versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.35 no.7 Rio de Janeiro 2019 Epub 12-Ago-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00186418
A pesar de la reducción de la mortalidad en la infancia, las causas de fallecimiento todavía son mayoritariamente evitables y la supervivencia puede estar condicionada con la situación de amenaza para la vida al nacer. En este trabajo se estimaron la carga de amenaza para la vida al nacer, el near miss neonatal y la mortalidad, con énfasis en la evitabilidad y supervivencia en la infancia en cohortes de nacidos vivos. Es un estudio de cohorte retrospectivo de nacidos vivos, residentes en el municipio de Río de Janeiro, Brasil (2012-2016). Se relacionaron los bancos de datos de los Sistemas de Información sobre Nacidos Vivos y sobre Mortalidad. Se utilizaron criterios pragmáticos para la definición amenaza para la vida al nacer y near miss. Los óbitos se clasificaron según la lista brasileña de causas de muertes evitables. Se estimaron indicadores de morbimortalidad y supervivencia (Kaplan-Meier). De los 425.505 nacidos vivos, un 2,2% presentaron amenaza para la vida. Las tasas de mortalidad en la infancia, infantil y neonatal fueron, respectivamente: 0,01; 0,06 y 14,97 por 1.000 personas-día. Las causas evitables, no claramente evitables y mal definidas, correspondieron, respectivamente, a un 61%, 35% y 4% de los óbitos. El riesgo de muerte por causas evitables atribuible al nacimiento con amenaza para la vida fue de un 97,6%. La supervivencia fue menor entre recién nacidos con amenaza para la vida, comparados con aquellos sin amenaza para la vida. Los criterios pragmáticos de amenaza para la vida determinaron el perfil de mortalidad proporcional por causas de muerte, según los tres grupos de causas de la lista brasileña de causas de muertes evitables. Nacer con amenaza para la vida define a los niños con un mayor riesgo de morbimortalidad y pone en relevancia la discusión sobre vulnerabilidad y necesidades asistenciales para los niños, así como el apoyo social a sus familias.
Palabras-clave: Near Miss; Mortalidade del Niño; Análisis de Supervivencia; Causas de Muerte
Entre as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, Organização das Nações Unidas - ONU), estão a redução da mortalidade de menores de cinco anos para menos de 25 por 1.000 nascidos vivos, diminuindo a mortalidade neonatal para menos de 12 mortes por 1.000 nascidos vivos, e eliminar mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de cinco anos, de 2016 a 2030 1,2. O Brasil alcançou, antecipadamente, a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM, ONU) de redução de 2/3 da mortalidade de menores de cinco anos até 2015 3.
No Município do Rio de Janeiro, Brasil, o mesmo padrão foi observado (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - DATASUS. Informações de saúde. Estatísticas vitais. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205, acessado em 09/Jul/2018), (Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Sistemas de informação em saúde. http://tabnet.rio.rj.gov.br/, acessado em 30/Jun/2018). Apesar da taxa de mortalidade de menores de 5 anos e a taxa de mortalidade neonatal do Município do Rio de Janeiro, em 2016, já apresentarem valores abaixo do limite estabelecido, respectivamente, 14,9 e 8,3 por mil nascidos vivos, as causas de morte ainda são majoritariamente evitáveis (http://tabnet.rio.rj.gov.br/). Quando comparadas a países latino-americanos como Cuba e Costa Rica, cujas taxas de mortalidade de menores de 5 anos, em 2016, foram, respectivamente, 5,3 e 10,6 por mil nascidos vivos, reforça-se o potencial de redução da mortalidade na infância 1,2.
Diversos estudos nacionais apontam que as principais causas de morte na infância são evitáveis por intervenções de saúde 4,5,6,7,8. Nas coortes de nascimento de Pelotas (Rio Grande do Sul), a persistência das taxas de mortalidade infantil por causas evitáveis foi atribuída às desvantagens socioeconômicas e biológicas maternas, associadas ao aumento dos nascimentos pré-termo 6.
Considerando-se que prematuridade e asfixia ao nascer são complicações fortemente associadas aos óbitos neonatais 7,9,10, as condições de nascimento baseadas na idade gestacional, no peso ao nascer e no escore de Apgar no quinto minuto vêm sendo estudadas como marcadores de ameaça à vida ao nascer. Esses marcadores, denominados critérios pragmáticos, compõem isoladamente 11,12, ou em conjunto com critérios clínicos, laboratoriais e de manejo 13,14,15, diversas definições de near miss ou morbidade grave neonatal: recém-nascidos com ameaça à vida que sobreviveram ao período neonatal. A ocorrência de ameaça à vida ao nascer e os casos de near miss neonatal apresentam um risco mais elevado de morte na infância, se comparados às crianças que nasceram sem situação de ameaça à vida. Ainda são poucos os estudos que estimaram a probabilidade de morte e/ou sobrevida na infância entre recém-nascidos com ameaça à vida ou, em particular, entre casos de near miss neonatal 16.
Este estudo estimou a carga de ameaça à vida ao nascer, de near miss neonatal e da mortalidade, com ênfase na evitabilidade das causas, assim como a sobrevida na infância, em coortes de nascidos vivos no Município do Rio de Janeiro, no período de 2012-2016.
Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva de nascidos vivos não gemelares residentes no Município do Rio de Janeiro de 2012-2016 (n = 426.867). Optou-se por não incluir recém-nascidos de gravidez múltipla por apresentarem riscos diferenciados de morbimortalidade. O período de seguimento da população de estudo foi de, no máximo, cinco anos incompletos após o nascimento (início em 1º/janeiro/2012 e término em 31 de dezembro de 2016). Apenas nascidos vivos da coorte de 2012 tiveram possibilidade de acompanhamento até cinco anos.
As fontes de dados foram o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. As bases de dados de nascimentos e óbitos foram relacionadas, inicialmente, pelo número da Declaração de Nascidos Vivos (DNV) constante nos dois bancos de dados e, em caso de informação ignorada do referido campo, de forma probabilística. O percentual de registros de óbitos e nascimentos relacionados foi de 85,7%.
Os recém-nascidos foram classificados segundo situação de ameaça à vida, caso apresentassem, pelo menos, um dos critérios pragmáticos da definição de near miss neonatal 14: peso ao nascer inferior a 1.500g, idade gestacional inferior a 32 semanas e Apgar no quinto minuto inferior a sete. Recém-nascidos em situação de ameaça à vida, sobreviventes ao período neonatal (0 a 27 dias), foram classificados como casos de near miss neonatal. Foram excluídos da análise 0,3% dos registros com inconsistências entre peso ao nascer e idade gestacional.
Óbitos de zero a cinco anos incompletos foram classificados segundo a lista brasileira de causas de mortes evitáveis, composta por três grupos de causas de morte: evitáveis, não claramente evitáveis e mal definidas. O grupo de causas evitáveis é composto por sete subcategorias segundo o tipo de intervenção 17.
Foi calculada a proporção de nascidos vivos com ameaça à vida. Para coorte de 2012, a carga mórbida de recém-nascidos em condições de ameaça à vida e sobreviventes ao período neonatal foi aferida pela taxa de near miss neonatal (TNMN: quociente do número de casos de near miss neonatal por mil nascidos vivos). Foi calculada a razão entre óbitos e casos de near miss neonatais.
Os riscos de morte (probabilidade de morte) total e segundo ameaça à vida foram calculados pelo método atuarial, ajustados para perdas 18, segundo grupos etários, multiplicados por mil: mortalidade neonatal (quociente entre os óbitos de 0-27 dias e o número de nascidos vivos ou raiz da tábua de vida) e mortalidade pós-neonatal (quociente entre os óbitos de 28 a 364 dias e o número de nascidos vivos), com um, dois, três e quatro anos completos de vida entre os sobreviventes da faixa etária anterior. O risco relativo de morte segundo ameaça à vida foi calculado por idade.
Foram calculadas taxas de mortalidade infantil (TMI) e neonatal (TMN) e taxas de mortalidade de menores de cinco anos de idade (TMM5) por mil nascidos vivos apenas para a coorte de nascimentos de 2012 (apresentava cinco anos incompletos de seguimento). Considerando-se todas as coortes de nascimentos como uma única coorte dinâmica, com tempos de seguimento distintos entre 2012 e 2016, foram calculadas as TMN, TMI e a TMM5 por 1.000 pessoas-dia. A TMM5 também foi calculada segundo a lista brasileira de causas de mortes evitáveis (três grupos) total e entre nascidos vivos com e sem ameaça à vida. Foram descritas as principais causas específicas de morte (agrupamentos da Classificação Internacional de Doenças - 10ª revisão - CID-10), por grupos e subgrupos da lista brasileira de causas de mortes evitáveis. O risco atribuível (RA) ou fração etiológica foi calculado segundo ameaça à vida para cada grupo de causas evitáveis, e a fração atribuível proporcional (RA%) por ameaça à vida, considerando-se as TMM5 por 100 mil pessoas-dia. Considerando-se que os dados foram obtidos de Sistemas de Informações em Saúde com excelente cobertura no Estado do Rio de Janeiro (DATASUS. Consolidação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - 2011. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Consolida_Sinasc_2011, acessado em 20/Mar/2017), (DATASUS. Consolidação do Sistema de Informações sobre Mortalidade - 2011. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Consolida_Sim_2011.pdf, acessado em 20/Mar/2017) e, portanto, representativos da população, podemos inferir que o RA% pode ser interpretado como RA% populacional 19.
Foi utilizado o método de Kaplan-Meier para a análise das curvas de sobrevivência 18 de nascidos vivos com e sem ameaça à vida. Para testar a diferença entre as curvas de sobrevivência, foi utilizado o teste estatístico log-rank.
O estudo é parte integrante da pesquisa Near Miss Neonatal, Óbitos e Sobrevida na Infância: Análise das Coortes de Nascidos Vivos do Município do Rio de Janeiro, aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro (parecer nº 2.105.885) e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (parecer nº 2.218.098).
As coortes de nascimento totalizaram 425.505 nascidos vivos. Foi possível classificar 419.357 recém-nascidos segundo situação de ameaça à vida, dos quais 2,2% apresentaram, pelo menos, um critério pragmático de risco de morte, e 3.820 evoluíram para óbitos de menores de cinco anos, correspondendo a uma taxa de 0,01 por mil pessoas-dia (Tabela 1). As taxas de mortalidade na infância, infantil, neonatal e de near miss neonatal, para a coorte de nascimento de 2012, foram respectivamente: 12,0; 10,6; 6,7; e 20,1 por mil nascidos vivos. A razão entre casos de near miss e óbitos neonatais é de 3:1.
Tabela 1 Indicadores de saúde da coorte de nascidos vivos. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2012-2016.
Indicadores de morbimortalidade | Coortes de nascidos vivos | |
---|---|---|
2012 * | 2012-2016 ** | |
Número de nascidos vivos | 82.639 | 419.357 |
Taxa de mortalidade neonatal | 6,7 | 14,97 |
Taxa de mortalidade infantil | 10,6 | 0,06 |
Taxa de mortalidade de menores de 5 anos | 12,0 | 0,01 |
Proporção de nascidos vivos com ameaça à vida | 2,3 | 2,2 |
Taxa de near miss neonatal | 20,1 | - |
Razão casos de near miss neonatal/óbitos neonatais | 2,9 | - |
Fontes: Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
* Taxas por mil nascidos vivos;
** Taxas por mil pessoas-dia.
Os riscos de morte (probabilidades de morte ajustadas para perdas de seguimento) segundo situação de ameaça à vida por mil sobreviventes à idade anterior são apresentados na Tabela 2. Recém-nascidos com ameaça à vida apresentaram riscos de morte superiores àqueles sem ameaça à vida em todas as idades, principalmente no período neonatal e uma redução de 18,6% da probabilidade de sobrevida até cinco anos incompletos. Independentemente da situação de ameaça à vida, o risco de morte diminuiu com a idade (Tabela 2).
Tabela 2 Riscos de morte por mil sobreviventes * segundo ameaça à vida por idade. Município do Rio Janeiro, Brasil, 2012-2016.
Idade | Ameaça à vida | Risco relativo | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim (NV = 9.150) | Não (NV = 410.270) | ||||||
Sobreviventes | Óbitos | Risco de morte | Sobreviventes | Óbitos | Risco de morte | ||
0-6 dias | 9.150 | 982 | 107,5 | 410.207 | 401 | 1,0 | 107,5 |
7-27 dias | 8.137 | 334 | 144,3 | 408.553 | 346 | 1,8 | 80,2 |
28-364 dias | 7.724 | 336 | 184,9 | 404.008 | 1.093 | 4,8 | 38,5 |
1 ano | 6.105 | 32 | 189,8 | 330.834 | 176 | 5,4 | 35,1 |
2 anos | 4.572 | 7 | 191,3 | 245.937 | 71 | 5,7 | 33,6 |
3 anos | 3.087 | 3 | 192,3 | 161.855 | 31 | 6,0 | 32,1 |
4 anos | 1.581 | 1 | 193,3 | 80.387 | 7 | 6,2 | 31,2 |
NV: nascidos vivos (número da raiz da tábua de vida).
Fontes: Sistemas de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
* Probabilidade de morte calculada pelo método atuarial da tábua de vida, ajustada por perdas.
Entre os óbitos de menores de cinco anos de idade, 61%, 34% e 4% foram, respectivamente, por causas evitáveis, causas não claramente evitáveis e causas mal definidas. O mesmo padrão de distribuição das causas nos três grandes grupos da lista brasileira de causas de mortes evitáveis se repete na presença ou ausência de ameaça à vida ao nascer, embora os valores percentuais dos grupos não claramente evitáveis e mal definidas sejam maiores para recém-nascidos sem ameaça à vida, enquanto as causas evitáveis têm um percentual maior no grupo com ameaça à vida (Tabela 3). Considerando-se apenas os subgrupos de causas evitáveis, predominaram as reduzíveis por adequada atenção à mulher e gestante entre os recém-nascidos com ameaça à vida e as reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento, entre os recém-nascidos sem ameaça à vida.
As principais causas específicas de morte no grupo Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação foram os Transtornos maternos hipertensivos (P00.0 CID-10) para crianças com ameaça à vida ao nascer e Doenças maternas renais e das vias urinárias (CID-10 P00.1), sem ameaça à vida (24,9% nascidos vivos com ameaça e 18,4% sem ameaça) (Tabela 3).
No grupo reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto, 31,5% das mortes de crianças sem ameaça à vida foram devido à aspiração neonatal de mecônio (P24.0 CID-10), seguida por Síndrome de aspiração neonatal não especificada (P24.9) e, na terceira posição empatadas, hipóxia intrauterina (P20.9 CID-10: 11%) e asfixia ao nascer (P21.9 CID-10: 11%). Entre os nascidos com ameaça à vida, predominaram mortes por asfixia ao nascer (P21.9 CID-10: 19,4%) e aspiração neonatal de mecônio (P24.0 CID-10: 18,8%) (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição absoluta e relativa dos óbitos de menores de cinco anos segundo classificação de evitabilidade por situação de ameaça à vida ao nascer. Rio de Janeiro, Brasil, 2012-2016.
Evitabilidade das causas de morte | Ameaça à vida | Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim (n = 1.695) | Não (n = 2.125) | (n = 3.820) | |||||||
n | % | Posição | n | % | Posição | n | % | Posição | |
1. Causas vitáveis | 1.254 | 74,0 | - | 1.092 | 51,4 | - | 2.346 | 61,4 | - |
1.1 Reduzíveis por ações de imunoprevenção | 1 | 0,0 | - | 13 | - | - | 14 | - | - |
Meningite tuberculosa (A17.0) | 1 | 100,0 | 1º | 1 | 7,7 | 3º | 2 | 14,3 | 2º |
Coqueluche não especificada (A37.9) | 0 | 0,0 | - | 9 | 69,2 | 1º | 9 | 64,3 | 1º |
Tuberculose miliar não especificada (A19.9) | 0 | 0,0 | - | 2 | 15,4 | 2º | 2 | 14,3 | 2º |
Outras tuberculoses do sistema nervoso (A17.8) | 0 | 0,0 | - | 1 | 7,7 | 3º | 1 | 7,1 | 3º |
1.2 Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação, parto, feto e ao recém-nascido | |||||||||
1.2.1 Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação | 638 | - | - | 141 | - | - | 779 | - | - |
Transtornos maternos hipertensivos (P00.0) | 159 | 24,9 | 1º | 25 | 17,7 | 2º | 184 | 23,6 | 1º |
Síndrome da angústia respiratória do recém-nascido (P22.0) | 138 | 21,6 | 2º | 5 | 3,5 | 8º | 143 | 18,4 | 2º |
Doenças maternas renais e das vias urinárias (P00.1) | 60 | 9,4 | 3º | 26 | 18,4 | 1º | 86 | 11,0 | 3º |
Sífilis congênita precoce não especificada (A50.2) | 31 | 4,9 | 7º | 20 | 14,2 | 3º | 51 | 6,5 | 5º |
1.2.2 Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto | 191 | - | - | 73 | - | - | 264 | - | - |
Asfixia ao nascer, não especificada (P21.9) | 37 | 19,4 | 1º | 8 | 11,0 | 3º | 45 | 17,0 | 2º |
Aspiração neonatal de mecônio (P24.0) | 36 | 18,8 | 2º | 23 | 31,5 | 1º | 59 | 22,3 | 1º |
Outras formas de descolamento da placenta e hemorragia (P02.1) | 34 | 17,8 | 3º | 2 | 2,7 | 8º | 36 | 13,6 | 3º |
Hipóxia intrauterina não especificada (P20.9) | 16 | 8,4 | 5º | 8 | 11,0 | 3º | 24 | 9,1 | 4º |
Síndrome de aspiração neonatal não especificada (P24.9) | 3 | 1,6 | 10º | 19 | 26,0 | 2º | 22 | 8,3 | 6º |
1.2.3 Reduzíveis por adequada atenção ao feto e ao recém-nascido | 333 | - | - | 178 | - | - | 511 | - | - |
Septicemia bacteriana do recém-nascido (P36.9) | 137 | 41,1 | 1º | 59 | 33,1 | 1º | 196 | 38,4 | 1º |
Enterocolite necrotizante do recém-nascido (P77) | 57 | 17,1 | 2º | 18 | 10,1 | 2º | 75 | 14,7 | 2º |
Atelectasia primária do recém-nascido (P28.0) | 18 | 5,4 | 3º | 8 | 4,5 | 4º | 26 | 5,1 | 3º |
Pneumonia congênita não especificada (P23.9) | 4 | 1,2 | 9º | 16 | 9,0 | 3º | 20 | 3,9 | 4º |
1.3 Reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento | 63 | - | - | 386 | - | 449 | - | - | |
Pneumonia não especificada (J18.9) | 21 | 6,3 | 1º | 139 | 78,1 | 1º | 160 | 31,3 | 1º |
Septicemia não especificada (A41.9) | 19 | 5,7 | 2º | 46 | 25,8 | 3º | 65 | 12,7 | 3º |
Bronquite aguda não especificada (J21.9) | 9 | 2,7 | 3º | 64 | 36,0 | 2º | 73 | 14,3 | 2º |
1.4 Reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde, vinculadas a ações adequadas de atenção à saúde | 28 | - | - | 301 | - | - | 329 | - | - |
Riscos não especificados à respiração - local não especificado (W84.9) | 9 | 32,1 | 1º | 94 | 31,2 | 1º | 103 | 31,3 | 1º |
Inalação do conteúdo gástrico - local não especificado (W78.9) | 4 | 14,3 | 2º | 31 | 10,3 | 2º | 35 | 10,6 | 2º |
Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível (A09) | 3 | 10,7 | 3º | 24 | 8,0 | 3º | 27 | 8,2 | 3º |
2. Causas de morte mal definidas | 22 | 1,3 | 143 | 6,7 | 165 | 4,3 | - | ||
Outras causas mal definidas não especificadas (R99) | 17 | 60,7 | 1º | 107 | 35,5 | 1º | 124 | 37,7 | 1º |
Afecções originadas no período perinatal não especificadas (P969) | 4 | 14,3 | 2º | 31 | 10,3 | 2º | 35 | 10,6 | 2º |
Outros sintomas e sinais gerais especificados (R68.8) | 1 | 3,6 | 3º | 1 | 0,3 | 4º * | 2 | 0,6 | 3º |
Parada respiratória (R09.2) | 0 | 0,0 | - | 2 | 0,7 | 3º | 2 | 0,6 | 3º |
3. Demais causas (não claramente evitáveis) | 419 | 24,7 | - | 890 | 41,9 | - | 1.309 | 34,3 | - |
Hipoplasia e displasia do pulmão (Q33.6) | 38 | 9,1 | 1º | 29 | 3,3 | 3º | 67 | 5,1 | 2º |
Malformações congênitas múltiplas, não classificadas em outra parte (Q89.7) | 31 | 7,4 | 2º | 8 | 0,9 | 39 | 3,0 | 5º | |
Malformação não especificada do coração (Q24.9) | 29 | 6,9 | 3º | 128 | 14,4 | 1º | 157 | 11,9 | 1º |
Outras malformações congênitas especificadas do coração (Q24.8) | 11 | 2,6 | 9º ** | 41 | 4,6 | 2º | 52 | 4,0 | 3º |
Fontes: Sistemas de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Nota: percentuais foram calculados para os três grupos de evitabilidade em relação ao total de óbitos e para as causas específicas em relação ao total do subgrupo de evitabilidade; foram apresentadas as ordenações das três principais causas específicas por subgrupos de evitabilidade. Quando as três principais causas eram diferentes segundo ameaça à vida, foram apresentadas outras causas específicas com posição superior a três no ranking.
* Empatado com outras convulsões e as não especificadas (R56.8) e outros sintomas e sinais gerais especificados (R688). Ambas as causas ocupam também a quarta posição entre os recém-nascidos com ameaça à vida;
** Empatado com (Q03.9) e (Q25.0) que correspondem, respectivamente, a 11a e 22a posições entre recém-nascidos sem ameaça à vida.
Causas reduzíveis por imunoprevenção apresentaram-se com menor frequência entre os subgrupos de evitabilidade, e as causas específicas foram coqueluche e tuberculose, independentemente da situação de ameaça à vida (Tabela 3).
Nos demais grupos de causas evitáveis, não houve diferença da ordenação das principais causas específicas segundo situação de ameaça à vida. Septicemia bacteriana do recém-nascido (P36 CID-10) foi a principal causa de morte reduzível por adequada atenção ao recém-nascido (Tabela 3).
Situação de ameaça à vida também não interfere na ordenação das principais causas de morte não claramente evitáveis e mal definidas. Entre as primeiras, predominam as malformações congênitas (83,8% e 69,6% entre os que nasceram com e sem ameaça à vida, respectivamente), principalmente as cardiopatias congênitas (Q20 a Q26 CID-10: 17,1% versus 37,1%). Outras causas mal definidas não especificadas (R99 CID-10: 77,3% versus 74,8%) são os principais diagnósticos no grupo das causas mal definidas (Tabela 3).
Quanto ao risco de morte, independentemente do subgrupo de causas evitáveis, as TMM5 foram superiores entre recém-nascidos com ameaça à vida quando comparados àqueles sem ameaça à vida (Figura 1). As TMM5 por causas evitáveis e não claramente evitáveis foram baixas e próximas entre aqueles sem ameaça à vida.
Fontes: Sistemas de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Figura 1 Taxa de mortalidade de menores de cinco anos (TMM5) por 1.000 pessoas-dia segundo evitabilidade nas coortes de nascimento. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2012-2016.
A diferença absoluta entre as TMM5 por mil pessoas-dia segundo situação de ameaça à vida foi de 14,8 para as causas evitáveis, 5,6 para as causas não claramente evitáveis e 0,3 para causas mal definidas. O risco de morte na infância por causas evitáveis atribuível ao nascimento com ameaça à vida foi de 97,6%, isto é, para cada 100 mortes evitáveis entre menores de cinco anos que nasceram com ameaça à vida, 98 seriam evitáveis se tivesse sido prevenida essa condição ao nascimento na base populacional.
As curvas de sobrevivência são apresentadas na Figura 2. A sobrevida até cinco anos de vida foi menor entre recém-nascidos com ameaça à vida quando comparados àqueles sem ameaça à vida (p < 0,00001). A maior redução da sobrevida ocorreu próximo ao nascimento, cerca de 14%, considerando-se apenas o período neonatal. Destaca-se que, após os 27 dias de vida, recém-nascidos com ameaça à vida, casos de near miss, ainda apresentam uma redução de 4,6% da sobrevida, de forma mais acentuada nos primeiros dois anos de vida.
Nascer em situação de ameaça à vida reduziu cerca de 19% da probabilidade de sobrevida dos recém-nascidos até cinco anos incompletos, sendo as principais causas de morte consideradas reduzíveis por intervenções do Sistema Único de Saúde.
Há uma concentração dos óbitos de menores de cinco anos no início da vida e, portanto, uma maior redução da sobrevida nas idades mais precoces. O período neonatal é a fração de tempo mais vulnerável à ocorrência de óbitos infantis, correspondendo, aproximadamente, a 55% dos óbitos até cinco anos de idade no Brasil em 2015 8. A concentração na faixa neonatal é esperada quando se reduz a mortalidade infantil, como nos países desenvolvidos 2. Adicionalmente, a relação entre os riscos relativos das probabilidades de morte segundo ameaça à vida por idade do óbito indica vulnerabilidades biológicas na condição de ameaça à vida ao nascer e na idade do óbito.
Nas coortes de nascidos vivos do Município do Rio de Janeiro, prevaleceram causas evitáveis de morte em menores de cinco anos de idade. A concentração maior dos óbitos no primeiro mês de vida evidencia a importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto para a redução da mortalidade na infância 8. As causas reduzíveis por melhor assistência à mulher e gestante são esperadas em maior frequência entre os recém-nascidos com muito baixo peso (< 1.500g) e muito pré-termo (< 32 semanas de gestação), critérios pragmáticos para definição de ameaça à vida, e são totalmente ou parcialmente evitáveis por uma assistência qualificada do pré-natal 5,20.
Nascer com peso inferior a 1.500g esteve fortemente associado ao óbito neonatal no país 5. Mundialmente, complicações do nascimento pré-termo contabilizaram 15,4% das mortes de menores de cinco anos e 10,5% das complicações intraparto em 2013 21. Sobreviventes neonatais nascidos com muito baixo peso ao nascer e baixa idade gestacional apresentam elevado risco de anormalidades do neurodesenvolvimento 22. Recém-nascidos de partos prematuros, especialmente aqueles com menos de 32 semanas de gestação, têm um risco maior de morte neonatal, que persiste no período pós-neonatal. Adicionalmente, há risco importante de comprometimento do desenvolvimento neurológico em longo prazo, baixa estatura e condições não transmissíveis 23. O terceiro critério pragmático da definição de ameaça à vida, escore de Apgar no quinto minuto inferior a sete, indicativo de asfixia, relaciona-se, essencialmente, com condições de assistência ao recém-nascido e ao parto 5. Entre neonatos brasileiros com baixo risco de morte, a asfixia perinatal contribuiu para 40% de todos os óbitos neonatais de 2005 a 2010 10. No presente estudo, entre os recém-nascidos com ameaça à vida, asfixia e hipóxia intrauterina corresponderam à segunda (reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido) e terceira (reduzíveis por adequada atenção ao parto) posições de maior frequência de óbito evitável. Nesse sentido, a definição de ameaça à vida, baseada na presença de, pelo menos, um dos critérios pragmáticos, refletiu no perfil de mortalidade por grupos e subgrupos de causas evitáveis, porém pouco interferiu no ranking das causas específicas. As diferenças encontradas dizem respeito mais à magnitude dos óbitos.
No presente estudo, entre as crianças nascidas com ameaça à vida, predominaram causas reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e no parto. Os transtornos maternos hipertensivos foram as principais causas evitáveis de morte por adequada atenção à mulher na gestação, independentemente da situação de ameaça à vida. Na década anterior ao presente estudo, foi descrito uma tendência de aumento da taxa de mortalidade infantil evitável por adequada atenção à mulher na gestação, em parte, devido aos transtornos maternos hipertensivos em Londrina (Paraná) 7. Falhas na assistência pré-natal, em relação ao manejo de morbidades, já foram documentadas na cidade do Rio de Janeiro 24,25 e são os principais determinantes de mortes evitáveis no Estado do Rio de Janeiro 8.
Entre os óbitos de crianças sem ameaça à vida ao nascer, destacam-se causas reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde e de diagnóstico, relacionadas a fatores ambientais e de maior ocorrência no período pós-neonatal. Embora as principais causas específicas sejam comuns entre crianças com e sem ameaça à vida, riscos competitivos de morte no período neonatal, mais frequentes para crianças com ameaça à vida ao nascer, podem explicar, em parte, esses resultados.
Coqueluche e tuberculose, causas reduzíveis por imunização, ainda estão presentes entre os óbitos de menores de cinco anos e refletem, como nos demais subgrupos de causas de evitabilidade, falhas na assistência à saúde prestadas aos menores de cinco anos de idade 4.
Cardiopatias congênitas foram os principais diagnósticos no grupo de causas de morte não claramente evitáveis no presente estudo. No Estado do Rio de Janeiro (2006-2010), entre os óbitos infantis com malformação congênita, 39% apresentavam cardiopatias congênitas 26. Com melhorias da assistência à saúde na infância, por exemplo, é esperado que as malformações congênitas tendam a ganhar maior importância tanto no período neonatal quanto de 1 a 59 meses de idade 27. No país, as anomalias congênitas ocuparam a segunda posição entre as causas de morte em menores de cinco anos em 2015 e corresponderam à principal causa de morte nos estados das regiões Sul, Centro-oeste e Sudeste, excetuando-se Minas Gerais e Goiás 8.
O impacto da prevenção de nascimento com ameaça à vida pode reduzir até 97,6% das mortes evitáveis em menores de cinco anos de idade no Município do Rio de Janeiro, considerando-se os pressupostos de relação causal e ausência de confundimento (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Consolida_Sim_2011.pdf). Em números absolutos, equivale a dizer que 1.653 crianças menores de cinco anos não teriam morrido se tivessem nascido sem ameaça à vida.
A estimativa da sobrevida dos casos de near miss neonatal, apresentada em outra publicação 16, colocava em pauta a discussão sobre a vulnerabilidade e as necessidades de assistência às crianças e do apoio social às suas famílias. A ampliação da análise de sobrevida até quatro anos completos, segundo situação de ameaça à vida a partir do nascimento, reforça que a prevenção das condições de ameaça à vida ao nascer é imprescindível para redução de morbimortalidade no curso da vida.
Quanto à carga mórbida grave nos neonatos, aferida no presente estudo pela taxa de near miss neonatal de base populacional, foi de 20,1 por mil nascidos vivos. Não há publicações com o seu cálculo para base populacional, impossibilitando a comparação direta de nossos resultados. Em 2011, na maternidade de maior frequência de nascimentos da cidade do Rio de Janeiro, que assiste quase que exclusivamente a demanda local, a taxa de near miss neonatal por local de ocorrência do nascimento e baseada na mesma definição pragmática de near miss do nosso estudo foi de 28,6 por mil nascidos vivos em 2011 12.
Entre os pontos fortes do estudo, estão a utilização apenas dos critérios pragmáticos da definição de ameaça à vida e near miss neonatal e o cálculo de indicadores baseados nessa definição na base populacional (coortes de nascidos vivos por local de residência da mãe), podendo, assim, auxiliar no monitoramento da saúde materno-infantil do município. A qualidade dos sistemas de informações, principalmente o SINASC, vem melhorando no país 28,29. O SIM ainda tem deficiências, mas o processo de relacionamento entre os bancos qualifica os dados e contribui para o estudo da mortalidade infantil 30,31. No atual estudo, além da mortalidade, foi possível avaliar o impacto da prevenção de nascimentos com ameaça à vida nas taxas de mortalidade de menores de cinco anos de idade. No entanto, o não relacionamento de alguns pares, em particular para os óbitos de um a quatro anos, pode ter subestimado a mortalidade de menores de cinco anos. A obrigatoriedade de preenchimento do número da DNV na Declaração de Óbito (DO) para óbitos de menores de um ano exclusivamente diminui as chances de relacionamento determinístico pelo número da DNV. A qualidade da certificação da causa básica é importante para assegurar maior fidedignidade da classificação dos óbitos segundo a lista brasileira de causas de mortes evitáveis. Nesse sentido, a investigação de óbitos pelos Serviços de Saúde é uma boa estratégia, porém não se estende aos óbitos de um a quatro anos e, por vezes, também não alcança a totalidade dos óbitos infantis. No Município do Rio de Janeiro, o percentual de óbitos infantis investigados mostra uma tendência de crescimento, alcançando 95,5% em 2016 32.
Considerando o perfil das causas evitáveis entre os nascidos com ameaça à vida, pode-se inferir que o processo que levou ao óbito é semelhante ao que levou à ocorrência de near miss. Esse processo pode ser detido, pelo menos parcialmente, com a qualificação da assistência pré-natal. A redução da prematuridade ainda é um desafio, mas o controle das doenças hipertensivas, metabólicas e infecciosas durante o pré-natal pode contribuir para a redução da morbimortalidade na população infantil do Rio de Janeiro.