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Análise de custos de um teste de amplificação de ácido nucleico para o diagnóstico da tuberculose pulmonar sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde

Análise de custos de um teste de amplificação de ácido nucleico para o diagnóstico da tuberculose pulmonar sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde

Autores:

Márcia Pinto,
Aline Piovezan Entringer,
Ricardo Steffen,
Anete Trajman

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.41 no.6 São Paulo nov./dez. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562015000004524

O Brasil está entre os 22 países com maior carga de tuberculose.1 Um dos principais obstáculos para o controle da doença é o atraso no diagnóstico. A baciloscopia é o teste de rotina no Sistema Único de Saúde (SUS); porém, possui baixa sensibilidade.2 O Xpert(r) MTB/RIF (Cepheid; Sunnyvale, CA, EUA), realizado no sistema GeneXpert(r) (Cepheid), é um teste molecular rápido para a detecção do Mycobacterium tuberculosis e de seus mutantes resistentes à rifampicina.3 Em 2010, o Xpert(r) MTB/RIF foi recomendado pela Organização Mundial da Saúde para o diagnóstico inicial em pacientes com tuberculose e suspeita de multirresistência ou co-infecção pelo HIV.4 A acurácia do teste é elevada,5 e estudos demonstraram que é custo-efetivo6-8) em outros cenários. No Brasil, o Xpert(r) MTB/RIF foi aprovado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde para sua incorporação no SUS em setembro de 2013.9

O objetivo do presente estudo foi estimar o custo unitário do Xpert(r) MTB/RIF, dado que ainda não dispõe de um valor de referência na tabela unificada Sigtap do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM (órtese, prótese e materiais) do SUS. Também intencionamos contribuir com informações que possam apoiar outras avaliações econômicas nesse campo.

Trata-se de um estudo descritivo, que conduziu uma avaliação econômica parcial para estimar o custo de realização do Xpert(r) MTB/RIF e da baciloscopia (método Ziehl-Neelsen), sob a perspectiva do SUS, realizada em paralelo com um estudo piloto de implementação do uso de GeneXpert(r) para o diagnóstico de tuberculose pulmonar em dois municípios no Brasil.10 Foram selecionados dois laboratórios no município do Rio de Janeiro, vinculados à Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC/RJ), e um laboratório em Manaus, vinculado à Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES/AM). Essa seleção ocorreu conforme a organização da rede de serviços de saúde, o nível de descentralização e o volume de produção. No Rio de Janeiro, o "laboratório 1" é uma policlínica com um volume médio de produção, e o "laboratório 2" é uma clínica da família com um volume pequeno de produção. Em Manaus, o laboratório selecionado ("laboratório 3") é responsável por 71% de todas as baciloscopias realizadas no município, sendo considerado de grande volume.

Foi utilizado o método de custeio por atividade com a técnica de microcusto, baseado nos procedimentos operacionais padrão da baciloscopia2 e do Xpert(r) MTB/RIF.11 Os itens de custos selecionados foram os seguintes: custos administrativos (energia elétrica, água, limpeza e segurança); recursos humanos (RH), que incluiu treinamento (somente para o Xpert(r) MTB/RIF); insumos de laboratório; e equipamentos. O valor do cartucho do Xpert(r) MTB/RIF foi de R$ 20,46 (US$ 9,98) 12 e o do sistema GeneXpert(r) foi de R$ 34.850,00 (US$ 17.000), preço de compra para o estudo de implementação.10 O Ministério da Saúde é isento de custos de impostos e de taxas de nacionalização para os cartuchos e GeneXpert(r).

O cálculo do custo com RH do uso do Xpert(r) MTB/RIF foi realizado através de um estudo de tempos e movimentos em dois momentos para avaliar a curva de aprendizagem dos profissionais: o primeiro ocorreu quinze dias após a instalação do GeneXpert(r) no laboratório, tempo necessário para os profissionais se adequarem ao funcionamento do mesmo; e o segundo aconteceu três meses após a instalação do equipamento, quando os testes já eram realizados na rotina. Esse tempo foi considerado para o cálculo do custo com RH. A coleta de dados para estimar o custo da baciloscopia ocorreu em uma única etapa, por ser um procedimento bem estabelecido no SUS. Os custos administrativos referem-se à média trimestral das despesas das unidades de saúde onde os laboratórios estão localizados e foram rateados de acordo com a área física e por produção. A depreciação foi aplicada quando necessária, conforme a vida útil dos equipamentos.13 Custos com a calibração e a manutenção preventiva e corretiva do GeneXpert(r) foram considerados.3

Obtiveram-se os valores dos insumos junto às bases oficiais (Comprasnet, Banco de Preços em Saúde, SMSDC/RJ e SES/AM) e ao fabricante (Cepheid). O custo médio dos testes está apresentado em reais de 2012. A conversão usada para os custos dos cartuchos e do GeneXpert(r) foi de US$ 1,00 = R$ 2,05.

O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (nº 493/2011), pelo Comitê de Ética em Pesquisa da SMSDC/RJ (nº 445A/11) e pela Comissão de Ética em Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical de Manaus Dr. Heitor Vieira Dourado em novembro de 2011.

Foi acompanhado o processo de produção de 230 baciloscopias e de 463 testes com Xpert(r) MTB/RIF. A redução do tempo médio de execução do Xpert(r) MTB/RIF foi de 30% entre a primeira (9,87 min) e a segunda observação (7,57 min). As maiores reduções foram observadas nos laboratórios 2 (54%) e 3 (35%). Nos laboratórios 1 e 2, o tempo médio de execução no segundo momento foi de 6,20 min (variação, 4,87-7,53 min) e de 4,30 min (variação, 3,53-5,07 min) no laboratório 3.

O custo médio do uso do Xpert(r) MTB/RIF foi de R$ 35,57 (variação, R$ 33,70-R$ 39,40) e o da baciloscopia, de R$ 14,16 (variação, R$ 11,30-R$ 21,00). Os principais direcionadores de custo do Xpert(r) MTB/RIF foram insumos e reagentes (62%), atribuídos principalmente ao valor do cartucho, enquanto, no caso da baciloscopia, esses foram o RH (58%). Houve uma grande variabilidade no custo de RH por município (Tabela 1). Portanto, o valor de duas baciloscopias, recomendadas pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose e requeridas para se atingir uma sensibilidade de 70%,2 representa 80% do valor de um teste Xpert(r) MTB/RIF, que apresenta 88% de sensibilidade.5

Tabela 1 Custo unitário do Xpert(r) MTB/RIF e da baciloscopia nos laboratórios estudados, Rio de Janeiro e Manaus (em Reais, 2012).a 

Item de custo Baciloscopia Xpert(r) MTB/RIF
Lab 1 Lab 2 Lab 3 Lab 1 Lab 2 Lab 3
Recursos humanos 5,18 3,76 15,87 3,71 3,01 13,27
Insumos e reagentes 2,35 2,35 2,35 22,01 22,01 22,01
Equipamentos 1,34 0,85 0,97 4,07 3,96 2,42
Administrativos 2,51 2,81 2,14 4,18 4,03 2,04
Custo unitário 11,38 9,77 21,33 33,97 33,01 39,74

Lab: laboratório. aConversão usada para o cartucho e o GeneXpert(r): US$ 1,00 = R$ 2,05 (2012).

Durante o processo de coleta de dados, a produção de testes Xpert(r) MTB/RIF cresceu em relação à de baciloscopias de primeira amostra, especialmente no RJ. A carga horária dos profissionais não foi alterada, o que pode sugerir que a sua introdução representou um ganho de eficiência técnica na rotina dos laboratórios (Tabela 2).

Tabela 2 Quantidade média diária de testes Xpert(r) MTB/RIF e baciloscopias de primeira amostra produzidos nos laboratórios estudados, Rio de Janeiro e Manaus. 

Unidade Baciloscopia Xpert(r) MTB/RIF % de aumento
Laboratório 1 10 13 30
Laboratório 2 7 9 29
Laboratório 3 31 34 10

O Xpert(r) MTB/RIF é considerado uma tecnologia promissora para o controle da tuberculose ao fornecer um resultado acurado, custo-efetivo e rápido.5-8 O presente estudo realizou uma avaliação econômica parcial, que descreve exclusivamente o custo da realização das duas tecnologias para o diagnóstico da tuberculose. Embora não tenhamos realizado uma avaliação econômica completa, os resultados aqui detalhados, juntamente com os dados de efetividade comparativa dos testes em condições de rotina nas mesmas cidades do estudo piloto,10 serviram de base para as estimativas das razões de custo-efetividade.14) Concluímos que o valor de duas baciloscopias, usualmente requeridas em caso de suspeita de tuberculose, se aproxima do valor de um teste Xpert(r) MTB/RIF, em 80%.

Uma das vantagens do presente estudo foi a sua realização em paralelo com o estudo de implementação do Xpert(r) MTB/RIF,10 que permitiu acompanhar a incorporação da nova tecnologia na utilização de recursos e no processo de aprendizagem dos profissionais de saúde no SUS. Uma pesquisa também estimou o custo do teste durante um estudo de implementação, com resultados entre R$ 46,40 e R$ 56,48 (US$ 22,63 e US$ 27,55), bem superiores aos nossos.8 Porém, o valor do cartucho foi superior ao utilizado no presente estudo (R$ 39,77-US$ 19,40). O valor acrescido pelos demais itens de custo foi similar. Outros estudos apresentaram valores que variaram entre R$ 30,61 (US$ 14,93) e R$ 54,41 (US$ 26,54).15,16 Ressalta-se que todas essas pesquisas foram realizadas em países com estruturas diferentes do SUS, o que limita a comparação.

A vantagem do custeio por atividade está na possibilidade de se observar uma quantidade significativa de testes, o que possibilita a identificação de um custo padrão e a realização de um inventário detalhado dos itens de custos. Porém, o método limita as possibilidades de generalização, devido às características de organização e ao funcionamento dos laboratórios estudados.

A redução do tempo de execução do teste entre as observações foi menor no laboratório 1, pois, durante o segundo momento de coleta, houve a substituição do técnico treinado por outro menos experiente. Para minimizar os efeitos desse evento, observamos uma maior quantidade de testes. Acredita-se que, com a incorporação do Xpert(r) MTB/RIF na rotina dos laboratórios, o tempo de execução diminua e a produção aumente. Assim, será possível aumentar a eficiência técnica e reduzir o custo unitário.

Dentre as limitações do presente estudo está o valor médio salarial, que não reflete a realidade brasileira devido à diversidade de arranjos contratuais vigentes no país. Para minimizar essa diversidade, adotamos os salários dos profissionais vinculados ao estado do AM e ao município do Rio de Janeiro a partir de diferentes faixas salariais. Uma segunda limitação refere-se à área física dos laboratórios, utilizada para estimar o custo do metro quadrado. A estrutura física varia entre as unidades em termos de porte e localização; por isso, incluímos três laboratórios em dois estados com configurações extremamente diferenciadas.

Os resultados do presente estudo podem apoiar estudos de custo-efetividade e contribuir para o estabelecimento de um valor de referência na tabela Sigtap. Entretanto, como a adoção e a utilização de tecnologias são dinâmicas e os resultados do presente estudo se referem à fase inicial de incorporação do Xpert(r) MTB/RIF, é importante observar se haverá mudanças na sua utilização.

Em conclusão, o presente estudo teve como objetivo fornecer subsídios para que os gestores identifiquem os principais direcionadores de custo e possíveis ganhos de eficiência e efetividade com a adoção do Xpert(r) MTB/RIF. Sob este aspecto, pode contribuir tanto com as ações de programação quanto de planejamento destinadas ao controle da tuberculose nos municípios brasileiros.

REFERÊNCIAS

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