versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.4 Porto Alegre out./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.0118
O aneurisma de aorta abdominal (AAA) é uma condição usualmente assintomática e potencialmente fatal aos primeiros sintomas, definida como uma dilatação da aorta maior ou igual a 3,0 cm, o que normalmente corresponde a mais de dois desviospadrão acima do diâmetro médio para homens e mulheres, ou uma vez e meia maior que o esperado diâmetro infrarrenal normal do indivíduo1.
Os AAA são geralmente diagnosticados em exames de rotina e, embora possam causar dor abdominal ou lombar, a ruptura pode ser o seu sintoma inicial. Esse risco é baixo em aneurismas menores do que 5,5 cm, porém, em sua ocorrência, somente 25% dos pacientes chegam vivos ao hospital e apenas 10% sobrevivem à cirurgia2.
Mais de 40 mil procedimentos para correção de AAA são realizados todos os anos nos EUA3. Em São Paulo, estima-se que 1,8 a 3% das pessoas com 50 anos ou mais possuam esta condição2. No subgrupo de homens com 60 anos ou mais, a prevalência está entre 4,3 e 8%4. Na presença de história familiar e doenças congênitas associadas, como Síndrome de Marfan e Ehler-Danlos, a prevalência e os índices de ruptura são ainda maiores5.
O tratamento cirúrgico eletivo é indicado para os pacientes com aneurismas com diâmetro superior a 5,5 cm6 ou com diâmetros menores, em situações especiais, como sexo feminino, presença de sintomas (dor e ateroembolismo) e características anatômicas específicas do aneurisma (saculações e ulcerações)3–5.
Em séries de pacientes operados em serviços de grande experiência, relatam-se taxas de mortalidade perioperatória (< 30 dias) para o tratamento cirúrgico aberto (TA) entre 1,6 e 6,5%, em grande parte devido ao bom manejo operatório e aos avanços nos cuidados pós-operatórios7,8.
A publicação de Parodi et al.9, em 1991, sobre o tratamento endovascular (TE) do AAA marcou uma mudança de paradigma no tratamento desta doença. Desde então, estudos randomizados prospectivos e multicêntricos têm demonstrado taxas de morbimortalidade perioperatórias menores do TE, quando comparadas às do TA2–4.
De acordo com dados recentes da literatura, há evidências que mostram que pacientes de alto risco se beneficiam do TE, ao passo que, em pacientes de baixo risco, com anatomia favorável para TE, ambas as técnicas têm resultados similares. O subgrupo de pacientes mais saudáveis apresentou maior benefício do TE em relação ao TA em termos de mortalidade precoce (30 dias), mas isso não se traduziu em uma vantagem de sobrevida em longo prazo10,11.
Atualmente, há sérias dúvidas quanto à durabilidade, ao índice de complicações em médio prazo, à necessidade de reintervenções e aos custos do TE, preocupações estas que ganham importância à medida que, com o rastreio precoce efetivo, cada vez mais pacientes jovens com elevada expectativa de vida se mostram candidatos ao tratamento do AAA7. Entretanto, com a evolução das endopróteses e o aumento da experiência com a terapêutica endovascular, tais preocupações podem estar superestimadas e não refletir a realidade no futuro12.
O TA com colocação de prótese sob visualização direta provou ser durável em dois sentidos: esta técnica tem sido utilizada há mais de 50 anos e os índices de complicações relacionadas à falha na prótese são de cerca de 0,3% ao ano. Esta é, contudo, uma cirurgia de grande porte, com taxas de morbimortalidade não desprezíveis5.
Dada a heterogeneidade do perfil de condições clínicas e anatômicas dos pacientes candidatos ao tratamento pelos dois métodos, é problemática a realização de uma randomização adequada para a análise comparativa entre as duas técnicas6,7. Existem poucos estudos publicados nesse modelo e ainda não há consenso sobre a definição do tipo ideal de tratamento1,6,13–15.
É importante a análise de uma casuística local, dada a complexidade das variáveis que envolvem a seleção dos pacientes para cada tipo de tratamento e dos fatores técnicos e estruturais que podem influenciar na obtenção dos resultados. Não existe na literatura nacional grande estudo comparativo entre as duas técnicas.
O objetivo deste trabalho é comparar os resultados dos tratamentos cirúrgico aberto e endovascular dos pacientes portadores de aneurisma de aorta abdominal entre os anos de 2008 e 2013 em um hospital terciário, através de uma análise retrospectiva com base na revisão sistemática de prontuários.
Foi realizada uma análise retrospectiva, unicêntrica, observacional e transversal, com base na revisão de prontuários de 119 pacientes submetidos à correção cirúrgica aberta (TA) e 219 pacientes submetidos à correção endovascular (TE) de aneurisma de aorta abdominal (AAA), entre os anos de 2008 e 2013, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
Os critérios de inclusão foram: pacientes portadores de AAA maior do que 5,0 cm de diâmetro, demonstrado por angiotomografia de multidetectores, com seguimento mínimo pós-operatório de 30 dias.
Foram excluídos do estudo pacientes submetidos a TA ou TE de emergência por AAA roto e aneurismas de aorta toracoabdominal, e com seguimento inferior a 30 dias no pós-operatório.
Foi realizada análise demográfica dos pacientes: idade, sexo, raça, presença de fatores de risco para AAA, diabetes mellitus, tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, estenose de carótidas, doença arterial coronariana, doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência renal crônica. Observamos também o índice de massa corpórea, fração de ejeção ao ecocardiograma e diâmetro máximo do aneurisma.
Analisamos as características do reparo do aneurisma: tipo de anestesia (geral ou geral mais regional), configuração da correção (prótese reta ou bifurcada e tipo de endoprótese), além de informações sobre o perioperatório: tempo de duração do procedimento, perda sanguínea estimada, transfusão sanguínea autóloga e heteróloga, média de uso de contraste endovenoso e tempo médio de fluoroscopia.
As seguintes complicações pós-operatórias foram observadas: mortalidade; infarto agudo do miocárdio; acidente vascular cerebral; insuficiência renal aguda; amputação maior; isquemia mesentérica; hemorragia; infecção de sítio cirúrgico; isquemia de membros inferiores; tromboembolismo venoso; broncopneumonia, e ocorrência de vazamento nas endopróteses.
Estimou-se o tempo médio de permanência em unidade de terapia intensiva e duração de internação hospitalar, além dos custos relacionados aos procedimentos.
Para a estimativa do custo total do tratamento, levamos em consideração o valor pago pelo Sistema Único de Saúde ao Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, o custo da permanência em leito convencional e em unidade de terapia intensiva, o valor da prótese de Dacron reta e bifurcada, o valor da endoprótese, o valor de unidades transfundidas de hemoderivados e do equipamento de autotransfusão, e o valor total do procedimento.
As variáveis de interesse foram inseridas em uma planilha para análise estatística realizada no programa R3.0.1 e considerou-se significativo o valor de p<0,05.
Para as variáveis qualitativas, foi utilizado o teste exato de Fisher bicaudal, e para variáveis quantitativas, o teste T ou o teste de Mann-Whitney, de acordo com a distribuição da variável em questão. Para verificar a normalidade das variáveis quantitativas, utilizamos teste de Shapiro-Wilk.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.
Entre janeiro de 2008 e março de 2013, 338 pacientes foram submetidos ao tratamento eletivo de aneurisma de aorta abdominal (AAA), tendo 119 destes recebido tratamento cirúrgico aberto (TA) e 219, o tratamento endovascular (TE).
O grupo submetido ao TE apresentou maior idade (71,3 vs. 68,2 anos; p<0,001) e doença coronariana (44,7% vs. 27,7%; p=0,002), além de menor fração de ejeção ao ecocardiograma (57,6% vs. 64,3%; p<0,001); por sua vez, o grupo submetido ao TA exibiu mais DPOC (16,0% vs. 5,9%; p=,004) e menor colo proximal infrarrenal (15,5 mm vs. 23,0 mm; p<0,001). Note-se, porém, que não houve diferença na classificação ASA (p=0,36). O grupo TA também apresentou características anatômicas mais complexas, com maior percentual de aneurismas justa e pararrenais (11,3% vs. 4,1% e 4,8% vs. 0,45%, respectivamente, com p<0,001). As demais características demográficas e condições clínicas de base são detalhadas na Tabela 1.
Característica | Grupo TA (n=119) | Grupo TE (n=219) | Valor p | |
---|---|---|---|---|
Idade(anos) | 68,2±69 | 71,3±9,0 | <0,001 | |
Sexo masculino – N.°(%) | 89(74,8) | 183(83,6) | 0,06 | |
Raça – N.° (%) | 0,39 | |||
Branco | 107 (88,9) | 203(92,7) | ||
Negro | 4(3,4) | 3(1,4) | ||
Pardo | 8(6,7) | 13(5,9) | ||
Hipertensão – N.°(%) | 108 (90,8) | 193(88,1) | 0,58 | |
Diabetes Mellitus – N.°(%) | 22(18,5) | 61 (27,9) | 0,64 | |
Dislipidemia – N.°(%) | 73(61,3) | 139(63,5) | 0,72 | |
Tabagismo – N.°(%) | 108 (90,8) | 170(77,6) | 0,03 | |
IRC – N.°(%) | 16(13,4) | 30(13,7) | 1,00 | |
DPOC – N.°(%) | 19(16,0) | 13(5,9) | 0,0004 | |
Doença Carotídea – N.° (%) | 22(18,5) | 24(11,0) | 0,067 | |
Doença Coronariana – N.°(%) | 33(27,7) | 98 (44,7) | 0,002 | |
IMC (kg/m2) | 25,7±4.3 | 26,3±4,2 | 0,41 | |
FE (%) | 64,3±8,3 | 57,6±13,9 | <0,001 | |
Classifição ASA – N.°(%) | 0.36 | |||
I | 1(0,8) | 0(0) | ||
II | 41(34,5) | 77(35,2) | ||
III | 74(62,2) | 140(63,9) | ||
IV | 3(2,5) | 2(09) | ||
Diâmetro máx do AAA (cm) | 6.4±1,5 | 6,2±1,1 | 0,54 | |
Colo proximal(mm) | 15,5±14,2 | 23,0±10,2 | <0,001 | |
Tipo de Aneurisma – N.° (%) | 0,001 | |||
Infrarrenal | 99(83,2) | 209(95,4) | ||
Justarrenal | 14(11,8) | 9(4,1) | ||
Pararrenal | 6(5,0) | 1(5,0) | ||
Aneurisma de ilíaca – N.°(%) | 0,34 | |||
Unilateral | 16(13,4) | 31(14,2) | ||
Bilateral | 36(30,3) | 82(37.6) | ||
Ausente | 67(563) | 31(14,2) |
TA – tratamento cirúrgico aberto; TE – tratamento endovascular; IRC – insuficiência renal crônica; DPOC – doença pulmonar obstrutiva crônica; IMC – índice de massa corpórea; FE – fração de ejeção ao ecocardiograma; ASA – American Society of Anesthesiologists; AAA – aneurisma de aorta abdominal.
Anestesia geral foi utilizada na quase totalidade dos pacientes do grupo TE (99,1%), enquanto anestesia geral associada com bloqueio regional, na maioria do grupo TA (65,5%). Enxerto aortoaórtico foi utilizado em 51,3% dos pacientes do grupo TA e a endoprótese bifurcada, em 88,6% do grupo TE. As características do reparo dos aneurismas são vistas na Tabela 2.
Característica - Número de pacientes (%) | Grupo TA (n=119) | Grupo TE (n=219) | |
---|---|---|---|
Tipo de Anestesia | |||
Geral | 41 (34,5) | 217(99,1) | |
Geral + Regional | 78 (65,5) | 2(0,9) | |
Anastomose Distal | |||
Aortoaórtica | 61 (51,3) | - | |
Aortobi-ilíaco | 48(40,3) | - | |
Aortobifemoral | 07 (5,9) | - | |
Aortoilíacoou aortofemoral | 03(2,5) | - | |
Configuração da Prótese | |||
Reta | 61 (51,3) | - | |
Bifurcada | 58(48,7) | - | |
Configuração da Endoprótese | |||
Reta | 25(11,4) | ||
Bifurcada | - | 194(88,6) | |
Monoilíaca | - | 0(0) | |
Tipo de Endcprótese | |||
Zenith (Cook) | - | 54 (24,6) | |
Talent (Medtronic) | - | 27 (12,3) | |
Endurant (Medtronic) | - | 35 (15,9) | |
Excluder (Core) | - | 38 (17,3) | |
Powerlink (Endologix) | - | 34 (15,5) | |
Outras* | - | 31(14.1) |
TA – tratamento cirúrgico aberto; TE – tratamento endovascular;
*Outras endopróteses utilizadas: Anaconda (19), Aorfix (9), Apolo (3).
Quando comparado com a cirurgia aberta, o tratamento endovascular apresentou menor duração do procedimento (105,9 vs. 235,0 min; p<0,001), menor sangramento intraoperatório (171 vs. 729,5 mL; p<0,001), com menor necessidade de hemotransfusão (11,9%, vs. 73,1%; p<0,001), mais curta permanência em UTI (2,4 vs. 3,5 dias; p<0,001) e menor tempo de internação hospitalar (5,8 vs. 10,3 dias; p<0,001). A Tabela 3 mostra os dados do perioperatório.
Variável | Grupo TA (n=119) | Grupo TE (n=219) | Valor p |
---|---|---|---|
Duração média (min) | 235,0±62,8 | 105,9±45,7 | <0,001 |
Perda Sanguínea (mL) | 729,5±1038 | 171,0± 175,5 | <0,001 |
Necessidade de transfusão sanguínea – N.° (%) | 87(73,1) | 26(11,9) | <0,001 |
Tempo de clampeamento (min) | 60,8 ±23,8 | - | |
Volume de contraste (mL) | - | 136,6±58,2 | |
Tempo de fluoroscopia (min) | - | 22,9±15,9 | |
Permanência em UTI (dias) | 3,5 ±8,4 | 2,4±5,0 | 0,002 |
Duração da hospitalização (dias) | 10,3±11,4 | 5,8±7,6 | <0,001 |
TA – tratamento cirúrgico aberto; TE – tratamento endovascular.
A análise de custos mostrou que, em média, o TA foi significativamente mais barato do que o TE (R$4.778,60 vs. R$34.277,76; p<0,001). As Tabelas 4 e 5 mostram os custos dos procedimentos e dos hemoterápicos utilizados.
Custo Médio (em Reais)1 | |
---|---|
Prótese de Dacron | |
Reta | 550,00 |
Bifurcada | 690,00 |
Endoprótese | |
Corpo Principal | 14.000,00 |
Extensões (individual) | 10.200,00 |
Aneurismectomia Aorta Abdominal Aberta | |
Serviço Hospitalar | 1.240,7 |
Serviço Profissional | 371,72 |
Total | 1.622,26 |
Correção Endovascular de Aneurisma de Aorta Abdominal2 | |
Serviço Hospitalar | 1.240,74 |
Serviço Profissional | 371,72 |
Total | 1.622,26 |
Média de permanência hospitalar por pacote de 5 dias em leito comum3 | |
Serviço Hospicalar | 436,61 |
Serviço Profissional | 72,08 |
Total | 508,69 |
Media de permaníncia hospitalar em unidade de terapia intensiva | |
Serviço Hospitalar | 436,65 |
Serviço Profissional | 72,08 |
Tocal | 508,73 |
1Valor pago pelo Sistema Único de Saúde, em média;
2Varia de acordo com o número de extensões utilizadas;
3Até 10 dias, cobra-se o valor de dois pacotes e, a partir do 11.º dia, acrescentam-se 20 reais/dia de permanência hospitalar.
Custo Médio (em Reais)* | |
---|---|
Imuno-hematologia | 15,00 |
Coleta da Bolsa | 22,00 |
Triagem | 10,00 |
Sorologia da Bolsa | 75,00 |
Processamento | 10,15 |
Total | 132,15 |
*Valor pago pelo Sistema Único de Saúde.
A mortalidade em 30 dias foi semelhante (TA 5,0% vs. TE 4,1%; p=0,78), também não havendo diferença estatística nas complicações pós-operatórias (Tabela 6).
Variável | Grupo TA (n=119) | Grupo TE (n=219) | Valor p | |
---|---|---|---|---|
Coimplicações Maiores – N.° (%) | ||||
Óbico | 6(5,0) | 9(4,1) | 0,78 | |
Infarto Agudo do Miocárdio | 1 (0,8) | 8(3,7) | 0,17 | |
Acidente Vascular Encefálico | 2 (1,7) | 0(0) | 0,12 | |
Insuficiência Renal Aguda Dialítica | 6(5,0) | 6(2,7) | 0,36 | |
Amputação Maior | 2 (1,7) | 0(0) | 0,12 | |
IsquemiaMesentérica | 1 (0,8) | 1 (0,5) | 1,00 | |
Hemorragia Maior | 3 (2,5) | 6(2,8) | 1,00 | |
Coimplicações Menores – N.° (%) | ||||
Infecção de Sítio Cirúrgico | 1 (0,8) | 9(4,1) | 0,11 | |
Isquemia de Membros Inferiores | 13(10,9) | 33(15,1) | 0,32 | |
Tromboembolismo Venoso | 0(0) | 0(0) | 0 | |
Insuficiência Renal Aguda Não Dialítica | 9(7,6) | 15(6,8) | 0,83 | |
Broncopneumonia | 9(7,6) | 9(4,1) | 0,21 | |
Hemorragia Menor | 5 (4,2) | 13(5,9) | 0,62 | |
Tipos de Endoleak – N.° (%) | ||||
Tipo 1 | – | 14(6,4) | ||
Tipo II | – | 13(5,9) | ||
Tipo III | – | 9(4,1) | ||
Tipo IV | – | 3 (1,4) |
TA – cracamento cirúrgico aberco; TE – cracamenco endovascular.
O objetivo do tratamento do AAA é evitar a ruptura e o óbito. Com o advento do TE, idealizada por Parodi et al.9 em 1991, uma nova opção menos invasiva e associada a menores complicações perioperatórias foi introduzida11. Desde então, novas técnicas, materiais e endopróteses foram desenvolvidas, e os resultados terapêuticos, analisados.
Em revisão de literatura, encontramos apenas quatro trabalhos randomizados que compararam as técnicas6,11,15,16, não havendo trabalho nacional que tenha utilizado esse método comparativo. Outros trabalhos comparam alguns desfechos específicos (taxas de reintervenção e insuficiência renal)17–19, ou utilizaram grupos restritos, com características particulares (idosos, obesos, alto risco cirúrgico)3,7,20,21.
Verificou-se, no grupo submetido ao TE, a presença de idade mais avançada, doença coronariana e menor fração de ejeção. A elevada prevalência dessas comorbidades se deve ao fato de o nosso serviço ser um centro de referência nacional para doenças cardiovasculares. Pacientes de alto risco nos são encaminhados para tratamento, sendo que, em muitos desses casos, optou-se pelo TE por ser menos invasivo, mais rápido e com menores permanência em UTI e internação hospitalar. Outros estudos corroboram esses resultados, ratificando os benefícios do TE6,11,22,23.
Em grupos selecionados de pacientes de baixo a intermediário risco, o TA e o TE não apresentam diferenças em termos de sobrevida e complicações maiores e menores. A escolha da melhor modalidade terapêutica deve depender da ponderação de diferentes riscos: maior permanência hospitalar, taxa de transfusão no pós-operatório, complicações relacionadas à incisão no TA, maior necessidade de seguimento com tomografias, mais alta taxa de reintervenção e pequeno – porém persistente – risco de ruptura do AAA com TE11. O tratamento, portanto, deve ser individualizado, devendo o médico assistente levar em consideração a expectativa de vida do paciente, a avaliação de risco cirúrgico, a anatomia do aneurisma e, inclusive, a preferência do paciente10.
Além dos AAA infrarrenais, também foram incluídos no trabalho os portadores de aneurismas justarrenais e pararrenais. Nestes casos, adotamos conduta cautelosa na indicação do TE, pelo fato de haver maior possibilidade de reintervenções e de insuficiência renal nesse grupo de pacientes, conforme verificado em outros estudos publicados6,15,21,24.
Em relação às características do procedimento, em nossa casuística, a totalidade dos pacientes foi submetida à anestesia geral; e, no grupo submetido ao TA, a anestesia regional foi associada em 65,5% dos casos. Essa conduta permitiu uma menor infusão de agentes anestésicos no intra e no pós-operatório; extubação mais rápida; melhor controle da dor e deambulação precoce; redução de complicações pulmonares, tromboembólicas e abdominais, e até mesmo de eventos coronarianos, pela redução do tônus simpático. Em nossa opinião, essa prática pode ser responsável pela baixa taxa de complicações pós-operatórias observadas em nosso estudo. Apesar da possibilidade de realização do TE apenas com anestesia local, essa conduta não é rotina em nosso serviço. Com o paciente intubado, existe a possibilidade da realização de apneia, o que facilita o posicionamento e a liberação mais precisa da endoprótese em pacientes com colos proximais aórticos desfavoráveis, o que se apresenta muito comum em nossa casuística. Esta proporção é consistente com o DREAM6, em que 94,7% dos pacientes do TE foram submetidos à anestesia geral.
Em relação aos tipos de anastomoses cirúrgicas distais, o tipo aortoaórtico foi o mais frequente (51,3%), seguido pelo aortobi-ilíaco (40,3%), assim como no DREAM6 (59,8% e 33,3%, respectivamente). O tipo de endoprótese mais utilizada foi a bifurcada (88,6%), sendo tal índice de 94%, na literatura6.
Apesar da menor morbidade operatória e da menor permanência hospitalar, a literatura tem demonstrado um maior custo do TE em relação ao TA. Neste estudo, o TE apresentou custo em média 700% mais elevado do que o TA (R$34.277,76 vs. R$4.778,60; p<0,001). Esta diferença de valor está relacionada, principalmente, ao custo das endopróteses, o que também foi demonstrado em outros trabalhos publicados25–28. O valor da endoprótese corresponde, em média, a 70% do custo total do procedimento.
Na literatura nacional, o único trabalho encontrado que avaliou especificamente esses dados foi Mendonça et al.7, publicado em 2005, no qual foram avaliados os custos de 31 pacientes submetidos ao TA e 18 pacientes ao TE (n=49). O custo total médio do procedimento foi 436% mais caro no grupo do TE (custo do TEV = R$ 48.063,00 e custo do TA = R$ 11.020,00). O principal fator responsável por essa diferença foi também o custo da endoprótese, que correspondeu a 77,4% do custo total. No entanto, nessa comparação, não foram utilizados os valores pagos pelo SUS. O cálculo foi feito apenas com os pacientes que tinham contrato com o plano de saúde privado, com um total de 21 pacientes no TA e de 16 no TE7.
Schermerhorn ML et al. realizaram um estudo retrospectivo, analisando pacientes beneficiários de um sistema de saúde americano (Medicare), portadores de AAA, submetidos ao tratamento aberto e endovascular de AAA no período de 2001 a 2004, com seguimento até 2005. Foram incluídos 45.660 pacientes, sendo 22.830 pacientes em cada grupo, com idade média de 76 anos. A mortalidade perioperatória foi menor no grupo endovascular do que no aberto (1,2% vs. 4,8%; p<0,001), assim como tempo médio de internação hospitalar (3,4 vs. 9,3 dias; p<0,001)29.
No presente estudo, a mortalidade e as complicações pós-operatórias não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre as duas técnicas. A taxa de mortalidade em 30 dias para TA foi 5,0%, em comparação a 4,1%, no TE. Há, na literatura, quatro grandes estudos controlados randomizados, que demonstraram uma menor taxa de mortalidade pós-operatória após TE (EVAR- 130, DREAM6, ACE31 e OVER15). A mortalidade em 30 dias ou durante internação, para tratamento endovascular, foi de 2,1% no EVAR-1, 1,2% no DREAM, 0,6% no ACE e 0,5% no OVER. Para o TA, a mortalidade foi de 4,3% no EVAR-1, 4,6% no DREAM, 1,3% no ACE e 3,0% no OVER. No entanto, publicações de dados, em longo prazo, desses estudos não mostraram diferença significativa na sobrevida ao longo do tempo16,32–35. Apesar de a escolha do tipo de tratamento levar em consideração as características clínicas e anatômicas, o fato de a nossa casuística conter, em sua maioria, pacientes de alto risco cirúrgico parece ter contribuído para maiores taxas de mortalidade em relação aos grandes estudos. Essa diferença se mostra maior quando comparamos os nossos resultados do TE, em que os pacientes possuíam maior idade, cardiopatia e doença coronariana, importantes preditores de mortalidade no tratamento do AAA6,16,35,36.
A presença de maior número de pacientes com insuficiência renal aguda dialítica no grupo do TA tem provável relação com a maior prevalência, em nossa casuística, de aneurismas complexos, exigindo clampeamentos acima das artérias renais ou mesmo reimplantes destas. Contudo, com o desenvolvimento de endopróteses ramificadas e fenestradas, além de novas técnicas endovasculares, há uma tendência no aumento da proporção de pacientes com características desfavoráveis que serão submetidos ao TE; entretanto, não existem ainda estudos comparativos6,35,36.
Apesar de esta casuística apresentada ser a maior relatada na literatura nacional, nosso estudo tem limitações pelo fato de não ser randomizado nem prospectivo, com curto seguimento pós-operatório avaliado (30 dias). Os grupos não foram homogêneos, sendo os pacientes escolhidos para cada tipo de tratamento com base nos aspectos clínicos e anatômicos.
Esta análise comparativa de cinco anos das duas modalidades terapêuticas para AAA mostrou que o tratamento endovascular, apesar de taxas semelhantes de complicações precoces, está associado à menor duração do procedimento e da internação hospitalar, assim como da necessidade transfusional, em relação à cirurgia aberta. Apesar do elevado custo atual, com a tendência de diminuição do preço das endopróteses, o tratamento endovascular deve ser considerado, cada vez mais, como uma boa opção na abordagem do AAA em pacientes do SUS.