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Alterações maternas e desfecho gravídico-puerperal na ocorrência de óbito materno

Alterações maternas e desfecho gravídico-puerperal na ocorrência de óbito materno

Autores:

Maíra Ribeiro Gomes de Lima,
Amanda Santos Fernandes Coelho,
Ana Karina Marques Salge,
Janaína Valadares Guimarães,
Priscila Sousa Costa,
Tânia Cássia Cintra de Sousa,
Diego Vieira de Mattos,
Maria Augusta Alves Sousa

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.25 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2017 Epub 28-Set-2017

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201700030057

Abstract

Introduction

Maternal mortality represents an event of great magnitude in Brazil and worldwide. The occurrence of maternal death reflects the lack of access to health services and unfavorable socioeconomic conditions.

Objective

To correlate maternal changes and puerperal pregnancy outcome in maternal death.

Methods

Cross-sectional and retrospective study. We used data collected from 53 medical records of pregnant women and postpartum women who died at a Reference State Hospital in high risk gestation in Goiás.

Results

Mortality occurred in women aged 20 to 34 years (76%), single (55%), first pregnancy (38%), from the interior of the State (60%) and 62% had the childbirth at the institution of the study. The main obstetric causes were 55% direct and 24% indirect, being predominant in the puerperal period (83%). The maternal mortality ratio was 228.4. There was a significant association between complications at childbirth and the place of birth (P = 0.001).

Conclusion

The maternal death occurred in single women, of reproductive age, coming from other counties, for direct causes and in the puerperium. It is necessary to improve the access to health services in obstetrics, since most cases are preventable.

Keywords:  maternal mortality; pregnancy complications; cause of death

INTRODUÇÃO

A mortalidade materna representa um evento de grande magnitude no Brasil e no mundo, principalmente em países em desenvolvimento1. A 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) conceitua esse evento como a ocorrência de óbito na gestação ou até 42 dias após o término dela, independentemente da duração ou localização da gravidez2.

O óbito é classificado conforme as causas originárias, podendo ser obstétrica direta ou indireta. A primeira é definida como a ocorrência de óbito por complicações durante a gravidez, parto ou puerpério decorrente de intervenções incorretas, de omissões ou de uma cadeia de eventos resultantes de qualquer uma dessas razões3. Já a causa indireta resulta de doenças prévias à gestação ou que se desenvolveram durante esse período, sendo agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez3.

Em 2000, o Sistema Único de Saúde (SUS) implantou o Programa de Humanização do Parto e Nascimento, visando aprimorar o modelo de acompanhamento do ciclo gravídico-puerperal4. Em 2004, foi determinado como uma das prioridades do SUS o Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal.

A ocorrência de morte materna reflete a falta de acesso aos serviços de saúde e as condições socioeconômicas desfavoráveis1,5. Assim, é relevante monitorar esses índices e considerar o redirecionamento de políticas de saúde, uma vez que o óbito materno é evitável em 92% dos casos1,6. Nesse sentido, entre 1990 a 2015, passou a ser um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com a redução de 3/4 da mortalidade materna7.

As causas de morte materna exibem padrões semelhantes e destacam-se por fatores diretos, como septicemia, distúrbios hemorrágicos e hipertensivos, ocorrências associadas possivelmente a uma falha na atenção profissional e institucional5. Já os fatores indiretos compreendem os óbitos por doenças do aparelho circulatório e infecções respiratórias. De qualquer forma, são eventos que expressam a limitação na prevenção da mortalidade pelo sistema de saúde6.

A Razão da Mortalidade Materna (RMM) possibilita a notificação dos óbitos ocorridos no ciclo grávido-puerperal, um indicador que permite avaliar a qualidade da assistência materna8. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera aceitável o valor abaixo de 20 por 100 mil nascidos vivos (NV)1. Contudo, valores maiores que esse podem representar a baixa qualidade dos serviços de saúde oferecidos à população8.

O Brasil apresentou uma redução das ocorrências de óbito materno, de 141 por 100 mil NV para 68 por 100 mil NV, com uma queda de 52% entre 1990 e 20106. Foram registrados, em 2012, 54 óbitos maternos no Estado de Goiás, com maior frequência por causas diretas (hipertensão e hemorragia) e indiretas (cardiopatias)6.

A dificuldade no acompanhamento quantitativo dos casos é evidenciada pela subinformação, inviabilizando uma mensuração acurada da mortalidade materna9. O registro incompleto da Declaração de Óbito (DO) reflete também na imprecisão dos sistemas de informações de mortalidade10.

No contexto da assistência integral à saúde da mulher no ciclo gravídico-puerperal, é fundamental uma cobertura de pré-natal e assistência local11. A assistência, nesse período, apresentou mudanças significativas com a humanização do parto e os direitos reprodutivos das mulheres, demonstrando a necessidade de aperfeiçoar a assistência obstétrica12.

Dessa forma, a intervenção precoce evita os retardos assistenciais capazes de gerar morbidade, morte materna ou perinatal. Com a interpretação dos dados dos Sistemas de Informação, é possível estabelecer políticas eficazes de assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal. Assim, é preciso um acompanhamento minucioso das ocorrências de óbito materno. Este estudo fundamentou-se na necessidade de conhecer o perfil de mulheres assistidas na instituição, objetivando relacionar as alterações maternas com o desfecho gravídico-puerperal na ocorrência de óbito materno.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, conduzido com dados secundários. O cenário da pesquisa foi um hospital estadual referência em gestação de alto risco no Estado de Goiás.

A população foi composta por 53 gestantes e puérperas que foram a óbito durante a internação na instituição no período de 2010 a 2016. Os critérios de inclusão adotados foram os casos de óbitos maternos por causas obstétricas diretas e indiretas, excluindo os casos de falhas de arquivamentos e erros de registros dos prontuários.

A coleta dos dados foi realizada em quatro meses, de abril a julho de 2016, e foi desenvolvida em duas etapas. Inicialmente, foram analisados os registros dos óbitos maternos ocorridos na instituição no período selecionado, totalizando 59 casos, porém houve quatro perdas por erro de arquivamento dos prontuários e dois casos que não atenderam aos critérios de inclusão. A segunda etapa consistiu na transcrição dos dados extraídos dos prontuários, DO e ficha de investigação de óbito materno no instrumento elaborado para a pesquisa.

O questionário foi estruturado com questões abertas e fechadas, contemplando variáveis maternas sociodemográficas (faixa etária, situação conjugal, escolaridade, ocupação e procedência), obstétricas (paridade, pré-natal, fatores de risco, comorbidades e intercorrências gestacionais) e dados do desfecho gestacional (idade gestacional, via de parto, condições do feto ao nascer, intervenções, complicações no parto e puerpério). Consideraram-se também dados pertinentes ao óbito (causa obstétrica direta e indireta), momento da ocorrência do óbito e informações da internação.

Os dados foram organizados e tabulados utilizando o programa Microsoft Excel® para organização dos resultados, com uso de frequências, médias, percentual e desvio-padrão. Os dados foram exportados para o software Statistical Package for The Social Sciences (SPSS), versão 22, para análise estatística. Foram consideradas estatisticamente significantes as diferenças em que p foi menor que 5% (p<0,05). Para este estudo, utilizaram-se Teste de Qui-quadrado e Teste Exato de Fisher.

Para o cálculo da RMM, obteve-se o número de NV na instituição pelo Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC), utilizando o programa Tabwin, versão 4.13, com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do estabelecimento.

Os autores asseguram a confiabilidade e o sigilo dos dados, conforme as recomendações do Conselho Nacional de Saúde, por meio da Resolução nº 466/2012. O estudo foi submetido via Plataforma Brasil, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Materno-Infantil, com Parecer nº 1.413.648 e CAAE: 50897615.6.0000.5080.

RESULTADOS

As mulheres que foram a óbito durante o ciclo gravídico-puerperal estavam na faixa etária entre 20 a 34 anos (76%), com idade materna de 27 anos ± 6,25 anos, eram solteiras (55%) e viviam em união estável. Além disso, 32 eram do lar e 22 haviam cursado o ensino fundamental (21%). A ocupação e a escolaridade apresentaram grande percentual na opção ignorada, 53% e 58%, respectivamente, expressando dados incompletos nos prontuários.

Em relação à procedência das mulheres assistidas na instituição, 60% eram originárias de outros municípios do Estado de Goiás, 38% residiam em Goiânia e 2% eram de outro Estado.

Considerando as características obstétricas, 32% tiveram parto vaginal em gestações anteriores, 83% não apresentaram aborto prévio e 38% eram primigestas.

A assistência ao pré-natal foi um dos campos mais incompletos, com 62% de ausência nos prontuários. Quando presente, 30% fizeram pré-natal e 8% não fizeram esse acompanhamento. Os fatores de risco evidenciaram que 26% das mulheres eram susceptíveis a uma gestação de alto risco, das quais 8% devido à idade avançada, 12% por causa do uso de drogas lícitas e ilícitas e 6% em virtude de obesidade. Com relação às características maternas e obstétricas, observou-se que, nas condições clínicas preexistentes, houve um predomínio das cardiopatias e de distúrbios endócrinos (15%), que a idade gestacional prevaleceu com prematuridade extrema (27%) e prematuridade moderada (27%) e que, em 42% dos casos, o feto nasceu morto. As síndromes hipertensivas da gravidez ocorreram em 41% dos casos, e, entre as intercorrências pós-parto, a mais frequente foi a infecção puerperal (26%).

A interrupção gestacional ocorreu mais frequentemente em condições de prematuridade extrema e moderada (54%). A idade gestacional ao nascimento foi 29,56 ± 8,05 semanas, porém 13% dos registros não apresentavam essa informação.

A via de parto predominante foi a cesárea (61%). Houve dois casos de aborto (4%) e seis casos que não resultaram em parto (11%), sendo um decorrente de gestação ectópica (2%) e cinco óbitos maternos com fetos mortos intrauterinos (9%). Em 45%, os términos gestacionais ocorreram no centro cirúrgico, e em 17%, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (17%). Dentre estes, 8% das cesáreas foram feitas no leito da UTI após a constatação do óbito materno. A Síndrome Hipertensiva Específica da Gestação foi a principal complicação que resultou em internação em UTI. O local da ocorrência do parto foi maior na instituição do estudo (62%) do que em maternidades externas (38%).

A permanência hospitalar na UTI até a constatação do óbito apresentou uma alternância de 1 a 45 dias, com média 4,9 dias ± 8,86. O período abrangeu internações de 30 (57%) mulheres com até 1 dia, 15 mulheres (28%) de 2 a 7 dias e 8 mulheres (15%) com mais de 8 dias.

A distribuição de óbitos maternos ocorreu da seguinte maneira ao longo do período do estudo: 12 (24%) casos em 2010, 5 (9%) em 2011, 10 (19%) em 2012, 5 (9%) em 2013, 9 (17%) em 2014, 7 (13%) em 2015 e 5 (9%) em 2016. As casuísticas dos óbitos relatadas na DO são detalhadas na Tabela 1. A mortalidade materna foi predominante no período puerperal, correspondendo a 44 casos (83%), e 9 óbitos durante a gestação (17%). Ao fragmentar as causas, 55% foram por causas obstétricas diretas, e 45%, por indiretas.

Tabela 1 Causas obstétricas de óbito em hospital público estadual, Goiânia, Goiás, Brasil, 2016 

Causa do óbito n %
Obstétrica direta
Distúrbio hemorrágico 11 21
Infecção puerperal 9 17
Síndromes hipertensivas da gravidez 7 13
Abortamento infectado 1 2
Gestação ectópica 1 2
Total 29 55
Obstétrica indireta
Choque séptico 8 15
Infecções respiratórias 7 13
Complicações cardiovasculares e respiratórias 5 9
Choque neurogênico 2 4
Nefropatias 1 2
Cetoacidose diabética 1 2
Total 24 45

n: número de casos; %: porcentagem

O cálculo da RMM foi executado para os anos de 2010 a 2014, incluindo os casos de natureza direta e indireta, sendo inviável realizar o cálculo referente a 2015 e 2016 por falta de informação do SINASC. Em 2010, houve a maior RMM, com 470,21 por 100 mil NV. A Tabela 2 retrata a RMM por causa de óbito conforme o ano de sua ocorrência.

Tabela 2 Distribuição de mortes maternas, nascidos vivos e razão de mortalidade materna anual considerando causas diretas e indiretas, Goiânia, Goiás, Brasil, 2016 

Ano de ocorrência MM NV RMM
Ano: 2010
Direta 6 2,552 235,1
Indireta 6 2,552 235,1
Total 12 2,552 470,2
Ano: 2011
Direta 1 2,421 41,3
Indireta 4 2,421 165,2
Total 5 2,421 206,5
Ano: 2012
Direta 6 2,492 240,7
Indireta 4 2,492 160,5
Total 10 2,492 401,2
Ano: 2013
Direta 4 2,596 154,1
Indireta 1 2,596 38,6
Total 5 2,596 192,6
Ano: 2014
Direta 4 2,507 159,5
Causa do óbito
Direta 21 12,668 165,7
Indireta 20 12,668 157,8

MM: mortalidade materna; NV: nascidos vivos; RMM: razão da mortalidade materna por 100 mil NV

Considerando as admissões na instituição, foram assistidas 88.219 mulheres e registrados 116 óbitos, dos quais 53 maternos. A taxa de óbito materno foi 38%, expressando 38, a cada 10 mil mulheres assistidas na instituição (10%).

As variáveis idade materna, momento do óbito, via de parto, condições do feto ao nascimento, idade gestacional, intercorrências no ciclo gravídico-puerperal e procedimentos pós-partos foram reunidas e associadas à ocorrência da mortalidade materna. Os dados foram alocados em dois grupos, sendo um de óbitos por causa direta e outro por causa indireta (Tabela 3). Ao correlacionar essas variáveis, nota-se que não houve valor estatisticamente significativo entre as proporções. Porém, não foi significativa a associação entre o momento do óbito e as causas de mortalidade materna direta e indireta (p=0,073).

Tabela 3 Associação entre variáveis maternas e causas de óbito materno por causa direta e indireta, Goiânia, Goiás, de 2010 a 2016 

Variáveis maternas e desfecho gestacional Mortalidade materna Valor p*
Direta (n=29) Indireta (n=24)
n % n %
Idade
<35 anos 25 86 22 92 0,860
≥35 anos 4 14 2 8
Momento do óbito
Gravidez
Puerpério
2
27
7
93
7
17
29
71
0,073
Via de parto
Cesárea 20 69 12 50 0,479
Parto vaginal 7 24 8 33
Condições de nascimento do feto
Vivo 10 38 8 33 0,770
Morto 11 34 9 38
Idade gestacional
<37 semanas 21 72 19 79 0,673
≥37 semanas 4 14 2 8
Intercorrências na gestação
Sim 21 73 20 83 0,429
Não 5 17 2 8
Intercorrências no parto
Sim 13 45 4 17 0,178
Não 15 52 14 58
Intercorrência no pós-parto
Sim 28 97 17 71 0,391
Não 0 0 1 4

n: número de casos; %: porcentagem;

*Teste Exato de Fisher ou Teste de Qui-quadrado

O desfecho gestacional e as intercorrências pertinentes ao ciclo gravídico-puerperal foram agrupados e associados ao local de ocorrência do parto. Ao analisar as intercorrências no parto relacionadas ao local do parto, verificou-se uma associação estatisticamente significativa (p=0,001) (Tabela 4).

Tabela 4 Associação entre as intercorrências no período gravídico-puerperal e o local de ocorrência do parto, Goiânia, Goiás, Brasil 

Intercorrências Local de ocorrência do parto Valor p*
Instituição do estudo Maternidade externa
(n= 29) (n= 18)
n % n %
Intercorrência gestacional
Sim 26 90 10 56 1,000
Não 2 7 1 5
Intercorrência no parto
Sim 5 17 11 61 0,001
Não 20 69 3 17
Intercorrência pós-parto
Sim 25 86 17 94 0,419
Não 0 1 6

*Teste Exato de Fisher ou Teste de Qui-quadrado

DISCUSSÃO

Este estudo possibilitou conhecer as alterações maternas e relacioná-las com o desfecho gravídico-puerperal na ocorrência de óbito materno no Estado de Goiás, demonstrando uma casuística de 53 óbitos maternos em seis anos. No Amazonas, verificou-se uma ocorrência de 41 óbitos maternos em um período de quatro anos13. Estudo semelhante desenvolvido no Ceará relatou a ocorrência de 96 óbitos maternos em sete anos14.

A discrepância quantitativa dos casos entre os estudos pode ser justificada por fatores socioeconômicos locais e dificuldade de acesso a serviços de saúde de qualidade. As pesquisas citadas envolvem instituições de referência em gestação de alto risco, fato que favorece uma maior taxa de mortalidade quando comparado aos locais que assistem gestantes de baixo risco5.

Verifica-se, neste estudo, que a maioria dos óbitos ocorreu em mulheres no auge da sua atividade reprodutiva (76%). Nesse sentido, outra pesquisa evidenciou maior número de casos de óbito na mesma faixa etária15. É relevante ressaltar que a faixa etária não é considerada fator isolado para determinar complicações maternas e fetais, contudo outras características, como assistência ao pré-natal e doenças de base, são de grande significância para os desfechos maternos11.

Em relação à escolaridade, houve, neste estudo, predomínio do ensino fundamental (21%). Em outra pesquisa, verificou-se uma maior frequência de casos de mortalidade materna em mulheres com ensino fundamental (52%)16. Assim, o risco de morte materna foi associado à escolaridade, considerando as influências socioeconômicas e o acesso a serviços de qualidade16. Além das complicações clínicas e da baixa escolaridade, a situação conjugal insegura também favorece uma gestação de alto risco11. A escolaridade foi a variável com o maior número de ignorados, com 58%, condizendo com outro estudo que mencionou a falha no preenchimento desse campo nos documentos do óbito17.

Neste estudo, foi verificado que a maioria (60%) das mulheres era procedente de outros municípios do Estado, fato que pode esboçar a indisponibilidade de uma rede de serviços obstétricos nos locais de origem dessa população. Diante do exposto, percebe-se uma busca pela assistência obstétrica complexa nas capitais, episódio comum na realidade brasileira, o que repercute na delonga dos atendimentos e contribui com a superlotação dos locais de referência13.

Em relação à situação conjugal, foi verificado o predomínio de mulheres solteiras (55%) – dado compatível com outros relatos que descreveram a maior ocorrência de óbito materno em solteiras16,17. Ao avaliar a ocupação da mulher, foi evidenciado que 22% eram do lar, condizendo com outra pesquisa (52%)18.

Houve, neste estudo, uma ocorrência de óbito em primigesta (38%), resultado similar descrito por alguns autores17. Em contrapartida, a mortalidade materna também foi descrita como mais frequente em multigestas19. Dessa forma, o aspecto da paridade relacionado à ocorrência de óbito materno apresenta divergências, não havendo um consenso quanto à associação do óbito com essa variável19.

Quanto à assistência de pré-natal, 30% das mulheres tiveram acesso a esse serviço. Um estudo verificou que 38% das mulheres que foram a óbito receberam essa assistência14. Castro & Ramos (2016)13 analisaram os casos de óbitos maternos e verificaram que 49% das mulheres realizaram pré-natal. Outra pesquisa demonstrou a associação da não realização de pré-natal com a baixa escolaridade20.

O presente estudo observou que os fatores de risco, tais como idade avançada (8%), uso de drogas lícitas e ilícitas (12%) e obesidade (6%), estavam presentes nas mulheres que evoluíram a óbito em 26% dos casos, mas sabe-se que o risco de mortalidade materna se eleva proporcionalmente à idade, caracterizado pela presença de doenças pré-gestacionais21.

Considerando as condições clínicas preexistentes das mulheres, houve uma maior ocorrência de distúrbios endócrinos (9%), transtornos psicomotores e cardiopatias (6%). Percebeu-se, neste estudo, um elevado número de casos com distúrbios hipertensivos (28%). Entre as doenças que podem ser desenvolvidas no ciclo gravídico-puerperal, destacam-se as síndromes hipertensivas e os distúrbios cardiovasculares, fatores determinantes na ocorrência de óbito materno22.

Em relação à idade gestacional, foi predominante a prematuridade (67%). Algumas morbidades maternas favorecem a interrupção precoce da gestação, como pré-eclâmpsia, eclâmpsia e diabetes mellitus gestacional. Tais intercorrências podem comprometer a saúde materna e fetal, havendo a necessidade da interrupção precoce da gestação21.

A via de parto das mulheres foi predominantemente a cesariana entre os casos de óbito (62%), devendo considerar que a instituição do estudo assiste gestações de alto risco, com indicações para interrupção da gravidez em virtude dos fatores de risco materno e fetal. Corroborando outro estudo que retrata o óbito materno, o parto cesáreo apresenta elevado percentual no desfecho gestacional, quando comparado ao parto vaginal17.

A redução da cesárea está associada a uma diminuição no óbito materno e neonatal, pois oferece três vezes o risco de óbito materno e cinco vezes o risco de infecção puerperal23. Embora esse procedimento cirúrgico esteja associado à maior mortalidade materna, quando comparado ao parto vaginal, se a cesárea for realizada com indicação, pode favorecer o prognóstico materno-fetal24.

Em relação ao desfecho neonatal, em menos da metade (42%) ocorreu óbito fetal e apenas 37% nasceram vivos. O desenvolvimento da gestação e as condições do nascimento refletem a assistência oferecida à mulher25.

A respeito da admissão na instituição, em 38% das mulheres ocorreu no período puerperal, decorrente de intercorrências no parto e pós-parto, como atonia uterina, rotura uterina e choque hipovolêmico. Ao analisar essas intercorrências, constatou-se maior ocorrência de choque hipovolêmico e infecção puerperal. Estudos semelhantes ponderaram essas complicações como prevalentes nesse período18,22.

A média do tempo de permanência na UTI foi de 4,9 dias, sendo maior o óbito (57%) em menos de 24 horas após a admissão. Outro estudo apresentou o tempo médio de internação hospitalar de 4,6 dias26.

Em relação às causas do óbito, houve predominância das causas diretas (55%), principalmente de distúrbios hemorrágicos, infecção puerperal e síndromes hipertensivas na gravidez. Outras pesquisas evidenciaram maior ocorrência de óbito materno por causas diretas, no entanto os transtornos hipertensivos na gestação foram a causa primordial18,19.

A respeito das causas indiretas, o choque séptico (15%) foi o mais frequente, seguido por infecções respiratórias (13%). Outro estudo demonstrou maiores episódios de óbito no puerpério por causas infecciosas (28%) e por doenças cardiovasculares (20%)17.

No Brasil, em 2012, as principais causas diretas de morte materna foram hipertensão (20,2%) e hemorragia (11,9%). Entre as causas indiretas, as mais frequentes foram as doenças do aparelho circulatório, representando 7,3% do total de óbitos. No mesmo ano, foram registrados 54 óbitos maternos em Goiás, sendo mais frequentes as causas diretas, como a hipertensão (24,1%) e a hemorragia (22,2%) e as indiretas, como as doenças do aparelho circulatório (5,6%)6.

Conforme os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde utilizando o DATASUS27, em 2014 ocorreram 1.739 óbitos maternos no Brasil, sendo 133 na região Centro-Oeste. O Estado de Goiás registrou 51 casos, os quais 36 foram por causas diretas, e 15, indiretas.

Os registros dos óbitos da instituição de estudo demonstram oscilações das ocorrências de mortalidade materna no período de 2010 a 2014 (24%, 9%, 19%, 9% e 17%, respectivamente), mas, após esse período, houve um declínio. Trata-se de um fato que pode ser representado pela melhora na assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal. A RMM, na presente pesquisa, apresentou um declínio significativo a partir de 2012.

No Brasil, foram registrados, em 2012, 62 óbitos maternos por 100 mil NV, representando uma redução de 56% em relação a 20026. A RMM em Goiás foi 57,9 óbitos por 100 mil NV em 2012, sendo 51,7 e 51,1 nos anos subsequentes6. Já a RMM no presente trabalho foi de 401,2 para cada 100 mil NV em 2012, de 192,6 para cada 100 mil NV em 2013 e de 159,5 para cada 100 mil NV em 2014.

O Canadá apresenta uma RMM de 11 óbitos maternos por 100 mil NV, enquanto a Bolívia demonstra a ocorrência de 200 óbitos. O Haiti apresenta uma situação alarmante de RMM com 670 óbitos maternos por 100 mil NV. As discrepâncias da RMM entre os países desenvolvidos em relação aos em desenvolvimento revelam as desigualdades socioeconômicas das regiões3.

O aumento da mortalidade materna evidencia a falha nos serviços de saúde em relação às causas preveníveis. Assim, reforça-se a necessidade de um bom acompanhamento pré-natal capaz de reconhecer precocemente os grupos vulneráveis e os fatores de risco à morbidade, implementação de intervenções adequadas, assistência ao parto e pós-parto de qualidade e formação profissional humanizada28.

No presente estudo, houve uma associação significativa entre as complicações no parto e o local de ocorrência do parto, demonstrando que as mulheres que realizaram o parto na instituição de pesquisa apresentaram menos intercorrências. É um fato que pode justificar as internações em situações críticas no período pós-parto na instituição do estudo, necessitando de cuidados intensivos.

Uma intercorrência importante encontrada neste estudo foi a atonia uterina, que resultou em hemorragia pós-parto, o mesmo resultado descrito por outros autores29. Essas complicações contribuem para hemorragias e infecções puerperais, fatores relacionados ao óbito materno16. A hemorragia pós-parto poderia ser evitável, na maioria dos casos, com aplicação de medidas simples, ou revertidas com uterotônicos ou procedimentos cirúrgicos15.

A presente pesquisa verificou uma maior ocorrência de óbito materno no período puerperal. Botelho et al.18 apresentaram uma associação significativa entre as causas de óbitos maternos e o puerpério. Outros estudos descreveram que a maioria dos óbitos maternos ocorreu no período puerperal, ressalvando a importância do acompanhamento no pós-parto, pois, nesse período, permanecem os fatores de risco e podem ocorrer complicações, ocasionando os óbitos14,17. Sabe-se que o puerpério é um período que necessita de profissional qualificado para prestar uma assistência adequada com intervenções precisas, especialmente relacionadas às complicações decorrentes do parto.

CONCLUSÃO

A pesquisa retratou a situação da mortalidade materna em Goiás, possibilitando o conhecimento das características sociodemográficas e obstétricas das mulheres que evoluíram a óbito. Foram predominantes os casos de mulheres com 20 a 34 anos, solteiras, com nível fundamental, do lar, primigestas, com interrupção gestacional no período prematuro e cesárea como desfecho da gestação.

Destacaram-se a síndrome hipertensiva na gestação como principal intercorrência gestacional e a infecção puerperal como intercorrência pós-parto. Foi predominante o óbito no período puerperal e por causas diretas. Houve uma associação significativa entre as complicações no parto e o local de ocorrência do parto.

A análise do estudo demonstra uma dificuldade no acesso a serviços de saúde em obstetrícia, sendo necessário o aprimoramento na assistência continuada no ciclo gravídico-puerperal, além de melhorias na qualidade dos registros do óbito.

O presente artigo demonstrou algumas limitações, como dados de prontuários com registros incompletos e amostra pequena.

REFERÊNCIAS

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