versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1678
O movimento é essencial às pessoas. A postura ereta associada ao movimento correto é necessária para numerosas atividades da vida diária. Durante a marcha, o apoio sequencial do membro inferior desloca o indivíduo de um ponto para outro, com grande versatilidade e baixo consumo de energia(1). O domínio dessa habilidade requer uma combinação de instinto e aprendizagem. As pessoas aprendem como integrar variáveis no seu sistema neuromuscular, dessa maneira, permitindo que a locomoção ocorra de maneira razoavelmente fácil e eficiente(2). O ciclo da marcha tem duas fases: apoio e balanço. A duração é definida em porcentagens, em que 100% representa o tempo do ciclo total. A fase de apoio ocorre quando o pé toca o chão e representa 60% do total do ciclo. Na fase de balanço – 40% do ciclo – o pé “deixa” o chão e se move adiante(3). Na marcha normal, essas fases têm duração simétrica (contando o apoio duplo) e se repetem em cada ciclo sucessivo(2).
Lesões no cérebro, medula espinhal, nervos, músculos e ossos podem reduzir a função motora global e a marcha(1). Em crianças com hemiplegia espástica causada por paralisia cerebral (PC), observa-se durante a marcha uma distribuição não uniforme da sustentação do peso nos membros inferiores, do equilíbrio e déficits de propriocepção. Isso resulta em assimetria, que é a principal característica da marcha em crianças hemiplégicas. O peso corporal é sustentado, na sua maior parte, pelo membro inferior não envolvido. A transferência do peso ao lado envolvido é rápida e incompleta(4,5).
Considerando que a habilidade de andar é determinada primariamente pelas ações que envolvem a transferência do peso ao membro de apoio, são identificadas alterações importantes na dinâmica da marcha de pacientes hemiplégicos(3). A porcentagem do tempo de apoio no ciclo da marcha do membro inferior envolvido pode estar reduzida, assim como o tempo do ciclo total. As comparações entre os lados quanto aos tempos de apoio e balanço, relações apoio/balanço e a duração do apoio de um único membro e o apoio duplo proporcionam evidência de simetria, possibilidades de estabilidade e progressão(3). A marcha pode ser avaliada pela observação exclusivamente ou pela análise computadorizada tridimensional em laboratórios especializados(6–8), que é o uso padrão da pesquisa da marcha. Na PC a marcha tem sido avaliada com o uso de passarelas eletrônicas(9,10) e análise bidimensional(11). Nesse estudo foi utilizada uma análise cinemática bidimensional. Medimos o deslocamento sagital visando suplementar a avaliação visual subjetiva tradicional com informações quantitativas(1). A tecnologia aprimorou a videografia. A capacidade de digitalizar imagens análogas permite a quantificação de parâmetros lineares, tais como o tempo do ciclo, cadência, velocidade e duração das fases de apoio e balanço(12).
As seguintes hipóteses foram consideradas neste trabalho: (1) é possível quantificar a assimetria têmporo-espacial da marcha em crianças com hemiplegia espástica usando a análise bidimensional e (2) a assimetria da marcha está relacionada às pontuações da Mensuração da Função Motora Grossa (GMFM, do inglês Gross Motor Function Measure) e idade de aquisição da marcha independente.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e foi obtido o consentimento informado dos pais para a participação no estudo.
Vinte e quatro crianças com PC hemiplégica espástica, com uma faixa máxima de idade de 60 meses, foram convidadas a participar do estudo (Tabela 1). Elas foram recrutadas da população de crianças tratadas na unidade do Ambulatório de Espasticidade Pediátrica da UFPR. As crianças necessitavam ser cooperativas e capazes de andar de maneira independente nos níveis I e II do Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS, do inglês Gross Motor Function Classification System)(13).
Tabela 1 Dados clínicos e funcionais relacionados ao tempo de marcha/parâmetros
Características | Média | Mediana | Mínimo | Máximo | DP |
---|---|---|---|---|---|
Idade (meses) | 49.29 | 50 | 39 | 58 | 5.20 |
Idade (meses) para aquisição da marcha | 21.50 | 19.50 | 12.00 | 48.00 | 8.63 |
Escores para itens específicos na GMFM | 18.58 | 20.00 | 6.00 | 25.00 | 5.24 |
Escore dimensão A da GMFM (%) | 97.29 | 100 | 68.6 | 100 | 6.85 |
Escore dimensão B da GMFM (%) | 95.26 | 99.15 | 76.6 | 100 | 6.87 |
Escore dimensão C da GMFM (%) | 85.49 | 98.8 | 14.2 | 100 | 26.35 |
Escore dimensão D da GMFM (%) | 86.39 | 88.44 | 33.33 | 100.00 | 12.29 |
Escore dimensão E da GMFM (%) | 77.62 | 81.90 | 36.10 | 94.40 | 14.40 |
Escore total da GMFM (%) | 88.50 | 93.50 | 53.00 | 98.30 | 11.92 |
Força muscular proximal – MIE | 29.78 | 30 | 27 | 30 | 0.74 |
Força muscular distal – MIE | 17.00 | 17 | 12 | 20 | 2.28 |
Força muscular total – MIE | 46.78 | 47 | 42 | 50 | 2.45 |
DP: desvio padrão; GMFM: Mensuração da Função Motora Grossa; MIE: membro inferior envolvido.
As imagens foram colhidas com uma câmera de vídeo modelo SVHS (Sony TRV-140), posicionada sobre um tripé (Velbon VT-30), orientado ortogonalmente para a linha de progressão da marcha em condições controladas de iluminação. A altura do tripé era de 0,80 m e a distância focal era de 2,40 m, medida a partir do centro de uma passarela visual até a câmera. A extensão da passarela no campo de visão da câmera era de 2,10 m, com marcadores situados a cada 10 cm. As imagens foram gravadas em fitas de vídeo VHS e digitalizadas com o uso de cartão de vídeo Pixel-A para Sony (versão 1.5). O software Windows Movie Maker® (WMM) foi usado para a seleção da fase da marcha. O WMM automaticamente fornece o tempo em segundos e permite a medição de cada fase do ciclo da marcha. A quantidade de tempo para um ciclo é a base para o cálculo da cadência da marcha em passos por minuto(1). O 29,97 fps WMM também permite a análise em câmera lenta ou a análise do movimento quadro a quadro. Cada quadro pode ser copiado e colado em outro software de análise. O Corel Draw®13 (Corel Corporation, Canadá) foi a ferramenta de conversão para as medições do deslocamento durante o ciclo da marcha. As marcações na passarela foram os pontos de referência que permitiram a correção e o cálculo dos comprimentos do passo e da passada (Figura 1).
A velocidade foi calculada pela seguinte fórmula:
Foram medidos os seguintes parâmetros: tempo do ciclo da marcha (s), cadência (passos/min), velocidade (cm/s), comprimentos do passo e da passada, duração do apoio e do balanço, duração do apoio em um único membro, primeiro apoio duplo (FDS, do inglês first double support) e segundo apoio duplo (SDS, do inglês second double support) do lado não envolvido e do lado envolvido. Esses valores foram então comparados aos valores normais descritos por Sutherland et al.(14).
A taxa de assimetria foi obtida com o uso dos parâmetros do lado envolvido de cada criança de acordo com a seguinte fórmula(15):
O período de um ciclo foi escolhido como representativo e levado em consideração para a descrição da marcha. As variáveis da marcha avaliadas pela análise bidimensional estavam relacionadas aos seguintes dados clínicos e funcionais: idade da criança, idade de início da marcha independente segundo relatos dos pais, tônus muscular e força nos membros inferiores. O tônus muscular foi avaliado pela escala de Ashworth(16) e, como sugerido por Brown et al.(17), o tríceps sural (gastrocnêmio e sóleo) recebeu uma pontuação mínima de 1 e uma pontuação máxima de 5. A força muscular do membro envolvido foi medida de acordo com os critérios adotados pelo Memorando do Conselho de Pesquisa Médica(18) e variaram de 0 (sem contração) a 5 (força normal). Foram avaliados dez grupos musculares, divididos em proximal e distal; os flexores e extensores do quadril e joelho e os adutores e abdutores do quadril foram classificados como proximais; os flexores do pé e dedos dos pés foram classificados como distais. Portanto, era possível obter uma pontuação de 50 com esse método, no qual 20 estavam relacionados à força distal e 30, à força proximal.
Os dados funcionais listados nesse estudo foram avaliados com o uso da GMFM(19), que foi desenvolvida e validada para crianças com PC e engloba 88 itens que avaliam a função relacionada a 5 domínios: (A) deitar e rolar, (B) sentar, (C) engatinhar e ajoelhar, (D) levantar, (E) andar, correr e saltar(20). Nesse estudo, além das pontuações por domínio e total, a pontuação obtida para a seleção dos itens GMFM 57, 58, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82 e 83, relacionados à capacidade de equilíbrio e transferência do peso entre os lados na posição em pé, também foi usada com o máximo de 30 pontos.
Os padrões da marcha hemiplégica foram descritos com o uso da classificação de Winters, Gage e Hicks (WGH)(21).
Os resultados foram expressos em termos de média, desvios padrão, medianas, valores mínimos e máximos ou frequências e porcentagens. Para a associação entre as variáveis quantitativas foi estimado o coeficiente da correlação de Spearman. Para comparar as variáveis quantitativas nos dois subgrupos independentes, o teste t de Student ou o teste não-paramétrico de Mann-Whitney foram usados sempre que apropriado. O teste exato de Fisher foi usado para comparações entre as variáveis nominais dicotômicas e o teste t de Student para amostras dependentes ou o teste não-paramétrico de Wilcoxon foi usado para comparações entre o lado envolvido e não envolvido quanto às variáveis quantitativas. P < 0,05 foi considerado estatisticamente significante. Os cálculos estatísticos foram realizados com o software Statistica/w v.5.1®.
A média de idade das crianças foi de 49 meses (DP 5 meses), faixa de 39 a 60 meses. Cinco crianças eram do sexo feminino, 11 tinham envolvimento no lado direito e 22 (92%) tinham GMFCS nível 1.
Os parâmetros têmporo-espaciais da marcha avaliados neste estudo estão descritos na tabela 2. Os dados clínicos e funcionais relacionados a esses parâmetros estão descritos na tabela 1.
Tabela 2 Parâmetros obtidos e analisados pela análise bidimensional (n = 24)
Parâmetros analisados | Média | DP |
---|---|---|
Cadência (passos/min) | 133,92 | 27,44 |
Velocidade (cm/s) | 71,75 | 25,75 |
Tempo (s) total (is) de ciclo de marcha | 0,94 | 0,2 |
Comprimento da passada (cm) | 63,37 | 15,79 |
Comprimento de passo (cm) – LNE | 31,96 | 9 |
Porcentagem de tempo: balanço – LNE | 29,29 | 4,87 |
Porcentagem de tempo: apoio – LNE | 70,58 | 4,76 |
Relação apoio/balanço – LNE | 2,52 | 0,7 |
Porcentagem de tempo: apoio de um único membro – LNE | 32,67 | 5,31 |
Porcentagem de tempo: primeiro apoio duplo – LNE | 20,92 | 5,66 |
Porcentagem de tempo: segundo apoio duplo – LNE | 17,17 | 4,69 |
Comprimento do passo (cm) – LE | 31,41 | 8,8 |
Porcentagem de tempo: balanço – LE | 32,63 | 5,39 |
Porcentagem de tempo: apoio – LE | 67,75 | 5,24 |
Relação apoio/balanço – LE | 2,17 | 0,59 |
Porcentagem de tempo: apoio de um único membro – LE | 28,79 | 4,85 |
Porcentagem de tempo: primeiro apoio duplo – LE | 17,17 | 4,69 |
Porcentagem de tempo: segundo apoio duplo – LE | 21,58 | 6,32 |
Taxa de assimetria – LNE | 0,87 | 0,11 |
DP: desvio padrão; LNE: lado não envolvido; LE: lado envolvido.
OBS.: porcentagens calculadas em relação à duração do tempo de ciclo da marcha.
Nenhum paciente apresentou hipotonia ou rigidez. Os casos foram subdivididos em Grupo A (n = 14) (pacientes classificados como 1 e 2 na escala de Ashworth) e Grupo B (n = 8) (pacientes classificados como 3 e 4 na escala de Ashworth). O tempo médio de apoio no lado envolvido em pacientes do Grupo A foi significativamente mais alto do que no Grupo B (p = 0,04).
Dezesseis casos foram do Tipo I e oito casos do Tipo II, de acordo com a classificação WGH(21). As crianças classificadas como Tipo I tinham tônus muscular significantemente menor no tríceps sural do que as crianças classificadas como Tipo II (p = 0,03).
A comparação dos dados dos parâmetros têmporo-espaciais com valores normais(14) pode ser vista na tabela 3. As relações de interesse ao estudo da assimetria da marcha hemiplégica foram selecionadas e os resultados significantes ou quase significantes estão descritos na tabela 4.
Tabela 3 Comparação com os valores normais de Sutherland
Parâmetros analisados | Valores (%) | ||
---|---|---|---|
Abaixo | Normal | Acima | |
Cadência (passos/min) | 50 | 41,67 | 8,33 |
Velocidade (cm/s) | 62,5 | 29,17 | 8,33 |
Tempo (s) total (is) de ciclo de marcha | 0 | 33,33 | 66,67 |
Comprimento da passada (cm) | 62,5 | 29,17 | 8,33 |
Comprimento de passo (cm) – LNE | 58,33 | 29,17 | 4,17 |
Porcentagem de tempo: balanço – LNE | 83,33 | 16,67 | 0 |
Porcentagem de tempo: apoio – LNE | 0 | 29,17 | 70,83 |
Porcentagem de tempo: apoio de um único membro – LNE | 62,5 | 20,83 | 16,67 |
Porcentagem de tempo: primeiro apoio duplo – LNE | 4,17 | 12,5 | 83,33 |
Porcentagem de tempo: segundo apoio duplo – LNE | 16,67 | 20,83 | 62,5 |
Comprimento de passo (cm) – LE | 66,67 | 25 | 8,33 |
Porcentagem de tempo: balanço – LE | 54,17 | 37,5 | 8,33 |
Porcentagem de tempo: apoio – LE | 4,17 | 58,33 | 37,5 |
Porcentagem de tempo: apoio de um único membro – LE | 95,83 | 0 | 4,17 |
Porcentagem de tempo: primeiro apoio duplo – LE | 29,17 | 8,33 | 62,5 |
Porcentagem de tempo: segundo apoio duplo – LE | 0 | 16,67 | 83,33 |
LNE: lado não envolvido; LE: lado envolvido.
Tabela 4 Correlações com análise bidimensional
Relação avaliada | Correlação (R) | Valor p | |
---|---|---|---|
Cadência | Velocidade | 0,709 | 0 |
Cadência | Balanço LNE | 0,463 | 0,023 |
Cadência | Apoio LNE | -0,469 | 0,021 |
Velocidade | Passo LNE | 0,794 | 0 |
Velocidade | Balanço LNE | 0,755 | 0 |
Velocidade | Apoio LNE | -0,771 | 0 |
Velocidade | Apoio LE | -0,4 | 0,053 * |
Velocidade | AMU LNE | 0,41 | 0,047 |
Velocidade | AMU LE | 0,609 | 0,002 |
Velocidade | Passo LE | 0,716 | 0 |
Balanço LNE | Balanço LE | 0,487 | 0,016 |
Balanço LNE | Apoio LE | -0,483 | 0,017 |
Balanço LE | Apoio LNE | 0,472 | 0,02 |
Balanço LE | Apoio LE | -0,997 | 0 |
Apoio LNE | Apoio LE | 0,474 | 0,019 |
AMU LNE | AMU LE | 0,394 | 0,057 * |
PSD LNE | PSD LE | 0,475 | 0,019 |
SSD LNE | SSD LE | 0,422 | 0,04 |
Passo LE | AMU LNE | 0,557 | 0,005 |
Passo LE | Balanço LE | 0,497 | 0,013 |
Passo LE | Apoio LE | -0,519 | 0,009 |
Passo LE | AMU LE | 0,464 | 0,022 |
Passo LE | PSD LE | -0,406 | 0,049 |
Passo LE | AMU LE | -0,47 | 0,02 |
Taxa de claudicação | Passo LNE | 0,433 | 0,035 |
Balanço: porcentagem de tempo de balanço no ciclo da marcha; apoio: porcentagem de tempo de apoio no ciclo da marcha; LNE: lado não-envolvido; LE: lado envolvido; AMU: porcentagem de tempo de apoio de membro único no ciclo da marcha; PSD: porcentagem de tempo de primeiro suporte duplo no ciclo da marcha; SSD: porcentagem de tempo de segundo suporte duplo no ciclo da marcha. Passo: comprimento do passo;
*valor com tendência à significância.
A relação entre o tempo médio das fases de apoio (p = 0,012) e de balanço (p = 0,002) entre os lados foi estatisticamente significante. Não houve diferença no comprimento do passo (p = 0,747) entre os lados envolvido e não envolvido.
As porcentagens de FDS e SDS no ciclo da marcha com a força muscular nos membros inferiores também foram comparadas. No lado envolvido, o FDS foi mais alto quanto menor a força distal (p = 0,07) e a força total (p = 0,05). No lado não envolvido, o SDS foi mais alto quanto menor a força distal (p = 0,06) e a força total (p = 0,05).
O tempo do ciclo e cadência (TCT) estavam relacionados à GMFM. Quanto menor a cadência, maior a pontuação observada nessa escala para as seções B (p = 0,06), C (p = 0,01) e E (p = 0,04), que também estava relacionada ao total de GMFM (p = 0,05). Quanto maior o TCT, maior a pontuação para as seções C (p = 0,01), E (p = 0,03) e GMFM total (p = 0,04).
Os dados indicaram que quanto maior a idade do início da marcha, menor o tempo gasto no apoio único no lado envolvido (p = 0,05). Além disso, o tempo de balanço foi menor em crianças com mais idade na ocasião do início da marcha (r = −0,46, p = 0,02).
Quanto menor a idade do início da marcha independente, maiores as pontuações dos itens transferência de peso e equilíbrio (p = 0,04) na seção E (p = 0,04) e GMFM total (p = 0,03). Não foi observada nenhuma relação entre GMFM e a taxa de assimetria e porcentagens de tempo de apoio e de balanço.
A avaliação da marcha apresentada neste estudo foi realizada com o uso da análise bidimensional por videografia. Crowther et al.(22) usaram a análise bidimensional para examinar os parâmetros têmporo-espaciais e a cinemática da marcha em indivíduos com doença arterial periférica. Eles correlacionaram os resultados com o desempenho da marcha, capacidade de exercício e nível de atividade física. Vogt et al.(23) validaram o uso de dados bidimensionais da pelve e do tórax para a avaliação dos distúrbios da marcha e concluíram que a claudicação assimétrica, semelhante aos distúrbios da marcha em indivíduos com patologias do quadril, podiam ser detectados e descritos com o uso desse tipo de análise. Toro et al.(11), em 2007, também descreveram uma análise bidimensional da marcha utilizando a videografia em PC e incluíram o desenvolvimento e a validação das ferramentas de avaliação clínica.
A duração das fases de apoio e balanço pode ser alterada dependendo do grau de disfunção e se o paciente tem envolvimento mono ou bilateral(3).
Este estudo analisou a marcha de crianças hemiplégicas com assimetria entre o membro inferior envolvido e não envolvido nas fases de apoio e de balanço da marcha. Nossos dados sugerem que a fase de apoio dura significativamente mais no membro inferior não envolvido.
Não foi observada qualquer relação entre os comprimentos do passo nos dois lados, mas foi observada uma diferença no tempo de apoio e de balanço, sugerindo a maior dificuldade na transferência do peso.
Observamos que as porcentagens de tempo do FDS e SDS são assimétricas, e a nossa impressão foi de que a compensação contralateral perfeita mantém a sequência do ciclo relativamente inalterada. O FDS mais prolongado do lado não envolvido é uma necessidade, em razão da dificuldade de levantar o pé no balanço inicial no lado envolvido. Os períodos de duplo apoio parecem ter duração mais longa do que o esperado para a idade do participante neste estudo, o que pode ser o resultado de problemas de transferência de peso e instabilidade do membro durante o apoio em único membro.
A relação entre o tempo de duplo apoio e a força do músculo inferior também pode ser usada para compreender esse processo. Pode ser que a fraqueza do membro inferior envolvido, mesmo quando analisado em um grupo cuja maioria apresenta leve envolvimento, resulta na incapacidade de produzir uma quantidade suficiente de momentos verticais para tolerar o peso naquele único membro em apoio. Riad et al.(24) investigaram a produção de força no quadril e tornozelo em crianças com PC hemiplégica espástica e sem cirurgia prévia. Eles observaram uma grande mudança na produção de força do tornozelo para os quadris no lado envolvido e não envolvido e interpretaram isso como uma maneira de compensar a menor produção de força no tornozelo no lado hemiplégico.
Nesta análise bidimensional, a assimetria podia ser observada e demonstrada estatisticamente com maior evidência nos parâmetros temporais do que nos parâmetros espaciais. São necessários futuros estudos para verificar se o mesmo seria observado com outros grupos de crianças hemiplégicas.
A assimetria também podia ser analisada pela comparação com os valores normais de Sutherland(14). O aumento do tempo até o duplo apoio foi observado bilateralmente na maioria das crianças. Essa comparação também mostrou a diminuição do tempo até o apoio único na maioria das crianças, especialmente no lado envolvido. A fase de balanço encontra-se diminuída, especialmente no lado não envolvido. Cadência, velocidade, passada e comprimento do passo estavam abaixo dos valores esperados. O desvio mais notável estava relacionado ao aumento do tempo global para o ciclo da marcha.
Em crianças normais, a velocidade da marcha aumenta com a altura, enquanto a cadência diminui(3). Neste estudo, observamos o aumento da velocidade em razão da cadência mais rápida, o que pode ser um mecanismo compensatório pela falta de estabilidade(25).
Foi observada uma grande variação nos valores da velocidade e cadência, provavelmente resultando do aumento do ciclo total da marcha e da diminuição do comprimento da passada.
Os dados demonstraram uma correlação entre a idade mais jovem e o início da marcha e tempo de balanço mais longo, sugerindo uma relação com a maior duração do apoio único no lado envolvido ao contrário dos estudos realizados anteriormente por Inman et al.(2). Esses dados sugerem que as intervenções terapêuticas usadas nas capacidades motoras antes do início da marcha podem influenciar diretamente a qualidade desta.
O tempo total do ciclo da marcha estava aumentado neste estudo, embora o apoio único estivesse diminuído nas crianças com tônus mais elevado, talvez sugerindo que o apoio único seja um indicador mais sensível da instabilidade.
A análise de pontos para itens específicos da GMFM quantifica a assimetria quando relacionada à idade do início da marcha independente. A menor idade de início da marcha independente estava relacionada ao melhor equilíbrio e capacidades de realizar atividades com necessidade de transferência de peso, sugerindo que o melhor desempenho está relacionado à menor assimetria. A relação entre a cadência da marcha e pontuação de sessões que não avaliam a capacidade da marcha na GMFM apontam para a relevância do controle postural no ortostatismo estático e dinâmico.
A GMFM não parece permitir a análise da simetria, pois destina-se a medir a capacidade de realizar, em vez da qualidade do movimento necessário.
Em um estudo realizado por Drouin et al.(26), foram observadas relações significativas entre os parâmetros têmpo-espaciais da marcha, especialmente a velocidade, e a função motora avaliada pela GMFM. A população estudada por esses autores, diferentemente deste estudo, também incluiu pacientes capazes de andar com dispositivos de ajuda. Esses autores observaram que a correlação entre a velocidade da marcha e a seção E foi maior em crianças que andavam mais devagar e com apoio do que naquelas que andavam de maneira independente com velocidades acima de 45 cm/s, concluindo que a GMFM é menos sensível quando a criança anda numa velocidade mais próxima à normal. Isso pode explicar a falta de correlação entre velocidade e a função motora nesse grupo, além da homogeneidade de população. Várias atividades funcionais relacionadas à marcha podem ser pontuadas com o uso da GMFM, enquanto as medições quantitativas e qualitativas são possíveis com o uso da análise bidimensional. Isso indica que a escolha de uma ferramenta para avaliação da marcha depende do aspecto a ser avaliado e que a GMFM e a análise bidimensional podem ser complementares.
Era esperado o maior tônus muscular do tríceps sural na hemiplegia Tipo II(21); entretanto, não havia relação com a realização da marcha. As crianças com tônus muscular mais próximo aos padrões normais apresentaram maior tempo de apoio no membro envolvido do que aquelas com mais espasticidade, provavelmente em razão da melhor estabilidade no apoio.
O grupo de pacientes neste estudo foi relativamente homogêneo, sendo 67% classificados como Tipo I, de acordo com a classificação WGH(21). Isso pode explicar o fato de que a taxa de assimetria era bastante próxima ao normal e que a diferença dos comprimentos dos passos nos dois lados não era significativa. Mesmo com valores próximos ao normal, a taxa de assimetria relacionada à cadência sugere a imaturidade da marcha nesta amostra.
Embora a análise bidimensional da marcha não forneça tantos dados quanto a análise tridimensional, acreditamos que possa contribuir significativamente para a avaliação da marcha em crianças com PC. Simplicidade e baixo custo são vantagens significativas. Mensurações simples da marcha para o uso clínico de rotina em várias situações podem ser úteis quando os sistemas complexos de análise da marcha não se encontram disponíveis. Neste estudo, a análise bidimensional da marcha foi útil para quantificar os parâmetros têmporo-espaciais e identificar alguns aspectos relevantes, mesmo considerando-se as perturbações bastante leves da marcha e a idade jovem desta amostra. Futuros estudos são importantes, com amostras representativas correlacionando esses resultados com métodos mais estabelecidos.