versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2964
A fusão intervertebral é o tratamento de escolha para as instabilidades lombares sintomáticas. Seus resultados, na maioria das vezes, estão relacionados à qualidade da fusão,(1,2) o que torna relevante a avaliação por métodos de imagem.
Embora a exploração cirúrgica seja o padrão-ouro para a determinação da fusão intervertebral,(3) o método não é utilizado como rotina, por ser considerado demasiadamente invasivo. Por outro lado, a validade da radiografia simples, na determinação da taxa de fusão, tem sido questionada, devido à fraca concordância interobservacional(4) e à moderada acurácia (60 e 70%) na determinação da fusão intervertebral.(5)Ainda assim, a radiografia é o método mais utilizado para essa finalidade, devido à sua disponibilidade e ao seu baixo custo.(6)
Existem diferentes métodos radiográficos descritos para a análise da fusão lombossacra, como incidências estáticas anteroposteriores, oblíquas ou laterais dinâmicas, em flexão e extensão. Cada técnica possui características específicas, como o número de exposições à radiação ionizante, o que implica a segurança e os custos das mesmas. Pacientes submetidos à artrodese da coluna são avaliados por meio de radiografias a cada consulta médica. Por esse motivo, o número de exposições à radiação ionizante e sua efetividade diagnóstica devem ser otimizadas.
A tomografia computadorizada (TC) também é método descrito para avaliação da fusão lombossacra. Existem disponíveis, na literatura, poucos estudos tomográficos, do tipo caso-controle, com a finalidade de determinar a qualidade da fusão intersomática (anterior) lombar.(7-12)
Atualmente, não existe consenso sobre o melhor método radiográfico da fusão posterolateral lombossacra. Essa constatação motivou a realização do presente estudo.
Analisar a concordância intra e interobservador de dois métodos radiográficos para a avaliação da artrodese lombar, por meio de radiografias estáticas anteroposteriores e laterais dinâmicas, em flexão e extensão.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa da Misericórdia de Santos (52/10). Todos os pacientes aceitaram participar dessa pesquisa por meio de assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi realizado estudo transversal com 20 pacientes, sendo 15 deles do gênero masculino. Os pacientes foram submetidos à artrodese lombar posterolateral instrumentada com parafusos pediculares, operados entre setembro de 2007 e outubro de 2009. A idade variou entre 43 e 84 anos, com média de 53,2 anos. O tempo mínimo de seguimento pós-operatório foi de 24 meses, sendo a média 32,3 meses. O número de segmentos anatômicos operados variou entre 1 e 4, localizados entre L2 e S1.
Foram considerados como critérios de inclusão: pacientes com doenças degenerativas da coluna, com instabilidade mecânica; com descompressão neural e fusão posterolateral com parafusos pediculares. Foram excluídos pacientes com antecedente de cirurgia na região lombar; com doença metabólica óssea confirmada por exames laboratoriais e/ou de imagem; uso de substitutos ou expansores ósseos e infecção do sítio operatório com necessidade de limpeza cirúrgica.
Em todos os casos, foram obtidas radiografias digitais da coluna lombossacra nas incidências anteroposterior estática, com inclinação caudal da ampola em 25°, e nas laterais dinâmicas, em flexão e extensão máximas. As radiografias laterais foram realizadas com o paciente em posição ortostática, com auxílio de técnico em radiologia, no momento do exame. Foram realizadas mensurações radiográficas por seis médicos examinadores, sendo três experientes cirurgiões de coluna, dois médicos ortopedistas residentes em cirurgia da coluna vertebral e um residente de ortopedia e traumatologia. Os casos foram avaliados inicialmente por todos os examinadores. Depois de 8 semanas, repetiram-se as análises radiográficas por 4 examinadores, uma vez que 2 observadores não estavam disponíveis para o estudo. Dessa forma, foram totalizadas 400 mensurações radiográficas, as quais foram consideradas para a análise estatística.
A avaliação da fusão na incidência anteroposterior seguiu os critérios propostos por Christensen et al.,(5) que consideram a fusão positiva na presença de ponte óssea unindo dois processos transversos adjacentes, uni ou bilateralmente (Figura 1). Nos casos em que a sobreposição das hastes metálicas impediu a análise adequada, a fusão foi considerada duvidosa (Figura 2). Considerou-se pseudoartrose a ausência de ponte óssea entre os processos transversos bilateralmente (Figura 3).
Figura 1 Radiografia anteroposterior da coluna lombossacra, na qual se observa fusão posterolateral completa
Figura 2 Radiografia anteroposterior da coluna lombossacra, na qual se observa fusão posterolateral duvidosa, devido à presença de hastes metálicas em sobreposição ao espaço intertransverso
Figura 3 Radiografia anteroposterior da coluna lombossacra, na qual considerou-se a presença de pseudoartrose, devido à presença de osteólise ao redor dos parafusos de S1 (mostrados nas setas)
No plano sagital, utilizaram-se os critérios de Larsen et al.,(6) que consistem na mensuração de ângulo de Cobb entre as vértebras terminais da fusão. Os ângulos foram traçados em radiografias dinâmicas, em flexão e extensão máximas do tronco. Na sequência, calculou-se a diferença angular entre as duas mensurações. A diferença de angulação ≥5° foi considerada pseudoartrose. Os autores determinaram, ainda, falha de fusão, quando na presença de osteólise >2mm em torno dos parafusos pediculares, e na quebra ou soltura dos implantes metálicos.
Os dados foram verificados com o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, SPSS Inc., Chicago, IL, Estados Unidos), versão 17.0. A análise descritiva é mostrada em porcentagem de concordância entre os avaliadores e intra-avaliador. A análise de confiabilidade foi feita por meio do coeficiente Kappa, que assume valores de -1 a 1, sendo que aqueles próximos a “um” são considerados mais concordantes. A análise dos resultados, após o cálculo do coeficiente Kappa, foi interpretada segundo os critérios propostos por Landis e Koch.(13)
O estudo da reprodutibilidade interobservadores (Tabela 1) foi realizado comparando-se a primeira leitura de cada observador, pareada dois a dois, de forma a perfazer todas as combinações possíveis, analisadas pelo coeficiente Kappa. Nessa análise, a porcentagem média de concordância foi de 76% (desvio padrão de 7,8).
Tabela 1 Resultados da análise de confiabilidade interobservadores para radiografias anteroposteriores
Avaliadores | Concordância (%) | Kappa | Nível de confiabilidade |
---|---|---|---|
Avaliador 1x2 | 82 | 0,32 | Razoável |
Avaliador 1x3 | 77 | 0,24 | Razoável |
Avaliador 1x4 | 86 | 0,32 | Razoável |
Avaliador 1x5 | 86 | 0,50 | Moderada |
Avaliador 1x6 | 68 | 0,12 | Pobre |
Avaliador 2x3 | 77 | 0,29 | Razoável |
Avaliador 2x4 | 78 | 0,33 | Razoável |
Avaliador 2x5 | 77 | 0,36 | Razoável |
Avaliador 2x6 | 84 | 0,36 | Razoável |
Avaliador 3x4 | 64 | 0,10 | Pobre |
Avaliador 3x5 | 74 | 0,21 | Razoável |
Avaliador 3x6 | 72 | 0,18 | Pobre |
Avaliador 4x5 | 64 | 0,07 | Pobre |
Avaliador 4x6 | 86 | 0,34 | Razoável |
Avaliador 5x6 | 64 | 0,07 | Pobre |
O estudo da reprodutibilidade intraobservadores (Tabela 2), feito por meio do coeficiente Kappa, mostrou porcentagem média de concordância de 63% (desvio padrão de 10).
Tabela 2 Resultados da análise de confiabilidade intraobservadores para radiografias anteroposteriores
Avaliadores | Concordância (%) | Kappa | Nível de confiabilidade |
---|---|---|---|
Avaliador 3 | 55 | 0,06 | Pobre |
Avaliador 4 | 70 | 0,26 | Razoável |
Avaliador 5 | 73 | 0,19 | Pobre |
Avaliador 6 | 53 | 0,09 | Pobre |
O estudo da reprodutibilidade interobservadores (Tabela 3) foi realizado comparando-se a primeira leitura de cada observador, pareada dois a dois, de forma a perfazer todas as combinações possíveis, que foram analisadas pelo coeficiente Kappa. A porcentagem média de concordância foi de 78% (desvio padrão de 9,1).
Tabela 3 Resultados da análise de confiabilidade interobservadores para as incidências laterais dinâmicas
Avaliadores | Concordância (%) | Kappa | Nível de confiabilidade |
---|---|---|---|
Avaliador 1x2 | 66 | -0,01 | Pobre |
Avaliador 1x3 | 84 | -0,08 | Pobre |
Avaliador 1x4 | 86 | 0,18 | Pobre |
Avaliador 1x5 | 89 | 0,39 | Razoável |
Avaliador 1x6 | 82 | 0,26 | Razoável |
Avaliador 2x4 | 84 | 0,27 | Razoável |
Avaliador 2x5 | 77 | 0,35 | Razoável |
Avaliador 2x6 | 70 | 0,18 | Pobre |
Avaliador 3x2 | 64 | 0,01 | Pobre |
Avaliador 3x4 | 61 | 0,02 | Pobre |
Avaliador 3x5 | 82 | 0,10 | Pobre |
Avaliador 3x6 | 89 | 0,38 | Razoável |
Avaliador 4x5 | 86 | 0,50 | Moderada |
Avaliador 4x6 | 80 | 0,21 | Razoável |
Avaliador 5x6 | 75 | 0,12 | Pobre |
O estudo da reprodutibilidade interobservadores (Tabela 4), realizado com quatro observadores (coeficiente Kappa) mostrou porcentagem média de concordância de 84% (desvio padrão de 10).
Tabela 4 Resultados da análise de confiabilidade intraobservadores para incidências laterais dinâmicas
Avaliadores | Concordância (%) | Kappa | Nível de confiabilidade |
---|---|---|---|
Avaliador 3 | 95 | 0,73 | Substancial |
Avaliador 4 | 82 | 0,41 | Moderada |
Avaliador 5 | 82 | 0,23 | Razoável |
Avaliador 6 | 75 | 0,20 | Razoável |
A fusão intervertebral é um procedimento comum no tratamento das instabilidades mecânicas da coluna. Existem diversas técnicas operatórias para essa finalidade, e todas objetivam fusão sólida entre as vértebras adjacentes, o que aumenta a probabilidade de melhora clínica.(14,15) A artrodese posterolateral é um método de baixo custo relativo (quando comparado a outras técnicas instrumentadas) e de simples execução por cirurgiões de coluna. A técnica é popular entre ortopedistas e neurocirurgiões e, por esses motivos, foi a escolhida para análise no presente estudo.
Não existe consenso sobre a melhor maneira radiográfica de avaliar a qualidade da fusão vertebral lombar. Os métodos por imagem podem ser radiográficos ou tomográficos, mas o diagnóstico de certeza é confirmado pela inspeção cirúrgica.(3,6,14) Blumenthal et al.(16) avaliaram 49 pacientes com fusão lombar e compararam os resultados radiográficos aos obtidos cirurgicamente. Os autores observaram haver correlação clínico-radiográfica em apenas 59% dos casos. Entretanto, por razões óbvias, reserva-se a exploração operatória àqueles pacientes com resultados clínicos insatisfatórios e com alta suspeição radiográfica de falha de fusão. Para os demais, impõe-se a necessidade de avaliação adequada por estudo de imagens. Atualmente, não existem evidências científicas da superioridade de um método diagnóstico radiográfico da fusão lombar em relação aos demais.
Neste estudo, para análise da fusão lombar, foram comparados dois métodos radiográficos. O primeiro, proposto por Christensen et al.,(5) baseia-se em sistema de classificação “em quadrantes”, no qual cada espaço intertransversário é subdividido em unidades a serem analisadas separadamente. Considera-se fusão a presença de ponte óssea unindo os processos transversos uni ou bilateralmente em cada nível anatômico. No artigo original, os autores descreveram concordância inter e intraobservadores de 86 e 93%. O presente estudo revelou valores de 76 e 63%, respectivamente, e concordância inter e intraobservadores, consideradas fracas para a maioria dos casos estudados. Uma possível explicação para isso pode consistir no fato de não ter sido realizado preparo intestinal prévio ao estudo radiográfico, fato que pode ter contribuído para a piora da qualidade das imagens, levando a erros de interpretação. Para a reavaliação ambulatorial de fusões lombares, entretanto, a utilização de radiografias simples, sem preparo intestinal, é uma prática comum entre cirurgiões de coluna.
Foi realizado, também, estudo por meio de radiografias dinâmicas laterais, em flexão e extensão máximas. Acredita-se que deva existir mínimo movimento entre duas vértebras adequadamente artrodesadas.(17-20) Larsen et al. demonstraram existir mobilidade residual após a fusão lombar − avaliada em radiografias dinâmicas − e que a mesma pode variar de acordo com o tipo de fusão realizada (posterolateral, intersomática ou anterior).(6)
Neste estudo, foram utilizados os critérios propostos pelos referidos autores, que consideram pseudoartrose a presença de diferença de angulação ≥5° entre as vértebras instrumentadas nas radiografias laterais dinâmicas. Observou-se, nesse método, a exemplo do anteriormente citado, concordância ruim ou fraca intra e interobservadores, para a maioria dos casos estudados. Não se observou, nos resultados encontrados, ter havido influência do tempo de experiência profissional dos médicos avaliadores.
Rodrigues et al.(21)demonstraram que a presença de pseudoartrose lombar não promoveu resultados clínicos piores do que os observados em pacientes com fusão completa. Esses achados são semelhantes aos descritos por Kant et al.,(14) que sugerem que a preocupação com a qualidade da fusão possua maior relevância apenas naqueles pacientes com resultado clínico desfavorável e dor lombar crônica.
O estudo radiográfico mínimo da coluna deve incluir duas incidências ortogonais.(22) Além destas, incidências adicionais, oblíquas(23) ou dinâmicas, podem oferecer mais informações em relação à presença de massa de fusão. Isso, entretanto, aumenta a exposição à radiação ionizante bem como os custos financeiros. Estima-se que cada radiografia simples da coluna lombar ofereça aproximadamente 1,5mSv de carga radioativa ao paciente.(24)Essa quantidade equivale a cerca de 75 radiografias simples de tórax, cuja carga de radiação é de aproximadamente de 0,02mSv. Dessa forma, pacientes avaliados por radiografias simples pelo método de Christensen receberam cerca de 1,5mSv por exame, enquanto a avaliação radiográfica dinâmica (duas incidências radiográficas) ofereceu exposição de 3mSv (equivalente a 150 radiografias simples de tórax). Em relação às radiografias laterais dinâmicas em flexão e extensão, questiona-se a justificativa do método, uma vez que, na presente pesquisa, não foram observadas informações adicionais sobre a fusão interverbral, quando comparadas à incidência anteroposterior (única exposição radiográfica).
O uso da TC na avaliação da fusão lombossacra é descrito na literatura. O método é utilizado, com frequência, para a verificação de fusão intersomática (intercorporal). No presente estudo, foram avaliados pacientes submetidos, exclusivamente, à fusão posterolateral, sem adição de enxerto intersomático.
Atualmente, os estudos tomográficos disponíveis são do tipo caso-controle ou série de casos. Rothman et al. recomendaram o uso da TC para avaliação da fusão anterior da coluna.(7) Outros autores também demonstraram superioridade da TC em relação às radiografias dinâmicas para a determinação da fusão lombossacra intersomática.(8,10,11) Entretanto, esses achados divergem dos resultados de Fogel et al., que demonstraram ser desnecessário o estudo tomográfico em casos com indício de pseudoartrose nas radiografias simples.(9) Embora não tenha sido objeto deste estudo, acredita-se que a TC possa ser considerada método adicional para a determinação da existência de massa de fusão lombossacra, em especial naqueles pacientes que apresentam resultados cirúrgicos insatisfatórios e com suspeita de falha da consolidação.
Observou-se fraca concordância intra e interobservadores na avaliação da fusão lombossacra por meio de radiografias simples, nas incidências anteroposterior e laterais dinâmicas, não havendo superioridade estatística entre os métodos estudados.