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Alterações orais em indivíduos submetidos à transplante de células hematopoiéticas

Alterações orais em indivíduos submetidos à transplante de células hematopoiéticas

Autores:

Regina Haddad Barrach,
Mair Pedro de Souza,
Daniela Polo Camargo da Silva,
Priscila Suman Lopez,
Jair Cortez Montovani

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.2 São Paulo mar./abr. 2015

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.04.004

Introdução

O transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH), consiste na substituição de uma medula óssea doente ou deficitária, por células normais com o objetivo de reconstituição de uma nova medula e controle do sistema imune. Classifica-se como autólogo quando as células precursoras da medula óssea provém do próprio indivíduo, e alogênico, quando as células provém de outro indivíduo (doador), que pode ser aparentado ou não.1 , 2

Os pacientes que irão para o TCTH, são submetidos a altas doses de quimioterapia e radioterapia, para erradicar a doença de base, o que induz uma imunossupressão intensa, denominado período de "condicionamento". Este período se caracteriza por possíveis lesões teciduais e infecções em razão da toxicidade das drogas imunossupressoras.3 - 5

Entre as lesões teciduais orais mais comuns descritas nesses pacientes imunossuprimidos está a mucosite, causada pela toxicidade dessas drogas que resultam em uma fragilidade da mucosa oral pela diminuição das células basais e surgimento inclusive de ulcerações.6 - 8 Ela é considerada a principal complicação da cavidade bucal em pacientes submetidos á mielossupressão, sendo também a mais comum com incidência de 90%.9 , 10 Kolbinson et al.11 descreveram alterações precoces na mucosa oral como eritema, ulceração e pseudomembrana epitelial, que aparecem entre cinco a sete dias após o início da quimioterapia e melhoram após 3 semanas.

Essas lesões representam um fator de risco significativo para infecções sistêmicas, particularmente em pacientes em estado neutropênico, nos quais 20% a 50% das septicemias que ocorrem, se originam na cavidade oral.12 - 14 Para Puyal et al.,10 Köstler et al.15 e Yamagata et al.16 a ocorrência das lesões orais varia em função do tipo da doença de base, do tratamento aplicado e da situação bucal antes do condicionamento do transplante, principalmente das condições orais pré-existentes.

Lesões como restos radiculares, bolsas periodontais, lesões periapicais e próteses removíveis são considerados reservatórios de organismos patogênicos oportunistas que podem desencadear infecções durante a imunossupressão.9 , 17 - 19

Essas observações mostram que a prevenção de doenças orais antes do TCTH, extremamente importante, devendo ser realizada adequação bucal antes do transplante, ou seja, eliminar possíveis fatores de risco para infecções sistêmicas.7 , 20 - 22 Dreizen et al.22 relataram que em 30% a 50% pacientes em tratamento quimioterápico para doenças oncológicas desenvolvem alterações ou lesões orais, que podem ter significativa redução por intervenção oral prévia. Entretanto, há poucos trabalhos na literatura, exceto para a mucosite, que procuraram quantificar alterações orais que ocorrem em pacientes submetidos ao transplante de medula óssea. Para esses autores, ao atribuírmos escores, tiramos o caráter subjetivo da potencialidade dessas alterações para complicações clínicas.3 , 7 , 8 , 23 - 30 Assim, o objetivo dessa pesquisa foi apresentar uma padronização para avaliação quantitativa das alterações ou lesões da cavidade oral, identificando por escores a potencialidade delas para complicações clínicas em indivíduos que se submeteram ao TCTH.

Método

O presente estudo é clínico, prospectivo, com corte temporal longitudinal, de 6 meses, com período de coleta de dados de 24 meses realizado em um hospital de referência. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa local (n° 39/2007). Foram incluídos 65 pacientes maiores de 18 anos, de ambos os sexos, portadores de doenças hematológicas malignas ou não, que se submeteram à imunossupressão e ao TCTH no período acima citado. Os pacientes foram agrupados segundo o tipo de transplante de células-tronco hematopoéticas: grupo A (Alogênico) 34 pacientes e grupo B (Autólogo) 31 pacientes. Inicialmente todos se submeteram a um questionário prévio no qual continha informações sobre a saúde bucal e hábitos de higiene oral. Após esta anamnese, os pacientes foram avaliados segundo as condições da cavidade oral de 20 dias, em média, antes do condicionamento e do TCTH (momento 1). A segunda avaliação foi realizada na 1ª semana após o transplante (momento 2) e a última avaliação realizada em 100 dias após o TCTH (momento 3).

Durante os momentos das avaliações (1, 2, e 3) foram dadas pontuações para as diferentes alterações encontradas na cavidade oral, segundo a padronização odontológica proposta (tabela 1). A pontuação dada das alterações orais por nós baseou-se em trabalhos anteriores, que davam maior ou menor grau de importância às alterações histopatológicas da cavidade oral.3 , 7 - 10 , 14 , 24 Já a classificação de riscos e graus de toxicidade foi baseada nos trabalhos de Porak,14 Dreizen et al.22 e Parulekan et al.24 Nos momentos um, dois e três, os pacientes foram classificados segundo o risco para complicações: risco leve (até 15 pontos), moderado (16 a 30 pontos) e grave (31 a 50 pontos; tabela 1).

Tabela 1 Ficha de padronização com pontuações referentes às alterações de cavidade oral 

Cáries:
Ausência de cáries: ( )
Presença de 1 a 5 dentes cariados: 1 ponto ( )
Presença de 5 a 10 dentes cariados: 2 pontos ( )
Presença de 10 a 15 dentes cariados: 3 pontos ( )
Presença de mais de 15 dentes cariados: 4 pontos ( )
Bolsas gengivais: pontos por dente, máximo de 15 pontos:
Normal (ausência de sangramento no ato da sondagem periodontal): ( )
Bolsas gengivais de 3 mm a 5 mm: 1 ponto ( )
Bolsas gengivais de 5 mm a 8 mm: 2 pontos ( )
Bolsas gengivais acima de 8 mm: 3 pontos ( )
Mobilidade dental: Classificação das doenças periodontais e condições, Armitage, 1999: pontos por dente, máximo de 15 pontos:
Ausência de mobilidade dental:( )
Leve (1 mm a 2 mm de perda de inserção clínica): 1 ponto ( )
Moderada (3 mm a 4 mm de perda de inserção clínica): 2 pontos ( )
Severa (maior que 5 mm): 3 pontos ( )
Exodontias: pontos por dente, máximo de 10 pontos:
Ausência de dentes com indicação de exodontia:( )
Restos radiculares: 1 ponto ( )
3º molares semi inclusos / inclusos, com histórico de pericoronarite:1 ponto ( )
Próteses:
Ausência de próteses: ( )
Próteses totais: 1 ponto ( )
Próteses parciais removíveis: 1 ponto ( )
Próteses fixas: 1 ponto ( )
Próteses sobre implantes: 1 ponto ( )
Aparelhos ortodônticos:
Ausência de aparelhos ortodônticos: ( )
Presença de aparelhos ortodônticos: 1 ponto ( )
Lesões orais: pontos por lesão oral, máximo de 10 pontos.
Ausência de lesões orais: ( )
Presença de lesões orais: 1 ponto ( )
Mucosite: classificação segundo a OMS:
Ausência de mucosite:( )
Mucosite grau I: 5 pontos ( )
Mucosite grau II: 10 pontos ( )
Mucosite grau III: 15 pontos ( )
Mucosite grau IV: 20 pontos ( )
Infecções:
Ausência de infecções: ( )
Presença de infecção bacteriana: 10 pontos ( )
Presença de infecção viral: 10 pontos ( )
Presença de infecção fúngica: 10 pontos ( )

Os resultados das avaliações foram comparados entre si e entre os grupos. Para os variáveis sexo, idade, doença, drogas para o condicionamento, fonte de células e tipo de transplante, foi utilizado o teste do Qui-quadrado ou exato de Fisher para comparação dos grupos. Para as variáveis cáries, bolsas gengivais, mobilidade dental, exodontias, próteses, aparelhos ortodônticos, lesões orais, infecções bacterianas, virais, fúngicas e mucosite foi utilizado o teste de Mann-Whitney. A comparação entre os grupos em cada avaliação foi realizado pelo teste de Friedman e para comparação dos momentos dentro de cada grupo pelo teste de Fisher.

O nível de significância utilizado foi cinco por cento (p < 0,05).

Resultados

Após as observações das alterações orais, fizemos a classificação dos riscos e toxicidade dos pacientes pela somatória das pontuações (tabelas 2-4). Na primeira avaliação, antes do condicionamento, para a maioria dos pacientes, foi dada como risco leve nos dois grupos. O único paciente classificado como risco moderado, foi por apresentar bolsas gengivais maiores que 6 mm e mobilidade dental, com pontuação maior que 16 (tabela 5).

Tabela 2 Distribuição das alterações orais observadas nos indivíduos do grupo A 

Alterações orais Momento 1
n = 34
Momento 2
n = 34
Momento 3
n = 28
Cáries n = 19 (59,4%) n = 19(59,4%) n = 18 (66,7%)
Bolsas gengivais n = 8 (25,0%) n = 8 (25,8%) n = 7 (25,9%)
Mobilidade n = 5 (15,6%) n = 6 (18,8%) n = 5 (18,5%)
Exodontia n = 10 (31,2%) n = 9 (28,1) n = 8 (29,6%)
Próteses n = 14 (41,2%) n = 14 (41,2%) n = 10 (35,7%)
Ortodontia 0 0 0
Lesões bucais n = 8 (23,5%) n = 16 (47,1%) n = 7 (53,6%)
Infecções - - n = 2 (7,2%)
Mucosite 0 n= 34 (100%) 0

Tabela 3 Distribuição das alterações orais observadas nos indivíduos do grupo B 

Alterações orais Momento 1
n = 31
Momento 2
n = 31
Momento 3
n = 30
Cáries 8 (26,7%) 8 (26,7%) 7 (24,1%)
Bolsas gengivais 8 (26,6%) 8 (26,6%) 8 (27,6)
Mobilidade 9 (30%) 9 (30%) 9 ( 31,0%)
Exodontia 9 (30%) 9 (30%) 8 (27,6%)
Próteses 18 (54,8%) 18 (54,8%) 18 (54,8%)
Ortodontia 2 (6,7%) 2 (6,7%) 2 (6,7%)
Lesões bucais 5 (16,1%) 7 (22,6%) 5 (16,7%)
Infecções 0 0 0
Mucosite 0 31 (100%) 0

Tabela 4 Distribuição dos pacientes segundo grupo e grau de mucosite 

Grau de mucosite Grupo
A B
n % n %
I 7 20,6 8 25,8
II 9 26,5 10 32,3
III 10 29,4 9 29,0
IV 8 23,5 4 12,9
Total 34 100,0 31 100,0

Tabela 5 Distribuição dos pacientes segundo grupo de transplante e risco no momento 1, p = 0,34 

Grupo Risco Momento 1
Leve Moderado Total
n % n % n %
A 33 97,1 1 2,9 34 100,0
B 31 100,0 - 0,0 31 100,0
Total 64 98,5 1 1,5 65 100,0

Na segunda avaliação, dos 34 pacientes examinados do grupo A, 18 tiveram toxicidade leve, 15 moderada e um paciente com toxicidade grave. No grupo B, dos 31 pacientes avaliados, 19 tiveram toxicidade leve, 11moderada e um paciente com toxicidade grave (tabela 6). Como podemos observar a classificação de risco e de toxicidade em ambos os grupos, deu-se pela presença da mucosite e de seus graus de intensidade.

Tabela 6 Distribuição dos pacientes segundo grupo de transplante e toxicidade no momento 2 

Graus de Toxicidade Momento 2
Grupo Leve Moderado Grave
n % n % n %
A 18 52,9 15 44,2 1 2,9
B 19 61,3 11 35,5 1 3,2

x2 = 0,50; p = 0,78.

Na terceira avaliação, foram examinados 28 pacientes do grupo A e 30 pacientes do grupo B em decorrência dos óbitos. Todos os pacientes tiveram uma toxicidade leve nesta avaliação e um paciente permaneceu com toxicidade grave (tabela 6 e 7).

Tabela 7 Distribuição de frequência de pacientes segundo grupo e toxicidade no momento 3 

Graus de Toxicidade Momento 3
Grupo Leve Moderado Grave
n % n % n %
A 27 96,4 - 0,0 1 3,6
B 30 100,0 - 0,0 - 0,0

x2 = 1,09; p = 0,29.

Para os escores e ou pontuações, tanto para os grupos A e B, para as variáveis cáries, bolsas gengivais, mobilidade dental, dentes com indicação de exodontias, próteses e ortodontia não foram observadas diferenças estatísticas nos três momentos de avaliação (tabelas 2 e 3). Comparando os momentos de avaliação dentro dos grupos, observamos que não houve aumento de lesões de mucosa oral no momento com significância estatística no grupo A (p = 0,039). Entretanto, quando comparamos os momentos dos grupos A versus B houve diferença estatística, devido a mucosite que foi observada em 100% dos indivíduos nesses momentos nos dois grupos (tabela 4).

Discussão

O TCTH é uma técnica terapêutica muito utilizada, visando a cura do paciente oncológico e proporcionando o controle da doença.1 Porém, o condicionamento com drogas quimioterápicas podem desenvolver diversas alterações orais e sistêmicas nesses pacientes imunossuprimidos.3 - 6 Essas manifestações podem aumentar o tempo de internação hospitalar e os custos do tratamento, bem como afetar diretamente na qualidade e no tempo de vida desses pacientes.25

No TCTH autólogo, as comorbidades ocorrem na maioria das vezes, devido à atividade da doença de base, enquanto que no TCTH alogênico ela é devida às complicações sistêmicas e das doenças enxerto versus hospedeiro em si.1 , 2 , 17 , 30 A imunossupressão intensa predispõe o paciente transplantado a graves infecções que podem ocorrer em qualquer época do transplante e serem causadas por agentes etiológicos diversos, como bactérias, fungos, vírus ou parasitas.13 , 21

Estabelecer fatores de riscos associando a condição da cavidade oral e complicações sistêmicas quando do TCTH, dando pontuações para estas alterações em diferentes momentos de seguimento clínico submetidos à imunoexpressão, possibilita identificar os indivíduos que teriam potencialmente mais complicações clínicas.8 , 16 A análise quantitativa por meio de escores, tira o caráter subjetivo das observações.24 Em nosso estudo, os graus das pontuações para as alterações orais foram dadas baseando-se em trabalhos, que procuraram associar por meio de escores ou graus de intensidades quais alterações ou de doenças orais associadas aos transplantes teriam, em tese, maiores potenciais de complicações clínicas.14 , 16 , 19 , 22 , 24

A elaboração em tabelas e fichas odontológica foi feita baseando-se nas variáveis cáries, bolsas gengivais, mobilidade dental, restos radiculares, dentes com indicações de exodontias, uso de próteses, aparelhos ortodônticos e lesões orais.

Ainda como alterações foram incluídas também as complicações específicas do TCTH como a ocorrência de infecções bacterianas, fúngicas, virais e também os graus de mucosite.8 , 14 , 22

Para as cáries, nossos dados e os da literatura, mostraram que não há aumento significativo de novas cáries em pacientes no período do pós-transplante, e como não são relevantes para complicações em TCTH tem pontuação mínima.

Já as condições gengivais e mobilidade dental têm um potencial fator de risco para complicações, principalmente as bolsas periodontais maiores que 6 mm.26 , 27 Bolsas com este tamanho favorecem maior acúmulo de bactérias e de tecidos necróticos, tendo risco maior para o dente e para a saúde bucal e, por isso, demos uma pontuação até 15, com valores intermediários entre cárie e mucosite.

Em nosso trabalho, nos dois grupos, somente um paciente apresentava bolsas gengivais maiores, que variavam entre cinco mm a oito mm, e classificada no momento um como risco moderado e nos momentos dois e três com toxicidade grave devido a bolsas gengivais profundas.

Outra observação frequente, em cerca de 80% dos pacientes, foi a hiperemia gengival devido provavelmente às reações tóxicas das drogas do condicionamento. Outra causa provável seria a sensibilização da mucosa por antisséptico oral (clorohexedine) nos bochechos para higiene oral. Os pacientes não escovam os dentes pelo receio de trauma com a escova que poderia provocar sangramentos devido a plaquetopenia que ocorre nesses pacientes.

Por outro lado, a não escovação, pode permitir o aumento da placa bacteriana, causando gengivite, como as encontradas por nós nos indivíduos no momento dois, em ambos os grupos, e, consequentemente, com risco maior para sangramentos. Quando há inflamação gengival, a placa pode se formar mais rapidamente nesses do que nos locais não inflamados e assim, os bochechos teriam ações de higiene menos efetivas. Porém, em nossos casos quase não observamos essas alterações e atribuímos a ações mais efetivas antes dos transplantes, adotadas nos serviços que realizam transplantes.1 , 2 , 10 , 16 , 17

Achados como exodontia e 3º molares semi-inclusos com histórico de pericoronarite são citados na literatura como tendo pequeno potencial para focos de organismos patogênicos oportunistas e, como foram pouco observadas por nós, não foram pontuadas.21 - 23

Encontramos terceiros molares semi-inclusos em oito pacientes do grupo A e em nove do grupo B. No momento dois, junto com as lesões de mucosite, havia a formação de placa bacteriana e gengiva sobreposta ao dente. Para esse tipo de achado e para as próteses e aparelhos ortodônticos foi dado um ponto. Shulman et al.28 descreveram que aparelhos ortodônticos e dentaduras são fatores de risco para estomatites.

Mesmo com esse relato de possíveis riscos a saúde em indivíduos com próteses, não nos foi possível estabelecer dados estatisticamente significantes, correlacionando-as com as alterações orais.29 Conhecendo que a cavidade oral é porta de entrada de infecções, em pacientes submetidos á imunossupressão, para transplante de medula óssea e que o uso desses aparelhos pode potencializá-las, orientávamos que, se possível, nossos pacientes não a utilizassem.21 Essas recomendações, antes da primeira avaliação foram responsáveis de termos observado poucas alterações no momento um, Isto mostra, sem ser a razão do nosso trabalho, a importância da prevenção e tratamento das doenças da boca para evitar complicações clínicas em indivíduos imunossuprimidos.8 , 21 Essa é a mesma opinião de Sanis & Kuns,23 que mostraram que ocorre redução dessas complicações quando desses cuidados.

Algumas lesões orais, não infecciosas, como as leucoplasias e hiperplasias gengivais, entre outras, pouco descritas por outros autores, também foram pouco observadas por nós. Encontramos o aparecimento de lesões orais, sem queixas clínicas, semelhantes a pontos hemorrágicos, em 17 pacientes do grupo A e em oito pacientes do grupo B, no momento dois, de difícil caracterização e decorrentes, talvez, da plaquetopenia e com resolução no momento três.

O que é relatado na literatura é que a mucosite é sem dúvida a alteração oral mais preocupante, representando o principal fator de risco para as infecções sistêmicas, que ocorrem entre 20% a 50% nos pacientes, especialmente nos pacientes em estado neutropênico associado ao TCTH da cavidade oral.3 , 5 , 6 - 10 , 19 - 21 a intensidade da mucosite pode variar em função da doença base, do tipo de transplante e da situação bucal antes e durante a imunossupressão.11 , 14 , 15

No presente estudo, a incidência da mucosite foi de 100% no momento dois, tanto para os pacientes do grupo A como para os pacientes do grupo B. A associação dos riscos no momento dois e mucosite foi significante. Em ambos os grupos, houve relação entre a classificação do risco e ou toxicidade (leve, moderado e grave) com o aparecimento de mucosite e em graus variados de intensidade. A maioria dos pacientes foi classificada como risco leve, mas aqueles que desenvolveram mucosite foram classificados com risco moderado ou grave.

Nesses pacientes, ocorreram também lesões orais, mais na língua e mucosa labial, caracterizadas como eritema da mucosa oral, líquen plano, erosões generalizadas, ulcerações, xerostomia.30

Alguns autores relatam que isso se deve a baixa ingestão alimentar, por via oral, pela dor causada por essas lesões.18 , 21 , 25 Em nosso trabalho, essa observação foi mais evidente pois em 15 pacientes do grupo B, houve a necessidade de introduzirmos nutrição parenteral. Nesse grupo de pacientes, observamos disfagia, anorexia e rápida perda de peso, logo após o transplante, já no momento dois da avaliação.

Outras infecções como as anaeróbias, não foram encontradas por nós, provavelmente, pela prevenção oral com nistatina e fluconazol mais bochechos com antissépticos orais, por indicação médica, e adotadas como prescrição-padrão em todos os pacientes que realizam TCTH.10 , 14 , 15

Sem dúvida nenhuma, a complicação mais temida, é o óbito que ocorre entre 15% a 20% nos transplantes alogênicos e 5% nos autólogos. Estaria ela relacionada com alterações orais? Essa complicação foi observada em 7 de nossos pacientes, entre os momentos dois e três da avaliação, após o transplante. Um dos óbitos foi do grupo B, cuja causa foi a falência múltipla de órgãos e doença veno-oclusiva. No grupo A, seis pacientes foram a óbito. Destes, quatro pacientes morreram devido a recidiva da doença, um paciente devido a pneumonia e insuficiência respiratória e um paciente devido a doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) aguda e sepse. Em nenhum deles as causas foram associadas a doença oral. Embora a mucosite seja a principal alteração para o aumento das complicações clínicas, principalmente das infecciosas, associadas à toxicidade do condicionamento, nesses pacientes não foram descritas essa lesão quando do óbito, talvez pela dramaticidade do momento vividos pelos pacientes e pela equipe médica.

Conclusão

A mucosite é a alteração da cavidade oral mais preocupante, com risco potencial de complicações em pacientes imunossuprimidos. Outras lesões, como gengivites, terceiros molares com histórico de pericoronarite, embora considerados como indicadores de pouco risco, foram em nosso trabalho também pouco relevantes. Isso ficou mais evidente, quando utilizamos uma classificação de riscos e toxicidade (leve, moderado e grave) por meio de escores, servindo como parâmetro para avaliar o potencial de possíveis complicações clínicas em indivíduos imunossuprimidos.

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