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Análise acústica do padrão entoacional da fala de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista

Análise acústica do padrão entoacional da fala de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista

Autores:

Ana Gabriela Olivati,
Francisco Baptista Assumpção Junior,
Andréa Regina Nunes Misquiatti

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.2 São Paulo 2017 Epub 10-Abr-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016081

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi descrito pelo DSM-5, de modo que abrange quatro transtornos anteriormente separados (transtorno autista, transtorno de Asperger, transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação) numa única condição com diferentes graus de severidade e sintomatologia(1).

Dessa forma, com a publicação do DSM-5(1), os Transtornos do Espectro Autista receberam um marcador de “severidade” baseado no grau do comprometimento. Portanto, nos critérios diagnósticos do DSM-5, são observadas três classificações de severidade: Nível 1 (necessitam de apoio), Nível 2 (exigem apoio substancial) e Nível 3 (necessitam de apoio muito substancial). Essas classificações são divididas em duas áreas: Comunicação Social (CS) e Comportamentos Restritos e Repetitivos (CRR), caracterizando os principais sintomas dos TEA(2).

Alterações de prosódia na fala de pessoas com Transtorno do Espectro Autista são assinaladas pela literatura desde o início da descrição desses quadros(3). No entanto, até o momento, pouco se sabe sobre a percepção de prosódia desses indivíduos ou sobre os aspectos específicos de suas produções prosódicas que resultam na percepção de estranheza pelo interlocutor(4).

Os aspectos prosódicos observados e descritos desde o início da classificação dos TEA incluem: fala monotônica ou robotizada, déficits no uso do pitch (frequência) ou controle de volume (intensidade), deficiências na qualidade vocal e uso de padrões peculiares de stress(4). Especialmente falantes com síndrome de Asperger ou Autismo de Alto Funcionamento são referidos por apresentarem tais dificuldades(5,6). Cabe mencionar ainda que essas diferenças prosódicas são persistentes e demonstram pouca mudança ao longo do tempo, mesmo quando outros aspectos da linguagem melhoram(4).

É relatado pela literatura uma inconsistência quanto aos mecanismos específicos da prosódia de pessoas com TEA bem como uma incerteza do seu poder em auxiliar nos critérios diagnósticos, que atualmente são incertos(7). Apenas são mencionados como características, nos critérios diagnósticos do DSM-IV, o timbre, a entoação, a velocidade e o ritmo ou ênfase anormais (e.g., tom de voz pode ser monótono ou elevar-se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas)(8).

Alguns estudos referem ainda a prosódia pobre e monotonia na entonação como aspectos qualitativos de produção e características marcantes na fala de indivíduos com TEA, com base nos critérios diagnósticos mencionados anteriormente(9,10).

Klin (2006), por sua vez, acrescenta que indivíduos com TEA geralmente exibem um espectro restrito de padrões de entonação que é utilizado com pouca relação no funcionamento comunicativo da declaração (e.g., asserções de fato, comentários bem-humorados)(11).

Nesse sentido, a prosódia pode ser vista como um suprassegmento que engloba dois aspectos: a produção, caracterizada por três parâmetros clássicos: duração (diferença entre dois eventos), frequência fundamental e intensidade; e a percepção, caracterizada pelas noções de duração percebida, altura e volume(12).

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi analisar elementos prosódicos de segmentos da fala de indivíduos com transtorno do espectro autista (TEA) e comparar com o grupo controle, por meio de uma análise acústica.

MÉTODO

Aspectos éticos

Todos os aspectos deste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Parecer nº 0763/2013). A coleta dos dados prosseguiu mediante aceitação em participar da pesquisa e assinatura dos termos de consentimento, conforme a resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/12.

Casuística

Dois grupos participaram deste estudo: GE = Grupo Experimental composto por crianças, adolescentes e adultos com TEA (n= 19, gênero masculino, idade entre oito e 33 anos) e GC = Grupo controle composto por indivíduos com desenvolvimento típico (n=19, pareados por gênero e idade).

Todos os participantes foram selecionados em escolas do ensino regular e especial em um município no interior de São Paulo, de acordo com uma listagem de alunos com TEA fornecida pela Secretaria Municipal de Educação. Os participantes do grupo controle foram selecionados nas mesmas escolas, seguindo o critério de inclusão. O Quadro 1 resume as informações dos indivíduos do grupo experimental.

Quadro 1 Descrição das características dos participantes do grupo TEA 

INDIVÍDUO IDADE DIAGNÓSTICO ESCOLARIDADE TEMPO DE TERAPIA ATA
1 8 anos SA 3º ano 5 anos 29
2 8 anos TEA 2º ano 4 anos 35
3 8 anos AAF 2º ano Não fez 31
4 10 anos SA 4° ano 5 anos 36
5 10 anos SA 5º ano 3 anos 27
6 10 anos SA 4º ano 6 anos 37
7 11 anos TEA 4º ano 6 anos 40
8 11 anos TEA Ed. Especial 6 anos 32
9 11 anos SA 5º ano 10 anos 27
10 12 anos SA 5º ano 6 anos 33
11 13 anos TEA 8º ano Não fez 33
12 13 anos SA 8º ano Não fez 32
13 14 anos SA 9º ano 10 anos 31
14 17 anos TEA 9º ano 1 ano 30
15 18 anos TEA Ed. especial Mais de 10 anos 39
16 19 anos SA Ed. especial Não fez 39
17 19 anos TEA 6º ano 10 anos 32
18 21 anos SA Ed. especial 5 anos 38
19 33 anos TEA Ed. especial 2 anos 33

Legenda: SA = Síndrome de Asperger; TEA = Transtorno do Espectro Autista; AAF = Autismo de Alto Funcionamento; ATA = Avaliação de Traços Autísticos

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão do grupo experimental foram: laudo médico de Transtorno do Espectro Autista (anterior diagnóstico de Síndrome de Asperger) e desempenho linguístico adequado para realização da gravação das amostras de fala. Para o grupo controle, o critério de inclusão foi não apresentar queixa fonoaudiológica.

Materiais

Ficha de identificação

Os responsáveis por todos os participantes foram questionados em relação aos dados de identificação pessoal, de acordo com um questionário elaborado especificamente para essa pesquisa. Esse questionário englobou questões como: nome, data de nascimento, idade, gênero, escolaridade / série escolar e tempo de terapia (exclusivamente para os participantes do grupo experimental).

Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA)

Tendo em vista que a ATA não é considerada uma entrevista diagnóstica, mas sim uma prova estandardizada que dá o perfil conductual, embasada nos diferentes aspectos diagnósticos(13), utilizou-se tal instrumento no presente estudo, com a finalidade de caracterizar a sintomatologia apresentada pelos participantes com TEA. Importante mencionar que a ATA é administrada após informação detalhada dos dados clínicos e pode ser aplicada a partir dos dois anos de idade.

A escala é composta por 23 subescalas, cada uma das quais dividida em diferentes itens. É pontuada com base nos seguintes critérios: cada subescala da prova tem um valor de 0 a 2; pontua-se zero se não houver a presença de nenhum item, 1 se houver apenas um item e 2 se houver mais de um item. Realiza-se a seguir a soma aritmética dos pontos obtidos, sendo ponto de corte o valor 23, o que é indicativo de que a pessoa pode apresentar algum grau do Transtorno do Espectro Autista.

Questionário de prosódia – Atlas Linguístico Brasileiro (ALiB)

Para a coleta de dados das amostras de fala, foi utilizado como roteiro eliciador das frases o questionário de prosódia do ALiB (Anexo A), que é um material composto por 11 questões relativas à natureza das frases interrogativas, afirmativas e imperativas. Esse questionário permite coletar uma amostra de discurso semidirigido, uma vez que, por meio da instrução dada ao inquiridor, torna-se possível obter determinadas respostas.

O questionário é sucinto e objetivo, focalizando as duas modalidades de frase com valor distintivo no português (padrão assertivo e padrão interrogativo) e três padrões básicos de entonação expressiva: desagrado, contentamento e ordem.

Procedimento de coleta de dados

Inicialmente, os responsáveis e os participantes foram entrevistados em sala previamente reservada especificamente para esse fim, na instituição em que foi realizado o estudo. Posteriormente, foi realizada a aplicação da ATA com os responsáveis e a triagem fonoaudiológica com os participantes.

A partir da aplicação da ATA com os responsáveis pelos participantes, foi possível averiguar que todos os participantes obtiveram nota de corte acima de 23, conforme esperado, indicativa de Transtorno do Espectro Autista, com pontuação média de 33, sendo a menor pontuação igual a 27 e a maior igual a 40. Os procedimentos foram realizados com supervisão de um psiquiatra, uma fonoaudióloga e uma psicóloga, e os diagnósticos já haviam sido estabelecidos por equipe multidisciplinar especializada.

Em relação à triagem fonoaudiológica, é pertinente destacar que foram avaliadas habilidades como: fala encadeada, compreensão de ordens simples e complexas e qualidade vocal. Para identificar a presença da habilidade de fala encadeada, os participantes foram questionados inicialmente sobre seus hobbies e atividades durante a semana; para avaliação da habilidade de compreensão de ordens simples e complexas, foi solicitado aos participantes que realizassem duas ou mais ações. E, por fim, para verificação da presença ou ausência de alterações vocais, foi solicitado que os participantes produzissem as vogais a, i e u de forma prolongada. Todos os participantes apresentaram tais habilidades adequadas para participação no estudo.

Dessa forma, a partir dos resultados iniciais compatíveis com os mencionados nos critérios de inclusão, os participantes foram encaminhados à cabine acústica para realização do procedimento de gravação das amostras de fala. Importante destacar que, anteriormente à realização de todos os procedimentos, a pesquisa foi minuciosamente explicada aos responsáveis e eles expressaram seu consentimento em participar por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução CNS 466/12.

No que se refere à cabina acústica, local em que foram realizadas as gravações, é importante mencionar que tal cabina é instalada na própria instituição e isolada acusticamente e possui em seu interior equipamentos de alta fidelidade: gravador digital MARANTZ, modelo PMD 660 acoplado a um microfone cardioide dinâmico Sennheiser modelo e815s.

Para a realização das gravações, os participantes ficaram sentados confortavelmente a uma distância de aproximadamente seis centímetros do microfone. Assim, foram realizadas instruções para que permanecessem atentos às eliciações de fala fornecidas pela pesquisadora, que seguiu como roteiro o questionário de prosódia do ALiB, com o intuito de produzirem as frases-alvo adequadamente de acordo com o padrão interrogativo, afirmativo ou imperativo.

Para a eliciação das frases-alvo contidas no questionário ALiB em seu item “Resposta esperada”, a pesquisadora leu as perguntas contidas no próprio questionário (Anexo A). Em relação a esse aspecto, é pertinente detalhar que, tendo em vista o objetivo final se tratar de uma amostra de fala próxima à espontânea por parte dos participantes, optou-se pela leitura neutra dos enunciados (sem expressão facial ou variações prosódicas) realizada pela pesquisadora. Desse modo, embora não seja caracterizada como uma forma objetiva de eliciação, a situação foi a mais próxima possível de um diálogo com os participantes, constituindo-se, dessa forma, uma modalidade de discurso semidirigido.

Cabe mencionar que em alguns casos houve a necessidade de um pré-treino para compreensão da tarefa. Para esse treino, foi selecionada uma pergunta aleatória do questionário como exemplo do que deveria ser feito durante a gravação, para que as dúvidas fossem sanadas. Dessa forma, a coleta não foi enviesada e as instruções ficaram evidentes a todos os indivíduos participantes.

Os dados obtidos com as gravações foram salvos num computador para análise acústica por meio do software PRAAT.

Procedimento de análise de dados

As 11 frases (respostas esperadas) obtidas com as gravações realizadas foram analisadas por meio do software. Para tanto, os arquivos de áudio foram extraídos do gravador, organizados em um banco de dados e analisados por meio do software PRAAT versão 5.3.60. Todas as frases foram analisadas por meio de 3 parâmetros oferecidos pelo software: frequência fundamental, intensidade e duração.

Em relação ao parâmetro frequência fundamental (F0), foram analisadas as seguintes medidas:

    -. F0 inicial e F0 final das frases: extraídos no centro da primeira vogal (F0 inicial) e última vogal (F0 final) das frases.

    -. F0 máxima e F0 mínima das frases: extraídos os valores máximo e mínimo de F0 das frases.

    -. Tessitura das frases: diferença entre a F0 máxima e F0 mínima das frases.

    -. Amplitude melódica (AM) da vogal tônica saliente e pretônica separadamente: diferença entre o valor máximo e mínimo de F0 nas sílabas tônica e pretônica.

    -. Taxa de velocidade de variação melódica (TVVM) da vogal tônica saliente e pretônica: diferença entre o valor máximo e mínimo da tônica dividido pela duração da vogal tônica. O mesmo procedimento foi adotado para a medida na pretônica.

No que se refere ao parâmetro intensidade, foram analisadas as medidas conforme especificado a seguir:

    -. Intensidades máxima e mínima das frases.

    -. Diferença entre os valores de intensidade máxima e mínima das frases.

Por fim, em relação ao parâmetro duração, foram analisadas as medidas:

    -. Duração das vogais tônicas salientes.

    -. Duração das vogais pretônicas.

    -. Duração das frases.

Para análise das gravações, inicialmente foram extraídos os valores de cada uma das 15 variáveis analisadas nas 11 frases produzidas pelos participantes. A partir desses valores, foi calculado o valor médio das variáveis para cada participante. Tais valores foram submetidos à análise estatística para verificação de possíveis diferenças estatisticamente significantes.

Análise estatística

Para a análise estatística, foi empregado o Teste de Mann-Whitney, com o intuito de verificar possíveis diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos estudados em cada parâmetro prosódico avaliado (frequência fundamental, intensidade e duração) e suas respectivas variáveis. Foi utilizado o pacote estatístico IBM SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 21.0, para a obtenção dos resultados.

Foi adotado o nível de significância de 5% (0,050) para a aplicação do teste estatístico, ou seja, quando o valor da significância calculada (p) foi menor do que 5% (0,050), encontrou-se uma ‘diferença estatisticamente significante’, isto é, houve uma ‘efetiva diferença’. Quando o valor da significância calculada (p) foi igual ou maior do que 5% (0,050), encontrou-se uma ‘diferença estatisticamente não significante’, isto é, houve uma ‘semelhança’.

RESULTADOS

A partir da análise das amostras de fala realizada por meio do software PRAAT, foi possível obter os valores absolutos de cada um dos três parâmetros estudados (frequência fundamental (F0), intensidade e duração) e suas variáveis específicas, a saber: F0 inicial e F0 final do enunciado; F0 máxima e F0 mínima do enunciado; Tessitura do enunciado (T); Amplitude melódica (AM) da vogal tônica saliente e pretônica separadamente; Taxa de velocidade de variação melódica (TVVM) da vogal tônica saliente e pretônica; Intensidades máxima e mínima do enunciado; Diferença entre os valores de intensidade máxima e mínima do enunciado; Duração das vogais tônicas salientes, das vogais pretônicas e do enunciado.

Para melhor visualização dos resultados, foram extraídos os valores médios obtidos com a produção dos 11 enunciados do questionário ALiB, conforme demonstrado nas Tabelas 1, 2 e 3.

Tabela 1 Valores médios dos enunciados para o parâmetro acústico “frequência fundamental” 

Sujeitos Frequência Fundamental
F0I F0F F0
Ma
F0
Mi
T AM TVVM
VT VPT VT VPT
E1 298 193 377 179 198 57 31 451 418
C1 291 215 342 170 172 27 22 293 329
E2 257 194 354 161 193 50 26 349 309
C2 249 202 303 174 130 23 20 282 303
E3 274 204 343 187 157 27 18 247 283
C3 278 208 356 200 155 27 20 288 315
E4 241 196 313 188 125 40 16 334 217
C4 224 193 275 175 100 30 15 265 231
E5 271 221 348 195 153 56 41 362 552
C5 253 192 328 182 146 34 18 401 283
E6 293 224 364 209 155 62 29 512 350
C6 280 246 351 182 167 48 31 443 404
E7 168 160 216 134 82 39 25 252 211
C7 239 195 322 188 134 40 24 416 359
E8 261 220 366 195 172 55 42 545 614
C8 303 277 367 255 112 36 25 477 400
E9 343 247 428 181 247 79 47 485 450
C9 235 190 293 174 119 32 22 251 310
E10 246 203 334 166 168 35 36 297 541
C10 229 200 312 172 140 36 17 320 269
E11 144 132 274 100 173 29 36 136 261
C11 117 110 139 97 42 8,8 11 140 216
E12 227 177 315 137 178 30 17 236 203
C12 222 199 308 179 128 23 16 233 222
E13 164 153 207 109 97 21 14 257 251
C13 125 123 153 100 53 7 10 86 147
E14 213 186 304 123 181 34 57 332 685
C14 142 124 234 97 136 28 11 426 188
E15 172 133 246 94 152 54 41 388 318
C15 161 129 236 106 130 29 17 359 265
E16 157 132 237 105 133 19 23 172 299
C16 131 119 237 96 141 16 7 275 162
E17 122 96 145 90 55 17 21 110 177
C17 102 112 143 81 62 13 13 152 299
E18 155 145 267 136 131 9 25 73 382
C18 145 114 180 104 77 23 13 293 221
E19 132 106 152 84 68 24 18 130 216
C19 138 118 247 102 145 23 18 202 267

Legenda: F0I = Frequência fundamental inicial; F0F = Frequência fundamental final; F0Ma = Frequência fundamental máxima; F0Mi = Frequência fundamental mínima; T = Tessitura; AM = Amplitude melódica; VT = Vogal tônica; VPT = Vogal pretônica; TVVM = Taxa de velocidade de variação melódica; E = Experimental; C = Controle

Tabela 2 Valores médios dos enunciados para o parâmetro acústico “intensidade” 

Sujeitos Intensidade
Máxima Mínima Diferença
E1 72 38 33
C1 65 35 30
E2 80 40 40
C2 74 38 36
E3 72 38 33
C3 66 36 30
E4 80 38 42
C4 73 38 35
E5 80 40 40
C5 62 34 28
E6 85 42 43
C6 76 36 40
E7 62 31 30
C7 75 36 39
E8 78 42 36
C8 70 37 32
E9 78 41 37
C9 77 41 36
E10 83 46 37
C10 67 37 30
E11 61 32 29
C11 63 34 29
E12 83 44 39
C12 63 34 30
E13 72 36 37
C13 71 35 35
E14 64 37 27
C14 69 37 32
E15 85 49 36
C15 74 41 33
E16 79 48 31
C16 66 35 31
E17 85 49 36
C17 66 36 29
E18 74 49 25
C18 62 34 28
E19 61 36 25
C19 68 37 31

Legenda: E = Experimental; C = Controle

Tabela 3 Valores médios dos enunciados para o parâmetro acústico “duração” 

Sujeitos Duração
VT VPT Enunciado
E1 0,12 0,07 1,5
C1 0,1 0,07 1,4
E2 0,13 0,08 1,9
C2 0,09 0,07 1,4
E3 0,11 0,06 1,5
C3 0,1 0,06 1,4
E4 0,13 0,07 1,7
C4 0,12 0,06 1,6
E5 0,1 0,08 1,7
C5 0,09 0,07 1,4
E6 0,1 0,08 1,5
C6 0,1 0,07 1,5
E7 0,17 0,12 1,7
C7 0,09 0,07 1,5
E8 0,09 0,07 1,5
C8 0,08 0,07 1,2
E9 0,17 0,11 1,9
C9 0,12 0,07 1,4
E10 0,14 0,08 1,7
C10 0,12 0,07 1,6
E11 0,2 0,15 2,4
C11 0,06 0,05 1
E12 0,15 0,08 2,15
C12 0,10 0,07 1,6
E13 0,09 0,06 1,4
C13 0,08 0,07 1,4
E14 0,1 0,08 1,4
C14 0,09 0,05 1,4
E15 0,15 0,1 1,7
C15 0,1 0,06 1,6
E16 0,13 0,07 1,4
C16 0,06 0,05 1,1
E17 0,14 0,1 1,6
C17 0,09 0,05 1,4
E18 0,11 0,07 1,3
C18 0,09 0,06 1,3
E19 0,18 0,08 1,6
C19 0,1 0,06 1,6

Legenda: VT = Vogal Tônica; VPT = Vogal Pretônica; E = Experimental; C = Controle

As Figuras 1, 2 e 3 permitem visualizar os valores médios dos três parâmetros acústicos estudados e suas respectivas variáveis para os grupos experimental e controle.

Valor significativo (p <0,05) - Teste de Mann-Whitney

Legenda: *Refere-se à diferença significante em p <0,05; F0 = frequência fundamental; AM = amplitude melódica; VT = vogal tônica; VPT = vogal pretônica; TVVM = taxa de velocidade da variação melódica; GE = grupo experimental; GC = grupo controle

Figura 1 Valores médios dos grupos para o parâmetro acústico “frequência fundamental” 

Valor significativo (p <0,05) - Teste de Mann-Whitney

Legenda: *Refere-se à diferença significante em p <0,05; GE = grupo experimental; GC = grupo controle

Figura 2 Valores médios dos grupos para o parâmetro acústico “intensidade” 

Valor significativo (p <0,05) - Teste de Mann-Whitney

Legenda: *Refere-se à diferença significante em p <0,05; VT = vogal tônica; VPT = vogal pretônica; GE = grupo experimental; GC = grupo controle

Figura 3 Valores médios dos grupos para o parâmetro acústico “duração” 

Por meio da aplicação do Teste de Mann-Whitney, foi possível verificar diferenças estatisticamente significantes na comparação de valores entre os grupos estudados para as variáveis Tessitura, Amplitude melódica de vogal tônica, Amplitude melódica de vogal pretônica, Intensidade máxima, Intensidade mínima, Duração de vogal tônica, Duração de vogal pretônica e Duração de enunciado.

DISCUSSÃO

A realização desta pesquisa permitiu alcançar o objetivo pretendido de analisar elementos prosódicos de segmentos da fala de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e comparar com indivíduos do grupo controle, por meio de uma análise acústica. É importante mencionar, entretanto, que a amostra do estudo contempla participantes com ampla faixa etária (de oito até 33 anos de idade), o que caracteriza uma limitação no estudo que não permite apresentar, dessa forma, uma generalização dos dados encontrados. É pertinente destacar que tal situação é decorrente da dificuldade de localização de pessoas diagnosticadas com TEA na região de realização do estudo. Em relação à variável analisada “tempo de terapia”, cabe destacar que três indivíduos (9, 15 e 17) que mencionaram frequentar terapia por um período igual ou superior a 10 anos, não apresentaram grandes diferenças nos valores analisados quando comparados aos demais participantes com TEA. Esse dado pode ser um indicativo de que tais aspectos podem não ser abordados adequadamente no contexto terapêutico. No que se refere às características sintomatológicas obtidas por meio das pontuações da ATA, não foram observadas diferenças que pudessem ser indicativas de que o grau das características apresentadas pelos indivíduos possa se relacionar com as alterações de prosódia apresentadas na fala.

Em relação ao parâmetro prosódico frequência fundamental, foram observadas diferenças estatisticamente significantes para as variáveis tessitura do enunciado, amplitude melódica da vogal tônica saliente e pretônica, taxa de velocidade de variação melódica da vogal tônica saliente e pretônica. Esses dados não confirmam afirmações da literatura a respeito de uma fala monótona e sem variação melódica, tendo em vista os valores maiores dessas variáveis em relação aos do grupo controle(4,10,11).

Não foram encontrados estudos que avaliassem a variável tessitura de indivíduos com TEA. Sabe-se que variações de tessitura podem deslocar os padrões de frequência fundamental para níveis mais graves ou mais agudos, sem alterar a forma típica da curva melódica. Tendo em vista que modificações da tessitura desempenham uma função expressiva, ligada às intenções discursivas do falante; esclarecem sobre a organização informacional do discurso (focalização, introdução, prolongamento e fechamento) e também permitem informações extralinguísticas como identidade, gênero, idade, aspecto psíquico, personalidade, origens geográficas e culturais do indivíduo, os maiores valores de tessitura do grupo experimental em relação ao grupo controle podem ser uma característica peculiar da fala de indivíduos com TEA(14).

Ainda no que se refere ao parâmetro frequência fundamental, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes para as variáveis frequência fundamental inicial, frequência fundamental final, frequência fundamental máxima e frequência fundamental mínima do enunciado, embora seja possível verificar que esses valores sejam predominantemente maiores no grupo experimental em relação aos obtidos com o grupo controle. Essas informações corroboram parcialmente com um estudo que menciona não haver diferença estatisticamente significante no parâmetro frequência fundamental para o grupo de pré-escolares, porém menciona uma diferença significante no grupo com idade escolar(15).

Uma possível explicação para a maior variabilidade observada no parâmetro frequência fundamental do grupo experimental em relação ao controle, pode ser o déficit apresentado por indivíduos com TEA nos mecanismos que controlam o pitch. Esse déficit pode ser derivado de um problema ao nível de recepção, ao nível de produção, ou na relação entre os dois, o que ocasiona a produção inadequada em relação ao que é esperado do discurso(16).

No que se refere ao parâmetro prosódico intensidade, foram observadas diferenças estatisticamente significantes do grupo com TEA em relação aos valores do grupo controle para as variáveis intensidade máxima e intensidade mínima do enunciado. Esses dados corroboram com afirmações da literatura, que destacam que pessoas com TEA parecem apresentar pobre controle de volume da voz (e.g., a voz é muito alta, apesar da proximidade física do parceiro da conversação)(4,11).

A intensidade de fala do indivíduo deve variar de acordo com fatores de relevância linguística: forma de comunicação (fala, grito, choro, gemido, etc.); fatores paralinguísticos: tom de voz; e fatores extralinguísticos: distância dos participantes e o lugar físico e social onde a conversação está acontecendo. Dessa forma, os déficits apresentados por indivíduos com TEA na percepção desses fatores podem explicar a maior variabilidade de intensidade em relação aos indivíduos do grupo controle(14).

Em relação ao parâmetro duração, foram verificadas diferenças estatisticamente significantes para as três medidas estudas: duração de vogal tônica, duração de vogal pretônica e duração de enunciado. Foi verificado, portanto, um padrão de fala lentificado do grupo com TEA, caracterizado por maior duração em segundos dos mesmos enunciados produzidos pelos indivíduos do grupo controle. Esses achados corroboram o estudo realizado por Diehl e Paul (2013) de que indivíduos com TEA apresentam uma fala com maior duração em relação aos indivíduos com desenvolvimento típico(17).

A maior duração em segundos observada na produção dos enunciados e também das vogais tônicas e pretônicas, também já observada por outros estudos, pode ser explicada pelo déficit motor frequentemente apresentado por indivíduos com TEA. Outra hipótese também considerada é a de uma percepção errônea desse parâmetro da prosódia, que poderia ocasionar a produção desviante(17,18).

Cabe mencionar que dois tipos principais de prosódia são mencionados pela literatura: a afetiva e a linguística. A primeira engloba aspectos não verbais da linguagem, os quais são necessários para transmitir e reconhecer as emoções na comunicação, possibilitando diferenças de expressão e compreensão de alegria, tristeza, raiva, etc. Dessa forma, o padrão de entoação que acompanha o enunciado sugere qual o estado emocional do falante(19).

Já a prosódia linguística atua nos níveis fonológico e sintático e possibilita que os indivíduos expressem o sentido específico de um enunciado, produzindo ênfase a partes das palavras e frases, transmitindo dessa forma uma mensagem afirmativa, interrogativa ou afirmativa. Assim, indivíduos com alterações no processamento podem apresentar dificuldades importantes na produção de entoações vocais indicativas de emoções, bem como de compreendê-las, o que ocasiona um importante prejuízo de interação social por meio da comunicação(20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível observar que os participantes do presente estudo diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista apresentaram uma fala caracterizada por maior variação no parâmetro de frequência fundamental (tessitura) ao longo do enunciado, maior amplitude melódica de vogal tônica e pretônica, maior variação de intensidade, sendo a fala mais forte e mais fraca do que indivíduos com desenvolvimento típico e, uma fala mais lenta no que se refere à duração do enunciado e das vogais tônicas e pretônicas.

Ratifica-se, a partir dos dados e discussões aqui expostos, a relevância da atuação fonoaudiológica no processo de avaliação e intervenção relativos às habilidades linguísticas e comunicativas de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista, especialmente nos aspectos suprassegmentais da fala (prosódia) e suas variações em relação à normalidade. Assim, tendo em vista que a prosódia é um importante aspecto no uso pragmático da linguagem, destaca-se que, tanto no que se refere ao processo de avaliação quanto de intervenção, devem ser observadas cautelosamente as variáveis que interferem nesse aspecto.

Portanto, esta pesquisa reitera a importância de estudos sobre a caracterização de aspectos prosódicos da fala de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista, tendo em vista a necessidade de analisar uma amostra com faixa etária mais restrita e maior número de participantes a fim de garantir maior fidedignidade dos resultados encontrados.

REFERÊNCIAS

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