versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.39 no.1 São Paulo jan./mar. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170012
O uso clínico dos inibidores da via da mammalian target of rapamycin (mTOR) após o transplante de rim continua desafiador mesmo após mais de 20 anos de experimentação clínica. Durante esses anos, várias análises utilizando dados de registro de bases de dados indicam que pacientes que receberam inibidores da mTOR (imTOR), principalmente sirolimo (SRL), apresentam maior risco de mortalidade e de perda do enxerto comparados com pacientes recebendo ciclosporina (CSA) ou tacrolimo (TAC) em combinação com micofenolato (MMF)1-8 (Tabela 1).
Tabela 1 Descrição dos principais estudos que demonstraram maior risco de perda do enxerto ou óbito em receptores de transplante renal que utilizaram imtor
Ref | Tipo de Estudo | Ano Inclusão Tempo seguimento | iCN | imTOR com iCNI n (%) | imTOR sem iCN n(%) | Forma de uso do imTOR | Característica do grupo com imTOR | Sobrevida do Enxerto | Sobrevida do Paciente |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
(1) | Registro SRTR | 1998 a 2013 4 anos | 21.017 | 1999 | - | de novo | CsA/SRL: menor uso de indução no grupo | 79,3% CsA/ MMF 74,6% CsA/ SRL (HR = 1,22) | ns. |
(2) | Registro SRTR | 2000 a 2004 3 anos | 44.915 | 5393 | - | de novo | 85,9% TAC/ MMF 85,3% CsA/ MMF (HR = 1,15) 82,2% CsA/ SRL (HR = 1,38) 80,3% TAC/ SRL (HR = 1,47) | 92,2% TAC/ MMF 91,0% CsA/ MMF (HR = 1,22) 90,0% CsA/ SRL (HR = 1,49) 89,9% TAC/ SRL (HR = 1,41) | |
(3) | Registro SRTR | 2000 a 2005 5 anos | 49.412 | 6394 (73%) | 2325 (27%) | de novo | SRL/MMF: maior idade do doador, maior proporção de doador falecido | 73,8% TAC/ MMF 71,8% CSA/ MMF (HR = 1,16) 68,9% TAC/ SRL (HR = 1,38) 67,6% CSA/ SRL (HR = 1,37) 57,7% SRL/ MMF (HR = 2,01) | TAC/MMF CSA/MMF (HR = 1,17) TAC/SRL (HR = 1,33) CSA/SRL (HR = 1,49) SRL/MMF (HR = 1,75) |
(4) | Coorte Hungria | 2007 3 anos | 1241 | 37 (37%) | 64 (63%) | conversão | Maior proporção com história de neoplasia e diabetes | ns. | ns. Pacientes com história de neoplasia (HR = 2,6- 5,6) |
(5) | Registro UNOS | 1999 a 2010 2-8 anos | 125.623 | 10.510 (76,4%) | 3.237 (23,5%) | de novo | imTOR sem iCN: maior proporção com história de malignidade, diabetes e rim de doador com critério expandido; maior PRA e TIF | iCN/imTOR (HR = 1,07) imTOR/ MMF (HR = 1,17) | iCN/imTOR (HR = 1,13) imTOR/ MMF (HR = 1,25) |
(6) | Revisão sistemática | 1999 a 2013 1 ano a 4 anos | 2.600 | de novo 4.717 (80,3%) conversão 1.159 (19,7%) | Não reportado | Não analisado | imTOR (HR = 1,43) | ||
(7) | Registro Austrália e Nova Zelândia | 1996 a 2012 7 anos | 7.801 | 398 (25,5%) | 1.162 (74,5%) | de novo 481 conversão precoce 504 conversão tardia 567 | Maior proporção da raça branca e história de neoplasia. Menor proporção de história de doença cardiovascular e diabetes | ns. | imTOR (HR = 1,47) |
(8) | Registro SRTR | 2000 a 2013 5 anos | 56.764 | 2.167 (44,9%) | 2.659 (55,1%) | de novo | Receptor afro-americano; doador de critério expandido e receptor com doença coronariana | TAC/MMF TAC/SRL (HR = 1,38) SRL/MMF (HR = 1,41) | TAC/MMF TAC/SRL (HR = 1,59) SRL/MMF (HR = 1,44 |
O primeiro estudo, publicado em 2004, utilizou dados do registro de transplante dos Estados Unidos incluindo 23.016 transplantes de rim realizados entre 1998 e 2003, sendo 1999 (8,7%) que receberam CSA/SRL e 21.017 (91,3%) que receberam CSA/MMF.1 A sobrevida do enxerto em 4 anos foi menor entre os pacientes que receberam CSA/SRL (74,6% vs. 79,3%, HR = 1,22).
O segundo estudo, publicado em 2005, também analisou dados do registro de transplante dos Estados Unidos de 44.915 transplantes renais adultos realizados entre 2000 a 2004.2 Nessa análise, 3524 (7,8%) pacientes receberam TAC/SRL, 27.007 (60,1%) TAC/MMF, 1869 (4,2%) CSA/SRL e 12.515 (27,9%) CSA/MMF. A proporção de pacientes recebendo TAC/MMF aumentou de 42,1% em 2000 para 74,5% em 2004. Não foram identificadas diferenças na incidência de rejeição aguda entre os grupos (11,5-12,6%) durante os primeiros seis meses de transplante. As sobrevidas do enxerto em 3 anos foram de 85,9% (TAC/MMF), 85,3% (CsA/MMF), 82,2% (CsA/SRL) e 80,3% (TAC/SRL).
O risco relativo de perda do enxerto foi maior para pacientes que receberam TAC/SRL (HR = 1,47) ou CsA/SRL (HR = 1,38) comparado com TAC/MMF. As sobrevidas dos pacientes em 3 anos foram de 92,2% (TAC/MMF), 91,0% (CsA/MMF), 90,0% (CsA/SRL) e 89,9% (TAC/SRL), significativamente menores entre os pacientes que receberam SRL. Esses efeitos foram mais evidentes em receptores de transplantes de rins com dano estrutural ou funcional pré-existentes, mais vulneráveis à ação nefrotóxica dos inibidores da calcineurina (iCN).
O terceiro estudo, publicado em 2007, novamente avaliou dados de 58.131 receptores de transplante renal do registro de transplantes dos Estados Unidos entre 2000 e 2005.3 Cinco regimes de imunossupressão foram avaliados, sendo que 62% dos pacientes receberam TAC/MMF, 23% CSA/MMF, 7% TAC/SRL, 4% CSA/SRL e 4% SRL/MMF. O uso de TAC/MMF cresceu de 41,6%, no ano 2000, para 80,4%, em 2005, enquanto não foram observadas grandes variações nos grupos com SRL.
Comparado com TAC/MMF, pacientes do grupo SRL/MMF receberam rins de doadores com maior média de idade (36,8 vs. 41,4 anos) cuja proporção de doador falecido era maior (58 vs. 66%). Comparado com TAC/MMF, o único grupo com maior risco de rejeição aguda foi o que recebeu SRL/MMF (HR = 1,53). A sobrevida do enxerto em 5 anos foi de 73,8% (TAC/MMF), 71,8% (CSA/MMF), 68,9% (TAC/SRL), 67,6% (CSA/SRL) e 57,7% (SRL/MMF). Comparado com o grupo TAC/MMF, foi observado um aumento progressivo do risco de perda do enxerto em 5 anos nos grupos CSA/MMF (HR = 1,16), TAC/SRL (HR = 1,38), CSA/SRL (HR = 1,37) e SRL/MMF (HR = 2,01).
O quarto estudo, publicado em 2012, avaliou 993 receptores de transplante renal que em agosto de 2007 já tinham um tempo mediano de seguimento de 72 meses após o transplante.4 Na visita inicial, 101 pacientes (10,8% da coorte) estavam em uso de um imTOR (SRL 78,2% e EVR 21,2%), combinado (37%) ou não (63%) com iCN.
As principais razões determinantes do uso de imTOR foram a história de malignidade e a suspeita de nefrotoxicidade pelos iCN. Na visita inicial os pacientes do grupo com imTOR apresentavam maior média de idade, maior proporção de diabetes (15% vs. 3%), maior proporção de história de malignidade (33% vs. 2%), maior número de incompatibilidades nos loci B e DR, maior índice de comorbidades de Charlson, menor ritmo de filtração glomerular (47 vs. 51 ml/min/1,73 m2), maiores concentrações de colesterol e triglicérides e menor concentração de albumina.
Considerando o desenho do estudo, vários tipos de análises estatísticas complexas foram realizadas produzindo resultados inconsistentes. Entretanto, foi observado maior risco de óbito somente na população em uso de imTOR analisando separadamente pacientes sem história de malignidade (OR = 2,9, n = 943), mas não na população total.4
O quinto estudo, publicado em 2013, novamente utilizou a da base de dados do registro de transplantes dos Estados Unidos, incluindo dados de 139.370 receptores adultos ou pediátricos do primeiro transplante de rim realizado entre 1999 e 2010.5 Três grupos foram analisados, um com pacientes recebendo iCN sem imTOR (iCN, n = 125.623, 90,1%), outro com imTOR sem iCN (imTOR, n = 3237, 2,3%) e o último com imTOR e iCN (iCN/imTOR, n = 10.510, 7,5%).
Comparado com o grupo iCN, o grupo sem imTOR era constituído de pacientes com maior proporção de diabetes (32,1% vs. 29,8%), doença cardiovascular (18,7% vs. 16,9%), PRA > 10% (18,8% vs. 16,4%), maior tempo de isquemia fria (14,5h vs. 12h) e maior proporção de doador de critério expandido (14,2% vs. 10%).
Durante os primeiros 2 anos após o transplante, o grupo imTOR apresentou maior risco de perda do enxerto e óbito comparado com o grupo iCN. Do mesmo modo, o grupo imTOR foi associado independentemente com maior risco de morte (HR = 1,25) e de perda de enxerto (HR = 1,17) em análises totalmente ajustadas entre os segundo e oitavo ano após o transplante. Nesse artigo o regime com iCN não foi comparado de forma sistemática com o regime iCN/imTOR.
O sexto estudo, publicado em 2014, consistiu de uma revisão sistemática de literatura incluindo 21 trabalhos publicados entre 1999 e 2013.6 Foram identificados 5876 pacientes que utilizaram SRL, seja de novo (n = 4717) ou em conversão (n = 1159). Nessa meta-análise, o uso de SRL foi associado com uma redução no risco de neoplasia (HR = 0,60) e câncer de pele não melanoma (HR = 0,44). O risco de morte foi maior entre os pacientes que utilizaram SRL (OR = 1,43), seja de novo (OR = 1,39), em conversão (OR = 1,59) ou com dose alta (> 10 ng/ml, OR = 1,53), porém não com dose baixa de sirolimus (< 10 ng/ml, OR = 1,07).
O sétimo estudo, publicado em 2016, analisou dados do registro de transplantes da Austrália e Nova Zelândia,7 incluindo uma coorte longitudinal de 9353 pacientes adultos que foram submetidos a 9558 transplantes renais entre 1996 e 2012, com sobrevida de enxerto ≥ 1 ano e seguidos por um tempo mediano de 7 anos.
Os grupos analisados incluíram pacientes que utilizaram imTOR desde o início do transplante (n = 481, 5%, desses 83% combinado com iCN), em conversão precoce (n = 504, 5,3%) ou tardia (n = 567, 5,9%) que foram comparados com pacientes que receberam iCN sem imTOR (iCN, n = 7801, 82%). Entre os pacientes que receberam imTOR, foi observada maior proporção de pacientes da raça branca (87,3% vs. 81%) e com história de neoplasia (37,6% vs. 29%), porém menor porcentagem de diabéticos (10% vs. 13%) e de história de doença cardiovascular (11,3% vs. 15%). O uso de imTOR, independentemente da estratégia, associou-se maior risco de morte (HR = 1,47).7
O oitavo estudo, publicado em 2016, utilizou novamente dados do registro de transplantes dos Estados Unidos.8 Foram incluídos nessa análise 61.300 receptores de transplante renal entre 2000 e 2013, sendo 2167 (3,5%) que receberam TAC/SRL, 2659 (4,3%) que receberam SRL/MMF e 56.764 que receberam TAC/MMF (93,2%).
Várias características demográficas dos doadores e receptores foram diferentes entre os três grupos. O número de transplantes realizados no período inicial, entre 2000 e 2009 foi maior para pacientes que receberam TAC/SRL (83,9%) e SRL/MMF (94,7%) comparado com TAC/MMF (58,7%). O risco de morte foi maior entre os pacientes que receberam TAC/SRL (OR = 1,38) e SRL/MMF (OR = 1,41) comparado com aqueles que receberam TAC/MMF. Em receptores com sorologia pré-transplante negativa para os vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, hepatite B e C o risco de neoplasia foi menor naqueles que receberam SRL comparado com aqueles que receberam TAC/MMF.
Vários aspectos devem ser considerados analisando esse conjunto de estudos publicados. O primeiro é que, dos oito estudos citados, cinco utilizaram a mesma base de registro de dados de transplante dos Estados Unidos, com pequenas variações da coorte analisada1-3,5,8 (Tabela 1).
Dessa forma, não é de surpreender que os desfechos tenham sido semelhantes. O estudo de registro da Austrália e Nova Zelândia,7 o estudo observacional da Hungria4 e a meta-análise6 com dados individuais de pacientes obtidas de 21 estudos publicados demonstraram também resultados equivalentes. Entretanto, em todos esses estudos pode-se constatar elevada heterogeneidade na demografia dos pacientes, nas estratégias de uso de novo ou de conversão, nas combinações de SRL com iCN ou MMF e nas doses ou concentrações dos imTOR e dos iCN (Tabela 1).
O segundo aspecto é a enorme desproporção de pacientes recebendo imTOR. Em todas as análises, menos de 10% da população recebeu um regime de imunossupressão com imTOR comparado com regimes padrão como CSA/MMF ou TAC/MMF.6 Além disso, em todas essas análises os grupos de pacientes que receberam CSA/MMF ou TAC/MMF são mais contemporâneos devido ao uso crescente dessas combinações.
Apesar dos testes estatísticos utilizados terem capacidade para ajustar essas diferenças, incluindo as diferenças demográficas, fatores de risco residuais não incluídos nos modelos estatísticos podem ainda interferir com a interpretação dos desfechos observados. Por exemplo, uma análise de dados de registro do Collaborative Transplant Study (CTS) demonstrou uma associação entre a dose de esteroide e a mortalidade, seja por causa cardiovascular ou infecciosa.9 As doses de esteroides não foram incluídas como fator de risco nas análises dos dados de registro de transplantes comparando o uso dos imTOR e iCN.
Outro ponto importante é que todas essas análises foram realizadas, corretamente, por intenção de tratamento. Entretanto, as mudanças dos regimes de imunossupressão, frequentes após o transplante renal, não são analisadas nesses modelos estatísticos. Soma-se a isso o fato que, em várias dessas análises, práticas experimentais foram analisadas como as estratégias de conversão precoce e tardia para dos iCN para os imTOR, seja de forma sistemática ou baseadas em variadas percepções de risco, seja para o paciente, como no caso das neoplasias, ou para o enxerto, como no caso da nefrotoxicidade crônica. Nessas circunstâncias, é difícil determinar os fatores de risco associados com desfechos desfavoráveis, que habitualmente são atribuídos a qualquer nova intervenção terapêutica implementada.
As duas estratégias iniciais combinando imTOR com iCN ou MMF apresentam claramente problemas de eficácia e segurança. A combinação de imTOR/iCN é reconhecidamente nefrotóxica, pelo menos nas doses/concentrações utilizadas anteriormente, que constituem a maior parte das coortes analisadas nos estudos de dados de registro. Nos quatro grandes estudos clínicos prospectivos e randomizados, dois utilizando SRL10,11 e dois utilizando EVR12,13 em combinação com doses padrão de ciclosporina, a função renal foi inferior nos grupos de receberam SRL ou EVR comparada com os grupos controle.
É bem conhecida a associação entre função renal e sobrevida do paciente14 e do enxerto.15 Assim mesmo, numa das recentes análises de registro de transplantes dos Estados Unidos5 os pacientes em uso iCN/imTOR apresentaram desfechos de morte e perda do enxerto muito próximos daqueles observados em pacientes que receberam iCN sem imTOR. Só recentemente foram realizados estudos para identificar as combinações de doses/concentrações das duas classes de drogas (imTOR e iCN) associadas com melhor relação entre eficácia e segurança.
Por outro lado, extensa informação clínica advinda de estudos clínicos prospectivos e randomizados indica que combinação de imTOR/MMF não apresenta suficiente eficácia para a prevenção da rejeição aguda no primeiro ano do transplante, mesmo utilizando terapias de indução mais efetivas.16-18 Além disso, há uma sobreposição de reações adversas associadas a esse regime, principalmente toxicidades hematológicas e gastrointestinais.
A falta de eficácia e segurança observada nos estudos de conversão de iCN para imTOR, seja precoce ou tardia, tem sido atribuída ao uso dos imTOR.4,7 Enquanto as conversões precoces de iCN para imTOR, nos primeiros 6 meses após o transplante, estão associadas com maior risco de rejeição aguda e de desenvolvimento de anticorpos anti-HLA doador específico,19 as conversões tardias, após o primeiro ano do transplante, não se associaram com melhora da função renal e ainda produziram um aumento na incidência de reações adversas.
Dados recentes indicam que a falta de eficácia pode estar associada à descontinuação dos iCN, visto que essa é a classe de drogas mais efetiva para inibir a proliferação das células T de memória20 e, dessa forma, para prevenir todos os fenótipos de rejeição, incluindo as precoces ou tardias, mediadas ou não por anticorpos anti-HLA específicos contra os doadores.21 Por outro lado, a falta de segurança decorre da sobreposição de reações adversas da combinação de doses relativamente altas de imTOR/MMF, devido à percepção do maior risco de rejeição associado com esse regime de imunossupressão.
Apesar das causas específicas de óbito e perda do enxerto não terem sido estudas de forma sistemática, eventos adversos tipicamente associados com o uso dos imTOR como a proteinúria,22-24 o diabetes melito após o transplante25-27 e a dislipidemia27 podem estar envolvidos nessas observações.
Essas complicações, entretanto, estão associadas com as concentrações sanguíneas relativamente elevadas dos iCN e imTOR utilizadas inicialmente. Em contrapartida, dados preliminares sugerem que o uso dos imTOR está associado com uma redução da hipertrofia do ventrículo esquerdo, independente da resposta pressórica e do uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina.28-30
Uma estratégia pouco explorada foi a utilização de CSA/SRL com interrupção da utilização de CSA após 3 meses de transplante. No estudo original, 215 receptores de transplante renal foram randomizados para interromper o uso de CSA e 215 mantiveram a combinação CS/SRL.
Após 4 anos de seguimento, o grupo de pacientes que interrompeu apresentou melhor função renal (58,3 vs. 43,8 ml/min, p < 0,001) e maior sobrevida do enxerto (91,5% vs. 84,2%, p = 0,024) comparado com o grupo que manteve o uso de CSA, sem diferenças na mortalidade (4,7% vs. 7,9%). A diferença na incidência de rejeição aguda comprovada por biópsia após a randomização (10,2% vs. 6,5%) não foi significante.31
A maior crítica a esse estudo é a falta de um grupo controle de pacientes recebendo CSA/MMF, visto que a sobrevida do grupo CSA/SRL pode ter sido influenciada negativamente pela combinação de doses nefrotóxicas de iCN com imTOR. O pequeno aumento da incidência de rejeição aguda após a interrupção do uso da CSA nesse estudo fomentou o desenvolvimento de estudos clínicos subsequentes que compararam a eficácia e a segurança da interrupção ou da redução da dose de CSA, com ajustes baseado na concentração sanguínea das duas drogas,32,33 dando origem às estratégias mais contemporâneas de minimização dos iCN em combinação com imTOR.
As propostas mais recentes do uso dos imTOR se baseiam na utilização de doses reduzidas dos imTOR e dos iCN ajustadas para manter concentrações sanguíneas dentro de faixas terapêuticas predeterminadas, seja de forma combinada desde o início do transplante34-37 ou em estratégias de conversão precoce de iCN para imTOR38-42. Nesses estudos, a incidência de reações adversas tipicamente associadas aos imTOR foi menor do que aquela observada nos estudos anteriores, resultando em menor incidência de descontinuação do tratamento, principalmente quando os imTOR foram combinados com os iCN.
A revisão sistemática de Knoll et al.6 demonstrou maior mortalidade somente nos estudos utilizando doses elevadas de SRL, mas não naqueles que utilizaram doses baixas, sugerindo que essas estratégias mais recentes com doses reduzidas de imTOR combinado com iCN podem não estar associadas a maior risco de mortalidade. De fato, nesses estudos mais recentes, com tempo de seguimento variando entre 2 a 8 anos, não foram observadas diferenças na incidência de óbito ou perda do enxerto, seja com o uso combinado de imTOR/iCN34,43,44 ou com estratégias de conversão precoce de iCN para imTOR.40,42,45,46
De forma semelhante, em uma análise retrospectiva em centro único incluindo 581 pacientes que participaram de 10 estudos clínicos comparando combinações de SRL ou EVR ou AZA ou MMF em combinação iCN e antimetabólicos não foi observada diferença nas incidências de rejeição aguda, perda do enxerto e óbito do paciente em até 10 anos de seguimento47 (Tabela 2).
Tabela 2 Ensaios clínicos randomizados com avaliações de médio prazo utilizando estratégias mais recentes de imunossupressão com imtor
Ref. | N | Regimes | Tempo de seguimento | Rejeição aguda (%) | Perda do enxerto (%) | Óbito (%) |
---|---|---|---|---|---|---|
(40) | 162 | CSA → SRL/MMF (n =77) CSA/MMF (n = 85) |
4 anos | 2,6 2,6 |
5,2 2,4 |
2,6 0 |
(43) | 60 | BAS/TAC/MMF (n = 30) BAS/CSAr/EVE (n = 30) |
3 anos | 17 23 |
6,6 6,6 |
3 0 |
(34) | 833 | BAS/EVE (3-8 ng/ml)/CSAr (n = 277) BAS/EVE (6-12 ng/ml)/CSAr (n = 279) BAS/CSA/MPS (n = 277) |
2 anos | 19,9 15,1 19,1 |
5.8 6,1 4,0 |
3,2 3,6 2,9 |
(46) | 300 | CSA → EVR/MMF (n = 155) CSA/MMF (n = 145) |
5 anos | 13,6 7,5 |
2,6 2,1 |
2,6 2,6 |
(42) | 182 | CSA → CSA/MMF (n = 90) EVR/MMF (n = 92) |
3 anos | 13 11,1 |
1,1 3,3 |
1,1 3,3 |
(44) | 99 | rATG (7,5mg/kg)/SRL/MMF rATG(7,5mg/kg)/CSA/MMF |
8 anos | nr nr |
14 14,8 |
11 8 |
(45) | 128 | iCN → SRL/MMF (n = ?) iCN/MMF (n = ?) |
8 anos | 22,7 14,5 |
15,2 19,4 |
7,6 9,7 |
(47) | 581 | iCN/SRL (n = 347) iCN/EVE (n = 128) iCN/AZA-MPA (n = 124) |
10 anos | 22,2 22,7 22,6 |
19 18 23 |
12 10 13 |
A importância e o papel central da mTOR em vários processos fisiológicos e fisiopatológicos tornaram-na um alvo farmacológico para o tratamento de uma série de doenças, de neoplasias à imunossupressão após o transplante de órgãos sólidos.48 Apesar disso, o uso clínico dos imTOR tem sido complicado pela diversidade de heterogeneidade das populações, dos regimes de imunossupressão, do período do transplante, das combinações de drogas, das doses/concentrações utilizadas e do potencial de interação farmacocinética e farmacodinâmica.
A maior incidência de óbito e perda de enxerto observada em análise de dados de registro de transplantes não é confirmada em estudos prospectivos mais recentes. Devido ao seu papel central em múltiplos processos intracelulares, a possibilidade de ocorrência de reações adversas é maior, fato que tem limitado seu uso clínico e, provavelmente, o fator determinante da maior incidência de descontinuação do tratamento.
Avanços no conhecimento serão fundamentais para o aperfeiçoamento das estratégias atuais, considerando a diversidade da população de receptores de transplante renal, as mudanças em função do tempo após o transplante, a imprevisibilidade das inúmeras complicações e o limitado número de opções de drogas, agravado ainda mais pela ausência de novos compostos em fases avançadas de desenvolvimento para utilização clínica nos próximos anos.