versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.31 supl.1 Rio de Janeiro nov. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00027114
O ambiente alimentar é definido pelo território em que se vive e trabalha e que gera impacto sobre a salubridade da alimentação da população 1. O território é constituído por espaços onde ocorrem inter-relações dos homens entre si e deles com o meio 2. Nesse contexto, o território não é apenas um local físico, mas um lócus de promoção da saúde, onde os sujeitos atuam coletivamente com a intenção de promover melhoria em suas condições de vida e saúde 3.
Para isso, a promoção da saúde apresenta a intersetorialidade e a participação popular como alguns de seus atributos, sendo seu principal locus a Atenção Primária à Saúde, nível de atenção, foco deste estudo e importante cenário de ações de promoção da alimentação saudável. Entretanto, no que se refere à alimentação adequada e saudável, ainda verifica-se a necessidade do fortalecimento da intersetorialidade de equipamentos e políticas no território que considerem o ambiente alimentar dos sujeitos com vistas ao acesso universal, como preconizado pelas Políticas Nacionais de Alimentação e Nutrição, e de Segurança Alimentar e Nutricional 4.
O acesso ao ambiente alimentar tem sido foco de estudos mediante o uso de diferentes métodos para a sua aferição. No macronível, incluem variáveis como número, tipo, localização e proximidade com os estabelecimentos; e o micronível, que contempla a qualidade, preço, promoção, disponibilidade e variedade dos produtos ofertados 5.
O tipo de estabelecimento, somado a outros atributos dos produtos, como disponibilidade, qualidade e preço, se destacam por exercerem forte influência sobre a decisão de compra dos indivíduos 6,7,8. Percebe-se, por exemplo, a maior oferta de alimentos saudáveis em supermercados, sacolões e feiras-livres, comparativamente a mercados e lojas de conveniência, impactando diretamente as escolhas de consumo 9.
Assim, para mapear o ambiente alimentar tem sido sugerido 1 o acompanhamento da oferta de alimentos saudáveis e não saudáveis no setor varejista, contemplando aspectos relacionados ao tipo, disponibilidade e acessibilidade aos pontos de comercialização de alimentos. Com esse monitoramento, espera-se identificar oportunidades para uma alimentação saudável, pela existência e proximidade de lojas de produtos alimentares frescos e saudáveis, como as que ofertam frutas e hortaliças 7,10.
Diante desse contexto, este trabalho tem por objetivo analisar espacialmente a distribuição e o acesso a estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças no território do Programa Academia da Saúde (PAS) de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. A escolha desse Programa como definidor do território partiu da concepção de ser este um ponto da Atenção Primária do Sistema Único de Saúde brasileiro, que preconiza a intersetorialidade e a participação popular no enfrentamento dos determinantes sociais e na construção da saúde. Suas ações devem envolver, portanto, o desenvolvimento de competências individuais, reforço das ações coletivas e a criação de ambientes favoráveis 11. Dessa forma, conhecer o território do PAS possibilitará mapear a necessidade de implantação e reforço de políticas públicas de alimentação e nutrição que favoreçam a construção de um ambiente alimentar saudável, como as políticas públicas de abastecimento. Além de contribuir para potencializar as ações de educação alimentar e nutricional desenvolvidas pelo PAS, com vistas à promoção da alimentação saudável ao utilizarem informações sobre o acesso e qualidade de alimentos frescos, como as frutas e hortaliças 12.
Trata-se de um estudo ecológico exploratório sobre a distribuição espacial e acesso a estabelecimentos que comercializam frutas e hortaliças no território dos polos do PAS, de Belo Horizonte. Essa é a capital do Estado de Minas Gerais, com população de 2.375.151 habitantes no ano de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. http://censo2010.ibge.gov.br, acessado em 10/Fev/2014) e apresenta nove regiões administrativas.
O estudo foi composto pelo sorteio de uma amostra representativa de polos do PAS, estratificada pelas regionais administrativas do município. Foram selecionados 18 polos, sendo dois por região administrativa (Figura 1). No processo amostral foram considerados como elegíveis 42 polos entre os 50 instalados no município, em 2012. Foram excluídas seis unidades localizadas em áreas de baixa vulnerabilidade à saúde, devido ao seu número reduzido e não dispor de par na regional para compor a amostra, e outros dois polos devido à intensa realização pregressa de estudos de intervenção.
Figura 1 Distribuição dos polos do Programa Academia da Saúde (PAS) sorteados. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2013.
Para a composição da base de dados foram obtidas informações referentes aos estabelecimentos que comercializavam frutas e hortaliças valendo-se do cadastrado da Secretaria Municipal Adjunta de Arrecadação (SMAA) do município, em duas bases de dados, acrescidos das feiras-livres e de estabelecimentos espontaneamente encontrados que não estavam registrados nas bases. A primeira base foi adquirida em dezembro de 2012 e se refere aos comércios atacadistas e varejistas de hortifrutigranjeiros. A segunda, referente aos comércios varejistas de mercadorias em geral, foi obtida em abril de 2013, conforme a subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas. Ambas as bases de dados estavam georreferenciadas. Já a localização das feiras-livres foi obtida no site da Prefeitura de Belo Horizonte (http://www.pbh.gov.br).
Considerando-se a posição geográfica dos polos do PAS, foram construídos buffers com raios de 1.600 metros (ou 1 milha). Todos os estabelecimentos que comercializavam frutas e hortaliças contidos nesses raios foram considerados como potenciais participantes do estudo.
Excluiu-se da análise as áreas de influência de polos que continham menos de dez estabelecimentos comerciais, devido à sua instabilidade.
Utilizou-se como questionário de pesquisa o Instrumento de Auditoria de Mercados/Supermercados/Sacolões do Estudo do Ambiente Obesogênico de São Paulo (ESAO), elaborado e testado por Duran et al. 9, sendo todas as variáveis coletadas de acordo com o manual de aplicação do instrumento.
Realizou-se a coleta de dados em dois níveis, macronível e micronível. No macronível, os dados referiram à localização e ao tipo do estabelecimento comercial. No micronível, foi abordado o acesso e tempo de funcionamento dos estabelecimentos.
Para verificar o acesso, utilizou-se o Índice de Acesso a Alimentos em Estabelecimentos (HFSI) de comercialização para consumo no domicílio. Esse índice varia de 1 a 16 e é composto pelas variáveis de disponibilidade, variedade e propaganda de itens saudáveis (frutas e hortaliças) e ultraprocessados (bebidas açucaradas, salgadinho de milho e biscoito recheado de chocolate). Para esta análise especificamente foram incluídos apenas os estabelecimentos comerciais que aceitaram participar do estudo e que permitiram a coleta de dados.
Com base nos dados obtidos foram construídos mapas de pontos, considerando os buffers com o objetivo de visualizar os tipos de estabelecimentos e os valores de HFSI atribuídos a estes no território do PAS, sendo apresentados neste manuscrito os mapas que eram representativos e que reuniam características distintas.
Para analisar a distribuição espacial dos estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças nos territórios investigados, utilizou-se o estimador de Kernel visando a identificar a existência de áreas de cluster spacial nos polos. Esse estimador é um interpolador, que possibilita a estimação da intensidade do evento em toda a área. Para isso, ajusta-se uma função bidimensional sobre os eventos, compondo uma superfície cujo valor será proporcional à intensidade de amostras por unidade de área 13. Para esse método, o tamanho da célula adotado foi de 6,4, valor este obtido pela divisão do raio da área de influência do polo (1.600 metros) por 250. Já o parâmetro largura da banda ou raio de influência, que define a vizinhança do ponto a ser interpolado e controla o alisamento da superfície gerada, foi definido em 1.600 metros, correspondendo ao mesmo valor utilizado para o raio.
Para analisar o padrão de distribuição dos estabelecimentos comerciais nos territórios dos polos do PAS, e, desta forma, determinar se os mesmos exibiam padrão espacial aleatório ou não, foi utilizado o método do vizinho mais próximo e a função K-univariada de Ripley. O método do vizinho mais próximo estima a distribuição da função de distribuição cumulativa baseado na distância entre eventos em uma região de análise, e pode ser usada como método formal para se comparar estatisticamente a distribuição dos eventos observados com o que se esperaria na hipótese da aleatoriedade espacial completa. A função K de Ripley, representa a dependência espacial no processo e é proveniente da estrutura de correlação espacial. Para mensurar a dependência espacial estima-se o relacionamento entre pares de eventos no espaço, correspondendo a uma aproximação do cálculo da covariância entre as variáveis aleatórias 13. Dessa forma, o raio (h) empregado para o cálculo do k (h) foi de 160 metros, sendo as análises realizadas até a distância de 1.600 metros, correspondente à área de influência dos polos. Os envelopes de confiança foram criados utilizando-se 999 simulações aleatórias.
A elipse de distribuição direcional dos estabelecimentos foi utilizada para demonstrar a tendência espacial dos estabelecimentos comerciais. Essa elipse é uma medida de variabilidade ou dispersão, tendo com base um ponto central, que leva em consideração a magnitude ou o peso das localidades 14.
Os dados foram tabulados no programa Access 2010 (Microsoft Corp.) e georreferenciados e analisados utilizando-se o software Arcview, versão 10.1 (Environmental Systems Research Institute Inc., http://www.esri.com/software/arcview/).
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e da Prefeitura Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Os dados foram coletados após consentimento informado dos responsáveis pelos estabelecimentos comerciais.
Todos os 318 estabelecimentos pertencentes à primeira base e as 13 feiras-livres foram passíveis de participação no estudo. Já com relação à segunda base, do total de 880 estabelecimentos foram excluídos 385 por não comercializarem frutas e hortaliças, verificado por contato telefônico, e 72 por constarem em duplicata na base de dados. A esses estabelecimentos comerciais foram acrescidos aqueles encontrados espontaneamente nas áreas de influência do PAS, não cadastrados ou georreferenciados pelo município.
Foram visitados 754 estabelecimentos registrados no banco de dados e no site da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Desse total, 46,3% (n = 349) não existiam, sendo 1 feira-livre e 172 estabelecimentos (23%) por não comercializarem frutas e hortaliças. Do total de 233 estabelecimentos elegíveis, 20,6% (n = 48) não permitiram a realização da coleta de dados. Somados a esse levantamento, foram encontrados espontaneamente 127 estabelecimentos (não existentes no cadastro municipal), dos quais 11% (n = 14) recusaram participar da pesquisa. Dessa forma, coletaram-se dados em 298 estabelecimentos, sendo que 173 (60,5%) pertenciam à base de dados da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Ao final, trabalhou-se com um total de 336 estabelecimentos, uma vez que 38 destes pertenciam a duas áreas de influência de distintos polos do PAS, sendo, portanto, alocados em ambas as áreas.
A maioria dos estabelecimentos visitados era composta por sacolões e feiras-livres (61,3%), seguida de mercados e supermercados de grande rede (20,5%) e mercados locais (17,6%). A mediana do tempo de funcionamento dos estabelecimentos foi de aproximadamente 10 anos, variando de 1 mês a 52 anos.
Quanto ao acesso, a mediana do HFSI foi de 11, variando de 5 a 16. Verificou-se que em dois territórios do PAS (Norte 1 e 2) não havia estabelecimentos no último tercil do HFSI, referente ao melhor acesso a alimentos saudáveis. Das 18 áreas de estudo, sete (39%) apresentaram mediana do HFSI no primeiro tercil (≤ 10), sendo caracterizadas por estabelecimentos com melhor e pior acesso a alimentos saudáveis, respectivamente (Tabela 1).
Tabela 1 Descrição dos estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças visitados nos territórios do Programa Academia da Saúde (PAS) de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2013.
Região | PAS | Estabelecimentos (n) | Índice de acesso | Distribuição espacial * | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana | Mínimo | Máximo | |||||
Barreiro | 1 | 10 | 10 | 5 | 15 | Aleatoriedade | < 0,001 |
2 | 10 | 13 | 6 | 15 | Aleatoriedade | 0,01 | |
Centro-Sul | 1 | 48 | 11 | 6 | 16 | Clusterização | 0,006 |
2 | 12 | 11 | 5 | 14 | Aleatoriedade | < 0,001 | |
Leste | 1 | 33 | 11 | 6 | 16 | Clusterização | 0,008 |
2 | 31 | 11 | 6 | 16 | Clusterização | 0,01 | |
Nordeste | 1 | 17 | 9 | 6 | 15 | Aleatoriedade | 0,12 |
2 | 16 | 9 | 6 | 14 | Aleatoriedade | 0,49 | |
Noroeste | 1 | 18 | 11 | 6 | 15 | Aleatoriedade | 0,04 |
2 | 10 | 11,5 | 6 | 14 | Aleatoriedade | 0,03 | |
Norte | 1 | 11 | 8 | 5 | 13 | Aleatoriedade | 0,33 |
2 | 09 | 6 | 5 | 13 | ** | ** | |
Oeste | 1 | 17 | 13 | 7 | 15 | Aleatoriedade | 0,06 |
2 | 22 | 10 | 5 | 14 | Aleatoriedade | 0,65 | |
Pampulha | 1 | 10 | 12 | 6 | 15 | Aleatoriedade | 0,005 |
2 | 15 | 10 | 6 | 14 | Aleatoriedade | 0,57 | |
Venda Nova | 1 | 31 | 12 | 5 | 16 | Aleatoriedade | 0,19 |
2 | 16 | 11 | 6 | 16 | Aleatoriedade | 0,67 | |
Total | - | 336 | - | - | - | - |
* Método do vizinho mais próximo e função K-Ripley;
** Área de influência excluída da análise espacial.
Os estabelecimentos comerciais com melhor acesso a alimentos saudáveis e presentes na região com a maior densidade de estabelecimentos (área quente), identificados pela análise do estimador de Kernel, foram maioria somente em 17% (n = 3) dos polos (PAS: Oeste 1, Barreiro 2, Centro-Sul 1) (Figura 2). Cerca de metade dos polos (44%, n = 8 – PAS: Centro-sul 2, Leste 1 e 2, Norte 1, Nordeste 2, Oeste 2, Pampulha 2 e Barreiro 1) possuía estabelecimentos, em sua maioria, com pior HFSI (Figura 3). Destaca-se que em duas áreas (PAS: Pampulha 2 e Norte 1) não havia estabelecimentos com qualidade satisfatória de HFSI (Figura 3).
Figura 2 Distribuição espacial dos estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças no território do Programa Academia da Saúde (PAS) Oeste 1. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2013.
Figura 3 Distribuição espacial dos estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças no território do Programa Academia da Saúde (PAS) Pampulha 2. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2013.
Quanto ao padrão de aglomeração, das 17 áreas de influência analisadas, três polos (PAS: Centro-Sul 1, Leste 1 e 2) apresentaram distribuição espacial dos estabelecimentos comerciais com padrão de aglomeração (Tabela 1 e Figura 4).
Figura 4 Distribuição espacial dos estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças no território do Programa Academia da Saúde (PAS) Centro-sul 1. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2013.
Com relação à localização dos polos do PAS, apenas seis (Leste 2, Barreiro 1, Centro-sul 1, Leste 1, Nordeste 1 e Venda Nova 1) estavam situados dentro da área quente, ou seja, continham ao seu redor uma maior densidade de estabelecimentos de frutas e hortaliças, pela análise da densidade de Kernel. Com relação à localização do polo perante a elipse da distribuição direcional dos estabelecimentos, 11 polos (Centro-Sul 1, Leste 1 e 2, Nordeste 1 e 2, Noroeste 1, Norte 1, Oeste 1 e 2, Venda Nova 1 e 2) estavam dentro da elipse, demonstrando aproximação da tendência espacial dos estabelecimentos (Figuras 2 e 4).
Observou-se que somente três áreas de influência (PAS: Leste 1, Oeste 1 e Venda Nova 1) tinham estabelecimentos distribuídos espacialmente em todo o território (Figura 2). Nove áreas (PAS: Barreiro 1, Leste 1 e 2, Noroeste 1 e 2, Norte 1 e 2, Pampulha 1, Venda Nova 2) eram cortadas pelo limite do município e outras nove (PAS: Barreiro 1 e 2, Centro-Sul 2, Leste 2, Noroeste 1 e 2, Norte 1, Pampulha 1 e 2) apresentavam espaços desabitados ou pertencentes a parques florestais e campus de universidade (Figura 3).
Observou-se que a maioria dos estabelecimentos contidos no território do PAS era classificada como sacolões e feiras-livres, entretanto, somente duas áreas apresentavam estabelecimentos com melhores índices de acesso a alimentos saudáveis. Em geral, os polos dos PAS não estavam localizados em regiões com maior densidade de estabelecimentos comerciais e apenas um sexto das áreas quentes apresentava estabelecimentos com melhor acesso a frutas e hortaliças, ou seja, com maior disponibilidade e variedade destes alimentos em detrimento a produtos ultraprocessados.
Os sacolões e as feiras-livres, assim como os supermercados, foram os estabelecimentos mais encontrados no território do PAS. Esses estabelecimentos são caracterizados por apresentarem maior disponibilidade, variedade e qualidade dos produtos ofertados a um menor custo, o que favorece o acesso a frutas e hortaliças 9,12,15,16,17,18,19.
Estudos apontam que a facilidade de acesso a estabelecimentos fornecedores de frutas e hortaliças e maior disponibilidade de alimentos saudáveis nos estabelecimentos associam-se à maior disponibilidade nos domicílios 20 e ao aumento do consumo destes alimentos 6,7,21,22. Um estudo realizado com dados do Programa Food Stamp da América revelou que o acesso facilitado correspondeu ao consumo de uma porção a mais de frutas diariamente 6. Nesse mesmo sentido, em estudo realizado com mulheres afro-americanas, em Detroit (Estados Unidos), observou-se que o maior consumo de frutas e hortaliças foi encontrado entre aquelas que realizavam suas compras em mercearias e supermercados 7. No Brasil, em uma análise ecológica realizada com adultos residentes em São Paulo, verificou-se que áreas com maior concentração de sacolões e feiras-livres apresentaram maiores taxas de consumo 23.
Apesar do predomínio de sacolões e feiras- livres no território do PAS, observou-se elevada oferta de produtos ultraprocessados, como bebidas açucaradas (49%) e salgadinho de milho/biscoito recheado de chocolate (39%). Tal resultado denota o acesso facilitado a esses alimentos, com maior exposição a hábitos alimentares poucos saudáveis 21,24, o que pode afetar a qualidade da alimentação e a saúde da população 25. Essa exposição a alimentos poucos saudáveis foi corroborada pela análise do índice de acesso a estabelecimentos comerciais, na qual somente 33% (n = 111) dos estabelecimentos apresentaram maior pontuação, representada pela maior disponibilidade e variedade de produtos saudáveis.
Os resultados sugerem que os usuários apresentavam acesso limitado a estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças com adequada disponibilidade e variedade no território do PAS. Esse programa, como ponto da Atenção Primária voltado para a promoção da saúde, ao localizar-se em áreas com poucos equipamentos que propiciem escolhas alimentares saudáveis, poderá produzir resultados insatisfatórios relativos às ações de educação alimentar e nutricional desenvolvidas 12. Entretanto, o conhecimento dessas informações possibilita que territórios com reduzido acesso às frutas e hortaliças possam ser alvos prioritários de políticas públicas de abastecimento de alimentos saudáveis, integrando diferentes equipamentos e políticas com vistas à intersetorialidade na construção de ambientes alimentares saudáveis e maior efetividade das ações de educação alimentar e nutricional desenvolvidas. Ademais, o mapeamento dos estabelecimentos comerciais de frutas e hortaliças no território do PAS, como aqui realizado, poderá orientar as ações de educação alimentar e nutricional nos polos, uma vez que as principais barreiras apontadas para a aquisição de frutas e hortaliças pelos indivíduos estão relacionadas ao acesso e à qualidade, fomentando inclusive a participação dos sujeitos na construção de um ambiente alimentar saudável.
Ao analisar a localização desses polos, metade estava situada em áreas limítrofes com outros municípios ou era, em grande parte, tomada por áreas desabitadas, o que traz à tona a discussão da equidade ao analisar o acesso geográfico. A localização desses serviços de promoção de saúde em áreas com grandes extensões desabitadas pode não ser estratégica para o uso da população, uma vez que dentre os determinantes de utilização dos serviços de saúde, a distância percorrida é aspecto fundamental à disponibilidade e acessibilidade aos cuidados com a saúde 26. Não existe uma regulamentação específica referente ao local onde os polos do PAS devam ser implantados. A Portaria no2.684/201327, do Ministério da Saúde, ressalta apenas que o polo deve ser construído em espaços públicos preexistentes, preferencialmente esquinas, por serem áreas de livre acesso à população, e na área de abrangência das Unidades Básicas de Saúde (UBS), serviços de referência da Atenção Básica. Apesar de todos os polos do PAS investigados localizarem-se na área de abrangência das UBS, boa parte deles estava situada em grandes áreas desabitadas. Destaca-se a importância de se estar atento à orientação de implantação dos polos em áreas habitadas e com grande movimentação, por oportunizar o acesso dos usuários a outros equipamentos que favoreçam a saúde no território, como estabelecimentos que comercializam frutas e hortaliças.
Quanto à distribuição espacial dos estabelecimentos, o padrão de aglomeração notado em três territórios do PAS justifica-se por estes locais apresentarem grande movimentação de pessoas, conforme preconizado pela Portaria no2.684/201327, e consequentemente um maior número de comércios e, também, pela existência de um mercado municipal em um território. Os mercados municipais são caracterizados por um comércio diversificado, amplo e popular, e atraem outros estabelecimentos em seu entorno. Esses centros tendem a favorecer a competitividade em que variedade, conveniência, qualidade e preço são atributos importantes para a diferenciação 28. No entanto, o processo de urbanização e o crescimento populacional promovem a necessidade e a emergência de novos centros, sendo a sua expansão vista como alternativa para promover o acesso às frutas e hortaliças 29.
Assim como a importância da existência de estabelecimentos comerciais saudáveis e a expansão de novos centros comerciais, outro fator igualmente importante é o registro adequado destes estabelecimentos em base de dados. Os resultados demonstraram a inexistência de parte dos estabelecimentos registrados e a existência de estabelecimentos não registrados no banco de dados do município. Tais achados sugerem a necessidade de mudanças no fluxo de fiscalização visando a manter as informações atualizadas, mediante o incentivo da regularização dos comércios com a Prefeitura, haja vista a relevância destes dados para a formulação de políticas públicas e a realização de pesquisas científicas com boa qualidade.
Dentre as limitações do estudo tem-se a não identificação de todos os estabelecimentos comerciais da área de influência de alguns polos do PAS devido à sua localização geográfica próxima a outros municípios que não dispõem de dados georreferenciados, impossibilitando o conhecimento de todo o ambiente alimentar do território destes polos. Outra limitação é o uso do buffer na determinação da área de abrangência do PAS, que implica determinar e reconhecer fronteiras que podem não ser restritas a estes limites. Assim, a área de abrangência e, consequentemente, o acesso poderá ser menor ou maior em função da determinação desse limite arbitrário. No entanto, os autores utilizaram o valor de raio semelhante ao utilizado na literatura 15,30,31.
Ressalta-se que estudos ecológicos, como este, são fundamentais por relacionar o ambiente ou contexto com o acesso a alimentos saudáveis, como as frutas e hortaliças 21. Ademais, poucos estudos buscaram compreender aspectos primários do ambiente alimentar, como qualidade, disponibilidade e variedade dos alimentos, sobretudo das frutas e hortaliças, o que poderá contribuir para a construção de sistemas de monitoramento do ambiente alimentar.
Nos territórios investigados do PAS, a maioria dos estabelecimentos comerciais era classificada como sacolões e feiras-livres, mas com acesso limitado a estabelecimentos com adequada disponibilidade e variedade de frutas e hortaliças. Sugere-se que políticas públicas de abastecimento de alimentos saudáveis priorizem o território do PAS, sobretudo aqueles com acesso reduzido a alimentos saudáveis, visando à intersetorialidade e potencialização das ações no território.