versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.20 no.3 São Paulo jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2014-1528
O profissional da voz é o indivíduo que depende da voz para exercer sua profissão. O repórter de telejornalismo é um desses profissionais, uma vez que utiliza a voz como instrumento de trabalho e necessita da eficiência da sua comunicação oral para transmitir as notícias com credibilidade(1-5).
Desde a década de 70, os atendimentos fonoaudiológicos para repórteres em emissoras televisivas já existiam. Com o crescimento da Fonoaudiologia e o avanço científico, a clínica da voz expandiu sua atuação para a assessoria e o aprimoramento da comunicação oral do repórter de TV. Tal avanço emergiu juntamente com a mudança do jornalismo televisivo, no qual a leitura de um texto telejornalístico passou a demandar mais expressividade e, principalmente, naturalidade do repórter, que antes possuía experiência somente com jornal impresso e rádio(6).
Como as reportagens apresentadas em um telejornal trazem assuntos diversos, tais como notícias de comportamento, política e economia, há uma necessidade comunicativa de adequação textual e de flexibilidade na dinâmica vocal. Desta forma, o repórter deverá construir um texto conexo e atribuir à sua locução a intenção comunicativa pertinente ao gênero noticioso(7-9).
Os recursos vocais que promovem a plasticidade vocal para a adequação dessa intenção comunicativa se encontram implícitos na prosódia, que pode ser definida como um conjunto de propriedades da fala relacionado às variações na altura melódica, na força, na duração e na colocação das pausas(10-14). As variações prosódicas transmitem informações para a significação da locução e marcam as características de uma dinâmica vocal, por exemplo, triste ou alegre.
Acreditamos que compreender a dinâmica prosódica alicerçará ainda mais a atuação fonoaudiológica para a assessoria comunicativa em telejornalismo. Portanto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar reportagens telejornalísticas de estilo sério, neutro e descontraído, de forma perceptivo-auditiva, e identificar a variação prosódica, por meio da análise acústica.
O delineamento utilizado foi de um estudo transversal descritivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o parecer de número ETIC 441/07.
A pesquisa compreendeu três fases. Na primeira delas, as pesquisadoras selecionaram 30 reportagens telejornalísticas de emissoras de canais abertos, disponíveis emsites da internet. As reportagens foram classificadas de acordo com os estilos sério, neutro e descontraído(15). O critério de classificação dos estilos foi pautado na definição do dicionário Michaelis: sério é o que "denota seriedade, circunspeção, gravidade"; neutro é o "não distintamente marcado ou colorido" e descontraído é o "relaxado, desinibido, desembaraçado".
O programa Fast Video Download 4.2.6. foi utilizado para extração das reportagens da internet; o Tube Catcher para conversão do formato mp4 para wav e o Audacity para recorte dos 15 segundos do segundo off e remoção dobackground (música de fundo ou ruído do ambiente) das reportagens que continham tal recurso associado.
Os 30 offs selecionados foram apresentados a 20 ouvintes leigos, com idade entre 18 e 25 anos, sendo um homem e 19 mulheres, estudantes do primeiro ao quarto períodos do Curso de Fonoaudiologia da UFMG. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordando em participar da pesquisa. Os estudantes foram acomodados em uma sala silenciosa da universidade e deveriam, ao ouvir a amostra, preencher um protocolo elaborado pelas pesquisadoras, com a seguinte instrução: "Assinale em qual estilo comunicativo o desempenho do repórter melhor se enquadra". Os conceitos dos estilos sério, neutro e descontraído foram apresentados previamente e os avaliadores foram instruídos a analisar a performance comunicativa do repórter, independente do tipo de reportagem. Os offs foram reproduzidos em caixas de som, apresentados de forma aleatória e numerados no protocolo, cada um com as três opções para marcação: sério, neutro e descontraído. Posteriormente, foi realizado o cálculo percentual para a seleção das cinco reportagens mais votadas em cada estilo, totalizando a amostra final de 15 offs.
A segunda fase compreendeu a análise perceptivo-auditiva por ouvintes treinados, para caracterização da expressividade dos repórteres na amostra já selecionada pelos ouvintes leigos.
Os 15 offs foram apresentados de forma aleatória a três fonoaudiólogas com mais de cinco anos de formação e com experiência na área de voz profissional. A avaliação foi realizada por meio de um protocolo elaborado pelas pesquisadoras, em que foi solicitado assinalar: qualidade vocal (neutra ou alterada); curva melódica (equilibrada ou ausente); critério de escolha do uso das ênfases (conforme importância da palavra ou posição da palavra na frase); pausa (expressiva, repetitiva, excessiva ou escassa) e velocidade de fala (média, acelerada ou lenta). Para obtenção dos resultados da avaliação perceptivo-auditiva, foram utilizadas as características mais assinaladas em cada parâmetro.
Na terceira e última fase, foi realizada análise acústica dos 15offs. Os seguintes parâmetros acústicos foram analisados, manualmente, no programa Praat versão 5.4.08(16): frequência fundamental (f0), intensidade e duração.
Para análise da frequência fundamental (f0), foram analisados os valores de f0 máxima, f0 mínima e a variação em semitons. Os valores de f0 máxima e f0 mínima foram extraídos, manualmente, por meio de inspeção visual dos pontos da curva de frequência mais altos e mais baixos, respectivamente. Para análise dos valores de semitons, foram inseridos os valores de f0 máxima e f0 mínima no programa encontrado no endereço eletrônico http://users.utu.fi/jyrtuoma/speech/semitone.html.
Quanto ao parâmetro de intensidade, considerando que as reportagens foram extraídas de sites de emissoras com diferentes padrões de configuração de gravação e intensidade, somente a sua variação em dBNPS foi medida. Para isso os valores máximo e mínimo de intensidade foram coletados no programa e, logo após, subtraídos, para obtenção da variação.
Na análise da duração, foram medidas: taxa de elocução, obtida pela divisão do número de sílabas pelo tempo de elocução; duração da primeira sílaba tônica e quantidade de pausas por minuto, calculada pela multiplicação da quantidade de pausas (acima de 200 milissegundos) por 60 segundos, dividida pelo tempo de elocução. Todas estas medidas foram extraídas, manualmente, com inspeção visual e as marcações foram corrigidas com apoio auditivo das emissões relacionadas. Foi calculada a média aritmética para obtenção dos valores dos parâmetros acústicos, sendo estes dados comparados entre os três diferentes estilos de reportagens.
A análise descritiva dos dados foi realizada com medidas de tendência central e dispersão. Para análise estatística dos valores entre os três estilos de reportagens, foi utilizado o teste t, com nível de confiança de 95%, no programa SPSS, versão 17.0.
Na análise perceptivo-auditiva realizada pelos ouvintes treinados, os três estilos foram caracterizados com qualidade vocal neutra, curva melódica equilibrada, critério de escolha do uso das ênfases, conforme importância da palavra na frase, pausa expressiva e velocidade de fala média (Tabela 1).
Tabela 1 Avaliação perceptivo-auditiva da expressividade, segundo o estilo de reportagem
Parâmetros | Sério (%) | Neutro (%) | Descontraído (%) | |
---|---|---|---|---|
Qualidade vocal | Neutra | 80 | 80 | 100 |
Alterada | 20 | 20 | 0 | |
Curva melódica | Equilibrada | 100 | 100 | 100 |
Ausente | 0 | 0 | 0 | |
Uso das ênfases | Importância da palavra | 80 | 80 | 100 |
Posição da palavra | 20 | 20 | 0 | |
Pausa | Expressiva | 60 | 80 | 60 |
Repetitiva | 20 | 20 | 40 | |
Excessiva | 0 | 0 | 0 | |
Escassa | 20 | 0 | 0 | |
Velocidade de fala | Média | 60 | 100 | 100 |
Acelerada | 40 | 0 | 0 | |
Lenta | 0 | 0 | 0 |
Na análise acústica (Tabela 2), a maior média de frequência máxima foi apresentada pelo estilo descontraído (451,51 Hz) e a menor média de frequência mínima foi marcada pelo estilo sério (104,84 Hz). Já o estilo que sofreu maior variação em semitom foi o descontraído (24,65 ST). No parâmetro de intensidade, o estilo que sofreu maior variação foi o neutro (64,97 dB). No parâmetro de duração, o estilo descontraído apresentou maior número de pausas por minuto (16,20). A maior duração de primeira sílaba tônica mostrou-se no estilo descontraído (238,60 ms). A maior taxa de elocução entre os estilos foi identificada no estilo neutro (5,55). Houve diferença no parâmetro taxa de elocução, quando comparados os estilos descontraído e sério e descontraído e neutro (Tabela 3).
Tabela 2 Média dos parâmetros acústicos, segundo o estilo de reportagem
Parâmetros | Sério | Neutro | Descontraído |
---|---|---|---|
Frequência máxima (Hz) | 403,15 | 399,43 | 451,51 |
Frequência mínima (Hz) | 104,84 | 108,16 | 111,56 |
Variação em semitom (ST) | 22,93 | 22,58 | 24,65 |
Variação da intensidade (dB) | 52,62 | 64,97 | 57,51 |
Pausas por minuto | 13,4 | 12,8 | 16,2 |
Duração da sílaba tônica (ms) | 177,6 | 183,2 | 238,6 |
Taxa de elocução | 5,47 | 5,55 | 4,8 |
Tabela 3 Teste de amostras independentes, comparando-se os estilos de reportagens
Parâmetros | Sério x Neutro | Descontraído x Sério | Descontraído x Neutro |
---|---|---|---|
Frequência máxima | 0,958 | 0,348 | 0,451 |
Frequência mínima | 0,842 | 0,757 | 0,866 |
Variação em semitom | 0,916 | 0,651 | 0,47 |
Variação da intensidade | 0,898 | 0,631 | 0,428 |
Pausas por minuto | 0,872 | 0,586 | 0,358 |
Duração da sílaba tônica | 0,802 | 0,136 | 0,089 |
Taxa de elocução | 0,189 | 0,034 | 0,017 |
A prosódia tem sua dimensão pautada nos aspectos suprassegmentais da fala, que se relacionam às variações de frequência, intensidade e duração. Essas variações, por sua vez, ajudam a moldar o estilo comunicativo, por meio das características de ênfase, ritmo, velocidade de fala e pausa, por exemplo. O telejornalismo se torna, então, um fonoestilo(10) interessante, ao permitir o apoio visual da leitura conjugado às características da fala espontânea.
Apesar de a literatura disponibilizar vários estudos sobre a prosódia em telejornalismo, a comparação dos achados e a verificação dos resultados dos parâmetros prosódicos neste tipo de emissão profissional tornam-se difíceis, em decorrência da variedade metodológica. Há, ainda, no campo da prosódia, uma predileção pelo estudo mais aprofundado de parâmetros específicos e poucos estudos(15,17) se propuseram a avaliar a variação prosódica em diferentes intenções comunicativas.
A avaliação perceptivo-auditiva (Tabela 1) foi utilizada nesta pesquisa para caracterização da expressividade dos repórteres nas amostras de reportagens selecionadas pelos ouvintes leigos. Nesta avaliação, foram observados qualidade vocal neutra, curva melódica equilibrada, critério de escolha do uso das ênfases, conforme importância da palavra na frase, pausa expressiva e velocidade de fala média, em todos os estilos.
Na análise acústica (Tabela 2), o estilo sério mostrou menor frequência mínima, menor variação de intensidade e menor duração da sílaba tônica. O estilo neutro obteve a menor frequência máxima, menor variação em semitom, menor quantidade de pausas por minuto e maior variação de intensidade e de taxa de elocução. O estilo descontraído obteve os maiores valores em frequência máxima, mínima e variação em semitons e, em relação à duração, mostrou maior quantidade de pausas por minuto, maior duração da sílaba tônica e menor taxa de elocução. As únicas diferenças estatísticas estiveram na taxa de elocução, quando comparados os estilos descontraído e sério e descontraído e neutro, sendo então o parâmetro que diferenciou significativamente os estilos nas amostras estudadas (Tabela 3).
Os resultados da avaliação perceptivo-auditiva e da análise acústica possibilitaram inferir que, nas reportagens de estilo sério, como as factuais, a locução foi mais objetiva, com tons mais graves, menor variação da intensidade e menor prolongamento das sílabas tônicas, em relação aos outros estilos. Já o estilo neutro se caracterizou, principalmente, pela maior linearidade da curva melódica. Para o estilo descontraído, como em reportagens de esporte e comportamento, a locução apresentou tons agudos com curva melódica mais rica, maior quantidade de pausas e duração de sílabas tônicas, além de menor quantidade de sílabas por minuto.
A avaliação por meio da análise acústica de leituras de um mesmooff, variando os três estilos, foi objeto de estudo na literatura(15), que constatou que o estilo descontraído mostrou maior variação de frequência e prolongamento de vogais e o estilo sério mostrou uma locução mais grave, mais pausas e menos prolongamentos. O estilo neutro se colocou entre um e outro e foi o mais confundido entre os juízes. Tais resultados não foram similares aos do presente estudo, o que pode ser justificado por questões metodológicas. Na presente pesquisa, foram utilizadas gravações veiculadas na mídia e de acesso livre, possibilitando a obtenção de amostras com emissões reais e o favorecimento da análise da prosódia no contexto do exercício profissional do repórter. Os resultados da literatura(15) foram baseados em gravações dirigidas, ou seja, os repórteres realizaram a leitura do mesmo texto com intenções distintas, o que pode ter contribuído para o exagero da variação prosódica para marcação dos estilos.
Pesquisa que analisou notícias conforme os estilos comunicativos(17) encontrou que, nas reportagens esportivas, as vogais são mais prolongadas, há aumento deloudness, variação de pitch e uma rápida taxa de elocução. Em contrapartida, nas reportagens de sequestro, assalto e morte as vogais são mais curtas. Tais resultados são semelhantes aos desta pesquisa e sugerem que os gestos vocais exercem grande influência na transmissão da notícia, pois carregam emoções específicas que o repórter deve adequar à sua expressividade, para captar e manter a atenção do telespectador(6).
Esta pesquisa contribui para a clínica de voz profissional de forma a direcionar o olhar do terapeuta para os diferentes gêneros de reportagens telejornalísticas e as possibilidades mais adequadas de ajustes vocais do repórter. Contribui, também, para que, em futuros estudos, se busque analisar e correlacionar o comportamento prosódico nas reportagens de telejornal com diferentes instrumentos de avaliação.
A amostra nos três estilos foi caracterizada por uma qualidade vocal neutra, com curva melódica equilibrada, uso de ênfases, de acordo com a importância da palavra na frase, pausas expressivas e velocidade de fala média. Na análise acústica, os estilos apresentaram padrões distintos de frequência, intensidade e duração, porém, somente a taxa de elocução diferenciou, em termos estatísticos, os estilos sério e neutro do estilo descontraído.