versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.2 São Paulo 2019 Epub 07-Mar-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019gs4414
O câncer de próstata é a neoplasia mais comum entre os homens no Brasil, excluindo-se o câncer de pele não melanoma.(1)
A terapia de privação hormonal (TPH) costumava ser o tratamento padrão para câncer de próstata metastático recém-diagnosticado, também conhecido como câncer de próstata metastático hormônio-sensível. Em 2015, dois importantes estudos, o STAMPEDE e o CHAARTED, randomizaram pacientes para receber docetaxel com TPH ou TPH isolada.(2,3)O estudo CHAARTED incluiu 790 pacientes e demonstrou benefícios de sobrevida global (SG) com a adição do docetaxel à TPH, em comparação à TPH isolada (mediana de 57,6 meses versus 44,0 meses, respectivamente; hazard ratio – HR: 0,61; intervalo de confiança de 95% − IC95%: 0,47-0,80). Da mesma forma, o STAMPEDE incluiu 2.962 homens e encontrou benefício de SG com a adição do docetaxel à TPH, comparada à TPH isolada (mediana de 81 meses versus 71 meses; HR: 0,78; IC95%: 0,66-0,93).(2,3)A SG mediana parece ter sido mais alta no STAMPEDE que no CHAARTED, pois aquele também incluiu homens com câncer de próstata localizado de alto risco.(2,3)
Em 2017, dois estudos avaliaram a combinação de abiraterona com TPH comparada à TPH isolada para câncer de próstata metastático hormônio-sensível.(4,5)O STAMPEDE-ABI randomizou 1.917 pacientes e revelou que o tratamento combinado conseguiu melhorar a SG em 37%, comparado à TPH isolada.(4)Da mesma forma, o LATITUDE incluiu 1.199 homens e mostrou que a abiraterona combinada à TPH melhorou a sobrevida de 3 anos em 17%, comparada à TPH isolada.(5)
A abiraterona é um esteroide inibidor da CYP17A1, que interfere na síntese de andrógenos nas glândulas adrenais. Esse mecanismo de ação é interessante, porque a glândula adrenal é a segunda glândula secretora de andrógenos mais importante (depois dos testículos), sendo responsável pela secreção de andrógenos em homens castrados por TPH. Por isso, a abiraterona já foi estudada para o tratamento de câncer de próstata metastático hormônio-refratário, antes ou depois da quimioterapia.(6,7)
Os estudos CHAARTED, STAMPEDE e LATITUDE transformaram o tratamento do câncer de próstata com seus resultados, criando dois tratamentos padrões adicionais (docetaxel associada à TPH, e abiraterona associada à TPH) para câncer de próstata metastático hormônio- sensível. Por enquanto, devido à ausência de dados comparando abiraterona com TPH e docetaxel com TPH, é possível fazer apenas comparações indiretas.
Os custos crescentes das terapias antineoplásicas tornam a relação custo-efetividade uma questão mundialmente importante.(8)Com o aumento prospectivo no uso da abiraterona e do docetaxel com TPH, é importante entender a relação custo-efetividade dessas estratégias e como os custos do tratamento de câncer de próstata podem ser afetados.
Avaliar a relação custo-efetividade da adição da quimioterapia ou abiraterona à terapia de privação hormonal, comparada à terapia de privação hormonal isolada, para pacientes com câncer de próstata metastático hormônio-sensível. O endpoint primário deste estudo foi o incremento na relação custo-efetividade, definido como o incremento de custo para cada Ano de Vida Ajustado para Qualidade adicional proporcionado pelo novo tratamento.
Desenvolvemos um modelo analítico-descritivo para avaliar a relação custo-efetividade da adição de abiraterona ou docetaxel à TPH, em comparação à TPH isolada, para pacientes com câncer de próstata metastático hormônio-sensível. O modelo considerou três opções iniciais de tratamento (TPH associada à abiraterona, TPH associada à docetaxel, e TPH isolada), seguidas por terapia pós-progressão ( Figura 1 ).
A eficácia dos tratamentos foi avaliada em Anos de Vida Ajustado pela Qualidade (QALY), usando valores de utilidade para cada estado de saúde (vivo e sem progressão, vivo após progressão tendo recebido terapia hormonal, vivo após progressão tendo recebido quimioterapia e óbito). Os valores de utilidade de cada estado de saúde foram extraídos da literatura.(9)A sobrevida livre de falha (SLF) e a SG em cada braço no modelo foram extraídas da área sob a curva disponível no estudo STAMPEDE.(3,4)A comparação entre TPH associada à abiraterona e TPH associada à docetaxel usou os desfechos de nossa metanálise de rede recém- publicada.(10)Um horizonte de tempo de vida de 7 anos foi considerado para SLF e SG, usando uma estimativa exponencial ( Figuras 2A e 2B ).
TPH: terapia de privação hormonal.
Figura 2 Estimativas de sobrevida livre de falha e sobrevida global. (A) Estimativa exponencial para sobrevida livre de falha. (B) Estimativa exponencial para sobrevida global de falha
Os eventos adversos causados por cada tratamento foram considerados no cálculo de QALYs, usando os escores de desutilidade disponíveis na literatura.(11,12)
Todos os custos de aquisição dos medicamentos basearam-se nos índices de preços brasileiros acessados em dezembro de 2017.(13)Os custos das terapias pós-progressão também foram considerados. Custos de monitoramento, suporte a eventos adversos e cuidados a pacientes terminais foram considerados com base na literatura disponível.(14,15)
De acordo com a recomendação da Organização Mundial da Saúde, consideramos um limiar de custo-efetividade de três vezes o Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro (aproximadamente R$ 112.000,00 considerando dados de 2018).(16)
Desenvolvemos análises determinísticas de sensibilidade para confirmar a robustez de nossos achados. Estas análises consideraram os intervalos de confiança de 95% para SLF e SG. Consideramos ainda as variações nos custos de abiraterona e docetaxel, custos indiretos e área de superfície corporal ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Parâmetros de análise determinística de sensibilidade
IC95% | |||
---|---|---|---|
|
|||
Parâmetro | Média determinística | Valor inferior | Valor superior |
Geral | |||
Taxa de desconto, % | 10 | NA | NA |
20 | NA | NA | |
30 | NA | NA | |
40 | NA | NA | |
50 | NA | NA | |
Área de superfície corporal, m2 | 1,8 | 1,46 | 2,18 |
Ocorrência de eventos adversos, % | Publicados | -10 | +10 |
Custos | |||
Custos de monitoramento por mês | R$ 448,00 | R$ 358,00 | R$ 537,00 |
Custos de paciente terminal por caso | R$ 1.034,00 | R$ 827,00 | R$ 1.240,00 |
Desfechos | |||
Utilidade sobrevida livre de progressão | 0,844 | 0,824 | 0,864 |
Utilidade sobrevida após progressão − hormonoterapia | 0,658 | 0,618 | 0,698 |
Utilidade sobrevida após progressão − quimioterapia | 0,612 | 0,572 | 0,652 |
Sobrevida | |||
HR para SLF docetaxel | 0,62 | 0,54 | 0,70 |
HR para SLF abiraterona | 0,29 | 0,25 | 0,34 |
HR para SLF abiraterona versus docetaxel | 0,50 | 0,40 | 0,62 |
HR para SG docetaxel | 0,73 | 0,59 | 0,89 |
HR para SG abiraterona | 0,63 | 0,52 | 0,76 |
HR para SG abiraterona versus docetaxel | 0,81 | 0,66 | 1,00 |
Câmbio: US$ 1.00 para R$ 3,75. IC95%: intervalo de confiança de 95%; HR: hazard ratio ; SLF: sobrevida livre de falha; SG: sobrevida global.
No caso de base, a adição de docetaxel à TPH, em comparação à TPH isolada, levou a um ganho de QALY de 0,492. O custo incremental foi de R$ 133.649,22 por QALY.
A adição de abiraterona à TPH levou a um ganho de QALY de 0,999, comparada à TPH isolada. O custo incremental por QALY foi de R$ 330.827,70.
A abiraterona com TPH levou a um ganho de QALY de 0,506, quando comparada ao docetaxel com TPH, com custo incremental de R$ 571.379,42 por QALY. Os achados do caso base estão resumidos na tabela 2 .
Tabela 2 Resumo da análise do caso base
Parâmetros | Abiraterona + TPH versus TPH | Docetaxel + TPH versus TPH | Abiraterona + TPH x docetaxel + TPH |
---|---|---|---|
Número de ciclos | 34 | 5,614 | NA |
Custo do medicamento | R$ 378.549,00 | R$ 54.336,00 | NA |
Custos de eventos adversos | R$ 2.042,00 | R$ 3.526,00 | NA |
Custos de medicamentos | R$ 70.455,00 | R$ 103.446,00 | NA |
pós-progressão | |||
Custos de paciente terminal | R$ 112,00 | R$ 172,00 | NA |
Custos de monitoramento | R$ 14.808,00 | R$ 15.256,00 | NA |
Custos totais | R$ 465.966,00 | R$ 176.738,00 | NA |
SLF média, meses | 52,81 | 44,85 | NA |
SPP média, meses | 8,95 | 11,13 | NA |
SG média, meses | 61,76 | 55,98 | NA |
Utilidade | 4,21 | 3,72 | NA |
EAs | -0,029 | -0,052 | NA |
Ganho em QALY | 0,999 | 0,492 | 0,506 |
AVG | 1,09 | 0,61 | 0,48 |
RCEI | R$ 330.828,70 | R$ 133.649,22 | R$ 571.379,42 |
Custo incremental por AVG | R$ 303.109,81 | R$ 107.901,84 | R$ 602.557,60 |
Câmbio: US$ 1.00 para R$ 3,75. TPH: terapia de privação hormonal; SLF: sobrevida livre de falha; SPP: sobrevida pós-progressão; SG: sobrevida global; EAs: eventos adversos; QALY: Anos de Vida Ajustados para Qualidade; RCEI: razão custo-efetividade incremental; AVG: anos de vida ganhos; NA: não avaliado.
Os fatores que tiveram mais influência na relação custo-efetividade foram os intervalos de confiança da SG e SLF. No caso da abiraterona com TPH comparada à TPH isolada, o desconto no preço de compra da abiraterona foi o fator de maior impacto sobre o custo incremental, que também teve impacto considerável na relação custo-efetividade ( Figura 3 ).
TPH: terapia de privação hormonal; SLF: sobrevida livre de falha; SG: sobrevida global; SPP: sobrevida pós-progressão; EAs: eventos adversos.
Figura 3 Diagrama de tornado para abiraterona associada à terapia de privação hormonal ou docetaxel associada à terapia de privação hormonal em comparação à terapia de privação hormonal isolada
Considerando os dados da metanálise de rede que comparou abiraterona associada à TPH com docetaxel associado à TPH, os fatores de maior impacto sobre a relação custo-efetividade foram os intervalos de credibilidade da SG, e o desconto de 50% sobre o custo de aquisição da abiraterona ( Figura 4 ).
TPH: terapia de privação hormonal; SLF: sobrevida livre de falha; SG: sobrevida global; SPP: sobrevida pós-progressão; EAs: eventos adversos.
Figura 4 Diagrama de tornado para abiraterona associada à terapia de privação hormonal, em comparação a docetaxel associado à terapia de privação hormonal
Considerando-se o limiar recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a TPH é o tratamento com a melhor relação custo-efetividade em 94% dos casos ( Figura 5 ). Com investimento incremental de R$ 140.000,00, a combinação de docetaxel com TPH foi o tratamento com a melhor relação custo-efetividade em 91% dos casos ( Figura 5 ). O custo de aquisição de abiraterona tornou a abiraterona associada à TPH o tratamento com a pior relação custo-efetividade, somente sendo o tratamento mais custo-efetivo após investimento incremental de R$ 570.000,00.
Embora os achados dos estudos LATITUDE, STAMPEDE e CHARTED tenham expandido os padrões de tratamento para câncer de próstata hormônio-sensível metastático, os respectivos resultados podem levar a um aumento na carga econômica desta doença.
Apesar de a relação custo-efetividade ser importante, há poucos estudos na literatura focados nesse aspecto das terapias para câncer de próstata metastático.(17)Atualmente, a abiraterona é aprovada no Brasil apenas para homens com câncer de próstata metastático hormônio-refratário. Surpreendentemente, uma revisão sistemática da literatura mostrou que a maioria dos estudos concluíram que a abiraterona não é uma solução custo-efetiva para câncer de próstata metastático hormônio-refratário.(17)
Em 2017, nosso grupo avaliou a relação custo-efetividade de docetaxel com TPH, comparado à TPH isolada, e constatou que o docetaxel é um tratamento custo-efetivo para pacientes com câncer de próstata metastático recém-diagnosticado de grande volume.(18)
Desta vez, constatamos que a abiraterona com TPH só foi considerada a terapia com melhor relação custo-efetividade após investimento incremental de R$ 570.000,00. O docetaxel com TPH foi o mais custo-efetivo em 91% dos casos com um investimento incremental de R$ 140.000,00. Esses achados mostram que, considerando-se os custos atuais, o docetaxel com TPH é mais custo-efetivo que a abiraterona com TPH. Essa conclusão pode ter um grande impacto na tomada decisões do sistema de saúde no Brasil.
Outra possibilidade é a combinação de ambas as estratégias: TPH com docetaxel (seis ciclos) seguido de TPH com abiraterona, até a progressão da doença. Essa estratégia deve gerar o maior aumento na SG, combinando os benefícios do docetaxel e da abiraterona. Além disso, os primeiros seis ciclos de docetaxel com TPH podem reduzir os custos do tratamento em comparação ao uso da abiraterona com TPH desde o diagnóstico. No entanto, essa estratégia ainda não foi avaliada em nenhum estudo clínico randomizado e, consequentemente, não pode ser considerada em análise de relação custo-efetividade.
Os gastos farmacêuticos no Brasil aumentaram drasticamente na última década, sendo que os gastos com medicamentos quase triplicaram entre 2006 e 2013 e continuam aumentando.(19)
Atualmente, a abiraterona não está disponível no sistema de saúde público do Brasil, que atende até 75% da população.(20)Para melhorar o acesso dos pacientes à abiraterona, descontos e mudanças de preço devem ser negociados. Nosso estudo constatou que um desconto de 50% no custo de aquisição da abiraterona reduziria o custo incremental necessário para garantir a custo-efetividade do tratamento de R$ 570.000,00 para R$ 150.000,00.
Um estudo avaliou a relação custo-efetividade da abiraterona com prednisolona em comparação ao cabazitaxel com prednisolona em pacientes com câncer de próstata metastático hormônio-refratário previamente tratados com docetaxel. Este estudo demonstrou que, no sistema de saúde privada do Brasil, a abiraterona não apenas foi mais eficaz em ganho de QALYs, mas também teve custo mais baixo em comparação ao cabazitaxel.(21)O estudo de Pereira et al.(21)é diferente de nosso estudo. Primeiro, eles avaliaram o tratamento de pacientes hormônio-refratários previamente tratados com docetaxel, enquanto nós avaliamos o tratamento para doença hormônio-sensível recém-diagnosticada (duração mediana da terapia com abiraterona de 6 meses contra 34 meses, respectivamente). Em segundo lugar, compararam a abiraterona ao cabazitaxel, um taxano de terceira geração que, cobrado por miligrama, custa tanto quanto a abiraterona (R$ 10.071,00 por ciclo e R$ 10.625,00 por ciclo, respectivamente).
Para melhorar a alocação dos recursos limitados, são necessários mais estudos para identificar biomarcadores em pacientes hormônio-sensíveis, que mais se beneficiam da combinação de abiraterona com TPH.
A adição de quimioterapia à terapia de provação hormonal é mais custo-efetiva que a adição de abiraterona à terapia de provação hormonal. Descontos no custo da abiraterona poderiam tornar esse tratamento mais custo- efetivo.
Novos estudos poderiam ajudar a identificar biomarcadores nos pacientes que mais se beneficiariam de cada tratamento (terapia de provação hormonal isolada, terapia de provação hormonal com docetaxel e terapia de provação hormonal com abiraterona), o que melhoraria a alocação de recursos.