versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.2 São Paulo abr./jun. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1592
A neoplasia maligna prostática é o segundo tumor mais frequente no homem. Até a década de 1980, a maioria dos pacientes era diagnosticada com doença avançada, o que se modificou com a melhoria da propedêutica, especialmente com o advento do antígeno prostático específico (PSA). O tratamento radical com intuito curativo para a neoplasia restrita ao órgão pode ser feito por meio da radioterapia ou da prostatectomia radical, este último com melhores resultados.
Tais resultados estão relacionados ao estadiamento da neoplasia. Os melhores resultados são obtidos quando a neoplasia está confinada ao órgão. A linfadenectomia pélvica da cadeia obturatória também pode ser empregada para estadiamento durante o ato cirúrgico. Todavia, diversos autores documentaram que, em pacientes cujo risco de metástase linfonodal pélvico é mínimo, torna-se desnecessária a linfadenectomia(1–3). São os casos em que o escore patológico de Gleason na biópsia é < 7 e o PSA ≤ 10 ng/ml.
O escore de Gleason usado para estadiamento de câncer de próstata quando estudado em um grupo homogêneo e com provável doença localizada (PSA ≤ 10 ng/ml) apresenta predominância de escore 3.3, como foi observado por Lance et al.(4) e Doblet et al.(5).
Em relação ao tempo operatório, o acesso perineal tem se mostrado mais breve, por questão de anatomia com acesso mais direto à próstata. Salomon et al.(6) relataram uma duração média de 178 minutos por via perineal e de 197 minutos por via suprapúbica. Resnik(7) também chegou a uma conclusão semelhante. Tais estudos sugerem que o acesso à próstata é mais imediato pela via perineal, com menor número de planos cirúrgicos.
Além dos resultados de controle da neoplasia, devem ser considerados os custos do tratamento. O tratamento operatório nas últimas décadas sofreu modificações importantes quanto ao acesso ao órgão e custos diretamente relacionados. A videolaparoscopia e especialmente a robótica ainda estão distantes do cotidiano do urologista em inúmeras regiões do mundo, principalmente pelas limitações financeiras. O acesso perineal é o mais antigo e remonta aos primórdios da urologia para extração de cálculo vesical na posição de litotomia. Na atualidade, o acesso suprapúbico é o mais empregado no país e foi desenvolvido com o melhor conhecimento da anatomia pélvica.
Gillitzer e Thuroff(8) avaliaram os gastos da prostatectomia aberta e concluíram que o custo com o acesso perineal é aproximadamente 42% inferior ao do acesso suprapúbico. Harris(9), em 2003, ressaltou que o acesso perineal é um método cirúrgico simples e minimamente invasivo, o que contribui para uma recuperação mais rápida do paciente, com menores custos financeiros finais.
A lesão retal é descrita em todos os trabalhos sobre o acesso perineal para prostatectomia. Lance et al.(4) encontraram incidência de 4,9% e Hiraoka et al.(10), de 1%. Gillitzer et al.(8) relataram até 3% de lesão retal quando o procedimento foi realizado por cirurgião experiente e até 11% durante a curva de aprendizado. Todos se referiram à lesão do reto como de reparo fácil quando diagnosticada no período peroperatório, e que deve ser feito com sutura em dois planos. Há possibilidade de evolução para fístula em até 3,6% das lesões com necessidade de colostomia para desvio do trânsito intestinal. Sullivan et al.(11) relataram, em sua casuística, 5% de lesão retal na técnica perineal. Doblet et al.(5), estudando 24 pacientes operados pela técnica de perineal, descreveram três casos de lesão retal e apenas um caso no grupo de 16 pacientes operados pela técnica de suprapúbica. Muitos estudos evidenciam índices maiores de lesão de reto nas prostatectomias perineais, sendo esta a complicação mais grave(12–14).
A ocorrência de fístula urinária tem sido relatada em todos os estudos e em ambas as técnicas, com resultados semelhantes. Gillitzer e Thuroff(8) descreveram 3,5% de fístulas urinárias em uma série empregando ambas as técnicas, resultados semelhantes aos encontrados por Sullivan et al.(11). O tratamento da fístula se baseia inicialmente no uso de cateter vesical de demora.
A ocorrência de retenção urinária é descrita nos estudos sobre as duas técnicas cirúrgicas, sendo que provavelmente se deve ao tipo de anastomose e calibre do colo vesical na reconstrução do colo prévio à anastomose. Harris(9) relatou retenção urinária em 2% de seus pacientes submetidos a ambas as técnicas cirúrgicas. Sullivan et al.(11) relataram 19% de retenção urinária e estenose de anastomose uretrovesical em trabalho semelhante.
Tanto Sullivan et al.(11) quanto Gillitzer et al.(8) admitiram incidência de 5% de infecção de ferida operatória devido a hematoma ou não em ambas as técnicas. Todavia, Lance et al.(4) evidenciaram incidência de infecção maior quando foi empregado o acesso perineal, mais de 2% acima do índice de infecções apresentadas no acesso suprapúbico.
Comparar os resultados da prostatectomia radical por acesso perineal e por via suprapúbica, avaliando: tempo operatório, custo de realização do procedimento e complicações do sítio cirúrgico.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição e todos os pacientes incluídos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O tratamento e o acompanhamento não foram influenciados pela participação na pesquisa.
Trata-se de estudo retrospectivo de prontuários de pacientes operados pela mesma equipe médica num hospital público de ensino de referência no atendimento oncológico do Estado de Minas Gerais. No período de janeiro de 2000 a setembro de 2005, foram operados 400 pacientes. Foram incluídos aqueles com neoplasia maligna prostática localizada confinada ao órgão de acordo com exame digital retal, antígeno prostático específico (PSA) de até 10 ng/dl e escore patológico de Gleason de até 6. Foram excluídos pacientes com alguma contraindicação relativa ao procedimento, como expectativa de vida inferior a 10 anos e risco cirúrgico maior que II segundo os critérios da Sociedade Americana de Anestesiologia. Foram analisados 291 prontuários de acordo com os critérios descritos.
Foram comparados dois grupos de pacientes: operados pelo acesso perineal e o operados pelo acesso suprapúbico. As variáveis analisadas foram o tempo operatório, a incidência de complicações cirúrgicas e o custo de realização da prostatectomia. Ao final da revisão dos prontuários, foram estudados 109 pacientes em cuja análise foi possível obter todos os dados a serem avaliados. As complicações consideradas foram aquelas diretamente relacionadas ao leito cirúrgico, tais como: lesão retal, fístula urinária, sangramento pós-operatório, infecção do sítio cirúrgico, dentre outras. Foram excluídas as complicações pulmonares, cardiovasculares ou quaisquer outras relacionadas genericamente a um ato cirúrgico que não fosse a prostatectomia.
O bloqueio espinhal por raquianestesia e secundariamente anestesia peridural são de preferência para a realização da prostatectomia independentemente do acesso perineal ou suprapúbico. A anestesia geral pode ser empregada em razão de alguma contraindicação ao bloqueio espinhal.
A prostatectomia radical perineal é realizada com o paciente em posição de litotomia forçada. A incisão cutânea é semicircular, anterior ao ânus, com as extremidades de cada lado distantes 1,5 cm das tuberosidades isquiáticas. Profundamente, realiza-se secção do centro tendíneo do períneo até a localização e secção da uretra bulbar para tração da próstata. A dissecação prostática é feita no sentido do seu ápice para o colo vesical com a ligadura e secção dos vasos. Em seguida, são dissecados os ductos deferentes e as vesículas seminais que têm seus vasos ligados e seccionados. A uretra é isolada e seccionada, assim como o colo vesical, para a extração em monobloco da próstata e das vesículas seminais. A anastomose vesicouretral é feita sob visão direta por sutura contínua com um fio PDS 3-0. Finalmente, é introduzido cateter vesical de demora, realizada revisão da hemostasia, drenagem com Penrose pela incisão e síntese dos planos profundos com fio catgut 3-0 e da pele com nylon 3-0.
A prostatectomia suprapúbica é realizada com o paciente em decúbito dorsal com discreta hiperextensão da mesa cirúrgica, por meio de incisão mediana infraumbilical que se estende até a raiz do pênis. A dissecação dos planos é feita no espaço retropúbico pré-peritoneal para exposição da face anterior da próstata e da transição vesicoprostática. Segue-se com liberação das faces laterais da próstata, ápice prostático e posteriormente a abertura da fáscia endopélvica de cada lado e ligadura do complexo da veia dorsal do pênis com fio vycril 2-0. A uretra é exposta, seccionada e reparada com 5 pontos separados de fio vycril 3-0 para anastomose futura. A face posterior da próstata é dissecada e procede-se com a ligadura e secção dos vasos prostáticos. Continua-se com a liberação da próstata até o colo vesical e exposição da fáscia de Denonnvelier, que é aberta para dissecação das vesículas seminais e dos ductos deferentes. A base prostática é seccionada no colo vesical e a peça é extraída em monobloco. Procede-se com revisão da hemostasia, introdução de cateter vesical de demora e, finalmente, anastomose vesicouretral. Esta é realizada com os fios reparados previamente e quantos mais forem necessários, totalizando 6 a 8 fios vycril 3-0. Os nós são aproximados por palpação e a aproximação da bexiga junto à uretra é mantida por tração do cateter vesical de demora. Por último, o leito operatório é drenado com Penrose e os planos são suturados com vycril 1 e nylon 3-0.
O custo financeiro de cada procedimento foi calculado com base nos dados anotados na folha de sala cirúrgica. Foram levados em conta todos os materiais utilizados durante o ato operatório. No intuito de estabelecer um padrão independente da correção monetária brasileira e corrigir para valores atuais, foi utilizado o coeficiente hospitalar (CH), bastante empregado para remuneração em saúde. Esse valor se modifica ao longo dos anos. Os gastos de uma operação foram convertidos em CH de acordo com a cotação da época do procedimento. Em seguida, converteram-se os valores de CH à moeda corrente do país. Na atualidade, uma unidade de CH corresponde a R$ 0,30.
Para estudo estatístico, foi utilizado o método descritivo de média e erro padrão da média. Os resultados foram comparados por meio de análise de variância. Para as variáveis categóricas, empregou-se teste do χ2. As diferenças foram consideradas significativas para valores correspondentes a p < 0,05.
Foram estudados 55 pacientes no Grupo Perineal e 54 pacientes no Grupo Suprapúbico.
A partir da análise dos dados, observou-se que a média de idades foi sem diferença estatística nos dois grupos, sendo de 64,4 anos na PRP e 62,9 anos na PRSP.
No Grupo Perineal, a média do PSA foi de 6,6 ng/dl e no Grupo Suprapúbico foi de 6,75 ng/dl. Não houve diferença estatística entre os valores de PSA nos grupos analisados. Não houve valor de PSA superior a 10 ng/dl em nenhum dos pacientes.
Em ambos os grupos analisados, o escore mais frequente foi o de Gleason 6 (3+3), ocorrendo em 80% no Grupo Perineal e em 88% no Grupo Suprapúbico. A tabela 1 mostra as distribuições de acordo com todos os escores de Gleason. Não houve diferença significativa quanto aos valores de escore de Gleason entre os grupos estudados.
Tabela 1 Distribuição dos achados de escore de Gleason nos grupos de pacientes submetidos à prostatectomia radical por acesso perineal e por acesso suprapúbico
Escore de Gleason | Grupos | |||
---|---|---|---|---|
Perineal | Suprapúbico | |||
n | % | n | % | |
3 | 4 | 7,5 | 2 | 3,5 |
4 | 2 | 3,5 | 3 | 5,5 |
5 | 5 | 9 | 1 | 2 |
6 | 44 | 80 | 48 | 89 |
Total | 55 | 100 | 54 | 100 |
n: número de pacientes.
Houve diferença estatística entre os grupos quanto ao tempo operatório (p < 0,05). O tempo médio para a realização de todo o ato operatório por acesso perineal foi 114 minutos em média (DP: 0,03) e de 167 minutos em média (DP: 0,041) para o acesso suprapúbico.
O custeio no grupo perineal (média 3.430,60 CH, correspondente a R$ 1.029,18) foi menor do que no Grupo Suprapúbico (média 5.569,31 CH, correspondente a R$ 1.569,31) com diferença significativa (p < 0,05).
O índice de transfusão sanguínea foi estatisticamente semelhante nas duas técnicas, sendo 12,7% na PRP e 11,1% na PRSP.
Os pacientes usaram cateter vesical de demora por um período semelhante em ambos os grupos, sendo o tempo médio de uso de 11,8 dias na PRP e 13,7 dias na PRSP, não havendo diferença estatística.
A ocorrência de fístula urinária foi estatisticamente superior na PRP, com 4 casos (3,7%) e na PRSP ocorreu 1 caso (1,8%), todos tratados satisfatoriamente com uso de cateter vesical de demora (p < 0,05).
Os índices de complicações cirúrgicas decorrentes das prostatectomias realizadas foram de 11 casos na PRP e de 3 casos na PRSP. A tabela 2 apresenta todas as complicações de acordo com os grupos avaliados.
Tabela 2 Complicações operatórias desenvolvidas no sítio cirúrgico pelos pacientes submetidos à prostatectomia radical pelo acesso perineal e pelo acesso suprapúbico para tratamento do câncer de próstata
Complicações | Grupo | |||
---|---|---|---|---|
Perineal | Suprapúbico | |||
n | % | n | % | |
Fístula urinária | 3 | 5,5 | 1 | 1,8 |
Hematoma no pênis | 0 | - | 1 | 1,8 |
Hematoma parietal | 1 | 1,8 | 1 | 1,8 |
Infecção do sítio cirúrgico | 1 | 1,8 | 0 | - |
Lesão do reto | 6* | 10,9 | 0 | - |
Total | 11* | 20 | 3 | 5,4 |
*p < 0,05.
Atualmente, o acesso suprapúbico é o método de preferência da maioria dos urologistas brasileiros para a prostatectomia radical. A curva de aprendizado da prostatectomia perineal é rápida(15), porém o acesso não possibilita a realização de linfadenectomia pélvica. Por outro lado, é possível dispensar a linfadenectomia conforme o estadiamento da neoplasia(16–20).
O trabalho mostrou resultados semelhantes aos dados da literatura, como o índice de pacientes com escore de Gleason prevalecendo o escore 3.3(4,5), isto se deveu principalmente por se ter obtido um grupo homogêneo, configurando pacientes com neoplasia potencialmente localizada(17). Também houve homogeneidade nos dados sobre o PSA e idade.
O tempo cirúrgico é um dado que apresentou diferença estatística, sendo que a PRP se mostrou mais breve quando comparada à PRSP(6). Este dado tem importância principalmente quando são avaliados os custos do procedimento, pois uma técnica de menor tempo de cirurgia reflete nos gastos no bloco cirúrgico. A PRP também apresentou um gasto menor devido ao acesso direto à próstata, com quantidade menor de planos para reconstituição. O custo da PRP neste trabalho foi cerca de 40% menor quando comparado à PRSP
Quando se avaliou a ocorrência de fístula urinária na presente série, o índice na PRP evidenciou-se estatisticamente superior à PRSP, e todas as ocorrências de fístulas foram tratadas com sucesso por meio do uso de cateter vesical de demora.
O acesso perineal para a prostatectomia radical foi realizado em menos tempo e com menor custo do procedimento. Entretanto, uma maior incidência de complicações de sítio cirúrgico a esse acesso em comparação ao acesso suprapúbico, notadamente de lesão de reto e fístula urinária.