versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.4 São Paulo jul./ago. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.05.015
A síndrome da resistência das vias aéreas superiores (SRVAS) foi descrita pela primeira vez em 1982 em crianças e adultos como "excessiva sonolência diurna". Tais indivíduos, na época, foram classificados como portadores de uma "hipersonia idiopática".1-3 Observou-se que uma parcela dos pacientes dividia características polissonográficas em comum, normalmente ignoradas nas análises de sono da época, como o aumento progressivo do esforço respiratório (representado pelo registro da pressão esofágica), que culminava com um despertar breve, percebido por uma mudança no padrão do eletroencefalograma (EEG).3 Esse evento respiratório não preenchia os critérios de apneia e/ou hipopneia, mas determinava uma excessiva fragmentação do sono e, consequentemente, sonolência diurna. Foi então sugerido que um aumento da resistência das vias aéreas superiores (VAS) fosse o responsável por estes eventos, introduzindo o termo SRVAS na comunidade médica.
Pacientes com síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS) possuem um alto grau de colapsabilidade da VAS. Dentre as diversas teorias, acredita-se que tal entidade pode ser explicada pela disfunção de receptores aferentes na faringe,4 disfunção não encontrada em pacientes com SRVAS.5 Alguns autores sugeriram que pacientes com SRVAS têm pequenas dificuldades respiratórias, como colapso de válvula nasal, hipertrofia de cornetos inferiores e desvios de septo.6,7 Mostrou-se também que a mudança do tamanho da VAS durante um evento respiratório nos pacientes com SRVAS produz uma resposta melhor e mais rápida quando comparada aos pacientes com SAOS.8 Resposta que pode ser um reflexo que leva a uma ativação subcortical e é evidenciada no eletroencefalograma.
Pacientes que apresentam SAOS e SRVAS apresentam queixas semelhantes como cansaço e sonolência diurna. No entanto, pacientes com SRVAS não preenchem os critérios diagnósticos para SAOS,1 afinal, não possuem um número significativo de apneias e/ou hipopneias (IAH < 5) associado à dessaturação da oxi-hemoglobina. Estes pacientes apresentam, durante o sono, um elevado e progressivo aumento da resistência ao fluxo aéreo durante a inspiração. Resistência que não é suficiente para causar uma alteração significativa no fluxo de ar como na SAOS, mas é suficiente para causar despertares breves e recorrentes que fragmentam o sono, levando a fadiga e sonolência diurna. Apesar da superposição das síndromes, existem diferenças bem importantes quanto à frequência na apresentação de insônias, períodos de vigília durante a noite e dificuldade em iniciar o sono ou voltar dormir, queixas comuns em pacientes com SRVAS.9
A maioria dos estudos que avaliam a VAS nos distúrbios respiratórios relacionados ao sono (DRRS) é realizada em pacientes com SAOS em população clínica. Não há na literatura relatos sobre o exame físico cérvico-orofacial em indivíduos com SRVAS. O objetivo deste trabalho foi comparar o exame físico cérvico-orofacial, por meio de uma avaliação sistemática do esqueleto facial, boca, faringe e nariz, entre voluntários com SRVAS e voluntários sem DRRS, em uma amostra populacional representativa da cidade de São Paulo, no intuito de identificar características preditivas da SRVAS.
Foram incluídos 1.042 voluntários aleatoriamente selecionados, de modo a representar a população adulta da cidade de São Paulo de acordo com o gênero, idade (20 a 80 anos) e classe socioeconômica. Tal amostragem baseou-se nos dados atualizados da população, segundos estimativas da Fundação SEADE, a partir do censo demográfico de 2000. O protocolo fez parte do projeto maior realizado em 2007 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do centro universitário (CEP 0591/09) e registrado no Clinicaltrials.gov (NCT00596713).
Todos os procedimentos estatísticos foram realizados com o programa SPSS versão 17.0 para o Windows. O teste Qui-quadrado (x2) com distribuição bimodal foi utilizado como medida de associação para comparar as frequências entre os grupos. Um modelo de regressão logística, utilizando-se do método de Backward Wald para inserção das variáveis no modelo, também foi aplicado para identificar os principais preditores da SRVAS. Para a interpretação dos resultados, foram adotados valores de significância iguais ou menores que 5% (p < 0,05).
O estagiamento do sono foi realizado de acordo com os critérios propostos por Rechtschtaffen e Kales.10 Os despertares e os movimentos periódicos de pernas foram estagiados seguindo os critérios propostos pela Academia Americana de Medicina do Sono, em 2007.10,11 Os eventos respiratórios foram analisados de acordo com as seguintes definições:
Apneias (regra recomendada): redução ≥ 90% da amplitude do fluxo aéreo nasal, com duração ≥ 10 seg.
Hipopneias (regra alternativa): redução ≥ 50 da amplitude, com duração ≥ 10 seg., associada à queda da SpO2 ≥ 3% e/ou ao despertar do EEG.
Limitação do fluxo aéreo: razão entre o tempo total de limitação do fluxo aéreo pelo tempo total de sono, expressa em porcentagem. Foram considerados indivíduos com limitação do fluxo aéreo, na polissonografia, aqueles que tiveram o resultado desta razão menor que a mediana de todos os voluntários avaliados.
A avaliação otorrinolaringológica foi realizada por seis médicos otorrinolaringologistas previamente treinados e familiarizados com a rotina deste exame, imediatamente antes da preparação da polissonografia. Realizamos investigação de queixas nasais, exame físico da VAS e do esqueleto facial. O inquérito sobre as queixas nasais abordou: presença de obstrução nasal; ressecamento nasal e/ou orofaríngeo; respiração oral; e utilização de descongestionante oral ou tópico no momento. As queixas foram consideradas presentes quando ocorreram quase todos os dias ou todos os dias.
O exame físico consistiu em inspeção sistemática da face, oroscopia e rinoscopia anterior. Também foi calculado o índice de massa corpórea (IMC) dos indivíduos pela fórmula: peso (Kg)/altura2 (m2), além das medidas da circunferência cervical (fita métrica na altura da membrana cricotireoídea e medida em cm). O estado nutricional foi classificado da seguinte forma: eutrófico (IMC < 25 kg/m2), sobrepeso (IMC ≥ 25 kg/m2 e < 30 kg/m2) e obeso (IMC ≥ 30 kg/m2).
A circunferência cervical foi considerada alterada quando maior que 43 cm nos homens ou maior que 38 cm nas mulheres.
A avaliação do esqueleto facial, por inspeção, foi realizada através da criação de uma linha virtual que passava pelo bordo externo do lábio inferior perpendicularmente ao chão até o mento, com o indivíduo sentado em posição horizontal de Frankfort. Quando a proeminência anterior do mento estava a uma distância maior que 2 mm para trás em relação à linha traçada, o indivíduo foi considerado como tendo sinal sugestivo de retrognatismo mandibular.
Em relação às estruturas ósseas da cavidade oral, avaliamos a presença de palato duro ogival e o tipo de oclusão dentária. A oclusão dentária classe II de Angle corresponde à presença da mandíbula posteriorizada em relação à maxila, sendo sugestiva de retrognatia. Quanto aos tecidos moles da cavidade oral e orofaringe, foi avaliado o volume da língua, o palato mole, a úvula, o tamanho das tonsilas palatinas e o índice de Mallampati modificado. A língua foi considerada volumosa quando demarcada por dentes, indicando alteração entre conteúdo (língua) e continente (cavidade oral).
O palato mole foi considerado posteriorizado quando se encontrava próximo da parede posterior da orofaringe; web quando apresentava baixa inserção do pilar posterior amigdaliano na úvula; e espesso quando apresentava aspecto edemaciado. Os pilares amigdalianos foram considerados medianizados quando se encontravam próximos à linha média da orofaringe. A úvula foi considerada longa quando estava próxima à base da língua e espessa quando apresentava aspecto edemaciado.
O índice de Mallampati modificado foi realizado como proposto por Friedmann e colaboradores,12 com o paciente sentado em máxima abertura de boca, com a língua relaxada posicionada dentro da cavidade oral. Os indivíduos foram classificados em quatro graus: grau I (visualiza-se bem toda a orofaringe, incluindo o palato mole, os pilares amigdalianos, as tonsilas palatinas e a ponta da úvula), grau II (visualiza-se o polo superior das tonsilas palatinas e a úvula), grau III (visualiza-se parte do palato mole e da úvula) e grau IV (visualiza-se apenas o palato duro e parte do palato mole). As tonsilas palatinas12,13 foram classificaas em: grau I (intravélicas), grau II (extensão além do pilar amigdaliano anterior), grau III (extensão até três quartos da linha média) e grau IV (obstruem completamente a orofaringe). Para os indivíduos amigdalectomizados, a nomenclatura utilizada foi A0. Consideramos como hipertrofia não obstrutiva das amígdalas palatinas os graus I e II, e obstrutiva os graus III e IV.
Através da rinoscopia anterior foi avaliada a presença de possíveis desvios do septo nasal (DS) e hipertrofia das conchas nasais inferiores (HCI). Os DS foram classificados em grau I (desvio não toca a concha nasal inferior), grau II (desvio toca a concha nasal inferior) e grau III (desvio toca a parede lateral, comprimindo a concha nasal inferior). A HCI foi classificada em presente ou ausente. O nariz foi considerado obstrutivo ou "alterado" quando apresentou:
Desvio de septo grau II ou III; ou
Desvio de septo grau I - queixa de obstrução nasal ou hipertrofia de conchas nasais inferiores; ou
Hipertrofia de conchas nasais inferiores - queixa de obstrução nasal.
A orofaringe foi considerada desfavorável13,14 quando apresentou, no mínimo, três variáveis de:
Tonsilas palatinas grau III ou IV;
Úvula anormal (longa e/ou espessa);
Palato anormal (posterior e/ou espesso);
Palato web;
Pilares medianizados.
O esqueleto facial foi considerado desfavorável quando apresentou, no mínimo, uma entre as seguintes características: oclusão dentária classe II, retrognatia e palato duro ogival.
Este protocolo de avaliação das VAS na SAOS tem sido utilizado e atualizado pelo Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade do presente estudo, para redação de teses, artigos, treinamento de residentes, aulas para graduação, cursos e congressos.
Foram incluídos no grupo de SRVAS os voluntários que apresentaram os seguintes critérios:
IAH < 5 eventos/hora;
Saturação da oxi-hemoglobina > 90% durante o sono;
Índice de despertar > 15 eventos/hora;
Limitação do fluxo aéreo > 6%;
Quadro clínico positivo: ESE > 10 e/ou escala de fadiga > 4.
Foram incluídos no grupo controle os voluntários que apresentaram os seguintes critérios:
IAH < 5 eventos/hora;
Saturação da oxi-hemoglobina > 90% durante todo o sono;
Índice de despertar < 10 eventos/hora;
Limitação do fluxo aéreo < 6%;
Quadro clínico negativo: ESSE < 10 e/ou escala de fadiga < 4.
Durante o projeto EPISONO 2007, avaliamos 1.042 voluntários. O total de 49 indivíduos (5%) foi excluído por não terem realizado avaliação otorrinolaringológica. Entre os 993 indivíduos que realizaram a avaliação otorrinolaringológica (95,30%), excluímos 381 (36%) que apresentaram IAH > 5 eventos/hora e 131 (13%) que apresentaram saturação da oxi-hemoglobina < 90%. Entre os 481 voluntários restantes (46%), foram avaliados 30 (3%) que preenchiam os critérios estabelecidos para a definição de SRVAS e 53 (5%) que preenchiam os critérios do grupo controle (fig. 1).
Figura 1 Fluxograma do Projeto Episono 2007 com exclusão gradativa dos participantes até restarem apenas participantes que preenchessem critérios de inclusão.
A tabela 1 apresenta a comparação das características antropométricas e sociodemográficas dos grupos controle e SRVAS. As mulheres representaram 59% do grupo controle e 66,7% do grupo com SRVAS (p < 0,46). O grupo SRVAS apresentou menor quantidade de indivíduos na faixa etária de 20 a 29 anos (41,5% vs. 6,7%) e menor quantidade na faixa etária entre 60 a 80 anos (3,8% vs. 13,3%).
Tabela 1 Frequência (%) de voluntários nos grupos controle e SRVAS, de acordo com as características antropométricas e sociodemográficas
Controle (n = 53) | SRVAS (n = 30) | p | |
Gênero | 0,462 | ||
Mulheres | 58,5 | 66,7 | |
Homens | 41,5 | 33,3 | |
Faixas etárias (anos) | 0,011 | ||
20-29 | 41,5 | 6,7 | |
30-39 | 26,4 | 30,0 | |
40-49 | 18,9 | 33,3 | |
50-59 | 9,4 | 16,7 | |
60-80 | 3,8 | 13,3 | |
Sobrepeso (IMC > 25 kg/m 2 ) | 3,8 | 10,0 | 0,262 |
Obesidade (IMC > 30 kg/m 2 ) | 0,0 | 6,7 | 0,059 |
Classe econômica | |||
Alta | 15,1 | 30,0 | |
Média | 75,5 | 60,0 | |
Baixa | 9,4 | 10,0 |
SRVAS, síndrome da resistência das vias aéreas superiores; IMC, índice de massa corpórea.
Não foram observadas diferenças estatísticas entre os grupos controle e SRVAS quando avaliados os hábitos e comportamentos: consumo de cafeína, álcool, tabagismo, drogas ilícitas, remédios para dormir e sedentarismo (tabela 2). Quando avaliamos os sintomas do sono, observamos que o grupo SRVAS apresentou maior frequência de indivíduos com insônia (queixas: 45,3% vs. 50%; DSM-IV: 5,7% vs. 23,3%), queixas de acordar durante a noite por dor de cabeça (3,8% vs. 30%), fadiga e sonolência diurna (ESSE > 9: 0% vs. 53,3%). A tabela 3 apresenta a comparação do exame físico sistemático do esqueleto facial, nariz, boca e faringe realizada nos grupos controle e SRVAS. Na avaliação clínica dos sintomas nasais, o grupo SRVAS apresentou mais ressecamento orofaríngeo (17% vs. 29,6%; p = 0,025); desvio de septo graus 1 a 3 (49,1% vs. 57,7%; p = 0,016). Embora estatisticamente não significativo (p = 0,057), observamos que o grupo SRVAS apresentou maior frequência de indivíduos com alterações otorrinolaringológicas de nariz (41,5% vs. 63%).
Tabela 2 Frequência (%) de voluntários nos grupos controle e SRVAS, de acordo com sintomas do sono
Controle (n = 53) | SRVAS (n = 30) | p | |
Sintomas do sono | |||
Parassonias | 15,1 | 30,0 | 0,106 |
Insônia | 0,025 | ||
Queixas | 45,3 | 50,0 | |
DSM-IV | 5,7 | 23,3 | |
Acordar com dor de cabeça | 3,8 | 30,0 | 0,001 |
Bruxismo | 5,7 | 16,7 | 0,103 |
SRVAS, síndrome da resistência das vias aéreas superiores.
Teste Qui-quadrado (x2) p < 0,05.
Tabela 3 Frequência (%) de voluntários nos grupos controle e SRVAS, de acordo com o exame físico sistemático do esqueleto facial, nariz, boca e faringe
SRVAS, síndrome da resistência das vias aéreas superiores.
Teste Qui-quadrado (x2) p < 0,05.
No modelo de regressão logística (tabela 4) observamos que os indivíduos do grupo SRVAS apresentaram uma razão de chance 15,6 vezes maior de apresentarem nariz alterado; 11,2 vezes maior de serem hipertensos e 7,6 vezes maior de se queixarem de ressecamento orofaríngeo, quando comparados ao grupo controle.
Tabela 4 Modelo de regressão logística dos preditores da SRVAS
B | S.E. | p | RC | IC 95% | |
Idade | 0,09 | 0,03 | 0,007 | 1,1 | 1,0-1,2 |
Hipertensão | 2,41 | 0,81 | 0,003 | 11,2 | 2,3-54,4 |
Nariz alterado | 2,75 | 0,86 | 0,001 | 15,6 | 2,9-84,0 |
Ressecamento orofaríngeo | 2,03 | 0,82 | 0,013 | 7,6 | 1,5-37,5 |
Rinopatia | -1,85 | 0,79 | 0,019 | 0,2 | 0,0-0,7 |
Constante | -6,56 | 1,71 | 0 | 0,0 |
SRVAS, síndrome da resistência das vias aéreas superiores.
Teste Regressão logística com método Backward Wald.
Variáveis excluídas: gênero, IMC, palato web, palato posterior, palato espesso, palato duro ogival, micrognatia, pilares medianizados, amígdala graus 2 e 3, úvula, língua volumosa, Mallampati grau 3 e 4, IAH.
Este trabalho comparou as características sociodemográficas, os sintomas clínicos relacionados ao sono e o exame físico de voluntários com SRVAS e de voluntários sem DRRS em uma amostra populacional da cidade de São Paulo. Utilizando uma avaliação sistemática do esqueleto facial, nariz, boca e faringe, encontramos importantes diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos e em diversas variáveis medidas, principalmente aquelas relacionadas ao nariz.
Na avaliação dos desvios do septo nasal, no exame físico, observamos que os indivíduos com SRVAS apresentaram uma frequência aumentada de algum tipo de desvio de septo em comparação ao grupo controle. Na avaliação da hipertrofia dos cornetos encontramos uma tendência (p = 0,08) para maior frequência de ocorrência no grupo SRVAS quando comparado ao do grupo controle. Sabemos que os desvios septais não são os únicos responsáveis pela obstrução nasal, e sim um conjunto de alterações, como hipertrofia das conchas nasais inferiores, disfunções de válvula nasal e outros. Por este motivo, criamos uma variável que considerasse estas duas variáveis ao mesmo tempo, e a chamamos de "nariz alterado".
A variável "nariz alterado", já utilizada em outros trabalhos,14 avalia em conjunto os três graus de desvios septais possíveis e sua relação com as conchas nasais inferiores, hipertróficas ou não, com o intuito de determinar se o nariz em questão apresenta obstrução ao fluxo aéreo. Esta variável foi criada para separar um nariz normal de um nariz com alterações significativas de fluxo aéreo nasal durante uma avaliação típica de um médico otorrinolaringologista em um consultório. A grande crítica à variável é que esta classificação é uma avaliação subjetiva da patência nasal, podendo variar entre diferentes médicos. A rinometria acústica, por outro lado, faz uma avaliação objetiva da patência nasal, mas não é um método muito utilizado na rotina clínica. Entretanto, no dia a dia, os médicos otorrinolaringologistas utilizam a queixa clínica de obstrução nasal e o exame físico do nariz para auxiliá-los a diagnosticar uma obstrução nasal, que são os mesmos parâmetros utilizados neste trabalho.
Na avaliação dos dois grupos estudados, os voluntários do grupo SRVAS apresentaram uma frequência estatisticamente aumentada de apresentar "nariz alterado", em comparação ao grupo controle; ou seja, podemos afirmar que os voluntários com SRVAS têm mais obstrução nasal, observada durante o exame físico, que os voluntários sem DRRS.
Sabemos que não são apenas alterações de exame físico que determinam se um paciente tem ou não obstrução nasal. Esses achados devem sempre ser correlacionados a sintomas clínicos. No nosso estudo, o grupo com SRVAS apresentou um número maior de queixas de ressecamento orofaríngeo, indicativo de respiração oral durante o sono, quando comparado ao grupo controle. Por outro lado, em relação à queixa clínica de obstrução nasal, não encontramos uma diferença estatisticamente significante entre os dois grupos, mas encontramos uma tendência maior desse tipo de queixa no grupo com SRVAS (p < 0,11).
A avaliação da boca e orofaringe dos voluntários avaliados no nosso estudo mostrou dados compatíveis com os disponíveis na literatura, ou seja, pequena prevalência de micrognatia, palato duro ogival, hipertrofia amigdaliana e língua volumosa nos indivíduos com SRVAS. Estas alterações são mais frequentemente observadas em pacientes com SAOS e não estão associadas com pacientes com SRVAS. Neste aspecto, podemos dizer que os indivíduos com SRVAS se assemelham aos indivíduos sem DRRS.
A investigação da variável orofaringe alterada, no nosso estudo, mostrou que ambos os grupos avaliados apresentaram pequena prevalência de portadores dessa alteração. Essa variável, à semelhança da variável nariz alterado, agrupa um conjunto de dados obtidos durante o exame físico da orofaringe, com o intuito de separar uma orofaringe considerada normal de uma com uma série de alterações que podem estar relacionadas aos DRRS. Muitos autores acreditam que as alterações na orofaringe estão mais relacionadas com a SAOS de que com a SRVAS.
Em relação às demais variáveis medidas neste trabalho, encontramos resultados semelhantes aos já descritos na literatura. Não encontramos diferenças quanto ao sexo e distribuição socioeconômica quando comparamos os dois grupos. Apesar da tendência de maior porcentagem de indivíduos obesos no grupo SRVAS (p = 0,06), observamos um número muito pequeno de voluntários com IMC > 30, sendo estes resultados compatíveis com características clássicas de pacientes com SRVAS que, em geral, não apresentam obesidade. Na investigação dos sintomas clínicos relacionados ao sono, encontramos resultados compatíveis com características já bem estabelecidas na literatura da SRVAS, ou seja, frequência aumentada de queixas de insônia e cefaleia durante a noite no grupo com SRVAS.
O evento respiratório característico da SRVAS é o despertar associado a esforço respiratório, ou RERA (Respiratory Effort Related Arousal). Tem-se um aumento da resistência da VAS determinando um aumento progressivo da pressão negativa inspiratória, com concomitante diminuição do fluxo aéreo oronasal, sem apneia/hipopneia e dessaturação de oxi-hemoglobina, seguida de um despertar, com queda imediata da resistência da VAS.2 O método padrão ouro para a detecção do RERA é a medida da pressão esofágica, captada por um balão esofágico, que mostra um aumento progressivo da pressão negativa intratorácica que termina com um despertar cortical.1 Este método, que por ser invasivo e desconfortável, dificulta o início ou a manutenção do sono, e por isso não é amplamente utilizado em polissonagrafias basais, trabalhos encontrados na literatura e, por isso, também não foi utilizado por nós, determinando uma limitação do nosso estudo.
No entanto, apesar de controverso, alguns autores determinaram que a eficiência do transdutor de pressão nasal acoplado à cânula nasal, associado ou não a um termistor, pode ter resultado similar ao de um cateter esofágico na identificação do aumento do esforço respiratório e limitação de fluxo aéreo, sendo este método mais confortável e menos invasivo.15-17
Além da limitação do estudo ao uso de balão esofágico, a interpretação e avaliação por um médico pode sugestionar bias. Na tentativa de sistematizar o exame e as classificações a serem utilizadas diminuindo o viés, apenas otorrinolaringologistas foram recrutados para realizar o exame físico dos pacientes e, ainda, limitou-se o número de médicos que iriam avaliar os pacientes (n = 6). Ademais, previamente à avaliação dos pacientes, os profissionais foram treinados e familiarizados com as todas classificações usadas.
Os critérios de definição da SRVAS ainda são controversos na literatura mundial. A falta de um consenso entre pesquisadores gera grande dificuldade na realização de estudos envolvendo pacientes com SRVAS e, consequentemente, enfraquecem o avanço no conhecimento sobre esta doença. Apesar disso, nosso estudo, utilizando um critério bem definido de SRVAS, envolveu uma avaliação otorrinolaringológica realizada em uma amostra populacional representativa de uma das mais importantes metrópoles do mundo. Acreditamos, portanto, a partir dos resultados apresentados, que a SRVAS é uma doença multifatorial com risco aumentado de comorbidades associadas, mas o nariz tem um papel fundamental na fisiopalogia da doença e deve ser sempre muito bem avaliado em um paciente diagnosticado com SRVAS.
A avaliação sistemática do esqueleto facial, boca, faringe e nariz entre voluntários com SRVAS e voluntários sem DRRS, pelo exame físico cérvico-orofacial em uma amostra populacional representativa da cidade de São Paulo, mostrou que a presença de SRVAS está principalmente associada a alterações nasais e ressecamento orofaríngeo, além do risco de hipertensão arterial, independentemente do gênero e da obesidade.