Compartilhar

Análise da implantação da política nacional de atenção à saúde auditiva em uma unidade federativa do Brasil

Análise da implantação da política nacional de atenção à saúde auditiva em uma unidade federativa do Brasil

Autores:

Marcus Valerius da Silva Peixoto,
Sônia Cristina Lima Chaves

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.31 no.3 São Paulo 2019 Epub 27-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018092

INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva, quando não identificada e sem uma intervenção, pode comprometer o desenvolvimento da linguagem, fala, habilidades cognitivas e comportamento dos indivíduos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de metade dos problemas relacionados à audição podem ser evitados mediante as ações realizadas na atenção primária com prevenção e detecção precoce, bem como ter seus danos minimizados com as possibilidades de tratamento e reabilitação(1).

O advento do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) teve uma grande relevância para a compreensão da saúde enquanto direito, mas, no entanto, não resultou imediatamente em medidas específicas para aprimorar o acesso e a atenção integral para a pessoa com deficiência(2).

O Brasil possui um histórico de políticas de saúde focalizadas e fragmentadas para as pessoas com deficiência, favorecendo o cuidado centrado apenas no indivíduo, focado na dispensação de próteses auditivas, incoerentes com os princípios do SUS(3-6).

No ano de 2004, foi publicada a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva que determina a implantação de Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva em todas as unidades federadas do Brasil(7). Sabe-se que as intervenções para a saúde auditiva devem ser priorizadas e implantadas conforme decisões baseadas em evidências, análises de custo efetividade e compreensão do funcionamento do programa(8).

No campo científico, a maior parte dos estudos de avaliação voltados para a atenção à saúde da pessoa com deficiência auditiva está relacionada à satisfação e aceitabilidade das práticas pelos usuários, trata-se de estudos dirigidos aos resultados das ações em saúde, mas que, no entanto, não refletem os processos pelos quais se alcançam esses resultados(3,9-11).

Por outro lado, sabe-se que as estratégias para avaliação em saúde devem dialogar com o campo da análise política, visando refletir a necessidade de um modelo assistencial que ultrapasse o atendimento à demanda espontânea centrado no cuidado individual(12). As práticas de saúde podem ser avaliadas em suas diversas dimensões, desde o cuidado individual ou em suas condições mais complexas de intervenção e de organização, como políticas, programas, serviços ou sistemas(13).

Os estudos de análise de implantação têm por objetivo delimitar melhor os fatores que facilitam ou comprometem a implantação de uma intervenção e possuem um grande potencial de generalização dentre as pesquisas avaliativas, visam, portanto, explicar a diferença entre o que foi planejado e o implantado(14,15).

Algumas pesquisas têm apresentado em suas construções metodológicas estratégias para a avaliação e análise de implantação de políticas e programas de saúde que buscam, em alguma medida, a seleção de dimensões, subdimensões e critérios relacionados aos diferentes domínios dos modelos de atenção à saúde, destacando-se as dimensões política, gerencial, assistencial e da efetividade das práticas a partir do entendimento do modelo teórico/lógico dos programas(16,17).

O estudo sobre a implementação de ações da PNASA insere-se no conjunto de esforços dos pesquisadores no campo da fonoaudiologia e da saúde coletiva em desenvolver pesquisas avaliativas que reflitam os múltiplos aspectos envolvidos nos processos de implementação de políticas, programas e serviços de saúde. A PNASA se configura em uma diretriz que propõe a conformação de redes no âmbito dos Estados, os quais podem ou não atender à situação desejada pela política, nesse sentido, destaca-se a importância de compreender o contexto no qual se operacionalizam as ações de prestação da atenção à saúde. Pesquisas como esta podem contribuir para a identificação de obstáculos e facilitadores na gestão e implementação de intervenções de saúde auditiva no contexto estadual.

Assim, o presente estudo objetivou analisar o grau de implantação da política nacional de atenção à saúde auditiva no âmbito estadual.

MÉTODO

Desenho do estudo

O estudo foi realizado em duas etapas: A primeira foi uma pesquisa metodológica de modelização de uma intervenção que produziu a imagem-objetivo da PNASA expressa no seu modelo teórico-lógico e sua matriz de critérios/medidas de avaliação, os quais foram consensuados por “experts” na área mediante a técnica “Delphi”(18). Na segunda etapa, foi realizada uma pesquisa avaliativa do tipo qualitativa, exploratória, delineada em um estudo de caso único em uma das unidades federativas do Brasil.

Procedimentos e técnicas de produção de dados

Imagem-objetivo (Modelo Lógico e Matriz de Medidas)

Para a construção do modelo lógico, foi realizada uma análise documental na legislação da atenção à saúde auditiva no Brasil, constantes nas portarias GM/MS nº 2073 de setembro de 2004 que instituiu a política nacional de atenção à saúde auditiva e na portaria SAS/MS nº587 de 7 de outubro de 2004 que determinou que as Secretarias de Estado da Saúde de 2004 dos estados adotassem as providências necessárias à organização e implantação das Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva. Foi criado o primeiro constructo do Modelo Lógico da Política (Figura 1) com seus componentes, objetivos, ações, resultados intermediários e final e matriz de medidas que foi dividida hierarquicamente por níveis, dimensões, subdimensões e critérios (Quadro 1).

Figura 1 Modelo Teórico/Lógico da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva 

Quadro 1 Matriz de medidas da PNASA resultante da técnica de consenso Delphi – Análise da implantação do grau da PNASA no âmbito estadual 

Níveis/Dimensões/Subdimensões Critérios Pontuação
obtida
% do total
de pontos
Nível da Gestão
Planejamento (16pts) 6 37,5
O Plano de Reabilitação Auditiva está descrito no plano estadual de saúde e se aplica como instrumento de gestão; (8pts) a) O Plano de Reabilitação Auditiva está descrito no plano estadual de saúde e se aplica como instrumento de gestão; (8pts)
b) O Plano não está descrito em nenhum dos documentos analisados, porém se aplica como instrumento de gestão no nível técnico da secretaria e gerentes dos serviços; (6pts)
c) O Plano de Reabilitação Auditiva está descrito no plano estadual de saúde, mas não se aplica como instrumento de gestão; (4pts)
d) O plano não está descrito em nenhum dos documentos e não se aplica como instrumento de gestão em nenhum dos níveis da secretaria de saúde; (2pts)
4 50
Participação dos usuários, trabalhadores, prestadores e gestores no planejamento; (8pts) a) Participação dos usuários, trabalhadores, prestadores e gestores no planejamento; (8pts)
b) O planejamento é operacionalizado pelo corpo técnico da SES e referendado no Conselho de Saúde; (6pts)
c) Participação restrita aos prestadores e corpo técnico da SES; (4pts)
d) O planejamento é operacionalizado apenas pelo corpo técnico da SES; (2pts)
2 25
Avaliação (24pts) 10 41,6
Existem processos de avaliação e monitoramento da rede e dos serviços, observando-se estrutura, processos e resultados das ações; (8pts) a) Existem processos de avaliação e monitoramento da rede e dos serviços, observando-se estrutura, processos e resultados das ações; (8pts)
b) Práticas de avaliação realizadas pelos próprios serviços, independentemente da gestão da SES; (6pts)
c) Práticas de fiscalização dos serviços; (4pts)
d) Não é realizada a prática da avaliação; (2pts)
4 50
Existência de estudos de avaliação de eficiência e qualidade sobre a rede estadual; (8pts) a) Existem processos de avaliação de custo-benefício e qualidade das ações com a incorporação de ações programáticas; (8pts)
b) Os serviços de saúde auditiva realizam o acompanhamento regular dos usuários articulados à atenção básica visando à perda de seguimento no tratamento e conhecer a demanda reprimida; (6pts)
c) Os serviços de saúde auditiva realizam o acompanhamento regular dos usuários sem articulação com a atenção básica visando à perda de seguimento no tratamento; (4pts)
d) Os serviços se organizam apenas em função da tabela SUS; (2pts)
2 25
Utilização e aperfeiçoamento de sistema de informação para acompanhamento das ações para a deficiência auditiva (8pts); a) Utilização e aperfeiçoamento de sistema de informação para acompanhamento da deficiência auditiva; (8pts)
b) Existe algum sistema proposto por unidade prestadora para a própria avaliação; (6pts)
c) Serviços utilizam sistemas de informação apenas para fins de registro de produção; (4pts)
d) Não utiliza sistemas de informação em saúde; (2pts)
4 50
Regulação dos serviços (16pts) 10 62,5
Procedimentos são regulados por central de regulação pública; (8pts) a) Todos os procedimentos são regulados por central de regulação pública; (8pts)
b) Apenas os procedimentos de alta complexidade são regulados; (6pts)
c) Duplo acesso aos serviços de média e alta complexidade: por regulação e por demanda espontânea; (4pts)
d) Não existe regulação para os serviços de saúde auditiva; (2pts)
4 50
Existência de um grupo técnico de controle e auditoria com fonoaudiólogo e com atuação regular na rede; (8pts) a) Existência de um grupo técnico de controle e auditoria, com fonoaudiólogo e com atuação regular na rede; (8pts)
b) Existe um grupo técnico para controle e auditoria com atuação regular na rede, porém sem fonoaudiólogo; (6pts)
c) Controle e auditoria realizados ocasionalmente; (4pts)
d) Não são realizados controle e auditoria; (2pts)
6 75
Capacidade técnica e operacional dos serviços (8pts) 4 50
Todos os serviços de alta e média complexidade referem atender aos requisitos mínimos de Recursos humanos, instalações físicas e de equipamentos da portaria 587/2004; (8pts) a) Todos os serviços de alta e média complexidade atendem aos requisitos mínimos de Recursos humanos, instalações físicas e de equipamentos da portaria 587/2004; (8pts)
b) 75% dos serviços de alta e média complexidade atendem aos requisitos mínimos de Recursos humanos, instalações físicas e de equipamentos da portaria 587/2004; (6pts)
c) 50% dos serviços de alta e média complexidade atendem aos requisitos mínimos de Recursos humanos, instalações físicas e de equipamentos da portaria 587/2004; (4pts)
d) 25% dos serviços de alta e média complexidade atendem aos requisitos mínimos de Recursos humanos, instalações físicas e de equipamentos da portaria 587/2004; (2pts)
4 50
Controle social e participação popular (8pts) 2 25
Existência de algum mecanismo de gestão colegiada da saúde auditiva com participação dos usuários e trabalhadores; (8pts) a) Existe algum mecanismo de gestão colegiada da saúde auditiva com participação dos usuários e trabalhadores; (4pts)
b) Os serviços têm promovido mecanismos para participação dos usuários e trabalhadores; (4pts)
c) Não existe incentivo à participação popular e controle social; (2pts)
d) Critério A+ Critério B; (8pts)
2 25
Nível da Organização do Sistema
Regionalização da atenção à saúde auditiva (26pts) 8 30,7
Existência de fonoaudiólogos na atenção básica que realizam ações de promoção, prevenção, identificação e monitoramento dos casos; (10pts) a) Existência de fonoaudiólogos na atenção básica que realizam ações de promoção, prevenção, identificação e monitoramento dos casos; (6pts)
b) A SES em conjunto com a média e alta complexidade realiza a capacitação para as ESF prevenirem, identificarem e monitorarem os casos de deficiência auditiva; (4pts)
c) Existe divulgação dos fluxos para atenção básica dos municípios; (4pts)
d) Não existem ações que envolvam a atenção básica para atenção à saúde auditiva; (2pts)
e) Critérios (A + B) ou Critérios (A + C); (10pts).
2 25
A SES em conjunto com a média e alta complexidade realiza a capacitação para as ESF prevenirem, identificarem e monitorarem os casos de deficiência auditiva; (8pts) a) São desenvolvidas ações técnico-pedagógicas para as equipes de atenção básica prevenirem, identificarem e monitorarem os casos de deficiência auditiva; (8pts)
b) São desenvolvidas ações técnico-pedagógicas para as equipes de atenção básica prevenirem e identificarem os casos; (6pts)
c) Existem fóruns regionais para a sensibilização das equipes de saúde da família sobre a temática; (4pts)
d) Não existem ações técnico-pedagógicas ligadas ao tema; (2pts)
4 40
Distribuição e implantação dos serviços estão baseados em dados epidemiológicos e série histórica de atendimentos das regiões de saúde; (8pts) a) Distribuição e implantação dos serviços estão baseados em dados epidemiológicos e série histórica de atendimentos das regiões de saúde; (8pts)
b) Distribuição e implantação dos serviços estão baseados em dados epidemiológicos das regiões de saúde; (6pts)
c) Distribuição e implantação dos serviços estão na série histórica de atendimentos das regiões de saúde; (6pts)
d) Distribuição baseada em estimativas da deficiência auditiva autorreferida (a exemplo do Censo); (4pts)
e) Distribuição dos serviços de acordo com facilidade de instalação e oportunidade; (2pts)
2 25
Estruturação de linhas do cuidado (8pts) 4 50
Estruturação de uma linha de cuidado para deficiência auditiva com ações previstas em todos os níveis de atenção a partir de um projeto terapêutico com classificação de risco e prioridades; a) Estruturação de uma linha de cuidado para deficiência auditiva com ações previstas em todos os níveis de atenção a partir de um projeto terapêutico com classificação de risco e prioridades; (8pts)
b) Desenvolve as ações em todos os níveis, porém de forma não explicitada enquanto linha do cuidado; (6pts)
c) Existência da lógica ambulatorial por demanda espontânea baseada no modelo médico hegemônico; (4pts)
d) Ausência de fluxos estabelecidos e publicizados para os serviços de referência; (2pts)
4 50
Adequação da oferta às necessidades (8pts) 2 25
Disponibilidade dos procedimentos está baseada em dados epidemiológicos e série histórica de atendimentos das regiões de saúde; (8pts) a) Disponibilidade dos procedimentos está baseada em dados epidemiológicos e série histórica de atendimentos das regiões de saúde; (8pts)
b) Disponibilidade dos procedimentos está baseada em dados epidemiológicos das regiões de saúde; (6pts)
c) Disponibilidade dos procedimentos está baseada na série histórica de atendimentos das regiões de saúde; (6pts)
d) Oferta de procedimentos sem parâmetros claros de distribuição na rede estadual; (2pts)
2 25
Nível do Contexto Político
Projeto de Governo (16pts) 8 50
Propósito de Governo. Existe proposta de ação Intersetorial dirigida às pessoas com deficiência auditiva envolvendo setores como os da educação e da assistência social; (8pts) a) A atenção à Saúde auditiva é explicitada no plano de governo; (4pts)
b) Existe coerência entre o plano de governo e as ações realizadas na atenção à saúde auditiva; (4pts)
c) Não existem propostas além das portarias federais; (2pts)
d) Critério A + Critério B; (8pts)
4 50
O Estado participa do financiamento com recursos além do ministério da saúde para propostas inovadoras; (8pts) a) O Estado participa do financiamento com recursos além do ministério da saúde para propostas inovadoras; (8pts)
b) O estado participa de financiamento com recursos além do ministério da saúde complementando as ações já anunciadas nas portarias; (6pts)
c) O estado não participa de financiamento com recursos além do ministério da saúde; (4pts)
4 50
Governabilidade (8pts) 4 50
Autonomia da secretaria de saúde na condução da Política conforme as pactuações com os atores envolvidos; (8pts) a) Autonomia da secretaria de saúde na condução da Política conforme as pactuações com os atores envolvidos; (8pts)
b) A condução e distribuição dos recursos da política no estado é de acordo com a oportunidade e facilidade; (4pts)
c) Distribuição dos recursos ocorre estritamente conforme às portarias federais; (4pts)
d)
4 50
Capacidade de governo (16pts) 6 37,5
Existe algum grupo técnico designado para gerir a atenção à saúde auditiva com a participação de fonoaudiólogo; (8pts) a) Existe algum grupo técnico designado para gerir a atenção à saúde auditiva; (4pts)
b) Existe a participação de fonoaudiólogo no grupo técnico gestor; (4pts)
c) Gestão da atenção à saúde auditiva ligada a áreas técnicas não específicas para pessoa com deficiência; (2pts)
d) Critério A + Critério B; (8pts)
4 50
Equipe gestora com formação/capacitação em saúde coletiva; (8pts). a) Equipe gestora com profissionais com formação em saúde coletiva; (8pts)
b) Equipe gestora com profissionais com formação na área de direitos humanos/serviço social; (6pts)
c) Equipe gestora com profissionais de carreira na gestão pública; (4pts)
d) Equipe gestora com profissionais com formação na área de reabilitação; (2pts).
2 25
TOTAL 64 41

Para a aplicação da técnica Delphi, a matriz do primeiro constructo foi enviada no formato de questionário por meio eletrônico para os “experts” fonoaudiólogos com, no mínimo, especialização em audiologia ou saúde coletiva, de diferentes regiões do País, os quais atuam no âmbito da gestão da atenção à saúde auditiva no SUS (federal, estadual ou municipal), ou no âmbito acadêmico no desenvolvimento de estudos ligados à avaliação de serviços de saúde auditiva. Um total de 14 experts foram convidados, porém apenas 7 responderam à solicitação. Todos os participantes foram informados sobre o desenvolvimento do consenso da PNASA e sobre as possibilidades de designação dos escores para manutenção dos critérios da matriz em uma escala de 0 (menor relevância) a 10 (maior relevância), assim como foram orientados que poderiam sugerir modificações ou novos critérios para compor a matriz. Foram realizadas duas rodadas de entrevistas para confirmar concordância da matriz.

Análise da Implantação da PNASA

Foi selecionado um Estado do Brasil com aproximadamente 3 milhões de habitantes e realizada uma pesquisa documental do Plano Estadual de Saúde e Relatórios Anuais de Gestão referentes aos anos de 2008 a 2011(19). Foram realizadas 5 entrevistas individuais semiestruturadas com informantes-chave da esfera central da Secretaria Estadual de Saúde, responsáveis pela condução da política (secretário estadual de saúde e coordenador da área técnica da atenção à pessoa com deficiência) e gerentes dos três serviços que compõem a Rede Estadual de Atenção à Saúde Auditiva.

Análise dos dados

A análise da técnica de consenso delphi foi por meio do cálculo de tendência central e de dispersão. Os critérios foram considerados (a) muito importantes com a média > 9; (b) importantes com a média > 8 e <9; (c) critério pouco importante com média < 8. Em relação ao grau de consenso, foi considerado: (a) critério com alto grau de consenso com desvio padrão < 1; (b) critério com médio consenso > 1 e < 2; (c) critério com baixo grau de consenso > 2 e < 3; e critério em dissenso > 3. Foram incluídos na matriz final apenas os critérios muito importantes, importantes, com alto grau e de médio consenso.

Para a avaliação da implantação da política, foi utilizada a técnica de análise temática de conteúdo(20), balizada pela matriz de critérios e medidas resultante da imagem-objetivo da PNASA. As entrevistas foram transcritas, juntamente com os dados provenientes da apreciação documental, e foram processados, identificando-se os pontos de confluência e divergência dos atores/documentos sobre as ações desenvolvidas nos níveis da gestão, organizativo e do contexto político no âmbito estadual.

Após o tratamento das evidências, foram atribuídos pontos (8, 6, 4 ou 2) para os critérios, de acordo com a comparação com a matriz de medidas/critérios da imagem-objetivo da PNASA. O cálculo do grau de implantação foi obtido pela relação entre a pontuação observada em cada critério, dimensão ou nível e suas respectivas pontuações máximas de cada multiplicadas por 100.

Escore final=Pontuação obtidaPontuação máxima×100 (1)

Pontuação obtida = ∑ da pontuação obtida em cada critério, dimensão ou nível

Pontuação Máxima = ∑ da pontuação máxima de cada critério, dimensão ou nível

A partir do escore alcançado, classificou-se o grau de implantação em quatro categorias: não implantado < 25; incipiente > 25 e < 50; intermediário > 50 e < 75; e avançado > 75. A pontuação foi atribuída pelo pesquisador que conduziu o estudo e, para validar com maior rigor a avaliação do grau de implantação, foi convidado um pesquisador externo para atribuir sua pontuação de acordo com as evidências colhidas. Em seguida, as pontuações foram comparadas e, diante das divergências, foi convidado um terceiro pesquisador para alcançar um consenso.

Aspectos éticos

O estudo seguiu as normas do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo a resolução n° 466/2012 que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, e foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia com parecer nº 07/2012.

A participação dos sujeitos entrevistados foi voluntária, mediante concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

O modelo lógico e a matriz de medidas propostos para compor a imagem-objetivo da PNASA foram avaliados pelos especialistas com a maioria dos critérios considerados muito importantes ou importantes e com um alto grau de consenso (tabela 1).

Tabela 1 Critérios analisados por especialistas da PNASA segundo o grau de consenso e importância 

Classificação dos escores Gestão Organização Contexto Político Total
Rodada 1 Rodada 2 Rodada 1 Rodada 2 Rodada 1 Rodada 2 Rodada 1 Rodada 2
n % n % n % n % n % n % n % n %
Importância (Média)
Muito importante > 9 9 81,8 10 90,9 3 37,5 5 62,5 4 57,1 5 62,5 16 61,5 20 74,0
Importante > 8 e <9 2 18,1 1 9,0 3 37,5 2 25,0 2 28,5 1 12,5 7 26,9 4 14,8
Pouco importante < 8 0 0,0 0 0,0 2 25,0 1 12,5 1 14,2 2 25,0 3 11,5 3 11,1
Total 11 100 11 100 8 100 8 100 7 100 8 100 26 100 27 100
Consenso (DP)
Alto grau < 1 5 45,4 6 54,5 1 12,5 4 50,0 4 57,1 5 62,5 10 38,4 15 55,5
Consenso > 1 e < 2 5 45,4 5 45,4 3 37,5 2 25,0 1 14,2 1 12,5 10 38,4 8 29,6
Baixo grau > 2 e < 3 1 9,09 0 0,0 3 37,5 1 12,5 0 0,0 0 0,0 3 11,5 1 3,7
Dissenso > 3 0 0,0 0 0,0 1 12,5 1 12,5 2 28,5 2 25 3 11,5 3 11,1
Total 11 100 11 100 8 100 8 100 7 100 8 100 26 100 27 100

Na análise da implantação no âmbito estadual, observou-se que nenhuma das dimensões obteve uma pontuação correspondente a um grau avançado de implantação (Figura 2). Evidencia-se um grau incipiente de implantação da PNASA no âmbito estadual, considerando os escores dos níveis separadamente e o somatório de todos os níveis em relação à pontuação total (41,5%) (Quadro 1).

Figura 2 Grau de implantação da PNASA analisada no âmbito Estadual por dimensões 

DISCUSSÃO

Gestão da PNASA

No nível da gestão, a dimensão do planejamento obteve um baixo grau de implantação, considerando-se que existe uma menção à atenção à saúde auditiva no plano estadual de saúde(19). O relatório anual de gestão de 2009(19) descreve como uma meta realizada a construção no plano estadual de atenção ao “portador de deficiência” – [grifo nosso: refere-se à “pessoa com deficiência”](19). Contudo as entrevistas evidenciam que o planejamento não se aplica como um instrumento de gestão, como pode ser observado em algumas narrativas:

[...] No nosso caso, enquanto gestão, a gente faz uma parte mais de fiscalização, do monitoramento dessa rede, mas a gente também não diz como ela deveria trabalhar. Ela sabe como trabalhar seguindo a portaria [...] A gente fiscaliza que os deveres estão sendo cumpridos. Mas o nosso planejamento enquanto gestão, enquanto estado é organizar revisão, visita [...] (Gerente da área técnica).

Quando questionado se consegue lembrar de alguma situação de planejamento: “Não. Não consigo não.” (Gerente do prestador A).

Não há planejamento, para essa pergunta não vai ter consistência, porque não tem! A gente segue a portaria! É a portaria e pronto! Nós fazemos todos os procedimentos e o SUS fiscaliza a gente aqui [...] (Gerente do prestador B).

Eu acho que ela é pouco planejada. Eu acho que as coisas, na verdade, eu acho que ela não é nada planejada. Eu acho que as coisas vão acontecendo e conforme vão indo, vão se fazendo as coisas [...] (Gerente do prestador C).

A subdimensão do planejamento participativo obteve um grau não implantado uma vez que é uma prática operacionalizada apenas pelo corpo técnico da secretaria estadual de saúde, no âmbito burocrático, segundo os seguintes relatos:

[...] O planejamento começa pela gerência, passa para a diretoria, depois da diretoria segue para a superintendência que é a chefe imediata da diretoria. Daí disso, vai para o gabinete do secretário para assinatura, né? Aprovação [...] Está mais ligado (o planejamento) ao grupo técnico mesmo[...] em uma ocasião ou outra, a participação dos conselhos de saúde, né? [...] (Gerente da área técnica).

[...] A gente trabalha conforme as portarias, mas temos reuniões raramente, somente quando necessário! (Gerente do prestador B).

De vez em quando chama a gente, mas usuários não! São poucos os momentos de encontro! [...] Se ela existe, eu não, eu desconheço (Gerente do prestador C).

No entanto, sabe-se que, ao realizar ações coletivas, sociais e institucionais, o planejamento é necessário para melhor realizar o trabalho e compartilhar compromissos. O planejamento ajuda a mobilizar vontades, a identificar problemas e os meios de superá-los. Eleva a consciência sanitária das pessoas, facilitando o interesse político pela questão saúde e, quando socializado, permite que os vários servidores das instituições realizem o seu trabalho em função de propósitos explícitos(21).

Na dimensão da avaliação, ficou claro o caráter meramente fiscalizador por parte da gestão estadual. De acordo com as narrativas, fica aparente o caráter regulador do Estado para a saúde da população:

[...] avaliamos a questão da infraestrutura do local, a questão de prontuários de atendimento, a questão da avaliação do número de atendimentos tanto de consultas quanto de exames, de distribuição de próteses no caso da auditiva. Então, tudo isso é avaliado pra vê se está dentro do que se espera daquela instituição pelo recurso que ela recebe, né? [...] A gente libera recurso, mas avalia se aquele recurso está sendo bem utilizado [...] (Gerente da área técnica).

[...] O estado é um indutor, o estado é um organizador do sistema, fiscalizador do sistema, mas o realizador mesmo das políticas são os municípios [...] (Secretário estadual de saúde).

[...] Sempre pra verificar se você está realmente fazendo aquilo que você disse que está fazendo. Se você está fazendo os exames. Muito mais numa coisa de punição, de procurar alguma coisa pra tentar descredenciar o serviço, do que pra fazer uma avaliação, pra saber se o serviço precisa de ajuda em alguma coisa (Gerente do prestador C).

O relatório de gestão de 2008(19) relata a realização de supervisão dos serviços da rede de reabilitação e dos serviços das entidades conveniadas para atenção à pessoa com deficiência, apontando que houve a previsão de 32 supervisões, porém a realização de apenas 16. O relatório de gestão de 2009(19) propôs a meta de 50 visitas e realizou 48, ressaltando que não são exclusivas para os serviços de saúde auditiva. Diante da orientação da avaliação em função da perspectiva fiscalizadora e reguladora. Não foi evidenciada realização de avaliação da qualidade dos serviços. Esse critério obteve um escore compatível com um grau incipiente de implantação.

Na subdimensão tomada de decisão, observou-se que a rede não dispõe de sistemas de informação que auxiliem no processo de avaliação e tomada de decisão, apesar de um dos serviços pertencente à administração direta ter desenvolvido um “software” com essa finalidade e tê-lo colocado à disposição da rede estadual. De acordo com os dados colhidos, foi conferido um baixo grau de implantação.

Conforme observado na figura 2, a dimensão da regulação dos serviços foi a que obteve maior escore, a única considerada intermediária com 62,5% da pontuação máxima. A atribuição de sua pontuação diferenciada no estado se aplica pelo fato de recorrentes narrativas que referem a presença de auditoria, não tanto pela regulação dos procedimentos, pois, apesar de existir um complexo regulador, muitos usuários ainda têm acesso por demanda espontânea na alta complexidade.

Existe, o estado faz auditoria, né? Mensalmente. Até porque pra liberar a prótese auditiva. A prótese auditiva tem que ter um autorizador, nós chamamos de autorizador que a gente tem essa figura que vem fazer esse trabalho aqui pra poder fazer o procedimento (Gerente do prestador A).

[...] Nós chamamos de médico autorizador, ele vem, olha os prontuários, se esse paciente fez exames, se recebeu o aparelhinho e se tem também o acompanhamento [...] (Gerente do prestador B).

[...] 90% dos usuários que procura o serviço é espontâneo. Ficam sabendo através de veículos de comunicação, através da gente que a gente tem um trabalho no estado todo que a gente tem núcleos. Então, a gente divulga muito esse serviço (Gerente do prestador B).

Apesar da importância do fonoaudiólogo para realizar controle e auditoria, uma vez que a maioria dos procedimentos é de sua competência, não foi observada a presença deste profissional na realização dessa atividade.

Organização do sistema

O nível da organização do sistema foi o que obteve menor escore. Ao realizar um aprofundamento da análise por cada dimensão, observa-se que a regionalização da atenção à saúde auditiva foi incipiente na sua implantação. Segundo as narrativas dos sujeitos entrevistados, as ações na atenção básica não têm ocorrido adequadamente:

[...] Ele (o paciente) passou por uma avaliação em um PSF, por exemplo, e constatou-se que tem uma deficiência auditiva. E se um médico, se a equipe do PSF sabe desses serviços. Então, faria o encaminhamento. Hoje em dia, está falho (Gerente da área técnica).

[...] Hoje, está muito fraca essa articulação [...] Aqui não tem feito trabalho de prevenção efetivamente nas unidades básicas (Gerente do prestador B).

As ações de educação permanente e capacitações para a atenção primária prevenir, identificar e monitorar os casos de deficiência auditiva foram consideradas incipientes, vista a existência de algumas ações em caráter pontual, como a realização do seminário “Dia da Saúde Auditiva”, assinalado no relatório anual de gestão de 2008(19), assim como a realização de oficinas seminários para as equipes das redes de reabilitação do Estado. Além disso, sabe-se que a capacitação em si não garante a incorporação dessas práticas no processo de trabalho na atenção primária.

A atenção primária à saúde favorece a regionalização das ações em saúde. Apesar de a PNASA propor estratégias para a promoção, prevenção, identificação precoce e acompanhamento da deficiência auditiva, ainda assim existem muitas especificidades que suscitam, em alguma medida, a presença do fonoaudiólogo no acompanhamento dessas ações. Entretanto, o seguimento estritamente normativo das portarias não vislumbra uma intersecção das políticas, mas sim um deslocamento da reabilitação apenas para a atenção especializada. O acompanhamento do fonoaudiólogo próximo ao usuário pode representar uma importante medida de redução do custo-efetividade(8,22).

No tocante à distribuição e implantação dos serviços e procedimentos, observou-se que esta ocorre de acordo com aspectos de facilidade de implantação e do porte populacional. Os serviços estão lotados nas duas cidades mais populosas e sedes de macrorregiões de saúde, entretanto a distribuição de serviços também não se apoia em dados epidemiológicos e séries históricas de procedimentos realizados para sua distribuição, o que pode levar a resultados observados em outro estudo que verificou indícios de iniquidades no acesso da população(4,6).

A dimensão de linhas do cuidado foi analisada a partir do entendimento de que esse é o mecanismo de fluxo que o usuário deve seguir desde o acesso aos serviços de saúde ao acompanhamento da deficiência auditiva. Entretanto, foi evidenciado que essa dimensão constitui uma importante barreira porque não há fluxos bem definidos nem uma linha de cuidado explicitada para a atenção à saúde auditiva. Existe um predomínio da lógica de atendimento à demanda espontânea, sobrepondo a organização por referência e contrarreferência, iniciado na atenção primária. Acredita-se a utilização de técnicas de gestão do cuidado pode aumentar o grau de implementação da dimensão da organização do sistema e fortalecer a política, aprimorando os resultados de saúde para os usuários, além de contribuir para a tomada de decisão dos gestores(23).

As linhas do cuidado são constituídas em função do usuário e de suas necessidades de saúde e implicam dispositivos organizacionais que provoquem a necessidade permanente de diálogo e compromisso entre os cuidadores e gestores das diversas unidades de saúde a fim de garantir uma coordenação responsável e transversal das ações com o intuito de garantir a integralidade, a resolutividade e a eficiência da atenção(24,25).

A articulação das ações de promoção da saúde, prevenção, detecção precoce e diagnóstico da deficiência constitui um desafio a ser enfrentado e demonstra fragilidades da política para pessoas com deficiência(26).

Contexto político

O contexto político foi analisado nas dimensões projeto de governo, governabilidade e capacidade de governo. Apesar de todas as dimensões desse nível obterem escores compatíveis com um grau incipiente de implantação, esse foi o nível com maior escore quando comparado com os demais(27).

O projeto de governo tem o objetivo de revelar o propósito da equipe governante e apontou para uma fragilidade da PNASA enquanto política de Estado, aparentemente ela tem uma dependência estritamente normativa das leis e portarias ajustadas numa racionalidade da escassez somada a um caráter regulador do Estado, conforme observado no relato do secretário estadual de saúde, na qual o problema da deficiência auditiva não aparenta ser uma prioridade:

[...] E com municípios pequenos, você não tem volume pra que você crie políticas específicas pra aquela. Então, termina, vamos dizer assim. Você vai criar escola num município pequeno para beneficiar surdos e mudos? Para que população? Aí, você pega municípios pequenos com dificuldades até de instrutores pra isso, que você não tem. Então, não é só querer. Você tem como fazer isso? [...] Você começa a ter dificuldades de criar políticas públicas direcionada para isso. Você imagine em cada sala de aula você ter um professor falando pra todos e ter uma pessoa ao lado só na linguagem dos surdos. É quase que [...] É quase não, é impossível você fazer isso. É uma dificuldade você contemplar essas pessoas. Seguramente, tem outras dificuldade aí de quem vive o dia a dia e sabe (Secretário estadual de saúde).

Segundo os gerentes dos serviços, a única perspectiva que se anuncia é a portaria 793 do ministério da saúde, publicada em 24 de abril de 2012, a qual institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, corroborando a implantação da PNASA. No âmbito estadual existe uma orientação preponderantemente normativa e não há um projeto de governo coerente para o processo de implementação da PNASA. Os gerentes fizeram os seguintes relatos quando questionados sobre as perspectivas para a política:

[...] A única proposta que se tem hoje, atualmente é aguardando a implantação dessa rede, dessa nova, desse novo modelo de serviço. (quando perguntado se a política é uma das prioridades para o Estado): Não, é não. Porque aqui no estado, a política de saúde auditiva, ela não tem uma política específica. Ela está dentro da política estadual da pessoa com deficiência, da saúde, né? Então, está incluso todo mundo [...] Mas está todo mundo junto. Não existe uma política determinada ainda aqui. Apenas existe as portarias que se faz os serviços de acordo com as portarias (Gerente do prestador A).

[...] As propostas são as portarias novas do ministério da saúde, mas fora isso não! (Gerente do Prestador B).

[...] Eu não vejo nenhuma perspectiva diferente. Eu vejo uma estagnação desde a última portaria [...] Durante algum tempo, a gente ainda teve alguma tentativa de, por exemplo, de um estabelecimento de uma rede de triagem neonatal, né? [...] é aquela história, ninguém morre por ser surdo. Então, ou é, sempre a prioridade são sempre as outras coisas que são mais, vamos dizer assim, urgentes (Gerente do Prestador C).

Completando a dimensão do projeto de governo, o critério financiamento foi investigado no sentido de analisar se há envolvimento e participação do estado, sobretudo para outras ações para além do que a portaria propõe, no entanto se observou que apenas um convênio com a unidade móvel de avaliação auditiva recebe recursos exclusivos da secretaria estadual de saúde.

A dimensão da governabilidade obteve um grau incipiente de implantação. Ela foi analisada de acordo com a autonomia da secretaria de saúde em direcionar os recursos. De acordo com as evidências colhidas com os gestores da atenção à saúde auditiva no estado, há uma grande submissão aos requisitos das portarias, inclusive o de financiamento que se dá através da produtividade de procedimentos, ademais há o financiamento apenas para a unidade móvel e algumas ações de capacitação. Já no que toca aos investimentos em recursos materiais e humanos, não houve evidências, inclusive dois dos três prestadores de alta complexidade são terceirizados, fato que coloca o Estado em uma posição de fiscalizador, como foi observado nas dimensões de avaliação e regulação. Quando questionado sobre o processo de tomada de decisão, o gerente da área técnica informa que segue da área técnica aos gestores maiores para a tomada de decisão final, conforme o relato a seguir:

[...] A tomada de decisão ela vem da aprovação dos superiores: da diretoria, da superintendência e do secretário de saúde. Ou seja, identificamos um problema ou criamos uma solução para um melhoramento. Isso tem que passar pelos setores que são de chefes superiores, né? No caso, sai da minha gerência para a diretoria, da diretoria com o parecer para o superintendente e dele, com o parecer dele, para o secretário. Sendo aprovado, aí é executado a ideia (Gerente da área técnica).

Por fim, dimensão da capacidade de governo, que revela as habilidades e experiência da equipe quanto ao conhecimento técnico e habilidade para conduzir política. Foi notória a existência da área técnica para a atenção à pessoa com deficiência que tem a finalidade de acompanhar o cuidado para esse grupo populacional, entretanto não há a participação de fonoaudiólogos na equipe, fato que levou a considerar o critério com grau incipiente de implantação, dadas as necessidades de especificidades da clínica fonoaudiológica, a qual poderia contribuir bastante com a gestão e organização do sistema de modo a fornecer um suporte com maior respaldo técnico-científico na implementação da PNASA.

O segundo critério foi analisado observando-se que uma política de tal amplitude depende também do saber técnico-científico da saúde coletiva. Nenhum dos técnicos da gestão possui formação na área de saúde coletiva, apesar de todos, exceto o gerente, serem servidores de carreira, o que conferiu um grau incipiente também para esse critério.

A análise das características de governo revela uma fragilidade no contexto de implantação da PNASA, o que pode causar variações sobre outras características de um programa(14). O presente estudo reforçou a inter-relação entre as características de governo, expressão da prática política, a gestão e as práticas nos serviços de saúde(28). Evidências também apontadas em estudos anteriores de análise de implementação de políticas de saúde no Brasil(29).

Aparentemente a tomada de decisões pouco tem a ver com as informações em saúde e produzem poucas mudanças no que toca à inversão do modelo de atenção centrado no cuidado individual.

A proposta de uma política de saúde com vistas à integralidade aponta o desafio de se criar dispositivos institucionais que facilitem a distribuição de poder técnico, administrativo e político no sentido de alterar as tecnologias de organização da intervenção e assegurar a articulação com outros setores para assegurar políticas voltadas para a qualidade de vida(12).

O direito à saúde da pessoa com deficiência aponta para as necessidades de as diretrizes normativas ultrapassarem os limites dos espaços institucionais para provocar impacto na vida das pessoas. As portarias não devem ser o fim, mas orientar os possíveis meios para modificar dada situação de saúde.

Apenas os instrumentos normativos não refletiram a implementação de uma política pública conforme os preceitos do SUS nem as necessidades de saúde da população, realidade que pode ser repetida se não for levada em consideração a importância da interação entre as práticas políticas, de gestão, organizativas e técnico-assistenciais, vislumbrando a distribuição do poder nas instituições para atender às necessidades dos destinatários da política.

Limitações e avanços

O presente estudo apresenta como limitação a não inclusão de usuários como participantes para a produção de dados da pesquisa, visto o enfoque predominante ter sido a avaliação de processos, em específico a análise de implantação de ações que possui um grande volume de dados no nível da gestão. No entanto encorajamos estudos futuros que possam abranger aspectos de estruturas e resultados, bem como triangular dados documentais, observacionais e de entrevistas.

Os avanços consistem na aplicação de um método de pesquisa avaliativa capaz de identificar lacunas relevantes no processo de implementação da PNASA e que contribui com uma diferente perspectiva para pesquisadores do campo ao acrescentar informações para além da produtividade da oferta de procedimentos e dos aspectos de satisfação dos usuários, típico da avaliação de resultados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Artigo propôs um modelo teórico-lógico avaliativo que poderá ser utilizado para avaliação do grau de implantação das ações de atenção à saúde auditiva e revelou que a Política possui grau incipiente de implantação no Estado avaliado, identificando obstáculos no âmbito da gestão, organização do sistema e no contexto político.

REFERÊNCIAS

1 WHO: World Health Organization [Internet]. Deafness and hearing loss. Switzerland: WHO; 2019 [cited 2014 Fev 16]. Avaliable from:
2 Peixoto MVS, Santos GS, Nobre GRD, Novais APS, Reis PM. Análise da participação popular na política de atenção à saúde da pessoa com deficiência em Aracaju, Sergipe, Brasil. Interface - Comun Saúde. Educ. 2018;23:28-40. .
3 Jardim DS, Maciel FJ, Piastrelli MT, Lemos SMA. Atenção à saúde auditiva: percepção dos usuários de um serviço público. CoDAS. 2017;29(2):1-7. . PMid:28380199.
4 Silva LSG, Gonçalves CGO, Soares VMN. National Policy on Health Care Hearing: an evaluative study from covering services and diagnostic procedures. CoDAS. 2014;26(3):241-7. . PMid:25118922.
5 Rezende CF, Carvalho SA, Maciel FJ, Oliveira R No, Pereira DV, Lemos SM. Hearing health network: a spatial analysis. Rev Bras Otorrinolaringol. 2015;81(3):232-9. . PMid:25382426.
6 Vieira G, Castro AMB, Morettin ZM, Pereira MTB. Saúde auditiva no Brasil: análise quantitativa do período de vigência da Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Distúrb Comun. 2015;27:725-40.
7 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2073, de 28 de setembro de 2004. Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. [Internet]. Diário Oficial da União; Brasília; 2004 [citado 2014 Jan 29]. Disponível em: prt2073_28_09_2004_rep.html
8 Whitson HE, Lin FR. Hearing and vision care for older adults: sensing a need to update Medicare policy. JAMA. 2014;312(17):1739-40. . PMid:25369486.
9 Silva DPCB, Silva VB, Aurélio FS. Auditory satisfaction of patients fitted with hearing aids in the Brazilian Public Health Service and benefits offered by the hearing aids. Rev Bras Otorrinolaringol. 2013;79(5):538-45. . PMid:24141666.
10 Bacchetti MSE, Akiyama R, Ferreira BR, Samelli GA. Indicadores de qualidade para serviços de audiologia. ACR. 2013;18(4):268-4. .
11 Cunha JT, Massi G, Guarinello AC, Pereira FM. A percepção dos usuários de um Centro de Atendimento vinculado ao SUS: enfoque fonoaudiológico baseado na promoção da saúde. CoDAS. 2016;28(4):417-28. . PMid:27556826.
12 Paim J, Vieira-da-Silva LM. Desafios e possibilidades de práticas avaliativas de sistemas universais e integrais de saúde. In: Pinheiro R, Mattos R. Gestão em redes práticas avaliação, formação e participação na saúde. Rio de Janeiro: UERJ/ABRASCO; 2006, p. 91-111.
13 Lígia Maria V-S. Avaliação de políticas e programas de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014.
14 Champangne F, Brousselle A, Hartz Z, Contandriopoulos A, Denis JL. Análise da Implantação. In: Contandriopoulos A, Denis JL, Champangne F, Hartz Z, editors. Avaliação Conceitos e Métodos. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011, p. 217-238.
15 Ritchie MJ, Kirchner JE, Parker LE, Curran GM, Fortney JC, Pitcock JA, et al. Evaluation of an implementation facilitation strategy for settings that experience significant implementation barriers. Implement Sci. 2015;10(S1):A46. .
16 Vieira-da-Silva LM, Esperidião MA, Viana SV, Alves VS, Lemos DVDS, Caputo MC, et al. Avaliação da implantação de programa voltado para melhoria da acessibilidade e humanização do acolhimento aos usuários na rede básica. Salvador, 2005-2008. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2010;10(Suppl 1):131-43. .
17 Souza MF, Vanderlei LCM, Frias PG, Souza MF, Vanderlei LC, Frias PG. Avaliação da implantação do Programa de Controle da Hanseníase em Camaragibe, Pernambuco. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(4):817-34. . PMid:29211145.
18 Jones J, Hunter D. Using the Delphi and nominal group technique in health services research. In: Pope C, Mays N, editors. Qualitative research in health care. London: BMJ Books; 2000, p. 40-9.
19 Alagoas. Governo do Estado de Alagoas. Secretaria de Estado da Saúde [Internet]. Acesso à Informação. Ações e Programas. Maceió: SESAU; 2012. [citado January 25, 2014]. Available from: .
20 Atkinson JA, Page A, Wells R, Milat A, Wilson A. A modelling tool for policy analysis to support the design of efficient and effective policy responses for complex public health problems. Implement Sci. 2015;10(1):1-9. . PMid:25889919.
21 Paim JS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond M Jr, Carvalho YM. Tratado de saúde coletiva. Saúde Debate. 2006;170:767-82.
22 Vianna NG, Cavalcanti MLT, Acioli MD. Princípios de universalidade, integralidade e equidade em um serviço de atenção à saúde auditiva. Cien Saude Colet. 2014;19(7):2179-88. . PMid:25014297.
23 Holtrop JS, Potworowski G, Fitzpatrick L, Kowalk A, Green LA. Understanding effective care management implementation in primary care: a macrocognition perspective analysis. Implement Sci. 2015;10(1):122. . PMid:26292670.
24 Malta DC, Merhy EE. O percurso da linha do cuidado sob a perspectiva das doenças crônicas não transmissíveis. Interface - Comun Saúde Educ. 2010;14:593-606. .
25 Maciel FJ, Januário GC, Alvarenga CMH, Campos E, Silva MA, Silva SA, et al. Indicadores de saúde auditiva em Minas Gerais : um estudo por macrorregião. Audiol Commun Res. 2013;18(4):275-84. .
26 Pereira S, Maior I, Pinto I. Integralidade como eixo de atenção à saúde da pessoa com deficiência. In: Silvia P, Isabel M, Isabela P. Política públicas e pessoa com deficiência: direitos humanos, família e saúde. 1st ed. Salvador: EDUFBA; 2011, p. 198.
27 Matus C. Política, planejamento e governo. 2nd ed. Brasília: IPEA; 1993.
28 Naude CE, Zani B, Ongolo-Zogo P, Wiysonge CS, Dudley L, Kredo T, et al. Research evidence and policy: qualitative study in selected provinces in South Africa and Cameroon. Implement Sci. 2015;10(1):126. . PMid:26334760.
29 Vieira-da-silva LM, Hartz ZM, Chave SC, Silva GA, Paim JS. Análise da implantação da gestão descentralizada em saúde : estudo comparado de cinco casos na Bahia, Brasil The implementation of decentralized health systems : a comparative study of fi ve cases in Bahia, Brazil. Cad Saude Publica. 2007;23(2):355-70. . PMid:17221085.