versão impressa ISSN 1806-3713
J. bras. pneumol. vol.40 no.3 São Paulo maio/jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000300004
Avanços nas pesquisas, no tratamento e no diagnóstico de doenças pulmonares vêm demonstrando a importância da inclusão do teste da caminhada de seis minutos (TC6) na avaliação funcional de pacientes com pneumopatias, mais precisamente na detecção da hipoxemia induzida pelo exercício, que é considerada um importante marcador da gravidade das doenças respiratórias. A promoção de medidas reprodutíveis para essa avaliação torna-se necessária.( 1 - 5 )
O TC6 é amplamente solicitado, pois além de ser de fácil aplicação, ter baixo custo e ser bem tolerado pelo paciente, é o exercício de capacidade submáxima que melhor representa atividades da vida diária. Dessa maneira, torna-se atrativo por conciliar facilidade de execução e simplicidade operacional. Assim, é normalmente aplicado como complemento na avaliação de DPOC, fibrose cística, cardiopatias, doenças vasculares periféricas, entre outras.( 2 - 4 , 6 )
As diretrizes da American Thoracic Society, com relação ao TC6, recomendam a utilização de um espaço físico fechado e plano com uma distância reta de 30 m, onde o paciente deverá caminhar por seis minutos, com o objetivo de percorrer a maior distância possível.( 7 )
O TC6 está entre os testes mais utilizados para avaliar a tolerância ao exercício em indivíduos portadores de doenças obstrutivas e crônicas e de doenças intersticiais. Esses pacientes podem apresentar um decréscimo acentuado da SpO2 quando submetidos a exercícios submáximos ou mesmo dessaturação em repouso. A hipoxemia decorrente do esforço pode ser explicada por fatores fisiopatológicos, como limitação ventilatória, desproporção entre a oferta e o consumo de oxigênio, inflamação sistêmica e estresse oxidativo, afetando a oxigenação muscular periférica. A queda significativa nos níveis de oxigênio circulante, resultante do aumento da demanda pelo esforço realizado, pode ocasionar o aumento da pressão arterial, da dispneia e da fadiga muscular, reduzindo assim a tolerância na execução de exercícios submáximos.( 8 )
Os pacientes com DPOC não apresentam a mesma limitação ao realizar exercícios ou atividades da vida diária. O desempenho e a manutenção do exercício dependem basicamente da interação perfeita entre os sistemas que comandam e controlam a ventilação, a troca gasosa, o fluxo de sangue, a hemoglobina, o transporte de oxigênio/dióxido de carbono, a utilização de oxigênio e a produção de dióxido de carbono.( 8 )
No TC6 dos pacientes com DPOC, um dos eventos adversos mais importantes é a dessaturação de oxigênio, que pode ser mais bem avaliada se houver um monitoramento continuo durante o teste. Logo, o objetivo do presente estudo foi analisar o comportamento da curva de saturação de oxigênio durante o TC6 em pacientes com DPOC.
Os dados foram coletados no período entre janeiro e dezembro de 2012 na Unidade de Fisiologia Pulmonar do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), na cidade de Porto Alegre (RS). A pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Pesquisa e Ética em Saúde do HCPA (Projeto 09-549), e os pacientes convidados a participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes da realização do TC6.
Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de DPOC,( 9 ) de ambos os sexos, estáveis, cuja espirometria indicava obstrução moderada (DPOCm) ou grave (DPOCg), classificados de acordo com as Diretrizes Brasileiras para Testes de Função Pulmonar de 2002.( 10 ) As espirometrias foram realizadas por técnicos aprovados como técnicos em espirometria pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Utilizou-se um espirômetro (Jaeger, Würtzburg, Alemanha) e foram adotados os valores previstos de Crapo.( 11 ) A espirometria foi realizada 1 h antes do TC6 no mesmo dia. O VEF1 e a CV foram retirados das curvas fluxo-volume.
O TC6 foi realizado em um corredor de 27 m seguindo as normas da American Thoracic Society.( 7 ) No HCPA, é possível a monitorização contínua da FC e da SpO2 durante o TC6, através de telemetria, utilizando um módulo de oximetria digital e um software desenvolvido pela Engenharia Biomédica do HCPA. Esse sistema permite a transferência simultânea da FC e SpO2 para o computador, tornando possível a observação do grau de dessaturação de oxigênio em tempo real, permitindo assim uma melhor avaliação do nível de gravidade da doença.( 5 , 7 ) A Figura 1 mostra o registro de uma curva. Todos os pacientes incluídos completaram o TC6 sem interrupção e iniciaram o teste com valores de SpO2 > 94%. Nenhum paciente recebeu suplementação de oxigênio durante o esforço. Foram excluídos da amostra aqueles que apresentavam patologias ortopédicas, doenças intersticiais e hipertensão arterial pulmonar associada ou qualquer impeditivo que limitasse a execução do TC6. Foram analisadas as curvas nas quais houve uma queda da SpO2 ≥ 4%.
A partir das curvas de SpO2 foi determinado o tempo para a queda de 4% na SpO2 e para atingir o menor nível de saturação, como também o tempo de recuperação após os 6 min. A inclinação dessas curvas foi calculada através da seguinte fórmula:
(SpO2 final - SpO2 inicial) ÷ Δtempo entre esses momentos
As inclinações foram comparadas a fim de se determinar mudanças nessas em função da gravidade da obstrução. A Figura 2 mostra um exemplo das inclinações calculadas.
A análise estatística dos dados coletados foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A normalidade e a homogeneidade da variância dos dados foram analisadas. Foi utilizado o teste t para amostras independentes para a comparação entre os grupos. Para a análise de correlações foi utilizado o teste de correlação de Pearson. Para todas as análises, o nível de significância adotado foi de p < 0,05. Os valores foram expressos em médias e desvios-padrão.
A amostra envolveu 85 pacientes: 55 com DPOCg (média de idade de 62 ± 11,3 anos e de índice de massa corpórea [IMC] de 22,5 ± 3,3 kg/m2) e 30 com DPOCm (média de idade de 66,0 ± 10,1 anos e de IMC de 25,1 ± 2,8 kg/m2). A Tabela 1 apresenta as variáveis analisadas nos dois grupos.
Variável | DPOCm | DPOCg | p |
---|---|---|---|
(n = 30) | (n = 55) | ||
IMC, kg/m2 | 25,1 ± 2,8 | 22,5 ± 3,3 | 0,01* |
Idade, anos | 66 ± 10 | 62 ± 11 | 0,11 |
SpO2 antes do TC6, % | 95,0 ± 1,9 | 95,0 ± 2,1 | 0,85 |
SpO2 mínima, % | 87,3 ± 3,4 | 85,0 ± 4,3 | 0,01* |
TD4, s | 64 ± 36 | 66 ± 41 | 0,81 |
Tmin, s | 109 ± 55 | 168 ± 67 | 0,01* |
TR, s | 112,6 ± 28,8 | 120,2 ± 31,5 | 0,28 |
VEF1% | 53,1 ± 9,6 | 28,0 ± 6,2 | 0,01* |
DTC6, m | 451 ± 73 | 435 ± 74 | 0.35 |
Inclinação da reta para queda de SpO2 ≥ 4% | 0,08 ± 0,04 | 0,08 ± 0,04 | 0,89 |
Inclinação da reta para queda máxima da SpO2 | 0,08 ± 0,03 | 0,07 ± 0,05 | 0,27 |
Inclinação da reta para recuperação da SpO2 | 0,07 ± 0,02 | 0,09 ± 0,04 | 0,05 |
DPOCm: DPOC moderada
DPOCg: DPOC grave
IMC: Índice de massa corporal
TD4: tempo para atingir dessaturação ≥ 4%
Tmin: tempo para dessaturação máxima
TR: tempo de recuperação
DTC6: distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos
Os grupos mostraram-se homogêneos quanto aos parâmetros idade e SpO2 antes do TC6. O IMC não estava acima de 30 kg/m² em nenhum dos grupos, valor a partir do qual há influência na espirometria.( 10 ) A distância percorrida pelos dois grupos não foi significativamente diferente. Os valores mínimos de SpO2 foram significativamente menores no grupo DPOCg (p < 0,014). Houve queda de 4% na SpO2 até o primeiro minuto em 63% e em 71% nos grupos DPOCm e DPOCg, respectivamente. O tempo de dessaturação em 4% e o tempo para recuperação não diferiram significativamente entre os grupos; porém, o tempo para atingir o menor valor de SpO2 foi maior no grupo DPOCg que no grupo DPOCm (p < 0,001). As inclinações das curvas de SpO2 para uma dessaturação de 4%, para a queda máxima e para a recuperação não mostraram diferenças significativas entre os grupos. A variação da SpO2 (ΔSpO2) entre o inicio do TC6 e a queda máxima foi estatisticamente diferente entre os dois grupos (p = 0,005).
Em relação às correlações (Figura 3), o VEF1% apresentou uma correlação moderada positiva com a SpO2 mínima (r = 0,356; p < 0,005), uma correlação moderada negativa com a ΔSpO2 (r = −0,398; p < 0,001) e uma correlação moderada negativa com o tempo para atingir a SpO2 mínima (r = −0,449; p < 0,001).
A inclinação da queda máxima da SpO2 teve uma correlação moderada negativa com o tempo para atingir a SpO2 mínima (r = −0,467; p < 0,001), com o tempo para uma dessaturação de 4 % (r = −0,437; p < 0,001) e com o menor valor da SpO2 (r = −0,393; p < 0,001). A distância caminhada no TC6 (DTC6) não apresentou correlações significativas com a SpO2 e suas variações e nem com o VEF1%.
A dessaturação durante o exercício pode ser medida no TC6 e é um índice de valor prognóstico nas patologias intersticiais e na DPOC. Uma queda na SpO2 ≥ 4% sugere uma dessaturação importante e se usa para avaliar a necessidade de oxigênio em pacientes com doenças pulmonares crônicas.( 12 ) Outro índice de avaliação da capacidade funcional é a DTC6, que tem um valor prognóstico na DPOC.( 13 )
Entretanto, a hipoxemia é um dos maiores problemas na medicina respiratória, pois é muito comum em pacientes com doenças pulmonares e a sua rápida avaliação e tratamento são necessários para prevenir danos orgânicos irreversíveis.
A dessaturação ao exercício é comumente observada em pacientes com DPOC; entretanto, os parâmetros clínicos não são capazes de identificar essa alteração. A SpO2 < 95% em repouso foi reportada como um preditor para a dessaturação ao exercício, especialmente em pacientes com DLCO comprometida em ≥ 36%.( 14 ) Zafar et al.( 15 ) não encontraram uma correlação significativa entre a variação (queda) na SpO2 e a SpO2 em repouso. Em nosso estudo tampouco houve uma correlação significativa entre a SpO2 basal e a queda da SpO2 (r = 0,08; p = 0,46).
A teoria da intolerância ao exercício na DPOC é de construção multifatorial: o maior trabalho e consumo de oxigênio pela musculatura respiratória, a disfunção da musculatura esquelética dos membros inferiores e o mecanismo de hiperinsuflação pulmonar dinâmica, atuando isoladamente ou em conjunto.( 8 ) Zafar et al.,( 15 ) utilizando 30 pacientes com DPOC, demonstraram uma boa correlação entre a dessaturação de oxigênio no TC6 e a hiperinsuflação dinâmica, mas sem correlação com a DTC6. Nossos resultados tampouco mostraram uma correlação entre a dessaturação e a DTC6; entretanto, não avaliamos a hiperinsuflação no presente estudo.
Observamos que a DTC6 não apresentou correlações com as alterações da SpO2. Há relatos na literatura mostrando mudanças na musculatura esquelética dos pacientes com DPOC, destacando-se o predomínio das fibras glicolíticas sobre as oxidativas. A partir dessas alterações, os pacientes utilizam predominantemente o metabolismo anaeróbio num precoce nível de esforço,( 16 , 17 ) caracterizando uma mudança da rota metabólica e reduzindo a carga aeróbica. A ocorrência de alguns fatores, tais como estresse inflamatório, descondicionamento físico, uso prolongado de corticosteroides e hipoxemia, contribui para a modificação da atividade contrátil do músculo, desencadeando uma série de adaptações que envolvem uma alteração das fibras musculares. Segundo um grupo de autores,( 18 ) o trabalho respiratório é duas vezes maior no grupo de pacientes com DPOC que são recrutadores da musculatura abdominal do que no grupo com DPOC não recrutador, associado à maior dispneia e menor tolerância ao exercício. Essa é uma possível explicação para os nossos resultados, pois os pacientes podem possuir uma predominância de fibras glicolíticas e/ou serem do grupo não recrutador da musculatura abdominal.
Estudos prévios( 19 , 20 ) mostraram que o tempo de dessaturação durante o TC6 é um indicativo da possibilidade de dessaturação durante as atividades cotidianas, culminando em hipoxemia severa e necessidade de oxigenoterapia. Jenkins e Cecins( 21 ) analisaram os eventos adversos durante o TC6 em um grupo de 572 pacientes com DPOC que completaram o TC6; 345 (47%) dos pacientes exibiram dessaturação significativa (queda ≥ 4%). O estudo de Jenkins e Cecins( 21 ) destaca a importância do monitoramento contínuo da SpO2 no TC6. O sistema de telemetria utilizado no HCPA nos permitiu um seguimento do comportamento da SpO2 em tempo real durante o TC6.
Um grupo de autores( 20 ) mostrou que, em 83 pacientes com DPOC que realizaram o TC6, 48 apresentaram SpO2 < 90% precoce (antes do primeiro minuto) e, em um seguimento de 5 anos, 65% daqueles pacientes migraram para hipoxemia severa com necessidade de oxigenoterapia domiciliar, em contraste com 11% dos pacientes que não apresentaram dessaturação precoce (p < 0,001). A dessaturação precoce também está associada com a dessaturação durante 24 h e durante a maior parte das atividades da vida diária. Na nossa amostra composta de pacientes que apresentaram dessaturação no TC6, notamos que a maioria dos pacientes dos grupos DPOCg e DPOCm apresentou uma dessaturação ≥ 4% no primeiro minuto (71% e 63% dos pacientes, respectivamente), indicando a necessidade de uma avaliação mais rigorosa das atividades de rotina desses indivíduos.
Em um estudo,( 22 ) foram estudados 224 pacientes com DPOC divididos em dois grupos: com e sem dessaturação de oxigênio no TC6. Os pacientes foram acompanhados por 3 anos, e foi observado que o VEF1 teve uma redução mais rápida no grupo com dessaturação (p = 0,006), sugerindo que a dessaturação ao exercício pode ser um preditor para o declínio da função pulmonar em pacientes com DPOC. Em nosso estudo, o VEF1 mostrou-se um bom indicador de dessaturação ao exercício, apresentando uma correlação significativa negativa moderada com a ΔSpO2 (r = −0,398; p < 0,001) e com o tempo para atingir a SpO2 mínima (r = −0,448; p < 0,001).
A dessaturação de oxigênio é um parâmetro de monitorização que qualifica o desempenho do paciente no TC6 e contribui para dimensionar o grau de comprometimento da doença no esforço físico. A análise da curva de dessaturação nos permite uma visão completa do tempo que inicia a queda da SpO2, da intensidade dessa queda e do tempo necessário para sua recuperação, o que pode nos auxiliar a dimensionar a gravidade do quadro clínico; entretanto, até onde sabemos, nenhum estudo prévio expôs esses dados para comparação.
O presente estudo ressalta a importância da análise da dessaturação de oxigênio com o monitoramento contínuo no TC6 em pacientes com DPOC. No grupo estudado, os pacientes do grupo DPOCg, em comparação aos do grupo DPOCm, atingiram valores menores de SpO2, e a maioria apresentou dessaturação precoce (até o primeiro minuto), sugerindo um pior prognóstico. O VEF1 mostrou-se um bom marcador para a dessaturação ao exercício, apresentando uma correlação moderada com a SpO2 mínima, com a ΔSpO2 e com o tempo para atingir a SpO2 mínima.