versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.12 Rio de Janeiro dez. 2019 Epub 25-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182412.23202019
Nas últimas décadas, o sistema capitalista tem se transformado por meio de crises, que assumem papel central na sua manutenção, de forma não acidental. Esse modo de produção, por suas contradições internas, é dependente destas crises esporádicas para espoliar o excesso de capital acumulado e abrir novas possibilidades de crescimento e de investimento. Essas reconfigurações acabam também por tensionar os direitos sociais adquiridos, uma vez que a expansão do capital e a flexibilização das relações sociais, em especial as de produção e circulação, buscam consolidar novas formas de poder de classe, e tem envolvido nas últimas crises a perda de direitos, quando vistos como obstáculos às suas operações1.
Assim, os direitos humanos de diferentes gerações: - os relativos à liberdade (direitos individuais civis e políticos), à igualdade (direitos fundamentais: Referências sociais, com ênfase na saúde, econômicos e culturais), e à solidariedade (direitos difusos ou coletivos) - são renovadamente ameaçados2. A situação é ainda mais dramática nos países capitalistas periféricos, onde sequer os direitos de segunda geração foram efetivamente garantidos para o conjunto da população.
As principais semelhanças entre as maiores crises do capital (1929 e 2008) ocorreram no plano macroeconômico, precedidas pela movimentação internacional indiscriminada do capital. Décadas de estagnação nos salários dos trabalhadores, com lucros de grande vulto no topo da distribuição, coexistindo o capital e a oferta de trabalho ocioso, sem utilidade social, foram a marca dos anos anteriores às crises. Assim, estas correspondem a exacerbações de iniquidades socioeconômicas, acumuladas com deslocamentos espaciais e temporais do capital, que coincidiram com a desregulamentação excessiva dos mercados financeiros3.
As especificidades da Crise Financeira Global (CFG), de 2008, encontram-se no modo de regulação escolhido para substituir o modelo anterior, com menores custos e maiores lucros, flexibilização das relações sociais e elevado ritmo de inovações tecnológicas, induzindo ao desemprego estrutural. A natureza financeira do sistema fornece maior sobrevida ao capital, porém em operações de grande risco que, em ambiente sem a devida regulamentação, produz crises mais agressivas e globais, por vezes transformando o otimismo e a liberdade de alguns, em tragédia e exclusão para muitos1.
Estas crises também se traduzem nas tensões decorrentes das concepções e recomendações das organizações internacionais e as respectivas resistências à flexibilização do direito à saúde4,5. Em 1970, com a crise do petróleo e da dívida externa no terceiro mundo, associada à queda na taxa de lucro e inflação descontrolada, foi proposta pelo Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), como modelo para a solução de problemas, a redução do Estado de bem-estar social, com privatização e reformas tributárias, desregulamentação e liberalização financeira5,6.
Na década de 1990, com a crise da dívida externa da América Latina e a crescente financeirização do capital, emergem propostas da OMS e BM, de um novo universalismo na saúde, precursor da cobertura universal em saúde. Como contrapontos, vale citar a abordagem integradora e sistêmica da Atenção Pimária à Saúde (APS) da Organização Mundial de Saúde (OMS), em Alma Ata (1978)5,6, e a comissão criada para discussão e valorização dos determinantes sociais de saúde, pela OMS, bem como propostas voltadas ao fortalecimento dos sistemas de saúde7,8.
Com a CFG, inicialmente com a crise dos bancos, depois com a dívida soberana e o baixo crescimento, o setor saúde vai se voltando à financeirização e os fundos públicos são progressivamente apropriados pelo mercado privado. Não tardaria para que em 2012 fosse declarado o ano da cobertura universal pela OMS e fossem prospectados futuros mercados de saúde pela Fundação Rockefeller. Em 2014, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) tensiona a discussão da saúde universal e do direito à saúde, ampliando a estreita concepção de cobertura, sem garantia de acesso5,6,8.
Assim, a cada crise, prega-se a austeridade fiscal e a mercantilização da saúde como solução para os déficits financeiros, com resultados nefastos à saúde da população4,5,6. Em situações de crise econômica, o colapso dos sistemas de saúde tende a ocorrer quando o sistema de proteção social se encontra previamente espoliado e o sistema de saúde, altamente fragmentado e privatizado, evidenciando-se a divisão da sociedade na escolha e utilização dos serviços de saúde. Além disso, as altas taxas de desemprego e perda de moradia têm importantes repercussões na situação de saúde das populações; alguns estudos associam aumentos ao incremento da incidência de depressão e da ocorrência de suicídios e homicídios, bem como de alcoolismo, abuso de drogas e da morbidade por doenças infecciosas4,5. Desse modo, é exatamente quando aumentam as necessidades para utilização dos serviços de saúde, que os dispêndios públicos em saúde decrescem de forma vertiginosa e com retração de investimentos4, conforme exemplos da Grécia6,9, Espanha e Itália6. Ao contrário, países que priorizaram o crescimento econômico, com aumento dos gastos públicos, e resistiram a reduções na proteção social, fundada no princípio da solidariedade e no sentido filosófico da alteridade, mantiveram-se mais estáveis, mesmo em tempos de crise, como a Islândia, Alemanha, França e Suécia4,5,6.
Nas situações de crise mais uma vez ganha proeminência a equidade em saúde, definida como a ausência de diferenças sistemáticas nos determinantes de saúde entre grupos sociais, em diferentes posições na hierarquia social. As iniquidades em saúde trazem desvantagens adicionais a grupos que já se encontram historicamente em desvantagem social, em decorrência de gênero, raça ou religião, dentre outros atributos10. A equidade pode ser analisada em seu componente vertical, da adequada distribuição desigual entre pessoas com necessidades diferentes, ou horizontal, que se refere ao tratamento igual aos que são iguais em suas necessidades de saúde11.
A equidade tem se tornado elemento de destaque na melhoria de desempenho dos sistemas de saúde, pois as reformas setoriais de saúde implementadas no passado, com enfoque na eficiência ou efetividade, não obtiveram o êxito esperado5,12. A equidade em saúde deveria ser, portanto, valor primordial ao desempenho dos sistemas e das reformas de saúde, operando como fator protetor em relação aos efeitos desfavoráveis produzidos pelas crises do capitalismo sobre a saúde das populações. Assim, sob a ótica da alteridade, a alternância entre diferentes perspectivas permite que indivíduos agreguem diferentes contextos sociais e organizem coletivamente suas formas de proteção social.
Neste cenário, o objetivo do presente artigo é analisar o efeito da CFG quanto à valorização da equidade em saúde frente à efetividade nas comparações internacionais de eficiência dos sistemas de saúde na literatura científica após a crise de 2008.
Realizada revisão integrativa, indicada para definir conceitos, identificar lacunas e revisar teorias e métodos dos estudos publicados. Com grande amplitude e alcance, permite a combinação de diferentes metodologias, desde estudos teóricos até empíricos, de forma a integrar os resultados, mantendo o rigor metodológico das revisões sistemáticas. No caso de reconceitualização de temas, abre novas perspectivas que não haviam sido exploradas anteriormente13.
A questão de pesquisa, que orientou a revisão integrativa e a construção deste artigo, é compreender como as avaliações de eficiência de sistemas de saúde têm sido abordadas, em tempos de crise, tendo como norte a equidade e como se manifestam nos diferentes tipos de sistemas de saúde.
Foram estudadas as definições utilizadas para eficiência e sistemas de saúde, verificando nos últimos dez anos como que essas avaliações foram realizadas, sua coerência e consistência, e respectivas variáveis de representação dos conceitos utilizados.
A partir da questão de pesquisa apontada, foi realizada busca nas bases de dados PubMed e BVS, dos termos sistemas de saúde, eficiência, equidade e/ou efetividade, excetuando os seguintes termos: clínico, hospital, administrativo, institucional, desempenho, diagnóstico, tratamento e tecnologia. Foram identificados 838 artigos científicos, selecionados para leitura do título e resumo, tendo sido elegíveis para leitura integral de 193 artigos e, destes, 79 foram incluídos para a análise e síntese temática do conteúdo. A Figura 1 apresenta as etapas realizadas.
Os critérios de inclusão adotados foram: 1) textos completos disponíveis nas bases de dados; 2) texto em português, inglês ou espanhol; 3) pesquisas realizadas ou publicadas na última década (2008 - 2018). Os critérios de exclusão adotados aos estudos foram: 1) duplicidade; 2) enfoque clínico; e 3) enfoque institucional, administrativo ou organizacional.
As seguintes informações foram extraídas dos estudos: país de origem, comparações globais ou locais, instituições de pesquisa, tipos de revista e de publicação, conceitos utilizados na definição de equidade e eficiência e tipologia dos sistemas de saúde, abordagens metodológicas utilizadas (amostragem, rigor metodológico, variáveis selecionadas e análises qualitativas e quantitativas), e, principalmente, a finalidade da pesquisa, resultados encontrados, respostas às questões da pesquisa e recomendações ou conclusões.
Böhm et al.14 conceituam os sistemas com base nos atores responsáveis pela regulação, pelo financiamento e pela provisão de serviços, ou seja, se é o Estado, a sociedade ou o mercado privado, majoritariamente responsável pelos atributos analisados. Considerando a hierarquia entre os atributos e sua plausibilidade, foram encontradas cinco combinações existentes: serviço nacional de saúde e seguro saúde nacional (regulação e financiamento estatal, com provisão pública ou privada de serviços), seguro social e seguro saúde social estatal (regulação social ou estatal, financiamento social e provisão privada de serviços), e sistema de mercado.
Os seguintes tópicos foram utilizados na avaliação crítica dos estudos selecionados: a questão da pesquisa, sua importância, congruência teórico-metodológica e suas bases; questões de pesquisas já realizadas; a adequação da metodologia do estudo; seleção adequada de participantes ou unidades de análise para o estudo; respostas à questão de pesquisa no artigo; as limitações ou vieses encontrados; e as omissões e os aspectos sobre o tema que estão ausentes, incompletos ou pouco representados na literatura. Essas questões permitiram um segundo olhar sobre os artigos, de forma crítica, aproximando os resultados de uma validação interpretativa e teórica. No caso de ensaios ou estudos teóricos, a avaliação se deu em função dos seguintes fatores: interesse público, lógica e construção dos argumentos, identificação clara da fonte e referências relacionadas15.
Os artigos foram submetidos a uma hierarquia de evidências e níveis de análise, segundo o delineamento da pesquisa e as comparações realizadas, classificando-os segundo sua força de evidência16. Os níveis utilizados foram os seguintes: i) alto: metassíntese (estudos qualitativos) ou metanálise (estudos quantitativos); ii) médio-alto: evidência de um único estudo; iii) médio: síntese de estudos; iv) médio baixo: evidência de um único estudo descritivo e v) baixo: opiniões de especialistas, estudos teóricos ou ensaios.
Os resultados foram ordenados, codificados, categorizados e resumidos, de forma unificada e integrada, provendo a síntese inovadora das evidências primárias coletadas e analisadas, na perspectiva da análise temática. Foram identificados padrões, temas, variações e relações, a partir das categorias definidas dos dados extraídos, permitindo a construção de matrizes de análise e síntese.
Utilizada a metodologia de análise cross-case, proposta por Miles e Huberman17, que permite comparar e contrastar padrões emergentes dos estudos selecionados. Os casos foram analisados das seguintes formas: filtro por categorias divergentes, lista de similaridades e diferenças entre pares de casos analisados, e a justaposição de casos aparentemente semelhantes. Foi possível, assim, avançar para além das impressões iniciais, especialmente através da interposição de lentes diferentes aos dados. O Quadro 1 apresenta os principais passos realizados na análise e síntese, com base nos critérios do Joanna Briggs Institute (JBI)15.
Quadro 1 Etapas para a meta-agregação dos dados na revisão integrativa
Etapas | Resumo | Classificação |
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Identificação | Como as avaliações de eficiência e de efetividade de sistemas de saúde têm sido abordadas, tendo como norte a equidade e como se manifestam nas diferentes organizações dos sistemas de saúde? | Conceitos de eficiência, efetividade e equidade Princípios de justiça social Tipologia dos sistemas de saúde |
Achados | Análise temática de conteúdo Análise cross-case |
Principais abordagens/temas dos artigos Relação entre as variáveis selecionadas |
Categorização | Tipos de eficiência Tipos de efetividade Tipos de equidade Tipos de sistemas de saúde Modelos conceituais dos princípios da justiçaEnfoque Valores Resultados em saúde |
Eficiência técnica e alocativa Custo-efetividade e nível de saúde Equidade horizontal e vertical Sistema universal, de seguro ou de mercado Enfoque de mercado, profissional ou comunitário Igualitário ou utilitarista/neoliberal Responsabilidade pessoal ou social Intermediários ou finais |
Síntese | Relação entre equidade, eficiência e efetividade Avaliação de equidade dos sistemas de saúde |
Relação entre eficiência e efetividade, de acordo com a equidade, os princípios de justiça, seus modelos conceituais e os tipos de sistemas de saúde Equidade no financiamento, acesso e níveis de saúde |
Fonte: elaboração própria.
Os principais temas abordados foram: mercantilização e reformas setoriais de saúde (24,1%); relação entre efetividade e equidade (19%); eficiência e equidade (12,7%); eficiência e efetividade (11,4%); comparações internacionais de eficiência em saúde (8,9%); cobertura universal em saúde (8,9%); valores societais (6,3%); políticas recomendadas pelas organizações internacionais (3,8%); relação entre APS e equidade (2,5%), políticas de saúde em tempos de austeridade (1,3%) e equidade e intersetorialidade (1,3%).
Quando diferentes sistemas de saúde foram comparados nos artigos, há, no geral, recomendação para não realizar rankings e não aplicar diretamente indicadores criados em outros contextos. Poucos estudos comparam diretamente a organização dos sistemas de saúde com os resultados alcançados.
Quase sempre as comparações são realizadas entre os países da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE); em algumas situações, há comparações entre países de renda média18. Na maioria das vezes, são comparados países com sistemas universais ou seguro nacional de saúde (Reino Unido, Países Nórdicos, Península Ibérica, Itália, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), seguro saúde social (Alemanha e Suíça) ou social estatal (França, Bélgica e Holanda, Países do Leste Europeu, Coréia do Sul e Japão)14.
Quando o sistema de mercado (EUA) é analisado, há evidências de bons resultados intermediários, relativos ao investimento realizado em tecnologia de alto custo, como filas de espera ou tempos de permanência reduzidos; no entanto, os resultados de nível de saúde são piores quando comparados aos sistemas universais ou de seguros. Além disso, a satisfação com o sistema de saúde, por parte dos usuários, é inferior, com vários relatos de necessidade de reorganização do sistema, nessa situação19.
Nos artigos em que a eficiência foi avaliada como geral ou alocativa, a equidade esteve presente como variável relevante, sob o conceito de território, na redistribuição de recursos entre regiões, visão mais comum nos sistemas universais20. No caso de a eficiência técnica ser avaliada isoladamente, comum nos sistemas de mercado ou de seguros, esta costuma ser tratada de forma mais restrita ou, na melhor das hipóteses, orientada ao nível de atenção do serviço de saúde, sem menção à equidade. Dificilmente são avaliações de longo prazo. Já a efetividade costuma aparecer como medida do nível de saúde ou de qualidade, mensurada pela mortalidade infantil ou em menores de cinco anos, mortalidade por causas evitáveis, expectativa de vida total e aos sessenta anos, expectativa de vida saudável, qualidade do cuidado e atenção à saúde21. Por outro lado, a efetividade nos sistemas de mercado, é reduzida ao custo-efetividade. Raramente a efetividade na saúde foi descrita como resultado de políticas que reduzam as desigualdades22.
A equidade foi mais comumente avaliada como horizontal, segundo enfoque neoliberal, pois caminharia junto com a eficiência. Em alguns estudos, a justiça social aproxima-se da equidade vertical, com base no enfoque igualitário. Às vezes é tratada como distribuição de renda; outras vezes, confunde-se com cobertura e acesso aos serviços de saúde, ou mesmo com a isenção de pagamento por parte dos grupos mais vulneráveis. Mais raramente, foi classificada como substantiva, com base nas necessidades de saúde, ou deliberativa, que implica na participação social. Relaciona-se, ainda, com a efetividade, quando os resultados dos indicadores globais são comparados segundo a distribuição de renda ou com custo-efetividade21. A Figura 2 apresenta a síntese das relações entre eficiência e efetividade em diferentes tipos de sistema de saúde, de acordo com a equidade e os princípios de justiça social, retratando a solidariedade e a alteridade, sob a forma de responsabilidade social. As relações entre os diferentes níveis de equidade na produção de saúde, desde o financiamento até os níveis de saúde, podem ser observadas na Figura 3.
Fonte: elaboração própria
Figura 2 Relação entre eficiência e efetividade segundo a organização dos sistemas de saúde, de acordo com a equidade e os princípios de justiça
Fonte: elaboração própria
Figura 3 Relação entre equidade no financiamento, no acesso e nos níveis de saúde.
Os principais países que abordaram o tema da mercantilização e das reformas setoriais de saúde foram: Reino Unido (31,6%), EUA (15,8%), Brasil (10,5%) e Suécia (10,5%). São abordados os conceitos de mercantilização e privatização dos serviços, apontando os principais mecanismos utilizados, suas consequências para a equidade e eficiência, bem como as tendências futuras. O termo mercantilização foi definido como um processo mais amplo que a privatização, pois abarca o uso da lógica privada dentro dos sistemas públicos de saúde, mediante o aumento da participação direta do setor privado como prestador de serviços e de recursos privados no financiamento, assim como a adoção de princípios liberais de gestão, remuneração e organização dos sistemas23. As principais tendências encontradas nas reformas foram: a implementação de sistemas universais, modelos de contratos públicos; separação entre compradores e provedores, escolha dos prestadores, competição regulada entre prestadores e compradores, fortalecimento da APS, com capacidade de negociação e compra dos serviços secundários, restrição da cobertura de tecnologias duras (protocolos)24. O Quadro 2 permite a visualização das análises realizadas em relação ao tema, tendo sido priorizados os estudos com nível de evidência médio ou alto, recorte este esmiuçado na discussão.
Quadro 2 Análises realizadas para o tema Mercantilização e Reformas Setoriais de Saúde
Autor, ano, título (publicação/nível evidência*) | Relação entre Eficiência, Equidade e Efetividade | Questão de pesquisa | Resposta à questão pesquisa |
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Wenzl et al., 201727. Health policy in times of austerity-A conceptual framework for evaluating effects of policy on efficiency and equity illustrated with examples from Europe since 2008 (E/II) | Demonstra a dificuldade de avaliar os efeitos futuros de políticas propostas no que tange à cobertura e acesso aos serviços de saúde; o corte de custos no curto prazo nem sempre significa eficiência no longo prazo | A análise das políticas públicas pode ser realizada em relação aos seus efeitos futuros sobre os valores sociais, objetivos dos sistemas de saúde? | Existe grande dificuldade em determinar os efeitos futuros na equidade, efetividade e eficiência, mas também demonstra que poucos governos realizam tais análises ao formular e implementar políticas em tempos de crise. |
Bevan et al., 201028. Changing choices in health care: implications for equity, efficiency and cost (R/III) | Relaciona a eficiência técnica e alocativa, em conjunto com os resultados alcançados, com necessário controle central dos custos por parte do governo e alguma competição para ampliar a qualidade. Para promover a equidade, é necessário integrar o seguro com a provisão de serviços. | Como promover o equilíbrio entre equidade, eficiência e custo em saúde? | Os autores sugerem que algum grau de competição e de escolha, de preferência orientada pelos GPs, aumentam a qualidade, sem excessos, para não comprometer os custos. Ao mesmo tempo, a equidade no acesso pode estar sendo acompanhada de iniquidades nos resultados de saúde. |
Vrangbaek et al., 201229. Choice policies in Northern European health systems (E/II) | Relação unânime entre eficiência e poder de escolha, seguido da melhoria da qualidade da atenção à saúde, principalmente quando os GPs escolhem os serviços. Já com relação à equidade, apenas o UK acreditava nessa suposição. | A formulação de políticas relativas à escolha de prestadores apresentou convergências no norte europeu? | A convergência se deu mais no plano do discurso, com relação aos direitos do consumidor (empoderamento e competição de mercado). |
Burström, 200912. Market-oriented, demand-driven health care reforms and equity in health and health care utilization in Sweden (R/III) | Relaciona a eficiência técnica e alocativa, de acordo com as necessidades em saúde, com a equidade, como objetivo central do sistema de saúde sueco, não compatível com as escolhas em saúde, de forma ampla e não regulada. | Questiona-se se as reformas voltadas ao mercado podem promover aumento da eficiência com equidade. | As escolhas, de forma livre, não melhoraram a eficiência e reduziram a equidade, pois os prestadores ficaram livres para oferecer seus serviços, sem relação com as necessidades de saúde. |
Fotaki, 201030. Patient choice and equity in the British National Health Service: towards developing an alternative framework. (T/IV) | Equidade horizontal e eficiência associadas de forma positiva No Reino Unido, a liberdade de escolha vem ganhando espaço e provocando discurso de aumento da equidade. | Relacionar a liberdade de escolha com a equidade. | Há demonstração de caminhos díspares à oferta de serviços múltiplos e a equidade, uma vez que não trata da causa das iniquidades e, muitas vezes, essa liberdade nem é reconhecida ou aproveitada pelos indivíduos |
Kreisz e Gericke, 201031. User choice in European health systems: towards a systematic framework for analysis (T/IV) | Relação entre eficiência e equidade, nas dimensões sistêmicas, de oferta e de demanda. Aponta que a liberdade de escolha pode reduzir a eficiência, comprometendo a qualidade de saúde. | A liberdade de escolha é um mecanismo garantido para aumentar a eficiência e promover a equidade? | Na maior parte das vezes, não. Ao contrário, pode aumentar os custos e acabar reduzindo a escolha. |
Kim et al., 201632. Productivity changes in OECD healthcare systems: bias-corrected Malmquist productivity approach (E/II) | A análise é realizada pelo viés da eficiência/produtividade, voltada aos resultados de efetividade e, ao menos, há ajustes pelas desigualdades de renda e de globalização, representando a equidade. | Na década estudada (2002-12), houve mudanças na produtividade dos países? Em que sentido? | Houve equilíbrio entre eficiência e tecnologia e alguns países destacaram-se nas inovações, como Coréia do Sul, Japão, EUA. |
Wan YC e Wan YI, 201033. Achievement of equity and universal access in China's health service: A commentary on the historical reform perspective from the UK National Health Service (T/IV) | Indiretamente, com relação à eficiência alocativa e equidade no financiamento, bem como com a qualidade da atenção à saúde | Como que a experiência do NHS pode auxiliar o sistema de saúde chinês a buscar maior equidade e acesso à saúde? | Em parte, foi possível demonstrar os acertos e erros do NHS, mas os contextos políticos e econômicos são bem diferentes. |
Nwagbara e Rasiah, 201534. Rethinking health care commercialization: evidence from Malaysia (E/II) | Relaciona eficiência técnica e a qualidade técnica do cuidado, a nível intermediário, para os serviços públicos de saúde. | A mercantilização da saúde na Malásia foi proveitosa para aumentar a eficiência nos serviços públicos de saúde? | Não, houve deslocamento da força de trabalho e dos equipamentos de maior complexidade, reduzindo a eficiência dos hospitais públicos. |
Ferreira e Mendes, 201823. Mercantilização nas reformas dos sistemas de saúde alemão, francês e britânico (R/IV) | O enfoque não aprofunda a relação entre a eficiência técnica e a equidade no acesso, mas aponta que a eficiência não foi alcançada com a privatização. | Analisar os mecanismos implícitos e explícitos de mercantilização da oferta e do financiamento e suas consequências no acesso e equidade dos sistemas. | Demonstra dos efeitos negativos dos mecanismos utilizados, que necessitam de ajustes constantes, para não destruir os sistemas de saúde como concebidos originalmente. Um ponto importante é o deslocamento da busca por eficiência entre os prestadores de serviços. |
El-Idrissi et al., 200822. Constraints and obstacles to social health protection in the Maghreb: the cases of Algeria and Morocco (T/IV) | Relação entre desigualdade social (índice de Gini), ineficiências nos sistemas e resultados inadequados de saúde (baixa efetividade). | Apresentar os desafios desses países em alcançar resultados satisfatórios com as reformas de saúde. | A fragmentação dos serviços e sua privatização dificulta muito o acesso universal, o formato de seguro prejudica os desempregados e trabalhadores informais. |
Scheunemann e White, 201135. The Ethics and Reality of Rationing in Medicine (R/IV) | Relação entre equidade horizontal e eficiência e a regra para salvar as pessoas. | É factível realizar racionamento em medicina, de forma a responsabilizar a sociedade ou legitimar as escolhas feitas, considerando os princípios éticos? | Na maioria das vezes, não. O peso insuportável das decisões sobre o coletivo não permite essas decisões, principalmente quando são casos identificados. O importante é que haja justiça procedimental: transparência e participação social, dentre outros. |
Halkos e Tzeremes, 201136. A conditional nonparametric analysis for measuring the efficiency of regional public healthcare delivery: an application to Greek prefectures (E/II) | Não chega a analisar a equidade, apenas as desigualdades. A eficiência estudada é voltada apenas aos resultados intermediários. | A reforma de saúde trouxe maior eficiência? | Houve problemas na descentralização, tanto em relação à alocação de recursos como na administração regional; o crescimento econômico não trouxe eficiência; a existência de hospitais urbanos foi um fator positivo. |
Esteves, 201237. The quest for equity in Latin America: a comparative analysis of the health care reforms in Brazil and Colombia (E/II) | Relação entre eficiência técnica e resultados em saúde. A equidade pode ser analisada em relação à comparação com as médias da AL e Caribe. | Houve melhoria nos resultados em saúde, com sustentabilidade, após as reformas em saúde no Brasil e na Colômbia? | Não foram comprovadas melhorias decisivas e continuadas; houve até reversão na Colômbia. A explicação estaria nas iniquidades no acesso à atenção e na renda, subfinanciamento e crises econômicas. |
Senkubuge et al., 201438. Strengthening health systems by health sector reforms (R/III) | Deslocamento da busca de eficiência nas reformas, para o alcance da equidade e efetividade, com respeito aos grupos vulneráveis e resultados em saúde | Avaliar os efeitos das reformas sobre os elementos dos sistemas, de acordo com suas macrofunções. | As reformas devem ser holísticas e graduais, garantindo a participação da sociedade, com compartilhamento de informações, com especial atenção ao acesso à saúde dos grupos vulneráveis. |
Fonte: elaboração própria
*Tipo de publicação: E - estudo empírico;; T - estudo teórico;; R - estudo de revisão. Nível de evidência: I- alto; II - médio-alto; III - médio; IV - médio-baixo; V -baixo.
Com relação aos valores da sociedade, a maioria dos países dos artigos analisados (60%) apresenta sistemas universais, cabendo à sociedade definir quais valores são primordiais à construção de seu sistema de saúde25. Esta reflexão deveria anteceder quaisquer outras decisões sobre reformas do setor, inclusive sobre sua estrutura, funcionamento e o mix público-privado desejado18.
Na perspectiva dos valores modernos de individualização crescente, a responsabilidade individual projeta-se em aumento da autonomia e satisfação das preferências pessoais. Os custos crescentes em saúde iniciaram debates sobre a diferenciação financeira na distribuição do cuidado. Ainda assim, prevalece a solidariedade, aceitando-se apenas arcar parcialmente com alguns custos de hábitos nocivos, involuntários, preferindo-se uma bonificação para os comportamentos saudáveis26.
No que se refere à abordagem inicial entre eficiência e equidade, entre os dez artigos selecionados nessa temática, preponderaram os seguintes países de origem: Chile e Reino Unido/Canadá (30% cada), Brasil (20%), Índia/EUA e China (10% cada). Na abordagem técnica entre eficiência e efetividade, os EUA destacaram-se com 44,4%, seguido por: Alemanha, Brasil, Espanha, Inglaterra e Nova Zelândia (11,1% cada). Já na abordagem mais recente, entre efetividade e equidade, colocam-se em evidência os EUA (26,7%), a Bélgica e a Holanda (13,3% cada); os demais países alcançaram 6,7% cada: Brasil, Canadá, Cuba, Espanha, Malásia, Nova Zelândia e Reino Unido. Menos de 10% dos estudos apresentavam relação sólida entre as três dimensões, mais frequente em estudos que abordavam o desempenho dos sistemas de saúde18,21.
Com relação aos temas e aos países de origem dos estudos, a maioria era proveniente de países com sistemas universais de saúde, nas seguintes proporções: mercantilização da saúde (89,5%); comparações internacionais (85,7%); eficiência e equidade (80%); eficiência e efetividade (77,8%) e equidade e efetividade (46,7%). No que tange às comparações internacionais, Alemanha, Canadá e EUA (28,6% cada) e Reino Unido (14,2%) foram os principais representantes. Por fim, na abordagem sobre a cobertura universal em saúde, países da África e da Ásia merecem destaque, respectivamente com 42,9% e 28,5%, além da Austrália e de Cuba (14,3% cada).
Os artigos com os melhores níveis de evidência voltavam-se à relação entre equidade e efetividade (60%) e entre eficiência e efetividade (55,6%). A maioria dos estudos ainda são teóricos, com destaque nos temas de mercantilização da saúde (68,4%) e cobertura universal em saúde (85,7%). Quanto à relação entre os elementos equidade, eficiência e efetividade, os estudos foram bem balanceados, cerca de 50% em cada categoria (teórico ou empírico). Do total dos estudos, 50,6% apresentavam comparações globais e 17,7% apresentavam comparações locais.
O viés ideológico liberal permeou as estratégias dos ajustes estruturais ou das reformas setoriais, pois poucos estudos avaliaram previamente o impacto das medidas preconizadas27. Houve situações extremas de contradição, em que, apesar de os estudos realizados pelas próprias entidades internacionais demonstrarem que as medidas de austeridade econômica não alcançavam os resultados prometidos, manteve-se na prática sua recomendação5,6.
Nesse compasso, as recomendações das organizações internacionais e as doações realizadas deslocaram-se para o fortalecimento dos sistemas de saúde5,39, de forma horizontalizada, com iniciativas reduzidas, proxy dos princípios dos sistemas universais de saúde: de universalidade (cobertura universal em saúde), integralidade (continuidade do cuidado e atenção primária coordenadora) e equidade (redução de desigualdades entre grupos vulneráveis). Essa justaposição de princípios e iniciativas pode confundir, à primeira vista, como se configuram a equidade, eficiência e efetividade nos sistemas de saúde.
De uma perspectiva utilitarista, foi recomendado aos países que maximizassem seus níveis de saúde, especialmente em tempos de crise, com base nos ganhos de eficiência, que seriam obtidos por meio das privatizações dos serviços, economias de escala, separação entre compradores e provedores, mecanismos de competição entre prestadores e até entre seguradoras, redução dos salários dos profissionais de saúde e incentivos financeiros do lado da oferta e da demanda19. Burström12 e Albreht40 alertam que as estratégias voltadas para o mercado aumentarão custos, necessitarão de regulação e promoverão iniquidades, pois a população mais educada e afluente beneficiar-se-á muito mais que os grupos vulneráveis na escolha e utilização dos serviços. Dessa forma, recomenda-se que sejam compensados com mecanismos de alocação de recursos segundo as necessidades de saúde o os resultados de indicadores epidemiológicos, e não pelas simples demandas e capacidade de pagamento12. No processo de privatização, pode ocorrer a perda da universalidade, da equidade e de bons resultados do sistema, já que os prestadores são escolhidos com base em redução de custos. A regulação deve ser implementada, de forma a evitar um sistema paralelo, sem equidade e com seleção adversa. É importante evitar a ótica consumerista de saúde, bem como a falsa assertiva de que a responsabilidade individual sobre a saúde será aumentada, caso se pague direta ou indiretamente por ela40.
De uma perspectiva igualitária, os sistemas universais assim se mantiveram, ainda que com aumento de privatizações dos serviços e formação de quase-mercados, mas a regulação e o financiamento a cargo do Estado foram mantidos12. No entanto, os princípios da solidariedade e cidadania passaram a concorrer com a responsabilidade pessoal e a autonomia nas decisões consumeristas relativas à saúde26. Assim, a liberdade e a igualdade passaram a ser irreconciliáveis na construção do direito à saúde, refletindo a contraposição entre alteridade e austeridade.
As reformas no setor saúde deveriam, de preferência, modificar seu desenho, sua estrutura e organização, de forma a aprimorar, de forma incremental, deliberada e sustentável, a equidade, efetividade e eficiência. Destarte, a estrutura conceitual proposta por Frenk41 desmistifica os diferentes níveis da política de saúde a serem analisados: o nível sistêmico, cujo principal objetivo é a equidade; o nível programático, cuja meta é a efetividade e a eficiência alocativa; e o nível organizacional, que trata da eficiência técnica.
O tema de maior recorrência nos estudos, a mercantilização e as reformas do setor saúde, justifica-se, na perspectiva de avaliar quais medidas adotadas durante as crises do capitalismo obtiveram êxito: a liberdade de escolha, por exemplo, não levou a um aumento da eficiência, nem tampouco os modelos de remuneração a prestadores e fragmentação e privatização dos serviços de saúde, a um aumento na efetividade dos níveis de saúde12,23. Conforme perspectiva hipermoderna42, o poder de escolha, decisão, autonomia dos sujeitos em suas relações e interações de vida, proporcionaram o insustentável peso da responsabilidade individual e de insegurança em relação ao futuro. A modernidade é caracterizada pela individualização crescente, valorização do mercado, da eficiência e da técnica.
Não é de se espantar, portanto, que estejam sendo oferecidas a países da África43 e da Ásia39, soluções de pacotes de serviços no âmbito da cobertura universal em saúde, como forma de expansão de mercados pelo capital financeiro, ao mesmo tempo em que são justificados pelas organizações internacionais como promissores à implementação do direito à saúde, conforme a situação política local encontrada e os confrontos sociais.
Um ponto de grande relevância é a persistência, durante tantos anos, da falácia entre eficiência e equidade44, retirando o foco da escolha entre equidade e efetividade: essa sim, a verdadeira decisão que uma sociedade deve tomar. Assim, a relação entre eficiência e efetividade melhora com a equidade, pois não só os níveis de saúde de uma sociedade aumentam, quanto sua distribuição, com justiça financeira.
No que se refere à relação entre equidade e efetividade, há esforços de criar uma nova dimensão no contexto da análise de performance, ou de mantê-la transversal, muitas vezes comparando os resultados alcançados entre diferentes estratos de renda, educação ou nível socioeconômico21. Por vezes, surgem índices compostos de exclusão social ou de globalização, em suas dimensões econômicas, políticas e sociais, para tentar compreender o fenômeno estudado. É importante observar que menos de 20% dos países estudados por Tausch45 apresentaram melhoria de seu nível de saúde, com a globalização, pois na maioria dos casos, esta, principalmente em seu componente financeiro, leva a iniquidades, que impedem bons resultados em saúde.
A relação estabelecida inicialmente entre eficiência e equidade ainda persiste na literatura como verdadeira e mutuamente excludente, embasando diversos estudos44,46. Há vários estudos em que a equidade era vista como um ajuste em uma equação relacionada a medidas individuais ou em que foram balanceadas a eficiência alocativa e a equidade horizontal, como importante busca de equilíbrio entre essas dimensões46. Simplesmente não há como alcançar tal equilíbrio, pois a eficiência apenas propõe-se a minimizar recursos ou maximizar resultados, enquanto que a equidade parte da possibilidade de distribuição justa dos resultados de saúde. O mais relevante, no entanto, é considerar que eficiência e equidade são objetivos complementares para o alcance de capacidades básicas e individuais, que contemplem não só os serviços de saúde, mas também a possibilidade de escolhas entre modos de vida47.
Um avanço importante na avaliação de equidade é de seu componente de financiamento48, para além das comparações entre riscos, resultados intermediários em saúde e níveis de saúde49. Nesse componente, não há como esconder as verdadeiras intenções da resultante do sistema de saúde de um país. Há um número muito grande de tensões entre projetos, programas e políticas de saúde, de tal forma que o tipo de sistema de saúde predominante esconde essas contradições. No entanto, quando analisados o % do PIB destinado à saúde, a proporção do gasto público em saúde, a proporção destinada à APS, a natureza das receitas, a progressividade das contribuições, a existência de subsídios cruzados de risco e de renda, evidencia-se para onde caminha a saúde de um país48. Outras dimensões importantes são a saúde pública intersetorial (equidade nos níveis de saúde); as barreiras financeiras e não-financeiras ao acesso (equidade no acesso) e a amplitude dos benefícios50.
As principais limitações do presente artigo estão relacionadas ao próprio alcance que a revisão integrativa proporciona, na medida em que permite a revisão de conceitos e a análise de estudos teóricos, porém não apresenta resultado quantitativo, como na metanálise. No entanto, este método não proporcionaria as sínteses produzidas e as interrelações encontradas entre as variáveis. Outra limitação refere-se às contradições encontradas na literatura entre a profusão de recomendações políticas de reformas setoriais e a escassez de avaliação de seus resultados. Do ponto de vista da língua utilizada, a escolha pelo inglês, português e espanhol proporcionou uma busca abrangente, mas podem ter sido excluídos estudos com abordagens distintas em línguas não pesquisadas51.
Com a financeirização do capital, os países podem ter usufruído de um dinamismo inicial, do ponto de vista econômico e da ilusão de gerar maior riqueza para a nação, ao mesmo tempo que se inserindo em uma nova ordem global45. No entanto, como evidenciado pela revisão realizada, seus efeitos sobre a igualdade foram deletérios e a implementação da saúde como direito foi bastante prejudicada em diversos sistemas de saúde, especialmente após a CFG. Isso se explica pelo fato de a crise ocorrer de forma contraditória, como solução para o problema que a originou: assim, a queda na taxa de lucro, observada desde 1970-80, é compensada pelo aumento do capital portador de juros, ou seja, o capital financeiro, que não leva em consideração o capital produtivo, nem tampouco as medidas de bem-estar dos trabalhadores, que têm seus salários comprimidos e sua exploração aumentada, acompanhados do aumento do desemprego e da informalidade no mercado de trabalho52.
São percebidos importantes movimentos relativos à crise financeira e à globalização, tais como a abertura do comércio exterior e o aumento do capital acionário, bem como a desnacionalização do estado, a desestatização da política e a internacionalização da formulação e implementação das políticas públicas. Além da redução dos gastos públicos locais para as políticas sociais e de saúde, a forma de organização dos sistemas de proteção social é modificada, delimitando o espaço destinado à solidariedade, de acordo com a lógica do capital global52.
A equidade em saúde pode ser posta em risco, com a privatização de serviços ou das seguradoras de saúde. É fundamental que os países decidam quanto de privatização permitem em seus sistemas, que os regulem de forma transparente e responsável, e que antes tentem aumentar a eficiência do sistema público. É importante manter o financiamento público, mesmo em locais em que a provisão é privada, regulando os sistemas, monitorando-os e avaliando-os continuamente. A decisão em relação à privatização de serviços deve ser muito bem ponderada: não deve se constituir apenas em uma resposta política, muito menos, importada40. Esta deve ser cercada de cuidados, principalmente em relação aos níveis mais complexos de atenção, que tendem a ser privatizados silenciosamente, enquanto são estabelecidas cestas de atenção primária aos grupos mais vulneráveis.
Dessa forma, o necessário equilíbrio entre equidade e efetividade deve ser buscado, de modo eficiente, como forma de fortalecimento dos sistemas de saúde. Ademais, a relação entre eficiência e efetividade apresenta melhores resultados nos países que valorizam a equidade. Assim, novos estudos empíricos da busca desse novo equilíbrio devem ser empreendidos44.
A cada crise do capitalismo, e muitas ainda hão de ocorrer, aumentam os estrangulamentos dos recursos destinados às áreas sociais, os choques e os incentivos para a oferta de saúde em pacotes ou cestas de produtos, de acordo com a capacidade de pagamento ou pela inversão da cidadania. Se estamos nos distanciando cada vez mais dos determinantes sociais de saúde, por outro lado, alguns princípios permanecem fortalecidos, a ponto de terem sido incluídos em certas iniciativas hegemônicas e ambíguas, ao menos como indicativo, tal como a busca da equidade na cobertura universal em saúde39,53.
Para se alcançar bons resultados na saúde individual e coletiva, exige-se um esforço contínuo de direcionar escassos recursos a resultados maximizados, de viver mais e melhor. No entanto, apesar de todos os esforços para ampliar a eficiência e reduzir a proteção social, felizmente ainda não foi possível eliminar um princípio fundamental da condição humana, a solidariedade, apoiada na alteridade e expandida na universalidade, ingrediente imprescindível à interação humana e ao desejo de uma sociedade equitativa e coesa, na qual se reconhecem os direitos de todos os grupos, em uma sociedade plural.
A escolha entre alteridade ou austeridade precisa ser feita de forma explícita e transparente, com resiliência dos valores que a sociedade deseja: há que se atentar para o escamoteamento dos princípios de universalidade, integralidade e equidade, por meras armadilhas semânticas ou iniciativas excludentes à qualidade de vida e à cidadania.