantes, como saúde mental, HIV/Aids, gênero, doenças crônicas não transmissíveis, favelas, imigrantes, negros, saúde bucal e o direito humano à alimentação adequada. Essas temáticas foram identificadas com maior frequência em estudos conduzidos na América do Norte e na África (Figura 2).

Nos 15 estudos realizados no Brasil, as temáticas presentes foram estado nutricional (n = 6), IAN e diversos aspectos associados (n = 3), carências nutricionais (n = 2), iniquidades em saúde (n = 2), amamentação (n = 1) e consumo alimentar (n = 1) (Figura 2).

Os 80 artigos analisados foram publicados, principalmente, nos anos de 2009 (n = 11), 2012 (n = 15), 2013 (n = 12) e 2014 (n = 15). O período de 2012 a 2014 foi o momento de maior publicação, significando 53% do total dos artigos analisados (n = 42).

Os artigos mostraram que os cenários urbanos comumente pesquisados para conhecer a situação de IAN são os domicílios (n = 53), porém observaram-se outros cenários de investigação, como serviços de saúde (ambulatórios; n = 7 e hospitais; n = 5), escolas públicas (n = 9), creches públicas (n = 1) e o conjunto destes cenários, como domicílios e escolas (n = 2), domicílios e serviços de saúde (n = 2), domicílios e ambiente social (n = 1).

A abordagem metodológica dos estudos foi predominante quantitativa, sendo que 75 eram de abordagem quantitativa (94%) e cinco de abordagem qualitativa (6%).

Os cinco estudos qualitativos utilizaram para a produção dos dados: grupos focais (n = 2), entrevistas semi-estruturadas (n = 1), intervenção educativa (n = 1) e o conjunto de técnicas como grupos focais e entrevistas semi-estruturadas (n = 1). Os estudos qualitativos foram conduzidos em países da América Latina e Caribe (Argentina e Venezuela; n = 2) e América do Norte (Estados Unidos da América; n = 2) e Ásia (Irã; n = 1) (Quadro 1).

Quadro 1 Focos temáticos e estratégias para atuação em SAN extraídos, respectivamente, das conclusões e recomendações dos estudos com abordagem qualitativa (n = 5). Base de dados PubMed, 2007-2016. 

Focos temáticos Autor/Ano
Continente/país
Cenário Aspectos relacionados Conclusões Recomendações/Estratégias de ação
Sistemas alimentares Dastgiri S et al., 2011
Ásia (Irã)
intervenção educativa; domicílios demográficos e socioeconômicos Há necessidade urgente de colaboração entre lideranças governamentais, internacional e local, para identificar e implementar programas de intervenção para superar a IAN. Considerar o sistema político para a construção de um modelo de saúde pública para controlar na região a IAN enquanto um problema de saúde.
Pobreza e condições de renda Bernal J et al., 2016
América Latina e Caribe (Venezuela)
grupos focais e entrevistas semiestruturadas; escolas públicas cognitivos, emocionais; quantidade e qualidade da ingestão de alimentos e magreza Crianças em IAN reconheceram a redução da qualidade e quantidade de alimentos, o sacrifício do consumo de comida e de comida do lixo, e informaram trabalho infantil como estratégia para compra dos alimentos Investigação e políticas para entender e direcionar a distribuição de benefícios para crianças, que visam garantir o seu desenvolvimento físico, cognitivo e bem-estar sócio emocional.
Ambiente social e ambiente alimentar Lindsay AC et al., 2012
América Latina e Caribe (Argentina)
grupos focais; serviço de saúde hospitalar baixa renda, trabalho, preocupações financeiras, práticas alimentares Domicílios em IAN apresentam dificuldades na criação de um ambiente de alimentos saudáveis para seus filhos Intervenções em saúde pública e intervenções em IAN que visam o direito à alimentação saudável são fundamentais para o respeito e preservação dos valores culturais relacionados aos hábitos alimentares.
Fram MS et al., 2011
América do Norte (EUA)
entrevistas semi-estruturadas; domicílio experiências cognitivas, emocionais e físicas O ambiente social e alimentar são espaços potenciais de qualidade para as interações entre crianças e pais O esforço para acabar com a fome de crianças deve ter como base uma compreensão abrangente de experiências de IAN a partir da perspectiva da criança, em termo de conteúdo e contexto.
Consumo alimentar Widome R et al., 2009
América do Norte (EUA)
grupos focais; domicílio e escola hábitos alimentares, percepções e ingestão alimentar Os padrões alimentares dos adolescentes em IAN diferem em aspectos importantes dos padrões alimentares dos que estão em SAN O esforço para educar adolescentes em IAN deve eliminar as barreiras para uma alimentação saudável. Políticas e intervenções focadas na melhoria dos alimentos.

[grifo nosso]

Os estudos com abordagem qualitativa avaliaram a situação de IAN por meio de roteiros próprios, com base no conteúdo da escala do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Esses estudos mostraram o seu potencial de investigação para tratar de questões ligadas ao reconhecimento da IAN, como as experiências vividas pelas pessoas, os sofrimentos emocionais sentidos, como angústia e tristeza quando a quantidade e a qualidade da ingestão de alimentos foram reduzidas, quando não se tinha recursos financeiros para a aquisição de alimentos ou precisavam comprar alimentos baratos com baixa qualidade nutricional. Além disso, mostraram o que as pessoas vivenciavam quando a situação de IAN se instalava, por exemplo, a realização de refeições menores, o reconhecimento da fome, da magreza ou o excesso de peso, a piora da situação de saúde, a presença de violência no domicílio, o consumo de alimentos oriundos do lixo encontrado na rua e o trabalho infantil, como estratégias para auxiliar no enfrentamento da situação de IAN.

Dos 75 estudos quantitativos analisados, 26 eram de seguimentos longitudinais ligados à pesquisas nacionais ou coorte (Quadro 2) e 49 eram estudos transversais epidemiológicos (Quadro 3), ambos conduzidos em países dos diversos continentes.

Quadro 2 Focos temáticos e estratégias para atuação em SAN extraídos, respectivamente, das conclusões e recomendações dos estudos longitudinais com abordagem quantitativa (n = 26). Base de dados PubMed, 2007-2016. 

Focos temáticos Autor/Ano
Continente/país
Cenário Aspectos relacionados Conclusões Recomendações/Estratégias de ação
Sistemas alimentares
(n = 1)
Zhang Q et al., 2013
América do Norte (EUA)
domicílios preço dos alimentos Estratégias de controle de preços dos alimentos: eliminação de subsídios e imposição de impostos, impactam no aumento do preço dos alimentos e na capacidade das famílias de garantirem uma dieta adequada e de alta qualidade. Planejamento e a coordenação cuidadosa de estratégias de políticas públicas, políticas de preço dos alimentos podem ser benéficos à saúde e à SAN.
Desastres naturais
(n = 1)
Hutson RA et al., 2014
América Latina e Caribe (Haiti)
domicílios escolaridade, situação de saúde, violação de direitos humanos e histórias de violência na família Desastres naturais influenciam na situação de IAN. Realização deestudos de coorte em locais com altas probabilidades de desastres naturais ou de origem humana. Melhores orientações e prestação de serviços essenciais, ir além da vulnerabilidade e da vitimização.
Pobreza e condições de renda
(n = 2)
Belachew T et al., 2012
África (Etiópia)
domicílios baixa renda, baixa escolaridade, gênero Adolescentes de áreas urbanas que membros de famílias de rendabaixa estão em maior risco de IAN crônica, essa situação produz uma diminuição do poder de compra de alimentos Intervenções de SAN, incluindo uma rede de segurança e programa de estabilização do mercado devem ser realizados para a redução do grau de IAN crônica entre os adolescentes.
Chen L et al., 2009
Ásia (Taiwan)
serviço de saúde ambulatorial doenças associadas à nutrição (diabetes, desordens metabólicas, anemia), crescimento, desordens mentais A pobreza e a IAN podem formar um ciclo vicioso, causar mais privação de riqueza através de encargos com despesas diretas para cuidado de saúde e custos indiretos associados a perda de produtividade. Garantir a SAN para crianças é uma das mais importantes responsabilidades de um governo. Outras abordagens de programas podem ser necessárias para a superação da situação de IAN de crianças pobres e dos resultados de saúde relacionados.
Grupos mais vulneráveis à IAN
(n = 1)
Chilton M et al., 2009
América do Norte (EUA)
serviço de saúde hospitalar condições de saúde Crianças de mães imigrantes estão em maior risco de saúde e IAN. O estado de saúde na infância afeta, não só o desenvolvimento de saúde, desenvolvimento, estado socioemocional e desempenho escolar, o estado de saúde do adulto, o nível socioeconômico e a produtividade. Políticas que restrigem o acesso das famílias de imigrantes aos cuidados de saúde, podem ter efeitos graves sobre esta população já vulnerável. Intervenções políticas de combate à IAN em famílias de imigrantes podem promover a saúde de crianças.
Gênero
(n = 2)
Belachew T et al., 2011
África (Etiópia)
domicílio gênero Na situação de IAN, o gênero é um importante preditor do estado de saúde auto-relatado pelo adolescente Intervenções de SAN devem prestar atenção especial às meninas para diminuir as diferenças de saúde entre meninos e meninas
Hadley C et al., 2008
África (Etiópia)
domicílios gênero A IAN na adolescência está associada a importantes dimensões da saúde e bem- estar e gênero. Pesquisas futuras para verificar e examinar os mecanismos pelos quais meninas experimentam maiores níveis de IAN quando vivem em domicílios com estresse alimentar.
Ambiente social e ambiente alimentar
(n = 1)
Carter MA et al., 2012
América do Norte (Canadá)
domicílio e ambiente social aspectos do ambiente social Abordar o ambiente social em q as pessoas vivem e a melhoria da situação de renda do agregado familiar pode ser benéfico para o enfrentamento da IAN. Mais estudos sobre ambiente social locais. Planejadores urbanos, políticos, nutricionistas, assistentes sociais, promotores de saúde podem considerar ambientes sociais locais na implementação de qualquer tipo de intervenção em SAN: iniciativas de capacitação para construir capital social e incentivar a interação social na comunidade. O planejamento e a avaliação devem tornar-se uma prioridade.
Estado de Saúde
(n= 2)
Ryu JH et al., 2012
América do Norte (EUA)
domicílio estado de saúde Domicílios afetados pela IAN podem ter impacto negativo na situação de saúde de crianças. Apoio à programas de assistência nutricional à famílias vulneráveis, programas de alimentação escolar.
Shaikh U et al., 2009
América do Norte (EUA)
domicílio e serviço de saúde suplementação de vitaminas e minerais Um grande n° de crianças e adolescentes usam suplementos vitamínicos e minerais. Pesquisas qualitativas para explorar a importância relativa dos fatores que influenciam a decisão dos pais para usarem suplementos vitamínicos e minerais para os filhos.
Saúde mental
(n = 4)
McLaughlin KA et al.,
2012
América do Norte (EUA)
domicílios e escolas saúde mental O acesso aos alimentos em quantidade e qualidade insuficentes está associado a um gama de desordens mentais em adolescentes. Expansão de programas destinados à aliviar a fome de crianças e a pressão econômica das famílias.
Belsky DW et al.,
2010
Europa, Reino Unido, Inglaterrra e País de Gales
domicílios desenvolvimento cognitivo, comportamental e emocional IAN associada a problemas emocionais de escolares. A personalidade das mães e a sensibilidade doméstica às necessidades das crianças podem apresentar desafios para a IAN. Intervenções para melhora na parentalidade, redução do abandono e benefícios para suprimento de alimento nos domicílios.
Huang J et al., 2010
América do Norte (EUA)
domicílios problemas comportamentais Relações dinâmicas entre IAN, características dos pais e problemas comportamentais da criança não são capturadas de uma forma simples. Essas relações devem ser investigadas com dados bem delineados e com diversas metodologias
Melchior M et al., 2009
Europa e Reino Unido
domicílios problemas comportamentais IAN mais frequente em crianças de mães com experiência de problemas de saúde mental, como depressão, psicoses e violência doméstica. Estudos de intervenção para testar se melhorar a saúde mental das mães pode aliviar o impacto da IAN em famílias com crianças
Estado Nutricional
(n = 3)
Gundersen C et al., 2009
América do Norte (EUA)
domicílios estado nutricional (obesidade) Crianças em situação de IAN não foram mais propensas a serem obesas do que crianças em situação de SAN, após o controle de outros fatores como etnia e gênero. Manutenção de programas de enfrentamento da obesidade infantil, como atividade física nas escolas e programas de nutrição e qualidade de vida.
Gundersen C et al., 2008
América do Norte (EUA)
domicílios estado nutrional (sobrepeso) A IAN e o excesso de peso coexistiram entre adolescentes de baixa renda. Pesquisas para explorar as relações potenciais entre a IAN e o sobrepeso, além de políticas para informar melhor e tentar abordar essas questões entre famílias de baixa renda.
Bronte-Tinkew J et al.,
2007
América do Norte (EUA)
domicílios estado nutricional (sobrepeso) A IAN interfere nas interações entre pais e filhos e afeta aspectos centrais do desenvolvimento, tais como a saúde geral e o excesso de peso. Continuidade e o fortalecimento de iniciativas políticas para assegurar que famílias com crianças tenham comida suficiente, previsível e confiável.
Carências Nutricionais
(n = 1)
Eicher-Miller HA et al., 2009
América do Norte (EUA)
serviço de saúde ambulatorial deficiência de micronutriente - ferro Anemia por deficiência de ferro é uma preocupação para adolescentes em IAN, apesar da existência de políticas e programas direcionados a este público. Necessidade contínua de intervenções para reduzir a anemia ferropriva entre crianças com IAN e melhorar a sua situação de SAN
Consumo alimentar
(n = 2)
Belachew T et al., 2013
África (Etópia)
domicílios práticas alimentares IAN tem consequência negativa nas dietas de adolescentes que pode colocá-los em risco de desenvolver múltiplas deficiências nutricionais. Programas para melhorar a nutrição na adolescência. Intervenções de SAN na produção local diversificada e o consumo de alimentos ricos em nutrientes.
Cunningham TJ et al., 2012
América do Norte (EUA)
domicílios consumo de
refrigerantes
A ingestão de refrigerantes durante a primeira infância, um período sensível do desenvolvimento humano, pode representar um caminho crítico que liga a IAN a saúde. Disponibilidade e acessibilidade de alimentos nutritivos devem ser parte integrante de estratégias de intervenção às famílias em IAN. Envolver vários setores de diferentes níveis estaduais e municipais.
Amamentação
(n = 1)
Young SL et al., 2014
África (Uganda)
serviço de saúde hospitalar amamentação e alimentação complementar Crianças de domicílios em IAN não têm aleitamento materno até o sexto mês A relação causal entre IAN, HIV, desnutrição materna e práticas de alimentação infantil deve ser mais explorada
Desenvolvimento e crescimento infantil
(n = 4)
Hernandez DC et al., 2009
América do Norte (EUA)
domicílios desenvolvimento motor e cognitivo, peso e estado de saúde Crianças que residem em domicílios em IAN experimentam efeitos negativos em seu desenvolvimento Sensibilização e assistência podem diminuir impactos imediatos da IAN sobre o desenvolvimento da criança
Belachew T et al., 2011
África (Etiópia)
domicílios idade da menarca IAN associada ao atraso da idade da menarca, isso reflete no desenvolvimento, crescimento no estado nutricional e bem-estar de meninas. Não havia.
Pilgrim A et al., 2012
Europa (Reino Unido)
domicílios dieta e composição corporal A saúde e a dieta relatadas pelos mais pobres têm implicações importantes para o desenvolvimento e saúde de crianças ao longo da vida Não havia.
Belachew T et al., 2013
África (Etiópia)
domicílios crescimento infantil IAN associada negativamente ao crescimento linear, especialmente de meninas Intervenções nutricionais para promover o crescimento e a quebra do ciclo intergeracional da desnutrição. Combinação de diferentes tipos de políticas e programas que interfiram na condição socioeconômica, a promoção da igualdade de gênero. Pesquisas para ajudar a entender essa relação entre IAN e crescimento.
Desempenho escolar
(n = 1)
Belachew T et al., 2011
África (Etiópia)
domicílios absenteísmo escolar, desempenho escolar IAN afeta negativamnte a frequência e o desempenho escolar de adolescentes. Intervenções na escola que considerem formas de aumentar a frequência escolar e mecanismos que melhorem a dieta de escolares

[grifo nosso]

Quadro 3 Focos temáticos e estratégias para atuação em SAN extraídos, respectivamente, das conclusões e recomendações dos estudos transversais com abordagem quantitativa (n = 49). Base de dados PubMed, 2007-2016. 

Focos temáticos Autor/Ano
Continente/país
Cenário Aspectos relacionados Conclusões Recomendações/Estratégias de ação
Sistemas alimentares
(n = 3)
Poblacion AP et al., 2014
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios localização regional, classe econômica, participação em programas de transferência de renda Domicílios em IAN têm maiores riscos regionais, socais e econômicos. Expansão de programas sociais.
Morrissey TW et al., 2014
América do Norte (EUA)
domicílios preço dos alimentos e estado nutricional Associação significativa entre os preços dos alimentos e a IAN. Profissionais de saúde que trabalham com crianças de baixa renda em áreas com alimentos de custo alto, devem estar cientes do potencial aumento do risco de excesso de peso ou obesidade e podem referenciar essas famílias para programas que ofereçam alimentos saudáveis com preços reduzidos. Políticas públicas que subsidiem frutas e vegetais podem ser eficazes na melhoria dos resultados de saúde e peso de crianças. Pesquisas sobre os efeitos de novas iniciativas e locais de fornecimento de refeições como assistência de nutrição pública, além do controle dos efeitos de variação dos preços dos alimentos.
Dubois L et al., 2011
América do Norte (Canadá) e África (Jamaica)
escolas sobrepeso e obesidade Tendências no sistema alimentar global, a dinâmica familiar e as diferenças de gênero influenciam na propagação do sobrepeso/obesidade em ambos países desenvolvido e em desenvolvimento. Intervenções de saúde que visem conter a epidemia de sobrepeso/obesidade devem olhar a biologia e os comportamentos individuais para além das causas da epidemia e considerar as diferenças de gênero e outros fatores familiares.
Pobreza e condições de renda
(n = 6)
Facchini LA et al., 2014
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios localização regional, renda, escolaridade materna, cor da pele, nº de crianças nos domicílios, participação em programas de transferência de renda, famílias chefiadas por mulheres IAN associada à pobreza extrema. A falta de poder aquisitivo dificulta a compra de alimentos e contribui para a permanência do problema. Políticas sociais para identificação das famílias mais vulneráveis devem considerar fatores como localização regional, renda, escolaridade materna, cor da pele materna, nº de crianças < 7 anos no domicílio e famílias chefiadas por mulheres. Expansão da cobertura dessas políticas, a focalização criteriosa e o incremento dos valores pagos por benefícios sociais.
Pobreza e condições de renda
(n = 6)
Guerra LDS et al., 2013
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios baixa renda, saneamento básico, local de nascimento, cor da pele Maior prevalência de IAN em domicílios com renda familiar baixa, condições de saneamento precárias, adolescentes de cor da pele preta Intervenção com grupos de profissionais das áreas da saúde, educação e assistência. Ações para a melhoria do acesso ao saneamento básico, a qualificação de recursos humanos visando à geração de emprego e renda, além de ações educativas que ampliam a compreensão da IAN e seus determinantes nos municípios
Panigassi G et al., 2008
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios renda, escolaridade, cor da pele, composição familiar, características da moradia, condições de saneamento IAN concentrou-se em famílias com maior n° de membros < 18 anos, moradias com construções precárias, alta aglomeração de moradores, sem rede de esgoto, baixa renda, baixa escolaridade, cor da pele preta. A EBIA é uma importante medida direta de SAN e indicador para monitoramento da iniquidade, podendo complementar um conjunto de indicadores sociais ou mesmo, de forma isolada, identificar grupos com vulnerabilidade social. O monitoramento da iniquidade com uso da EBIA poderá auxiliar os gestores da política de combate à fome, tanto na identificação dos grupos para os quais os recursos deverão ser prioritariamente dirigidos quanto ao estabelecimento de metas de cobertura populacional, possibilitando a avaliação das intervenções.
Nalty CC et al., 2013
América do Norte (EUA)
domicílios redução do nº de refeições, consumo de alimentos de baixo custo Limitação de recursos em colônias fronteiriças levam a situação de IAN. Pesquisas futuras devem continuar a explorar a forma como a SAN é entendida a partir das perspectivas e experiências de crianças e adolescentes.
Gundersen CG e Garasky SB, 2012
América do Norte (EUA)
domicílios habilidades e práticas de gestão financeira Domicílios com maior capacidade de gestão financeira são menos propensos a estarem em situação de IAN. Melhoria das habilidades de gestão financeira das famílias tem potencial para reduzir a situação de IAN.
Usfar AA et al., 2007
Ásia (Indonésia)
domicílios estratégias do agregado familiar Pedir dinheiro emprestado para comprar comida, comer menos, vender pequenos produtos, trabalho infantil, comer qualquer alimento disponível são estratégias utilizadas. Estratégias para o enfrentamento da situação de IAN no domicílio, como saúde, segurança de subsistência, consumo de alimentos.
Grupos mais vulneráveis à IAN
(n = 3)
de Souza Bittencourt L et al., 2013
América Latina e Caribe (Brasil)
escolas públicas (estaduais e municipais) baixa escolaridade, gênero, cor da pele, renda, n° de residentes no domicílio Alta prevalência de IAN em domicílios com escolares do gênero feminino, com membro de referência de cor da pele preta e baixa escolaridade, domicílio com renda baixa e com grande nº de residentes. Estratégias que possam diminuir as desigualdades sociais no ambiente escolar.
Omidvar N et al., 2013
Ásia (Irã)
domicílios domicílios chefiados por mulheres, baixa escolaridade, desemprego Refugiados e imigrantes são grupos potencialmente vulneráveis. Monitoramento da saúde e bem-estar de refugiados e imigrantes.Programas de acesso aos alimentos.
Kimani-Murage EW et al., 2011
África (Kenya)
favelas estado de orfandade e estado nutricional Órfãos são mais vulneráveis à IAN, são do gênero masculino, vivem em domicílios com menor nível socioeconômico e chefiados por mulheres. Políticas que restringem o acesso de imigrantes aos cuidados de saúde, podem ter efeitos graves a essa população já vulnerável. Políticas e práticas para identificar grupos-alvo e programas de intervenção para melhorar o bem-estar de órfãos e crianças vulneráveis que vivem em comunidades pobres urbanas.
Ambiente social e ambiente alimentar
(n = 2)
Dhokarh R et al., 2011
América do Norte (EUA)
domicílio e serviço de saúde demográficos, socioeconômicos, aculturação, rede de contatos sociais, reciprocidade (troca de serviços) e participação em programas emergenciais de alimentos Baixo nível de aculturação (local de nascimento, identificação linguística) e redes sociais pobres podem estar relacionados com a IAN nas famílias. Fortalecimento das redes sociais como estratégias para melhorar a SAN e intervenções educativas.
Tolzman C et al., 2014
América do Norte
(EUA)
domicílios demográficos, acesso aos alimentos e comportamentos de saúde Viver em região de food desert pode significar aumento da IAN. Os serviços de saúde devem conhecer o ambiente onde seus pacientes vivem.
Estado de Saúde
(n = 3)
Niclasen B et al., 2013
Europa, América do Norte e Ásia
escolas situação de saúde (percepção de saúde, sintomas físicos e uso de medicamentos) A percepção de saúde, sintomas físicos e uso de medicamentos foram negativamente associados à ocorrência de IAN. A ocorrência frequente de IAN deve ser vista como uma questão importante de saúde pública. Intervenções estruturais para redução da IAN em escolares: merenda escolar para evitar desnutrição, falta de concentração e mau desempenho escolar.
Estado de Saúde
(n = 3)
Gucciardi E et al., 2009
América do Norte (Canadá)
domicílio diabetes, práticas de autocuidado e estado de saúde Maior prevalência de IAN em pessoas com diabetes, está associada a baixa atividade física, baixo consumo de frutas e vegetais, satisfação com a vida, tabagismo, relato de necessidades de saúde não atendidas, transtornos de humor, acidente vascular cerebral e estresse. O estado de SAN do domicílio deve ser um componente essencial para os planos de avaliação e cuidado de pacientes com diabetes.
Eicher-Miller HA et al., 2011
América do Norte (EUA)
domicílios aspectos de saúde (densidade óssea) e consumo de suplementos Adolescentes em IAN têm menos massa óssea quando comparados com aqueles em SAN, especialmente entre os meninos. Intervenções que melhorem a dieta, a saúde dos ossos e a IAN.
Saúde mental
(n = 2)
Friel S et al., 2014
Oceania
(Austrália)
domicílios saúde mental Associação moderada entre IAN e aflições psicológicas. Estratégias de adaptação à alterações climáticas que considerem impactos sociais, de nutrição e de saúde mental.
Melchior M et al., 2012
América do Norte (Canadá)
domicílios demográficos, saúde mental, tabaco Crianças que crescem em famílias com IAN tem maior risco de persistir sintomas de hiperatividade e falta de atenção. Reduzir a IAN pode ajudar a diminuir problemas mentais em escolares, reduzindo também a desigualdade social.
HIV/AIDS
(n = 3)
McCoy SI et al., 2015
África (Zimbabwe)
Serviço de saúde ambulatorial HIV Maior porcentagem de crianças expostas aoHIV viviam em domicílios com IAN grave comparado a crianças de domicílios em SAN. Estudos prospectivos para investigar a relação entre IAN e o acesso a serviços de prevenção do HIV para mulheres grávidas e puérperas. Investimento em programas de alimentação e nutrição para mulheres grávidas.
Mendoza JÁ et al., 2014
África (Botswana)
Serviço de saúde hospitalar marcadores bioquímicos A melhora da situação de IAN pode melhorar a situação clínica de crianças com HIV positivo. Estudos, incluindo ensaios experimentais destinados a reduzir a IAN.
Mendoza JÁ et al., 2013
América do Norte (EUA)
Serviço de saúde hospitalar marcadores bioquímicos Famílias com pacientes pediátricos HIV positivo experimentam individualmente IAN. Rotina de mensuração de IAN em clínicas que cuidam de pacientes pediátricos HIV positivo. Políticas e programas direcionados a aliviar a IAN de pacientes que vivem com HIV.
Transição Nutricional
(n = 2)
Schlüssel MM et al., 2013
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios excesso de peso e obesidade É possível que o processo de transição nutricional modele o efeito deletério da IAN no acúmulo da gordura corporal ao longo da vida, com associação entre adolescentes e mulheres adultas, mas não ainda entre crianças. Não há.
Isanaka S et al., 2007
América Latina e Caribe (Colômbia)
escolas públicas baixo peso e baixa renda A IAN não é, necessariamente, preditor de excesso de peso em transição nutricional. Estudos longitudinais que investiguem o impacto de IAN na saúde de crianças e adultos. Pesquisas futuras sobre estratégias de enfrentamento para IAN.
Estado Nutricional
(n = 9)
Vicenzi K et al., 2015
América Latina e Caribe (Brasil)
escolas públicas excesso de peso A IAN associada ao excesso de peso. Necessidade de estudos prospectivos.
Santos LP et al., 2013
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios estado nutricional Crianças vivendo com algum grau de IA têm piores índices nutricionais, principalmente de estatura/idade. Essa relação parece estar fortemente ligada ao rendimento mensal da família e a região de moradia Não há.
de Souza MM et al., 2012
América Latina e Caribe (Brasil)
creches públicas déficit de estatura e excesso de peso Além do déficit de estatura e o excesso de peso, o esquema vacinal incompleto foi determinante proximal associado à forma crônica de desnutrição infantil. Melhorar a qualidade dos cuidados nutricionais oferecidos nas creches afim de torná-las um aparelho eficiente na prevenção de distúrbios nutricionais e na promoção de SAN.
Kac G et al., 2012
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios altura por idade e peso por idade Não houve associação entre IAN e os índices antropométricos. A transição nutricional deve ser considerada na interpretação dos resultados de estudos que examinam a relação entre IAN e o risco de obesidade em todo o ciclo de vida.
Santos JV et al., 2010
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios estado nutricional Nas famílias em IAN coexistem excesso de peso e obesidade entre crianças e uma prevalência substancial de déficit de crescimento. A situação de IAN pode estar relacionada não somente à diminuição da quantidade de alimentos como `a perda da qualidade nutritiva da dieta. Não há.
Estado Nutricional
(n = 9)
Hackett M et al., 2009
América Latina e Caribe (Colômbia)
domicílios estado nutricional, diarreia, infecções respiratórias, parasitoses Relação importante entre a situação de IAN domiciliar e o estado nutricional de crianças que participam de programas de assistência alimentar. Estudos futuros para avaliar a proposta de instrumento de IAN em diferentes momentos e depois, projetos de intervenção para determinar se esta ferramenta representa uma opção confiável para avaliar intervenções.
Sunguya BF et al., 2014
África (Tanzânia)
serviço de saúde ambulatorial desnutrição e práticas alimentares Crianças de domicílios em IAN apresentaram desnutrição, baixa frequência alimentar e baixo escore de diversidade alimentar. A baixa frequência foi associada ao nanismo, baixo peso e magreza. Os fatores associados à baixa frequência de alimentação incluíram baixo índice de riqueza, baixa escolaridade materna e da cuidadora, IAN e infecções respiratórias agudas. Intervenções focadas no agregado familiar, a formação de profissionais de saúde com treinamento em nutrição podem ajudar no apoio e na redução de equívocos sobre alimentos saudáveis, cuidadores podem ajudar na utilização eficiente dos alimentos disponíveis na região.
Cordeiro LS et al., 2012
África (Tanzânia)
domicílio desnutrição A situação de SAN domiciliar pode mitigar o estado nutricional, podendo proteger os adolescentes dos efeitos negativos da desnutrição sobre o desenvolvimento cognitivo, crescimento e desenvolvimento. Estratégias focadas no aumento da ingestão de energia e a melhora da diversidade alimentar entre famílias vulneráveis. Pesquisas que investiguem a SAN como um fator de proteção para a saúde.
Lyons AA et al., 2008
América do Norte (Canadá)
domicílios obesidade Associações entre obesidade e IAN são mais pronunciadas quando são utilizados os dados autorelatados de peso e altura. Deve-se ter cuidado quando se utiliza dados autoreferidos para examinar a relação entre IAN e obesidade. Pesquisas para compreensão de como a saúde é influenciada pela associação entre estado nutricional e IAN. Estudos longitudinais poderiam ajudar a delinear a associação entre obesidade e IAN.
Consumo alimentar
(n = 6)
Antunes MM et al., 2010
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios consumo alimentar A IAN das famílias compromete a qualidade da dieta infantil, reduzindo o consumo de alimentos proteicos, aumentando o consumo de café e de alimentos de alta densidade energética. Ações de combate à IAN, ações educativas para a melhoria da qualidade da dieta em toda a população, em particular famílias em IAN.
Ali D et al., 2013
Ásia (Bangladesh, Etiópia e Vietnam)
domicílios diversidade alimentar e desnutrição Crianças que apresentaram diversidade alimentar não mostraram relação entre IAN e desnutrição. Intervenções para a melhora da desnutrição infantil e combate a IAN. Pesquisas que investiguem a quantidade e a qualidade da dieta de crianças, outros potenciais mediadores do caminho entre IAN e desnutrição, tais como doenças infantis ou depressão materna.
Consumo alimentar
(n = 6)
Fram MS et al., 2015
América do Norte (EUA)
escolas hábitos de vida - dieta e atividade física Crianças de domicílios em IAN têm dieta calórica, baixo consumo de vegetais e maiores barreiras para atividade física. Profissionais da saúde, educação, assistência social devem estar cientes da IAN como um possível fator contribuinte para o risco de obesidade infantil e outros problemas da saúde ligados a uma alimentação inadequada
Sharkey JR et al., 2012
América do Norte (EUA)
domicílios consumo alimentar Crianças de domicílios em IAN tem dieta calórica, com ingestão de alimentos ricos em gordura e açúcar. Pesquisas para compreender estratégias de enfrentamento e utilização de programas de assistência nutricional nacionais e comunitários.
Rosas LG et al., 2009
América Latina e Caribe (México) e América do Norte (EUA)
serviço de saúde ingestão dietética A IAN foi associada a uma ingestão dietética que pode estimular o excesso de peso na infância. Intervenção no âmbito da educação e o aumento de recursos financeiros para a aquisição de alimentos saudáveis.
Kirkpatrick SI et al., 2008
América do Norte (Canadá)
domicílios ingestão dietética A IAN em algum grau estava associada à ingestão inadequada de nutrientes. A vulnerabilidade nutricional associada à IAN destaca a necessidade urgente de respostas de políticas públicas. Pesquisas longitudinais para elucidar a cronicidade da IAN e as suas consequências nutricionais.
Carências Nutricionais
(n = 3)
Fischer NC et al. 2014
América Latina e Caribe (México)
domicílios carências nutricionais Anemia associada a IAN. Intervenções que visem melhorar a saúde de mulheres adultas em idade reprodutiva, para reduzir a prevalência de anemia e suas consequências.
Pedraza DF et al., 2014
América Latina e Caribe (Brasil)
escolas públicas estado nutricional e marcadores bioquímicos de deficiências de micronutrientes A situação de IAN não apresentou associação com crescimento e com as concentrações de vitamina A, hemoglobina e zinco. Investigação em diferentes contextos para maior profundidade sobre a situação de IAN.
Oliveira JS et al., 2010
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios marcadores bioquímicos de deficiências de micronutrientes A IAN não se associou aos níveis de vitamina A e hemoglobina. Uma possível explicação para esse fato seriam as altas prevalências de IAN em mais de 2/3 das famílias, o que resultou homogeneidade na amostra. Não há.
Desempenho Escolar
(n = 1)
Bernal J et al., 2014
América Latina e Caribe (Venezuela)
escolas públicas Desempenho Escolar Crianças que reportaram IAN apresentaram alterações nas suas atividades diárias e altas prevalências de absenteísmo escolar, nanismo e mau desempenho escolar. Intervenções nutricionais e não nutricionais que possam ajudar a mitigar a IAN e seus efeitos. Programas de alimentação escolar, de assistência social, de educação para os pais, professores e profissionais de saúde.
Amamentação
(n = 3)
Gomes GP et al., 2012
América Latina e Caribe (Brasil)
domicílios prática de amamentação A IAN está associada com maior prevalência de aleitamento materno no segundo ano de vida. Não há.
Gross RS et al., 2012
América do Norte (EUA)
Serviço de saúde ambulatorial amamentação, práticas e percepções maternas O aumento da preocupação sobre o futuro de sobrepeso e controle dos hábitos de aleitamento representam potenciais mecanismos para a relação entre a IAN e a obesidade. Formuladores de políticas devem ter o objetivo de prevenir a obesidade precoce, o que pode ser importante para a diminuição das prevalências de IAN.
Feinberg E et al., 2008
América do Norte (EUA)
domicílios práticas alimentares maternas compensatórias Domicílios em IAN apresentam práticas de alimentação materna compensatórias para crianças, isso pode promover o excesso de peso na infância. A IAN pode alterar o ambiente de alimentação, incluir, na rotina da história dietética, perguntas sobre SAN, suplementos nutricionais e estimulantes do apetite. Estudos longitudinais sobre práticas de alimentação materna e peso da criança.
Cuidados primários em saúde
(n = 3)
Chi DL et al., 2014
América do Norte (EUA)
Serviço de saúde ambulatorial saúde bucal A identificação dos potenciais mediadores da IAN e cárie (fast foods, bebidas açucaradas, micronutrientes) podem permitir o desenvolvimento da nutrição com foco em intervenções sociais e comportamentais em populações vulneráveis. Pesquisas sobre a melhoria do ambiente alimentar, qualidade e escolha para comunidades de baixa renda; educação de famílias socioeconomicamente vulneráveis sobre o preparo e realização de refeições saudáveis.
To QG et al., 2014
América do Norte (EUA)
domicílios hábitos de vida, atividade física A atividade física deve ser considerada quando se estuda e busca explicar a relação entre IAN e resultados de saúde. Pesquisas são necessárias para confirmar a relação de causalidade entre a IAN e atividade física.
Beck AF et al., 2014
América do Norte (EUA)
intervenções de cuidados infantis primários; Serviço de saúde ambulatorial participação em programas sociais A clínica comunitária pode ser um instrumento de identificação dos determinantes sociais de saúde. Intervenções sociais em centros de cuidado primário podem beneficiar com a experiência comunitária. Novos esforços em direção ao engajamento comunitário e colaboração para melhorar os cuidados prestados aos desfavorecidos.

[grifo nosso]

Para avaliar a situação de IAN, os estudos com abordagem quantitativa utilizaram como instrumento para a produção dos dados, questionários estruturados em forma de escalas psicométricas, tendo como base a escala do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a Household Food Security Survey Module - HFSSM.

Os estudos quantitativos com base na escala do USDA desenvolveram suas próprias escalas adaptadas. Para as adaptações foram consideradas variações das realidades locais, como as culturais de linguagem. Com o intuito de verificar a adaptação das perguntas da escala para cada realidade e população, os estudos quantitativos se utilizaram de análises estatísticas, como o cálculo do coeficiente α de Cronbach para medir a confiabilidade psicométrica da escala por meio da análise de consistência interna, com variação do α de Cronbach entre 0,70 a 0,90, que segundo os estudos demonstrava uma boa qualidade da escala para a mensuração da IAN.

Esse tipo de avaliação, por meio de escala de perguntas, tem o objetivo de abordar, prioritariamente, temas centrais como a quantidade, a qualidade alimentar e a percepção de incertezas relacionadas à alimentação. Os estudos analisados mostraram alguns exemplos dessas escalas adaptadas, como a Colombian Househould Food Scurity Scale - CHSS, a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA e a Latin American and Caribean Food Security Scale - ELCSA.

A partir dos 80 artigos foi possível identificar 36 aspectos relacionados à situação de IAN, que abarcavam questões demográficas (idade, sexo, cor da pele); socioeconômicas (escolaridade, classe econômica, renda); aculturação (local de nascimento e identificação linguística); composição familiar (número de residentes, número de crianças no domicílio); crescimento infantil; estado nutricional (desnutrição, sobrepeso, obesidade; déficit de estatura para a idade); desempenho escolar; amamentação (práticas e percepções); morbidades (diabetes, desordens metabólicas, anemia, diarreia, infecções respiratórias, parasitoses); acesso aos alimentos (preço, local de compra); saúde bucal (cárie); saúde mental; condições de saneamento; gênero; violações de direitos humanos; violência doméstica, entre outros (Quadros 1, 2 e 3).

As conclusões/considerações finais dos estudos possibilitaram identificar 17 focos temáticos para a compreensão da situação de IAN nos diferentes continentes. Foram comuns nos estudos de abordagem qualitativa (Quadro 1) e quantitativa (Quadros 2 e 3) os seguintes focos temáticos: sistemas alimentares, pobreza e condições de renda, ambiente social e ambiente alimentar e consumo alimentar.

Os estudos com abordagem quantitativa longitudinal e transversal trouxeram maior diversidade de focos temáticos. Os estudos com abordagem quantitativa longitudinal contribuíram para a compreensão da situação de IAN em contextos de desastres naturais, destacaram questões de gênero, o desenvolvimento e crescimento infantil (Quadro 2).

Os estudos com abordagem quantitativa transversal trouxeram a situação de IAN entre pessoas como HIV/Aids, em contextos de transição nutricional e sinalizam a importância dos cuidados primários em saúde para a SAN (Quadro 3). Estes estudos apresentaram em comum, informações importantes sobre os grupos mais vulneráveis à IAN (escolares do gênero feminino, refugiados e imigrantes, órfãos e mulheres), questões ligadas ao estado de saúde, a saúde mental, ao estado nutricional, as carências nutricionais, ao consumo alimentar, a amamentação e ao desempenho escolar de crianças e adolescentes (Quadros 2 e 3).

Nas recomendações dos estudos foi possível identificar as estratégias de ação para atuação em SAN, expressas por meio das sugestões de políticas, programas e ações em diferentes cenários (escolas, domicílios e serviços de saúde), com diferentes atores (gestores, profissionais de saúde, professores, cuidadores, pais, movimentos sociais e associações comunitárias), e a necessidade do envolvimento de outros setores como educação e agricultura. Além disso, os estudos recomendaram a realização de mais pesquisas longitudinais, ensaios experimentais e intervenções (Quadros 1, 2 e 3).

Discussão

A compreensão da alimentação na perspectiva da SAN possibilita partir de um marco conceitual mais abrangente, considerar alguns aspectos do processo saúde-doença nos âmbitos coletivo e individual, como, por exemplo, o sistema político-econômico mundial, o reconhecimento da SAN como um direito humano, os serviços de saúde e de educação, o comportamento e os hábitos alimentares22. Em complemento a essa noção também é possível abarcar dimensões analíticas um pouco mais específicas que corroboram para o entendimento da alimentação na perspectiva da SAN, tomando como foco: o direito humano (realização de direitos e justiça social), os aspectos biológicos (aspectos nutricionais, sanitário e sensorial), sociocultural (sistema de valores, relação entre indivíduos e coletivos com a comida), econômico (relações de trabalho estabelecidas no âmbito do sistema alimentar, preço dos alimentos) e ambiental (formas de produção, comercialização e consumo de alimentos)23.

A literatura da área da saúde de modo geral apresenta estudos que abordam algumas dessas dimensões analíticas24-26. No entanto, o foco principal é o aspecto biológico, com predomínio da abordagem quantitativa epidemiológica, sendo necessários estudos qualitativos que possam contribuir para reflexões e proposições ampliadas para o campo da saúde pública, com abordagens que possibilitam a compreensão da alimentação como um direito humano e sua relação com outros direitos fundamentais, como saúde, moradia, educação, trabalho, participação e informação.

Os artigos analisados nesta revisão possibilitaram conhecer os diferentes continentes nos quais foram realizadas pesquisas empíricas sobre a situação de IAN, a diversidade dos cenários urbanos investigados e os aspectos relacionados a essa questão. Apesar dos estudos não tratarem diretamente do DHAA como objeto de investigação ou mesmo tê-lo como caminho principal de discussão, eles elucidaram questões relacionadas à situação de IAN, que permitiram identificar focos de compreensão e estratégias de ação para a atuação em SAN, que visam a garantia e a efetivação do DHAA. Além disso, sinalizaram a conexão entre a SAN e a saúde pública, principalmente, pela diversidade temática extraída dos estudos (Figura 2). No entanto, é uma conexão que ainda necessita ser fortalecida.

Os focos temáticos centraram-se nos aspectos da disponibilidade, do acesso e da produção dos alimentos, além da sua utilização biológica com foco nas doenças associadas à nutrição. Porém, para a compreensão da alimentação como um direito humano é necessário fortalecer focos temáticos como: sistemas alimentares, pobreza e condições de renda, ambiente social e ambiente alimentar, grupos mais vulneráveis à IAN, gênero, estado de saúde, saúde mental, amamentação, desempenho escolar, cuidados primários em saúde, cultura alimentar, produção regional e local dos alimentos. Visando fortalecer a importante relação do DHAA com os outros direitos sociais, fundamentais: a saúde, a educação, a moradia, o trabalho e o lazer.

Os direitos humanos são um conjunto de direitos universais, indivisíveis, inalienáveis, interdependentes e inter-relacionados que todo ser humano possui ao nascer27. Assim, quando existe a violação de um direito, muito provavelmente há a violação concomitante de outros28. Os direitos humanos são metas desejáveis e fins que devem ser perseguidos. No entanto, entre os problemas que os envolvem, destacam-se a necessidade de protegê-los mais do que justifica-los enquanto norma jurídica e o seu enfrentamento como um problema político29.

A alimentação é um direito que está relacionado a outros direitos humanos, como a saúde (nutrição), a vida (fome, desnutrição), a água (preparo, higiene e consumo), a moradia (espaço para cozinhar; e que no caso de aluguel, pode concorrer com a falta de renda para a aquisição de alimentos), a educação (conhecimento sobre alimentação), o trabalho e a seguridade social (obter alimentos ou ter benefícios de transferência de renda), a participação (cidadania e engajamento político, participação nas ações governamentais), a informação (escolha para consumo), o trabalho infantil (estratégia utilizada para comprar alimentos em situação de escassez) e a privação de liberdade (prisão)4.

No ano de 2004 a ONU lançou as Diretrizes Voluntárias em apoio à realização progressiva do direito à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional, que representaram a primeira iniciativa de governos em interpretar um direito econômico, social e cultural e apoiar a sua efetivação enquanto um direito humano fundamental. A partir disso, inicia-se o incentivo ao reconhecimento e a criação de garantias (jurídicas, programáticas, orçamentárias e democráticas) para a efetivação do DHAA no âmbito nacional dos países21. O que requer um caminho considerável de disputas, lutas e conquistas políticas entre Estado e sociedade. No âmbito da produção científica, o incentivo de investigação do tema da SAN a partir desse período pode ter ocorrido, visto que os anos de maiores publicações ocorreram a partir de 2009. Pode-se perscrutar que isso tenha ocorrido para a realização de pesquisas que trouxessem o diagnóstico da situação de IAN nos países.

Ao discutir os estudos analisados, é importante considerar as diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais existentes em cada país, por conta da influência que isso tem nas concepções locais do que é IAN e na criação das garantias para a efetivação do DHAA. Contudo, alguns princípios são fundantes para a garantia e a efetivação desse direito, como a participação social, a prestação de contas e a transparência, a não-discriminação em favor da inclusão, o respeito à dignidade humana, a delegação de poder/responsabilidade e a existência efetiva de um Estado de direito30. A partir dos estudos analisados observou-se que tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento a alimentação ainda carece ser efetivada como um direito humano que visa à dignidade e a justiça social para todas as pessoas.

Nos cenários urbanos, os imigrantes, refugiados, mulheres e crianças são grupos de pessoas mais vulneráveis à IAN e os direitos humanos fundamentais como à saúde, a educação, o trabalho e a moradia quando não garantidos atingem diretamente o DHAA. Neste sentido, não há como ignorar que as interações e práticas locais refletem os contextos mais globais, revelando as relações de poder nas questões que dizem respeito à vida ou que ameaçam o tecido social31,32. Assim, a situação de IAN descortina, por exemplo, a desigualdade de gênero quando o tema é a alimentação.

Nos países em desenvolvimento, a situação socioeconômica da população é um aspecto importante que deve ser considerado na concretização do DHAA, pois ainda que haja expansão, crescimento e desenvolvimento da economia e certa melhora nos indicadores sociais, as desigualdades sociais e econômicas, étnico-raciais, de gênero e de acesso e disponibilidade aos alimentos permanecem como problemas estruturais a serem enfrentados2,33,34.

A pobreza continua sendo uma das principais causas para mortalidade prematura no cenário contemporâneo e tem contribuído para doenças e agravos que se expressam no comprometimento das condições de saúde35 e alimentação da população36. O ato de se alimentar se desenvolve e envolve regras sociais, ambiente, trajetória individual e valores de grupos (pertencimento). Na sociedade contemporânea, vive-se um paradoxo da oferta abundante de alimentos ricos em açúcar, sal e gordura e da intensa publicidade de opções alimentares convenientes, por um lado; e das mensagens da nutrição por uma alimentação saudável e a busca constante por um corpo fitness, por outro lado, que geram conflitos nas escolhas e no consumo alimentar9,37.

A disponibilidade, o acesso, o consumo e a utilização biológica dos alimentos são alguns dos elementos que compõem a situação de SAN. Tanto no nível domiciliar, quanto individual, a IAN se revela como um processo progressivo, gerenciado por meio de táticas presentes nos âmbitos domiciliar e individual22. Deste modo, conhecer a situação de IAN da população (diagnóstico), monitorar e avaliar as políticas públicas e ações existentes (monitoramento e avaliação), formar atores para atuar como conhecedores do DHAA (formação de atores) e implementar ações de advocacia para o acompanhamento dos orçamentos públicos investidos na realização deste direito (advocacia) parecem ser estratégias cruciais para a efetivação do DHAA no âmbito local3,34. Além de ações conjuntas intersetoriais entre o setor saúde e setores como saneamento, agricultura e abastecimento, educação, habitação e comunicação, que visem à promoção da saúde38.

Os estudos mostraram que os atores envolvidos no processo progressivo de realização do DHAA vão desde os titulares de obrigações (Estado e seus agentes), os titulares de responsabilidades (associações da sociedade civil organizada e movimentos sociais) até os titulares de direitos (todo ser humano, cidadão). Diante disso, a participação social nos processos de decisão e nas ações dos governos são de suma importância para a proteção dos direitos humanos e para o cumprimento das garantias orçamentárias dos Estados na implementação das políticas públicas que visam à efetivação desses direitos39.

No cenário contemporâneo, os direitos humanos estão ameaçados, principalmente, no caso de crianças e adolescentes que dependem de pais, familiares, cuidadores ou responsáveis para manterem sua existência. Tal cenário compromete o crescimento e o desenvolvimento deste grupo para alcançarem a sua vida adulta40, colocando em disputa a existência de gerações futuras.

Considerações finais

Esta revisão integrativa da literatura possibilitou conhecer a multidimensionalidade dos aspectos relacionados à alimentação na perspectiva da SAN, a partir de focos temáticos para a compreensão da alimentação como um direito humano e das diferentes estratégias de ação. Dentre os focos temáticos se destacam: sistemas alimentares, pobreza e condições de renda, ambiente social e ambiente alimentar, consumo alimentar, HIV/AIDS, saúde mental, estado nutricional, carências nutricionais, amamentação e desempenho escolar. Das estratégias de ação para a efetivação do DHAA foram recomendadas: políticas, programas e ações em diferentes cenários (domicílios, serviços de saúde e escolas), com diferentes atores (gestores, profissionais de saúde, professores, cuidadores, pais, movimentos sociais e associações comunitárias) e a necessidade do envolvimento de outros setores como educação e agricultura, ou seja, ações intersetoriais.

Em síntese os estudos analisados mostram a importância dos cuidados primários em saúde para a efetivação do DHAA no setor saúde, destacam questões de gênero e apontam os grupos mais vulneráveis à IAN. Elucidam a complexidade do problema abordado e reforçaram o pressuposto de que existem poucos estudos que investigam e discutem a alimentação como um direito humano, além de poucos estudos com abordagem qualitativa.

A efetivação do DHAA tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento está em disputa enquanto via de concretização de justiça social e garantia das gerações futuras. Diante disso, a produção científica da área da saúde que se dedicou à análise empírica da SAN em diferentes cenários urbanos com crianças e adolescentes parece se orientar por um caminho que direciona e dá mais ênfase aos aspectos biológicos. O que tende a localizar as discussões numa argumentação pouco fecunda para a compreensão e disputa da alimentação como um direito humano.

Embora este estudo tenha investido esforços na análise e compreensão dos artigos que abordam contextos urbanos e não tenha incluído artigos com investigação em cenários rurais, comunidades tradicionais de pescadores, quilombolas e indígenas e com populações adultas, reconhece-se a importância dessa investigação para a SAN e o DHAA. A análise desses artigos possibilitaria maior discussão dos aspectos ligados à reforma agrária, a regulação fundiária e o reconhecimento dos territórios para maior autonomia dos povos.

Adicionalmente, reconhece-se que a produção científica analisada colaborou para o diagnóstico da SAN nos diferentes países, inclusive no Brasil. No entanto, há um importante caminho a ser percorrido para a compreensão da alimentação como um direito e há insuficiência de estudos que investigam e discutam o DHAA.

Sugere-se que futuras pesquisas e publicações da área da saúde, particularmente, do campo da saúde pública (que supostamente teria um compromisso com a agenda dos direitos humanos fundamentais), avancem na ampliação da noção da alimentação como um direito humano, buscando promover mudanças nos rumos do debate da SAN com enfoques e estratégias voltadas para o enfrentamento das questões políticas, econômicas e sociais inerentes a essa temática.

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