versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.3 São Paulo set. 2019 Epub 10-Out-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190199
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, sendo a doença cardíaca coronariana a principal etiologia, e que em 2016 representou 31% das mortes globais.1 O infarto do miocárdio ocorre usualmente devido a alterações na parede arterial ou oclusão trombótica de um vaso coronariano causada pela ruptura de uma placa vulnerável.1,2 A instabilidade na placa aterosclerótica é consequência do estresse oxidativo local e sistêmico que, consequentemente, ocasiona a ativação plaquetária e formação de trombos na circulação.3 A função principal das plaquetas é a participação no mecanismo homeostático, parar a perda de sangue após um trauma tecidual, mas sob condições oxidativas estão associadas a várias doenças cardiovasculares como hipertensão, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, diabetes e aterosclerose.3
Estudos prévios demonstraram a relevância na redução de eventos cardiovasculares em pacientes com doença arterial coronariana com o uso de aspirina.4-7 Portanto, está bem demonstrada a importância da antiagregação plaquetária nas síndromes coronarianas agudas e crônicas.
Em artigo nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Dracoulakis et al.,8 relataram a constatação em sua pesquisa da alta variabilidade residual em resposta à aspirina em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supra de ST, em comparação nas fases aguda e tardia, correlacionando com os testes laboratoriais de avaliação da agregação plaquetária e a variação dos marcadores inflamatórios (proteína C reativa e interleucina-6). Neste estudo, os autores demonstraram diferenças estatisticamente significativas quanto a resposta à aspirina durante as fases aguda e tardia da coronariopatia aguda.
O estresse oxidativo representa um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio (lipoproteínas oxidadas de baixa densidade (oxLDLs)) e a subunidade catalítica da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH) oxidase (NOX2), entre outros e o sistema antioxidante celular (ascorbato/a-tocoferol, glutationa, glutationa peroxidase, heme oxigenase 1, superóxido dismutase 1 e 2 - SOD1 e SOD2, e catalase, entre outros), contribuindo para o desenvolvimento da aterosclerose que eventualmente leva à trombose, principal causa de infartos miocárdicos e acidentes vasculares cerebrais.1,9-12 As espécies reativas de oxigênio de plaquetas são geradas principalmente pela redução da NOX2.3,9 O NOX2 é uma isoforma da NADPH oxidase expressa em plaquetas e um importante regulador da trombose associada à ativação plaquetária.3 Portanto, o NOX2 tem um papel proeminente, como demonstrado pelos efeitos antiplaquetários causados pela inibição da atividade do NOX2, resultando em prejuízo na produção de O2 plaquetário, menor mobilização de cálcio, ativação de GP IIb/IIIa e geralmente inibição da agregação plaquetária.9 Há um aumento nos níveis plasmáticos de P-selectina e sCD40L associado ao aumento da atividade de NOX2, oxLDL desencadeando a formação de células espumosas e seu acúmulo nas placas ateroscleróticas, o que favorece a ativação plaquetária. Portanto, as LDL oxidam as plaquetas, com ativação dessas vias de receptores específicos de oxLDL, ambos os efeitos são mediados pela ativação de NOX2.13 Entretanto, existem vias enzimáticas e não enzimáticas complexas envolvidas na formação de espécies reativas de oxigênio pelas células, como demonstrado por Eduardo Fuentes et al.,1 A deficiência genética da enzima está associada a doença granulomatosa crônica (DGC) que é muito rara e se caracteriza pela ausência de NOX2 (DGC ligada ao X) ou, mais raramente, pela falta de subunidades citosólicas, como p47phox.9 Os achados foram corroborados pela descoberta do NOX2 na superfície plaquetária e pela demonstração da presença de leucócitos. Assim, o NOX2 plaquetário é essencial para a produção de espécies reativas de oxidantes. Consequentemente, as plaquetas de pacientes com deficiência hereditária de NOX2 não só mostraram redução de F2-isoprostanos, mas também de aumento na geração de óxido nítrico (ON).10 Além disso, o NOX2 é importante para a agregação plaquetária porque o O2- é rapidamente dismutado para H2O2.10 Animais tratados com apocinina, que dificulta a translocação p47phox para NOX2, revelaram redução da formação de H2O2 plaquetária e trombose relacionada à idade.10 Mais recentemente tem sido estudada a relevância do H2O2 como desencadeador de ativação plaquetária e trombose, e o papel da glutationa peroxidase (GPx), outra enzima que destrói H2O2. Já em animais com superexpressão de GPx1, a ativação plaquetária e a trombose plaquetária mostraram-se significativamente inibidos.10 Esses dados indicam que o NOX2 desempenha um papel importante na ativação plaquetária através de diferentes mecanismos: formação de F2-isoprostanos, inibição do ON e produção de H2O2.10
Pacientes com artérias coronárias ateroscleróticas têm uma maior reatividade plaquetária, que pode em parte resultar em um risco aumentado de infarto do miocárdio peri-procedimento de angioplastia. Aproximadamente um terço dos pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, mesmo com implante de stent coronário, desenvolvem um fenômeno de “no reflow” que está associado ao aumento da atividade plaquetária ou inibição plaquetária inadequada no momento do infarto miocárdico.1 Portanto, o estresse oxidativo pode estar associado ao aumento da agregação plaquetária devido à diminuição da resposta à terapia antiplaquetária.1
Múltiplas vias contribuem para a ativação e agregação plaquetária, refletindo como elementos independentes, a tromboxane A2 (TXA2), o difosfato de adenosina (ADP) e a trombina ativada.13 Estas representam alvos da modulação terapêutica como inibidores da ciclooxigenase-1, inibidores P2Y12, receptores ativados por protease (PAR)-1, inibidores e determinantes da variabilidade interindividual na resposta a drogas.14
As plaquetas são heterogêneas no volume e na densidade plaquetária, variáveis biológicas que determinam a função plaquetária, desempenhando papel importante no desenvolvimento do trombo intravascular. Plaquetas grandes são metabolicamente e enzimaticamente mais ativas do que plaquetas pequenas, o que se reflete no aumento do volume plaquetário médio (VPM).15 No estudo de Hilal Bektas et al.,16 o valor de VPM acima de 10,4 é um preditor de aterosclerose grave com sensibilidade de 39% e especificidade de 90% (curva ROC: 0,631; IC95%: 0,549-0,708; p = 0,003) e pode ser usado como preditor de risco cardíaco em pacientes com coronariopatia. Outra via inclui biossíntese diminuída ou inativação de ON e/ou formação aumentada de isoprostanos, o que pode representar um objetivo no desenvolvimento futuro de drogas antiplaquetárias.17
A terapia antiplaquetária é importante na prevenção do infarto do miocárdio, e apesar de sua eficácia comprovada nas fases aguda e crônica, ainda há uma alta taxa de recorrência de eventos isquêmicos em pacientes com doença arterial coronariana.1,17 A resistência à aspirina pode estar presente em 5% a 75% dos pacientes.1 Hovens et al.,18 demonstraram em uma revisão sistemática a alta variabilidade na resposta individual à aspirina em diferentes populações. Existem métodos laboratoriais, como VerifyNow (VFN), agregometria de sangue total (AST) e analisador da função plaquetária (PFA-100) que podem avaliar essa variabilidade plaquetária.19-21 O estresse oxidativo pode estar associado ao aumento da agregação devido à diminuição da resposta ao antiagregante plaquetário. No entanto, a razão para essa alta variabilidade plaquetária ainda não está clara, apesar do uso rotineiro de aspirina, e da contribuição relativa de NOX2 como alvo-chave de diferentes vias de ativação plaquetária no tratamento da doença coronariana aguda e crônica. Portanto, antioxidantes específicos podem representar uma nova abordagem para limitar as complicações vasculares relacionadas às plaquetas, devido a presença de NOX2.