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Alterações histopatológicas na glândula parótida após insuficiência da glândula submandibular: estudo experimental em animais

Alterações histopatológicas na glândula parótida após insuficiência da glândula submandibular: estudo experimental em animais

Autores:

Yavuz Sultan Selim Yıldırım,
Irfan Kaygusuz,
Ibrahim Hanifi Ozercan,
Hasan Cetiner,
Oner Sakallioglu,
Abdulvahap Akyigit,
Sertac Duzer

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.4 São Paulo jul./ago. 2019 Epub 29-Ago-2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.03.013

Introdução

Três pares de glândulas salivares maiores estão localizados na cavidade oral: as glândulas sublinguais, sob a língua, as glândulas submandibulares, sob o assoalho da boca, e as glândulas parótidas no aspecto posterior da boca no espaço retromandibular.1

As grandes glândulas salivares estão expostas a vários fatores que levam à perda de função. Alguns desses fatores, como injeção de toxina botulínica, excisão da glândula e transferência de glândulas, têm propósitos terapêuticos.2-4 Cálculos de glândulas salivares, radioterapia aplicada na região da cabeça e pescoço e trauma na glândula salivar causam disfunções significativas.5-7 Na falta de um estudo que avalie o efeito da disfunção de qualquer glândula salivar (ou glândulas salivares) nas outras glândulas salivares, nosso objetivo foi avaliar as alterações histopatológicas na glândula parótida em um modelo animal de função comprometida da glândula submandibular em coelhos.

Método

Desenho e animais do estudo

Este estudo foi feito em 21 coelhas fêmeas da raça Nova Zelândia (2.500-3.000 g) no Centro de Pesquisa Experimental da Universidade de Firat, após aprovação do Conselho de Ética da Faculdade de Medicina (Número do Documento: 142563/14).

Os animais foram divididos aleatoriamente em três grupos, com sete coelhas em cada grupo:

  • Grupo I: As glândulas submandibulares unilaterais foram ressecadas e as glândulas parótidas bilaterais foram removidas 30 dias depois para exame histopatológico.

  • Grupo II: As glândulas submandibulares bilaterais foram ressecadas e as glândulas parótidas bilaterais foram removidas 30 dias depois para exame histopatológico.

  • Grupo III (grupo controle): Nenhuma intervenção cirúrgica foi feita nas glândulas submandibulares e as glândulas parótidas bilaterais foram removidas para exame histopatológico.

Procedimento cirúrgico

O mesmo procedimento cirúrgico foi feito em todos os coelhos dos Grupos I e II. Os animais foram anestesiados com 10 mg/kg de cloridrato de xilazina (Rompun®; Bayer AG, Alemanha) e 50 mg/kg de cloridrato de quetamina (Ketalar®; Eczacibasi Ilac, Turquia). Uma incisão horizontal de 3 cm de comprimento foi criada 1 cm abaixo do corpo da mandíbula. As glândulas submandibulares foram alcançadas após a pele e os retalhos subcutâneos serem elevados (fig. 1). As glândulas submandibulares unilaterais e bilaterais foram excisadas dos animais nos Grupos I e II, respectivamente. Tratamento profilático com 20-40 mg/kg de cefazolina sódica (Sefazol Flk®; Mustafa Nevzat, Turquia) foi administrado um hora antes e uma hora após a cirurgia. Todos os animais foram acompanhados por 30 dias após o procedimento cirúrgico.

Figura 1 Excisão da glândula submandibular. 

Os coelhos foram novamente anestesiados com 10 mg/kg de cloridrato de xilazina e 50 mg/kg de cloridrato de quetamina no 30° dia do pós-operatório. Uma incisão de aproximadamente 3 cm de comprimento foi feita na região da glândula parótida. A glândula parótida foi exposta descolando-se a pele e o tecido subcutâneo e, em seguida, excisada. O mesmo procedimento cirúrgico foi feito na glândula parótida contralateral.

Preparação das amostras

As glândulas parótidas foram fixadas em glutaraldeído a 10% por quatro a seis horas. Os espécimes fixos foram desidratados gradualmente em etanol após ser mantidos em tetróxido de ósmio a 1% por 30 minutos e então colocados em resina Epon. Usaram-se micrótomos com lâmina de vidro Ultratome III (Shandan Finesse, Inglaterra) para obter secções de 1,5 µm de espessura. As secções foram coradas com hematoxilina e eosina e analisadas com magnificação de 40x, 100x, 200x e 1000x, com um microscópio óptico (Olympus, BX51, Japão).

Avaliação das amostras

O acúmulo de muco nas células acinares, a dilatação do lúmen nos dutos intercalados, o acúmulo de muco no lúmen dos dutos intercalados, o acúmulo de grânulos citoplasmáticos e a contagem de células mioepiteliais foram avaliados com uma lente graticulada (um micrômetro ocular com 100 quadrados iguais que mediam 1 × 1 mm cada) montado em um microscópio óptico Olympus.

Quatro secções foram coletadas de cada coelho. Dentro de cada secção, quatro áreas distintas foram examinadas com quatro ampliações (40x, 100x, 200x e 1000x) e classificadas da seguinte forma: nenhum = 0, leve = 1, intermediário = 2 e grave = 3. O escore médio foi calculado com o uso das quatro áreas examinadas de todas as quatro seções de cada coelho.

Análise estatística

Um banco de dados foi criado com os dados histopatológicos, que foram analisados estatisticamente pelo programa SPSS 11.5 (SPSS Inc, ABD). Valores de p < 0,05 foram estabelecidos como estatisticamente significantes. As variáveis apresentaram distribuição não normal, pois cada grupo foi composto por sete coelhas e o número total de coelhas foi de 21; assim, testes não paramétricos foram usados nas análises estatísticas. O teste U de Mann-Whitney foi usado para comparar os grupos.

Resultados

O acúmulo médio de muco nas células acinares foi de 2,57 ± 0,53 no Grupo 1 e de 1,71 ± 0,75 no Grupo 2 (p < 0,05). Esse valor foi de 0,57 ± 0,53 no Grupo 3, significantemente menor do que nos Grupos 1 e 2 (p < 0,05). A dilatação média do lúmen dos dutos intercalados foi de 1,28 ± 0,48 no Grupo 1 e de 1,57 ± 0,53 no Grupo 2 (p > 0,05). Esse valor foi de 0,28 ± 0,48 no Grupo 3, significantemente menor do que nos Grupos 1 e 2 (p < 0,05). O acúmulo médio de muco no lúmen dos dutos intercalados foi 2,00 ± 0,81 no Grupo 2 e 1,00 ± 0,57 no Grupo 3 (p < 0,05). Esse valor foi de 1,42 ± 0,53 no Grupo 1, o qual não foi significantemente diferente do acúmulo de muco nos dutos intercalados em nenhum dos outros dois grupos. Não houve diferenças significantes entre os grupos em termos de acúmulo de grânulos citoplasmáticos ou número de células mioepiteliais (tabela 1).

Tabela 1 Médias e desvios-padrão dos dados dos grupos experimentais (Grupos I-II) e do grupo controle (Grupo III) 

Grupo I Grupo II Grupo III
Acúmulo de muco nas células acinares 2,57 ± 0,53 1,71 ± 0,75 0,57 ± 0,53
Acúmulo de muco no lúmen dos dutos intercalados 1,42 ± 0,53 2,00 ± 0,81 1,00 ± 0,57
Acúmulo de grânulos citoplasmáticos 1,71 ± 0,48 1,28 ± 0,75 1,28 ± 0,95
Dilatação no lúmen dos dutos intercalados 1,28 ± 0,48 1,57 ± 0,53 0,28 ± 0,48
Contagem das células mioepiteliais 1,71 ± 0,75 1,71 ± 0,75 1,85 ± 0,69

Discussão

As secreções são produzidas nas glândulas salivares por estruturas compostas de células mucosas e serosas chamadas ácinos. Cada ácino abre-se em um duto intercalado, que por sua vez drena em um duto estriado. Células mioepiteliais são encontradas nas lâminas basais do epitélio próximo ao ácino e na lâmina basal do epitélio do canal. Os ácinos e os dutos intercalados são circundados por células mioepiteliais.8,9 A glândula parótida é composta de células acinares serosas que contêm grânulos translúcidos intensos intracitoplasmáticos que produzem uma secreção puramente serosa.10

Alterações na estrutura histológica da glândula parótida são observadas em tumores, condições inflamatórias, doenças sistêmicas e após tratamento com radiação; portanto, a função secretora da glândula se deteriora.11 No presente estudo, a perda da função da glândula submandibular mostrou causar uma dilatação proporcional do lúmen dos dutos intercalados (fig. 2). Semelhantemente ao nosso estudo, a dilatação da luz dos dutos intercalados também é observada na sialolitíase e no consumo excessivo de álcool.12,13 Metaplasia escamosa no epitélio, inflamação crônica intermediária a grave e graus variados de destruição acinar foram relatados em material de biópsia obtido de uma glândula com sialolitíase.12 Esses achados extras na sialolitíase não são apresentados em nosso próprio trabalho, o que provavelmente se deve ao fato de o tempo de estudo ter sido limitado a apenas um mês. Contrariamente ao nosso estudo, o acúmulo de grânulos intracitoplasmáticos é um achado importante do consumo excessivo de álcool.13

Figura 2 (A) Dilatação no lúmen dos dutos intercalados nas células acinares da glândula parótida do grupo de excisão unilateral da glândula submandibular (200 × , microscópio óptico; H&E). (B) Dilatação no lúmen dos dutos intercalados nas células acinares da glândula parótida do grupo de excisão bilateral da glândula submandibular (200 × , microscópio óptico; H&E). , Lúmen do duto intercalado. 

A principal ectasia ductal da glândula salivar é um dos achados histopatológicos da síndrome de Sjögren e doenças infecciosas.14,15 Além isso, fibrose intersticial e alterações metaplásicas são a base dos danos às glândulas causados por radioterapia.16 Embora esses achados não sejam observados em nosso estudo, o acúmulo de muco é outro resultado importante do exame histopatológico. O acúmulo de muco nas células acinares foi maior nos animais com excisão unilateral e bilateral da glândula submandibular em comparação com o grupo controle e houve diferença estatisticamente significante entre os grupos unilateral e bilateral (fig. 3). O acúmulo de muco no lúmen dos dutos intercalados também foi maior nos animais com excisão bilateral da glândula submandibular em comparação com o grupo controle.

Figura 3 (A) Acúmulo de muco nas células acinares da glândula parótida no grupo de excisão unilateral da glândula submandibular (400 × , microscópio óptico, H&E). (B) Acúmulo de muco nas células acinares da glândula parótida do grupo de excisão bilateral da glândula submandibular (400 × , microscópio óptico, H&E). 

Conclusão

A excisão unilateral ou bilateral da glândula submandibular resulta em alterações histopatológicas na glândula parótida após um curto período. Quando as alterações histopatológicas causadas por outras doenças que afetam a glândula salivar são consideradas, a dilatação do lúmen dos dutos intercalados em nosso estudo foi consistente com os achados nas doenças das glândulas salivares relacionadas a processos infecciosos e uso excessivo de álcool. A causa das alterações histopatológicas nas glândulas parótidas após um curto período (um mês) pode ser explicada pelo excesso de funcionamento das glândulas parótidas, pois elas devem compensar a grande carga de trabalho previamente feita pela glândula submandibular.

O presente estudo pode ser considerado um bom modelo para avaliar os efeitos em curto prazo da diminuição da função da glândula submandibular na glândula parótida. No entanto, estudos adicionais são necessários para avaliar os efeitos em longo prazo, como metaplasia e outros.

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