versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082014AO2838
O endométrio é um tecido dinâmico, que responde a variações dos níveis de estrogênio e progesterona, promovendo proliferação, diferenciação e descamação.(1)
Alterações biológicas e morfológicas podem ocorrer no estroma e nas glândulas endometriais, variando de uma proliferação exagerada até o carcinoma.(2,3) Isso pode ocorrer quando o tecido é exposto ao estrogênio sem a oposição da progesterona.(1)
Essa exposição excessiva acontece principalmente por ciclos anovulatórios, síndromes dos ovários policísticos, tumores de ovário secretores de estrogênio e obesidade. O tecido adiposo aumentado incrementa a ação da enzima aromatase sobre a androstenediona, gerando maior quantidade de estrona no tecido adiposo. Por essa razão, pacientes obesas apresentam maior risco para o desenvolvimento de afecções estrogênio-dependentes.(1,3,4)
A obesidade tem um importante papel na proliferação endometrial, tendo como consequência a hiperplasia endometrial com ou sem atipias. Giede et al. demonstraram que, em pacientes com hiperplasia endometrial com atipia, 35,7% apresentavam também carcinoma do endométrio. Segundo os autores, a evolução de hiperplasia atípica para carcinoma ocorre em 23 a 25% dos casos.(5-7) Tal fato é relevante por este ser o sétimo tipo de câncer mais frequente entre as mulheres, com, aproximadamente, 290 mil novos casos por ano no mundo. A prevalência em países desenvolvidos é dez vezes maior do que nos países em desenvolvimento. No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), esperava-se uma incidência de quatro novos casos de hiperplasia endometrial para cada 100.000 mulheres em 2012.(8)
A exposição excessiva ao estrogênio em pacientes obesas tem papel fundamental nas alterações endometriais,(9)sendo este um fator de risco importante para o câncer do endométrio.(10) Dessa forma, a detecção das hiperplasias endometriais em estádios iniciais é relevante em termos de saúde pública.(11)
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 12% da população mundial é considerada obesa, e 3 milhões de pessoas morrem ao ano por doenças associadas à obesidade − que é definida como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura no corpo.(12)
O cálculo populacional mais utilizado para identificar indivíduos obesos é o índice de massa corporal (IMC), calculado com o peso (em quilogramas) dividido pela altura (em metros) ao quadrado do indivíduo. A obesidade é definida como o IMC acima de 30. Valores entre 25 e 29,9 são considerados como sobrepeso e de 18,5 a 24,9, eutróficos.(10)
A medida do eco endometrial (EE) à ultrassonografia varia de acordo com a fase do ciclo menstrual da mulher. Na fase descamativa, a espessura do endométrio varia de 0,5 a 7mm; na proliferativa, atinge valores de até 15mm, mantendo-se estável na segunda fase do ciclo. Na pós-menopausa, o EE encontra-se <5mm ou até 8mm nas pacientes em vigência de terapia hormonal.(13,14)
Relacionar os valores do eco endometrial com o índice de massa corporal de pacientes na pós-menopausa e verificar se existe maior prevalência de espessamento endometrial naquelas com índice de massa corporal ≥30.
O trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” de São Paulo (CAAE 08327613.6.0000.5463). As pacientes leram e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Informado.
Trata-se de estudo analítico, transversal, que avaliou 294 pacientes atendidas no ambulatório de ginecologia pelo projeto denominado CARE (acrônimo de Centro de Atendimento Resolutivo) do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo “Francisco Morato de Oliveira”. Este projeto prevê o atendimento ginecológico e a realização dos exames de rotina solicitados num mesmo dia.
A coleta de dados ocorreu entre 15 de maio e 20 de junho de 2012. Todas as pacientes incluídas estavam na pós-menopausa. Foram excluídas aquelas que faziam uso de terapia hormonal. Comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes e hipotireoidismo, não foram consideradas critérios de exclusão.
Para o cálculo do IMC, todas as pacientes incluídas no estudo foram pesadas e medidas pela equipe de enfermagem do CARE, no dia da realização da consulta. A ultrassonografia transvaginal (USGTV) \foi realizada pelo Serviço de Radiologia do hospital. Além do IMC e do EE, também foram adicionados à coleta de dados: a idade, a data da última menstruação e o número de gestações.
Obesidade foi considerada se IMC ≥30 e espessamento endometrial foi considerado se valores acima de 5mm. Para todas as pacientes com essa alteração ultrassonográfica, foi solicitada histeroscopia ambulatorial. Os dados foram tabulados usando-se o programa Microsoft Excel 2000 e as tabelas foram feitas com o mesmo programa.
A estatística realizada correlacionou o EE com idade (Tabela 1), paridade (Tabela 2), tempo após a menopausa (Tabela 3) e IMC. A análise foi feita por meio da correlação entre o EE e as variáveis anteriormente citadas.
Tabela 1 Idades divididas em intervalos e correlacionadas com média do eco endometrial, número de pacientes e percentuais
Idade | Média dos valores de EE | n (%) |
---|---|---|
40-45 | 3,75 | 4 (1,4) |
46-50 | 3,10 | 10 (3,4) |
51-55 | 3,04 | 60 (20,4) |
56-60 | 3,37 | 58 (19,7) |
61-65 | 2,85 | 70 (23,8) |
66-70 | 2,81 | 41 (13,9) |
71-75 | 2,43 | 20 (6,8) |
76-80 | 3,76 | 15 (5,1) |
80-90 | 2,88 | 16 (5,4) |
Tabela 2 Correlação entre paridade, média do eco endometrial para cada intervalo, número de pacientes em cada intervalo e percentuais
Paridade | Média dos valores de EE | n (%) |
---|---|---|
0 | 2,53 | 35 (11,8) |
1 | 2,60 | 24 (8,1) |
2-3 | 3,19 | 139 (47,3) |
<3 | 3,38 | 96 (32,6) |
Tabela 3 Anos após a menopausa divididos em intervalos e correlacionados com a média do eco endometrial, número de pacientes e percentuais
Anos após a menopausa | Média dos valores de EE | n (%) |
---|---|---|
1-5 | 3,11 | 53 (18) |
6-10 | 3,36 | 73 (24,7) |
11-15 | 2,88 | 64 (21,7) |
16-20 | 2,71 | 41 (13,9) |
>20 | 2,96 | 63 (21,4) |
Foram aplicados os testes não paramétrico de Kruskal-Wallis, o de Spierman e o de Duun, sendo a significância estatística p<0,05.
Entre as 294 pacientes analisadas, foi diagnosticado espessamento endometrial em 9. Isso equivale a uma frequência de 3,06%. A média do EE encontrado entre todas as pacientes foi de 3,04mm e a média de idade foi 62,3 anos (aproximadamente 62 anos e 4 meses). Com relação ao número de gestações, o grupo mais prevalente foi o das secundigestas e tercigestas, com 50,2% do total. A média de anos após a menopausa foi de 11,3 anos, e o IMC demonstrou média de 28,67 (Tabela 4).
Tabela 4 Médias dos valores encontrados e variáveis
Variável | Média |
---|---|
EE (mm) | 3,04 |
Gestações, número | Secundigestas e tercigestas |
Idade (anos) | 62,3 |
IMC | 28,67 |
Anos após a menopausa | 11,3 |
Com relação ao IMC, 73,8% das pacientes apresentaram índice >25, sendo que 108 (36,73%) tinham IMC entre 25 e 29,9, e 109 (37,7%) >30.
Houve correlação negativa entre idade e EE, demostrando que quanto maior a idade, menor o EE, com significância estatística de p=0,048. Em relação aos anos após a menopausa, não houve diferença em relação ao EE, com p=0,115. O número de gestações também não apresentou relação significante com o EE, com p=0,614. Houve correlação positiva e significante entre o IMC e o EE, demonstrando que quanto maior o IMC, maior o EE, com p=0,0236.
Com relação à idade e o EE, a análise estatística demonstrou haver uma correlação negativa entre as variáveis, ou seja, quanto maior a idade, menor o EE (p=0,0478). Na pós-menopausa, o endométrio torna-se atrófico.(15) Embora esperado, não existem trabalhos na literatura que relacionem o avançar da idade com a diminuição do EE, como foi feito neste estudo. Outros autores apontam que o avançar da idade não é um fator de risco isolado para doença endometrial. Na maioria das vezes, existiria a associação com doenças de base, como diabetes, hipertensão arterial e obesidade.(8,10,15)
Relacionando os anos após a menopausa com os valores de EE, não foi encontrada significância estatística (p=0,612). Entretanto, Dossus et al. escreveram que pacientes na pós-menopausa após os 50,9 anos apresentam maior risco para câncer de endométrio quando comparadas àquelas com 49,8 anos.
Em relação ao número de gestações e paridade e os valores de EE, Takeda et al. (1) relataram que pacientes com menarca precoce, menopausa tardia e nuliparidade estão mais expostas ao estrogênio durante a vida, apresentando maio risco de doenças do endométrio. Dossus et al.(10)também citam a nuliparidade como um fator de risco para câncer do endométrio, mas não mencionam essa variável como risco para espessamento endometrial. Diferente de Epplen et al.(2),que apontaram a nuliparidade, assim como a obesidade, como fator de risco para hiperplasia do endométrio, com ou sem atipias. No presente estudo, não foi encontrada significância estatística entre número de gestações e espessamento endometrial (p=0,0614).
A literatura indica que pacientes obesas apresentam com maior frequência espessamento endometrial com relação às eutróficas,(2,5,6,9) afirmação esta ratificada neste estudo.
Houve correlação significante entre aumento do IMC e do EE (p=0,0256), mas o que chamou a atenção foi que não houve diferença entre as pacientes com sobrepeso (IMC>25) e obesas (IMC>30) com relação ao aumento do EE. Ou seja, foi demonstrado que não existe diferença entre sobrepeso e obesidade em relação ao EE. Canchola et al.(16) e Charneco et al.(17)demostraram que o risco para doença endometrial em pessoas com sobrepeso é duas vezes maior com relação às com IMC <25. Já as obesas apresentam um risco quatro vezes maior.
Entre as 294 pacientes analisadas, 9 apresentaram espessamento do endométrio − 3 eutróficas, 3 com sobrepeso e 3 obesas. Dessa forma, 66,67% das alterações de EE estavam no grupo de risco (sobrepeso e obesas).
É necessário comentar a respeito do perfil das pacientes analisadas. Do total, 217 (73,8%) apresentaram IMC >25 e apenas 77 foram consideradas eutróficas. Esses números são preocupantes, visto que a obesidade não é fator de risco somente para doenças do endométrio, mas também para diabetes e doenças cardiovasculares, como hipertensão e fenômenos tromboembólicos. Esse grupo de doenças tem índices de mortalidade maiores que o câncer do endométrio e causam a morte de 8,5 milhões de mulheres anualmente (um terço do total de todas as mortes de mulheres). A doença cardiovascular é o fator que mais provoca mortes entre as mulheres no mundo, segundo a American Heart Association (AHA).(18)
Houve correlação positiva e significante entre o aumento do eco endometrial e o índice de massa corporal, demonstrando a influência da obesidade sobre o espessamento do endométrio.