versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.27 no.5 São Paulo set./out. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014225
A língua possui importante papel no desempenho das funções orofaciais e no equilíbrio do sistema estomatognático1, além de influenciar no crescimento craniofacial que, por sua vez, interfere na execução das funções2 3. Conhecer a ação desse órgão em atividades como a mastigação, deglutição e fala favorece a compreensão das disfunções e suas repercussões no complexo craniofacial.
Com esse intuito, a literatura tem procurado, de forma quantitativa e qualitativa, desenvolver métodos para mensurar a função exercida pela língua na cavidade oral. Na Fonoaudiologia, o método mais utilizado na avaliação clínica é o qualitativo, a partir da palpação muscular para a verificação do tônus; entretanto, essa é uma análise com grande variação, face ao seu caráter subjetivo e a relação com a experiência do profissional3. Por outro lado, a avaliação quantitativa utiliza instrumentos que determinam a pressão exercida pela língua, o que permite um diagnóstico mais preciso e sensível quanto a este aspecto.
No início de 1990, foi desenvolvido um instrumento para mensurar a pressão gerada pelo contato entre a língua e o palato, um meio objetivo de avaliar a pressão e a resistência da língua4, denominado Iowa Oral Performance Instrument (IOPI system). Ele é portátil e de fácil utilização, não invasivo, com medidas rápidas, precisas e confiáveis4 5 6.
A partir de então, vários estudos se propuseram a mensurar a pressão que a língua exerce na cavidade oral7 durante funções como fala8, deglutição5 e mastigação9; no repouso10; bem como na contração isométrica máxima para comparar diferentes porções da língua (anterior e dorso) em adultos jovens11. A pressão da língua também tem sido estudada quanto ao gênero11 12 13 14, e à idade5 13 14 15 em indivíduos com diagnóstico de apneia obstrutiva do sono16, doenças neurológicas17 e da região da cabeça e pescoço18.
São encontrados, ainda, estudos relacionados aos exercícios de língua17; à pressão do lábio e da língua em relação ao tipo de má oclusão19; à comparação da pressão máxima isométrica da língua entre indivíduos com deformidade dentofacial e com relação oclusal adequada20; assim como à comparação da pressão e resistência da língua entre falantes do Português Brasileiro e falantes da Língua Inglesa, que constataram valor menor de resistência da língua para os últimos13.
A diversidade de instrumentos para mensurar a pressão da língua e a falta de padronização na avaliação dessa habilidade dificultam a reprodução de estudos e a comparação dos resultados3 11 15. Assim, obter valores de pressão da língua em diferentes provas, bem como a resistência da língua, por meio do IOPI system, em uma população de adultos jovens, auxiliará na compreensão do funcionamento dessa estrutura e no diagnóstico das disfunções orais.
Estudos realizados no Brasil aplicaram algumas provas específicas a partir do IOPI system, apesar desse instrumento permitir avaliar a condição da língua em outras provas. Desta forma, os objetivos do estudo foram analisar, em adultos jovens brasileiros, as pressões exercidas pela língua em provas de contração isométrica máxima e na prova de deglutição; verificar a resistência da língua; analisar a relação entre as provas e identificar a influência do gênero nas provas de pressão e resistência.
Este trabalho é parte de um amplo estudo interinstitucional, com a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos onde foi desenvolvido (parecer 406.337 e processo 14.332/2011). Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O estudo foi desenvolvido com 51 voluntários (18 homens e 33 mulheres) com idade entre 18 e 28 anos (média de 23 anos), recrutados na comunidade na qual o estudo foi realizado. Os seguintes critérios de inclusão foram considerados: boa saúde geral, no mínimo 28 dentes permanentes e sem doença periodontal; ausência de relevante má oclusão (mordida aberta anterior, mordida cruzada de qualquer tipo, classe III de Angle ou deformidade dentofacial); não fazer uso crônico de analgésicos, anti-inflamatórios ou psicotrópicos, bem como ausência de histórico de distúrbios neurológicos centrais ou periféricos, cirurgias e/ou tumores ou traumas na região de cabeça e pescoço e sem distúrbios da fala de acordo com o exame miofuncional orofacial.
A pressão da língua foi mensurada por meio do Iowa Oral Performance Instrument (IOPI system), modelo 2.2 (Northwest Co., LLC, Carnation, WA, EUA). Durante o exame, os indivíduos permaneciam sentados em cadeira confortável, com os pés apoiados no chão e a cabeça paralela ao plano horizontal. O IOPI system é formado por um transdutor de pressão que se conecta a um bulbo plástico, o qual contém ar em seu interior. O dispositivo mede a pressão da língua por meio da medida do pico de pressão máxima que essa exerce sobre o bulbo, expressa em kilopascal (kPa).
Após instruções, o bulbo era posicionado na cavidade oral e os indivíduos o pressionavam o máximo possível por dois segundos. Três medidas eram tomadas para cada prova, com intervalo de descanso de um minuto entre elas. As seguintes provas foram realizadas:
* Máxima Elevação da Língua: elevar a língua em direção à papila incisiva e pressionar o bulbo posicionado nessa região;
* Máxima Protrusão da Língua: protrair a língua contra o bulbo posicionado na superfície lingual dos dentes incisivos, acoplado a uma espátula de madeira por meio de uma fita adesiva;
* Deglutição: deglutir saliva de forma habitual, com o bulbo posicionado na região da papila incisiva.
Parte da amostra (65%) também realizou as seguintes provas:
* Máxima Lateralização da Língua: pressionar lateralmente a língua contra o bulbo posicionado na superfície lingual dos dentes pré-molares e molares, estando este acoplado a uma espátula de madeira por meio de uma fita adesiva;
* Teste de resistência: pressionar a língua contra o bulbo na região da papila incisiva, com pressão de 50% do valor obtido na prova de máxima elevação, monitorando por meio da visualização de luzes do equipamento. O resultado obtido refere-se ao tempo, em segundos, que o indivíduo conseguia manter a pressão.
Na análise dos resultados foi utilizado o ANOVA, seguido do teste de comparações múltiplas Tukey, a partir do software SigmaPlot 12.0, adotando como significativos os valores de p<0,05.
As médias e desvios padrão dos valores de pressão da língua para as provas de contração isométrica máxima durante a elevação, protrusão, lateralização, assim como na prova de deglutição e no teste de resistência encontram-se na Tabela 1.
O resultado da comparação entre os gêneros, visto na Tabela 2, mostrou maior valor para os homens nas provas de protrusão (p<0,001), lateralização à direita (p=0,002) e lateralização à esquerda (p<0,001).
Tabela 2: Resultado da comparação entre os gêneros para a pressão da língua em cada prova testada
*Masculino maior que feminino pelo teste Tukey
Na Tabela 3 estão os resultados das comparações entre as provas para ambos os gêneros. Observa-se maior valor para a prova de protrusão comparada à lateralização à direita (p<0,001), à esquerda (p=0,001), bem como para a prova de elevação em relação à lateralização à direita (p<0,001) e à esquerda (p<0,001). Também se verificou menor valor para a prova de deglutição comparada às provas de elevação (p<0,001) e protrusão (p=0,021), assim como menor valor para a prova de protrusão comparada à prova de elevação, apenas no gênero feminino (p<0,001).
A proposta deste artigo foi apresentar os valores de pressão da língua para diferentes provas, em um grupo de 51 brasileiros adultos jovens saudáveis. Conhecer estes valores e compreender sua influência em movimentos como lateralização durante a mastigação, anteriorização durante a fala e na atividade de pressionar o palato durante a fase oral da deglutição, auxiliam na compreensão das disfunções do sistema estomatognático e assim contribuirá com o planejamento terapêutico.
Estudos que se propõem a mensurar a pressão da língua durante provas específicas, por meio do IOPI system, bem como a aplicabilidade dessas na clínica fonoaudiológica ainda são escassos.
Considerando os valores obtidos neste estudo para as provas de protrusão e lateralidade, observou-se diferença entre os gêneros, em que os homens apresentaram valor maior que as mulheres, porém nas demais provas essa diferença não se manifestou. Esse resultado discorda de alguns estudos que também utilizaram o IOPI system. Ao investigar a influência da pressão da língua em indivíduos com alteração na deglutição e em um grupo controle, foram observados valores maiores para a prova de elevação no gênero masculino nos indivíduos do grupo controle12. Outro estudo avaliou a pressão da língua em indivíduos saudáveis falantes do português brasileiro e não encontrou diferença entre as idades e o gênero13. A partir de um dinamômetro, a força da região anterior e do dorso da língua foi estudada em jovens brasileiros saudáveis. Os autores constataram valor maior no gênero masculino11.
Desse modo, pode ser verificado que não há consenso na literatura em relação à influência do gênero na pressão da língua. Os estudos que encontraram valores maiores para os homens atribuíram os achados às diferenças anatômicas entre os gêneros, em que o masculino apresenta maior massa muscular da própria língua, além de fatores como altura e peso11 12.
Os valores obtidos na prova de elevação para o gênero masculino e feminino foram, respectivamente, de 63,94±12,92 e 50,27±15,29. Na média, estes valores são próximos aos observados na literatura (57,62±7,78) para brasileiros, na faixa etária de 20 a 40 anos13, e aos valores apresentados no manual do equipamento6 para norte-americanos saudáveis entre 20 e 39 anos (65,73±12,95). Contudo, são superiores aos valores observados em crianças (43±14,8)21, o que pode ser atribuído ao fator idade.
Para as provas de lateralização da língua à direita e à esquerda, bem como para a protrusão, para o gênero masculino e feminino, os valores obtidos foram, respectivamente, 44,15±10,47 e 31,85±8,46, 43,15±10,22 e 29,55±8,91; e 60,22±13,62 e 44,30±12,95. Esses são menores que os observados em um estudo que envolveu norte-americanos na faixa etária de 19 a 29 anos, no qual se verificou na prova de lateralização, em ambos os lados, o valor de 57,5±17,6 e na de protrusão 69,7±18,314. Essa diferença pode ser atribuída ao método para a coleta, visto que os autores realizaram adaptações no bulbo, o que pode interferir nos resultados e dificultar a comparação.
Quanto ao teste de resistência da língua, no gênero masculino foi verificado o tempo de 24,85±10,95 segundos e no feminino de 17,35±6,71. Valores esses, na média, superiores aos verificados em um estudo conduzido com faixa etária semelhante, que obteve 16,21±8,38 segundos13; e também acima do verificado em crianças, 3,9±3,721. Por outro lado, o tempo apresentado no manual do equipamento varia de 30 a 35 segundos, bem acima dos obtidos neste estudo6. Esse fato pode ser justificado pela variação no número de indivíduos e à idade, o que justifica a realização de estudos envolvendo um grande número de casos em diferentes faixas de idade para ambos os gêneros.
Com relação à comparação dos valores obtidos entre as diferentes provas que investigaram a pressão da língua, os resultados não diferiram entre as provas de elevação e de protrusão no gênero masculino. Este fato pode ser justificado, tendo em vista que em tais provas era solicitado aos indivíduos que pressionassem o bulbo o máximo possível, sendo realizadas três medições e considerado o maior valor13 14 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29. Dessa forma, embora os valores da prova de elevação não tenham sido diferentes entre os gêneros, o fator maior massa muscular da própria língua, além da altura e do peso11 12, no gênero masculino, podem ter contribuído para valores semelhantes entre essas provas. Por outro lado, na deglutição, como os indivíduos realizavam naturalmente a função, o que não requer a utilização da máxima atividade, já se esperava, para esta prova, menor valor.
Embora o IOPI system tenha sido idealizado para a avaliação da força e resistência da língua em distúrbios motores da fala e, mais tarde, em alterações da deglutição4, este equipamento também pode ser utilizado para relacionar os valores das provas específicas a determinadas funções, como respiração, mastigação, deglutição e fala30.
Em uma análise mais detalhada, observou-se que na prova de deglutição, os valores encontraram-se ao redor de 50% da pressão utilizada para as provas de elevação e de protrusão, nos indivíduos do gênero masculino, e por volta de 60% no gênero feminino. Assim, esta pode se tornar uma forma de quantificar os resultados obtidos com os diversos procedimentos terapêuticos aplicados na clínica.
A obtenção desses dados auxiliará no processo terapêutico fonoaudiológico, na medida em que pode comprovar a evolução ou não dos casos, norteando o processo de reabilitação miofuncional. Além disso, pode contribuir com o diagnóstico dos distúrbios miofuncionais orofaciais, caracterizando a condição muscular.
Sugere-se o desenvolvimento de estudos envolvendo uma amostra maior para investigar ou confirmar a influência da pressão da língua nas diferentes condições estruturais e funcionais, de acordo com o gênero, a idade e a condição dento-oclusal. A aplicabilidade clínica em grupos de indivíduos com alterações específicas, como hipotonia, alterações no frênulo lingual, dentre outras permitirá uma melhor compreensão dos ajustes funcionais.
Algumas limitações foram observadas na realização desta pesquisa, como a dificuldade em confrontar os resultados obtidos com um maior número de trabalhos devido às diferenças metodológicas aplicadas, como já relatado por alguns autores3 4 11 15 30.
Valores de pressão da língua em adultos jovens brasileiros foram obtidos para as provas de contração isométrica máxima de elevação, protrusão e lateralização, para a prova de deglutição, bem como para a prova de resistência da língua.
Os valores obtidos nas provas de elevação e protrusão foram maiores que na prova de lateralização e deglutição para ambos os gêneros, porém a prova de protrusão apresentou menor valor quando comparada à prova de elevação no gênero feminino. O gênero também influenciou nos valores das provas de protrusão e lateralização da língua, tendo o gênero masculino apresentado maior valor