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Alterações auditivas e vestibulares na Esclerose Sistêmica: revisão de literatura

Alterações auditivas e vestibulares na Esclerose Sistêmica: revisão de literatura

Autores:

Maysa Bastos Rabelo,
Corona Ana Paula

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.26 no.5 São Paulo set./out. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20140201475

INTRODUÇÃO

A Esclerose Sistêmica (ES), também conhecida como escleroderma sistêmico, é uma doença inflamatória autoimune do tecido conjuntivo, caracterizada por fibrose da pele, dos vasos sanguíneos e órgãos viscerais(1). É uma doença rara com incidência entre quatro a 12 indivíduos a cada 1.000.000 habitantes/ano. O seu aparecimento é mais comum entre 30 e 50 anos, sendo, pelo menos, três vezes mais frequente em mulheres, com maior risco para aquelas em idade fértil(2,3). O predomínio da doença no sexo feminino sugere influência dos hormônios sexuais no desenvolvimento da ES. Apesar de ser conhecida desde o século XVIII e ser reconhecida como patologia multissistêmica desde o século XIX, a sua etiologia é desconhecida e a sua patogênese não é totalmente esclarecida(2). Vários agentes químicos (cloridrato de vinil e benzeno), drogas (bleomicina e síndrome do óleo tóxico) ou afecções virais já foram descritos como fatores precipitantes para o desenvolvimento da ES. A ocorrência da doença em outros membros da família é rara(4).

Essa doença é progressiva, podendo levar a óbito, e é caracterizada clinicamente por espessamento da pele e comprometimento dos órgãos viscerais, incluindo o trato gastrointestinal, os pulmões, o coração e os rins. A fibrose e a oclusão vascular ocorrem em todos os órgãos afetados na ES. Devido à oclusão vascular, há redução do lúmen das artérias e capilares e, consequentemente, ocorre hipertensão pulmonar isolada, diminuição da rede capilar (com obstrução de alguns vasos e dilatação de outros, formando as telangiectasias), hipertensão arterial por diminuição do lúmen da artéria renal, distúrbio de perfusão miocárdio e fenômeno de Raynaud(4).

Pacientes com diagnóstico de ES são classificados em dois subgrupos, de acordo com a extensão do comprometimento cutâneo(5): ES difusa, onde há o comprometimento da pele, do tronco e dos membros, face e pescoço, e ES limitada, em que não há lesões no tronco e somente as partes distais até os joelhos e cotovelos são acometidas, além da face e pescoço. A síndrome de CREST (cancinose, Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasia) é uma forma da ES limitada(4).

Em geral, a doença tem início insidioso e as manifestações cutâneas são acompanhadas ou precedidas pelo fenômeno de Raynaud e dedos edematosos(6,7). Em decorrência do acometimento de múltiplos órgãos, a doença pode limitar o convívio do indivíduo e dificultar as relações sociais, comprometendo, assim, a qualidade de vida. Estudo realizado em 2012 revela que 21 a 55% dos pacientes, com aproximadamente dez anos de início da doença, estavam fora do mercado de trabalho devido às suas limitações físicas(8). A literatura tem revelado também a presença de sintomas e alterações auditivas e vestibulares em doenças autoimunes, como a ES. Entretanto, os estudos que investigam estas alterações na ES são escassos e a compreensão da fisiopatologia desses achados ainda é obscura. Ao considerar que a audição possibilita a interação e convívio social, deve-se destacar a necessidade de investigar a integridade desta função, a fim de intervir e minimizar, quando possível, os prejuízos decorrentes de alterações auditivas e vestibulares. Além disso, não foram localizadas publicações sobre o tema no Brasil. A síntese de informações sobre o comprometimento auditivo e vestibular em pacientes com ES pode contribuir para o conhecimento de lacunas a respeito do tema e fornecer subsídios para a prática clínica dos profissionais que atuam junto a esses pacientes e, assim, colaborar para melhoria da qualidade de vida de indivíduos com ES.

OBJETIVO

Realizar uma revisão sistemática da literatura a fim de descrever e verificar a prevalência das alterações auditivas e vestibulares em indivíduos com ES, bem como elencar as hipóteses formuladas para explicar essas alterações.

ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Para o desenvolvimento deste estudo, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, sem meta-análise, de estudos que investigaram as alterações auditivas e vestibulares em pacientes com ES. A partir da consulta as bases de dados eletrônicas PubMed, LILACS, Isi Web of Science, SciELO e SCOPUS, foram obtidos os artigos publicados até dezembro de 2011, através das combinações das seguintes palavras-chave contidas nos resumos: "systemic sclerosis AND balance ORvestibular" e "systemic sclerosis ANDhearing OR auditory". Essas palavras-chave foram selecionadas a partir da consulta ao DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e ao MESH (Medical Subject Headings). Entretanto, também foram utilizados termos livres baseando-se na leitura de artigos que tratavam do tema a ser pesquisado.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Foram incluídos no estudo artigos originais de pesquisa que investigaram as alterações auditivas e vestibulares em pacientes com ES publicados em Português, Espanhol ou Inglês. Todos os artigos de revisão de literatura, cartas e editoriais foram excluídos do estudo. Após a leitura dos títulos e resumos destes, foram pré-selecionados 15 artigos que abordavam o tema de investigação e atendiam aos critérios de inclusão definidos para o estudo. Dos 15 artigos, cinco não estavam disponíveis na rede BIREME e, desta forma, dez artigos foram incluídos no estudo (Figura 1).

Figura 1 Consulta às bases de dados e seleção de artigos 

ANÁLISE DOS DADOS

Para cada artigo selecionado, foi realizada a descrição do delineamento do estudo através de um roteiro que incluiu local, período de publicação, desenho/base de estudo e população. Em seguida, foram descritas as características e a frequência das alterações auditivas e vestibulares identificadas em indivíduos com ES. Após, apresentou-se as hipóteses descritas nos estudos selecionados para explicar a fisiopatologia das alterações auditivas e vestibulares na ES.

RESULTADOS

A partir da consulta às bases de dados eletrônicas, foram localizados 254 artigos. Entretanto, somente dez foram selecionados para serem revisados. O motivo de exclusão mais frequente foi a investigação do diagnóstico, tratamento, fisiopatologia e outras manifestações da ES que não incluem alterações auditivas e vestibulares (39%), seguido dos estudos que abordavam outras patologias (28%), aqueles em que o tipo de estudo não satisfazia aos critérios de inclusão (16%) ou o idioma (9%) e os que não foram localizados na íntegra (2%).

O estudo mais antigo identificado foi conduzido em 1980, onde foram relatados dez casos de pacientes com diagnóstico de ES que desenvolveram lesão de nervos cranianos(9) (Quadro 1). A partir de 2006, observa-se maior número de publicações na Europa e, no Brasil, não foram identificados estudos que investigassem o comprometimento auditivo e vestibular na ES. Observa-se que, em quatro décadas, considerando o ano do primeiro artigo identificado nesta revisão, houve um número reduzido de estudos conduzidos com o intuito de investigar alterações auditivas e vestibulares em indivíduos com ES. Acredita-se que a raridade da doença e o diagnóstico tardio comprometam o desenvolvimento de estudos para a investigação da audição e do equilíbrio nestes indivíduos. Além disso, devemos considerar que a evolução, sintomas, limitações e prognóstico da doença direcionam a atenção e o cuidado dos profissionais que atuam com esses pacientes para as funções e habilidades essenciais para a manutenção da vida dos mesmos. Entretanto, deve-se ressaltar que a integridade da audição e do equilíbrio permitem a socialização e autonomia desses pacientes e, assim, contribuem para o bem-estar e qualidade de vida.

Quadro 1 Caracterização dos estudos que investigaram as alterações auditivas e vestibulares em pacientes com Esclerose Sistêmica 

Autor, ano Local do estudo Desenho do estudo População/amostra Variáveis analisadas
Santarelli et al.(5) Itália Relato de caso Paciente com ES e neuropatia auditiva, sexo feminino, 16 anos ES, percepção da fala e eletrofisiologia da audição
Teasdall et al.(9) Estados Unidos Relato de casos Dez casos de pacientes com ES que têm lesão de nervos cranianos ES e nervos cranianos
Berrettini et al.(10) Itália Transversal 37 pacientes com ES da Unidade de Reumatologia da Universidade de Pisa com idade entre 42 e 69 anos ES, alterações auditivas e vestibulares
Kastanioudakis et al.(11) Grécia Transversal Grupo caso: 30 pacientes com ES, divididos por faixa etária (A: 18 a 39 anos; B: 40 a 54 anos; C: 55 a 64 anos e D: >64 anos); 17 tinham ES limitada e 13 difusa; Grupo comparação: 45 pacientes com história de PA PA, tipo da ES, manifestações sistêmicas da doença, tratamento medicamentoso e avaliação imunológica
Amor-Dorado et al.(12) Espanha Transversal Grupo caso: 42 indivíduos com ES (35 com ES limitada e sete com ES difusa), do serviço de Reumatologia do Hospital Xeral-Calde; Grupo comparação: 74 indivíduos selecionados da população geral de Lugo ES e alterações vestibulares
Maciaszczyk et al.(13) Polônia Transversal Grupo caso: 20 indivíduos com ES (13 com ES limitada, seis com ES difusa e um com Síndrome CRESET, sem esclerose); Grupo comparação: 26 indivíduos Prevalência de alterações auditivas, fenômeno de Raynaud, duração, tipo e severidade da ES
Bassyouni et al.(14) Egito Transversal Grupo caso: 30 pacientes do sexo feminino com ES, do Departamento de Reumatologia e Reabilitação da Universidade de Medicina do Cairo; Grupo comparação: 29 indivíduos voluntários saudáveis do sexo feminino Tipo e duração da ES, disfunção vestibular e idade dos indivíduos
Abou-Taleb e Linthicum(15) Estados Unidos Relato de caso Paciente do sexo feminino, 51 anos, com ES generalizada ES e PA
Deroee et al.(16) Estados Unidos Relato de caso Paciente do sexo masculino, 65 anos, com diagnóstico de ES ES e PA
Amor-Dorado et al.(17) Espanha Caso-controle Grupo caso: 35 pacientes com ES limitada, do Serviço de Reumatologia do Hospital Xeral-Calde; Grupo controle: 59 indivíduos selecionados da população geral de Lugo ES, queixa de PA, vertigem, tontura, desequilíbrio e avaliação audiológica, vestibular e oculográfica

Legenda: ES = Esclerose Sistêmica; PA = perda auditiva; CRESET = calcinose, fenômeno de Raynaud, hipomotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasia

O desenho de estudo mais utilizado com o intuito de descrever as alterações auditivas e vestibulares em indivíduos com ES foi o transversal, observado em cinco estudos(10-14), seguido de quatro relatos de caso(6,9,15,16) e um caso-controle(17). Em virtude de os estudos do tipo transversal retratarem achados de um único momento e não permitirem a determinação de uma sequência temporal entre exposição a um determinado fator e o subsequente desenvolvimento da doença, acredita-se que esse tipo de estudo não seja o mais apropriado e indicado para a investigação da audição e do equilíbrio de indivíduos com ES, pois é possível que, no momento de avaliação, as alterações auditivas e vestibulares ainda não tenham se manifestado, além de não haver como garantir que a ES é anterior ao desenvolvimento da perda auditiva ou das alterações em nível vestibular. Desta forma, e considerando a característica de progressão da ES, sugere-se a realização de estudos de acompanhamento para se estabelecer uma sequência temporal entre a doença e o aparecimento ou agravamento de alterações auditivas e vestibulares em indivíduos com ES.

A maior amostra de casos foi verificada no estudo de Amor-Dorado et al.(12), do qual participaram 42 indivíduos com ES, e a menor, no estudo de Maciaszczyk et al.(13), do qual participaram 20 pessoas com diagnóstico de ES. Acredita-se que o número reduzido das amostras deve-se ao fato de a ES ser uma doença rara, progressiva, com diversas manifestações incapacitantes e que culmina no óbito devido a sua severidade.

Amor-Dorado et al.(12,17) e Maciaszczyk et al.(13) diferenciaram a população estudada quanto à forma de acometimento da doença (limitada ou difusa), porém apenas no estudo de Amor-Dorado et al.(12) os resultados foram apresentados considerando o tipo da doença, sendo encontrada maior prevalência de alterações do sistema vestibular em indivíduos com a forma difusa (Quadros 1 e 2). Considerando que o grau das manifestações sistêmicas está diretamente relacionado com a forma de apresentação da doença (limitada ou difusa), hipotetiza-se que as alterações auditivas e vestibulares também apresentem essas variações, o que ressalta a importância de distinguir a população de estudo de acordo com a forma de acometimento da doença.

Quadro 2 Sintomas e achados auditivas e vestibulares na Esclerose Sistêmica 

Autor, ano Sintomas Alterações auditivas e vestibulares
Santarelli et al.(5) Início insidioso dos sintomas auditivos, com aumento progressivo da dificuldade de entender a fala Limiares auditivos levemente elevados após um ano de início da doença e pioras significativas depois de dois anos; timpanometria normal e ausência de reflexos acústicos bilateral; inteligibilidade de fala ausente bilateral; EOA-PD presentes em altas frequências e ausentes nas frequências baixas após dois anos do início da doença; avaliação vestibular normal; após o implante coclear, 70% de reconhecimento de fala
Teasdall et al.(9) Dos dez pacientes, três apresentaram zumbido PA bilateral em dois dos dez pacientes
Berrettini et al.(10) Dos 37 pacientes, 11 queixavam-se de PA ou zumbido; quatro de distúrbios vestibulares e oito de distúrbios auditivos e vestibulares PASN em dez e PA mista em quatro casos; PA unilateral em um caso; nos pacientes com PA mista, os achados da imitanciometria indicam timpanosclerose; dois apresentaram nistagmo de posicionamento, um déficit vestibular unilateral e outro déficit bilateral após estimulação calórica
Kastanioudakis et al.(11) Não relatados Seis tinham PASN e um, PA mista; destes, um pertencia ao grupo A, um ao grupo B, quatro ao grupo C e um ao grupo D; 10% destes tinham patologia da tuba auditiva bilateral; audiometria vocal compatível com desordem coclear e a timpanometria sem alterações
Amor-Dorado et al.(12) Não relatados Sete tiveram diagnóstico de VPPB; dois pacientes com ES limitada tinham envolvimento do canal semicircular posterior; três com ES limitada e dois com ES difusa apresentaram comprometimento do canal semicircular horizontal; alterações nos testes de integração sensorial presente em 20 pacientes
Maciaszczyk et al.(13) Dos 20 pacientes, 60% relataram vertigem, 55% dores de cabeça, 50% zumbido, 40% hiperacusia, 40% perda de audição e 30% plenitude auricular Oito tinham PASN, todos eram mulheres com idade entre 42 e 77 anos; dois tinham PASN unilateral; grau leve em três e moderado no restante. Cinco tiveram reflexos acústicos presentes, um teve ausência e dois com ausência nas frequências de 2 ou 4 kHz; PEATE sem alterações
Bassyouni et al.(14) Não relatados Disfunção vestibular em 33% da amostra; não foi observada relação entre comprometimento vestibular com a idade, duração e outros parâmetros clínicos da doença
Abou-Taleb e Linthicum(15) Perda auditiva progressiva PA mista bilateral; discriminação de fala de 68% na orelha direita e 78% na esquerda
Deroee et al.(16) Perda auditiva súbita bilateral, mais acentuada à esquerda PASN em altas frequências na orelha direita e PA severa na orelha esquerda; discriminação de fala de 100% à direita e 0% à esquerda; timpanometria normal bilateral; após um mês de tratamento para ES, melhora da PA e neuropatia, e aumento da discriminação de fala para 68% na orelha esquerda
Amor-Dorado et al.(17) Dos 35 pacientes, 19 (54%) relataram PA PA em 27 pacientes, sendo 24 PASNs (11 assimétricas e 13 simétricas) e três PAs mistas; 13 de configuração plana e 14 com perda em altas frequências; dois tinham PA unilateral; dois tinham ausência de reflexo acústico bilateral e 11, unilateral; dez apresentaram resposta oculocefálica anormal e nove, nistagmo posicional; alteração na prova calórica e nos testes clínicos de integração sensorial foi encontrada em 31 e 46% dos pacientes, respectivamente

Legenda: PA = perda auditiva; PASN = perda auditiva sensorioneural; EOA-PD = emissões otoacústicas produtos de distorção; VPPB: vertigem postural paroxística benigna; ES: Esclerose Sistêmica; PEATE = potencial evocado auditivo do tronco encefálico

Apenas os estudos de Berrettini et al.(10) e Amor-Dorado et al.(17) investigaram o envolvimento auditivo e vestibular em pacientes com ES. Em contrapartida, seis estudos tiveram como objetivo avaliar ou relatar somente as alterações auditivas nesses pacientes(6,9,11,13,15,16) e dois(12,14) buscaram investigar apenas as disfunções vestibulares (Quadro 1).

Verifica-se que os sintomas de perda auditiva, zumbido e vertigem foram os relatados com maior frequência por indivíduos com ES. Quanto à presença de alterações, a perda auditiva foi o achado mais comum entre os estudos (Quadro 2). Entretanto, deve-se considerar que, dos dez estudos incluídos, seis analisaram exclusivamente as alterações auditivas. Dos oito artigos que investigaram essas alterações, todos identificaram a perda auditiva na maioria dos indivíduos com ES e a prevalência desse achado variou de 20 a 77%. O tipo da perda auditiva na maioria dos casos foi sensorioneural bilateral(6,9,10,11,13,16,17) e esse achado corrobora a fisiopatologia da doença sistêmica. Entretanto, houve também a descrição da perda auditiva do tipo mista(11,15,17) e unilateral(13,17) em uma minoria de casos.

A configuração e o grau da perda auditiva foram variáveis pouco exploradas nos estudos, porém são informações de extrema importância, uma vez que irão direcionar o processo de reabilitação auditiva desses indivíduos e, portanto, devem ser consideradas na condução de novos estudos. Amor-Dorado et al.(17) descreveram em seus achados a configuração plana em 13 indivíduos e perda nas frequências agudas em 14, em um total de 27 pacientes com perda auditiva sensorioneural (PASN). Deroee et al.(16) verificaram, no caso relatado, perda auditiva em altas frequências em uma das orelhas e grau severo na outra. No estudo de Maciaszczyk et al.(13), a maioria dos indivíduos do grupo caso apresentou perda auditiva de grau moderado (Quadro 2).

Quanto às alterações vestibulares, a prevalência variou de 11 a 63%, sendo os achados mais frequentes as alterações na prova calórica, nistagmo de posicionamento, resposta oculocefálica anormal, alterações nos testes clínicos de integração sensorial e vertigem postural paroxística benigna(6,10,12,17). A presença de alterações vestibulares merece atenção dos profissionais que atuam junto a esses pacientes, pois implicam em alterações do equilíbrio, as quais, somadas às alterações da locomoção, características da doença, podem ser incapacitantes e comprometer a autonomia de indivíduos com ES.

Os estudos analisados têm buscado elucidar a frequência e a magnitude das alterações auditivas e vestibulares, através de avaliações dos sistemas periféricos e central. A avaliação audiológica básica (audiometria tonal, audiometria vocal e imitanciometria) foi o método de avaliação mais utilizado para identificar essas alterações em indivíduos com ES(6,10,11,13,15,17). Contudo, o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) e a avaliação vestibular também foram instrumentos utilizados para a investigação diagnóstica(6,10,13,17). A maior prevalência das alterações auditivas periféricas pode ser reflexo do instrumento de avaliação utilizado nos estudos. Assim, é necessário que novos estudos sejam conduzidos com o intuito de investigar a presença de alterações auditivas em nível central, bem como das alterações do equilíbrio em indivíduos com ES.

Em relação à plausibilidade biológica das alterações auditivas em indivíduos com ES, apenas um estudo sugeriu possíveis mecanismos. Segundo Deroee et al.(16), o prejuízo da audição em pacientes com ES afeta primeiramente as altas frequências e os pacientes podem não estar cientes de sua perda auditiva devido à gravidade de outras manifestações da doença. Esses autores sugerem que a inflamação de pequenos vasos do nervo coclear e a diminuição do fluxo de sangue para a cóclea talvez seja o início da patogênese da orelha interna nas doenças autoimunes.

O acometimento da orelha interna, em especial da cóclea, pode ser consequência de uma alteração vascular, uma vez que essa alteração é a base da fisiopatologia da ES. A estrutura irregular dos vasos sanguíneos associada à densidade reduzida dos capilares pode resultar na diminuição do fluxo sanguíneo e, consequentemente, em hipóxia tecidual(16). A cóclea é um órgão altamente sensível a alterações sanguíneas e a hipóxia resultante das alterações vasculares da doença pode culminar na morte de células ciliadas(18). Clinicamente, essas alterações se expressam com a perda auditiva sensorioneural, corroborando os achados dos estudos que indicam maior prevalência da perda auditiva desse tipo.

A literatura descreve também a perda auditiva do tipo mista nesses indivíduos, porém ainda não foram relatados mecanismos biológicos que explicassem esse acometimento na ES. Entretanto, estudos mostram a ocorrência de perda auditiva condutiva em outras doenças autoimunes, como a policondrite recidivante, atribuindo essa alteração à expansão do processo inflamatório ao ouvido médio e à tuba auditiva(19). Em um dos artigos revisados, os autores(11) identificaram a presença de patologia da tuba auditiva em três dos 30 pacientes avaliados. Essa alteração pode explicar a presença do componente condutivo na perda auditiva em pacientes com ES. Como a fisiopatologia da ES envolve, além das lesões vasculares, alterações teciduais e articulares, acredita-se também na possibilidade de envolvimento da orelha média, em decorrência do comprometimento mecânico das estruturas que compõem o sistema tímpano-ossicular, levando a uma alteração na condução sonora.

A fisiopatologia das alterações vestibulares não foi discutida em nenhum dos artigos incluídos neste estudo. Porém, ressalta-se a importância de investigar de que forma ocorre esse acometimento, a fim de intervir de forma precoce quando possível, e contribuir para a melhora na qualidade de vida dos indivíduos que apresentam disfunções nesse sistema, uma vez que estas podem potencializar as limitações de locomoção do individuo com ES.

As alterações auditivas e vestibulares, quando somadas às manifestações decorrentes da doença, podem levar a prejuízos ainda mais significativos na socialização desses indivíduos. Portanto, o conhecimento acerca dessas alterações pode contribuir para indicar a necessidade de incluir a avaliação do sistema auditivo periférico e central no protocolo de diagnóstico e acompanhamento dessas pessoas, visando à detecção dessas alterações e adoção de procedimentos de reabilitação ou medicamentosos precoces e efetivos que possam reduzir o prejuízo na qualidade de vida do sujeito.

CONCLUSÃO

Os resultados dos estudos analisados indicam comprometimento auditivo e vestibular em pacientes com ES e observa-se maior prevalência de perda auditiva sensorioneural bilateral. A configuração e o grau da perda auditiva foram variáveis abordadas em poucos estudos e os resultados são incongruentes.

Os sintomas auditivos podem preceder as manifestações da doença autoimune e, portanto, podem auxiliar no diagnóstico precoce, quando houver a suspeita da presença da ES. O diagnóstico precoce e a compreensão da fisiopatologia das alterações auditivas e vestibulares decorrentes da ES são fundamentais para que se estabeleçam as medidas necessárias para a prevenção e reabilitação destas, quando possível.

Sugere-se que novas investigações sejam conduzidas com o intuito de esclarecer a relação da configuração e o grau da perda auditiva com a severidade e a forma de apresentação da doença (limitada ou difusa), contribuindo, assim, para esclarecer se a progressão e a forma da doença influenciam no grau das manifestações auditivas e vestibulares.

A análise dos artigos selecionados para esta revisão indica a importância da padronização da mensuração dos desfechos dos estudos para que seja possível a realização de futuras meta-análises que contribuirão para práticas baseadas em evidências. Além disso, deve-se ressaltar a necessidade de estudos que investiguem a fisiopatologia da alteração auditiva e vestibular em indivíduos com ES.

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