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Análise de impacto orçamentário

Análise de impacto orçamentário

Autores:

Marcus Tolentino Silva,
Everton Nunes da Silva,
Maurício Gomes Pereira

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.26 no.2 Brasília abr./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000200020

Introdução

As análises de impacto orçamentário estimam as consequências financeiras da adoção e difusão de uma nova estratégia ou tecnologia em um sistema de saúde.1 Se adequadamente realizadas, podem predizer como a mudança na oferta de insumos ou serviços influenciará o custeio futuro de um problema de saúde. Por exemplo, ao se introduzir um novo medicamento para tratamento de artrite reumatoide no Sistema Único de Saúde (SUS), é possível determinar o quanto de recurso adicional o gestor terá de dispor para cobrir as despesas dessa incorporação. A análise de impacto orçamentário fornece essa informação, pela comparação dos custos antes e depois da mudança. Este tipo de estudo é indicado para a análise de intervenções comprovadamente eficazes, seguras e custo-efetivas.2 Em consequência, a análise de impacto orçamentário não é focada em questões de eficácia ou efetividade, mas sim em custos, ou seja, em como esses recursos variam com a incorporação de uma nova tecnologia.

Tem havido um esforço internacional considerável, com reflexo benéfico no País, de produzir recomendações metodológicas para análises de impacto orçamentário. Nelas, são definidos tópicos a serem avaliados neste tipo de estudo (Figura 1). O presente artigo tem como objetivo expor alguns elementos principais dessas recomendações, e as referências indicadas permitem maior aprofundamento sobre o assunto.

Figura 1 - Tópicos a serem avaliados em uma análise de impacto orçamentário 

Estrutura do modelo

Impacto orçamentário diz respeito a mudanças financeiras ocasionadas em um cenário novo em relação ao cenário de referência. O cenário de referência engloba as consequências financeiras do manejo atual do problema estudado. O cenário novo, ou alternativo, contém os gastos consequentes da adoção da nova oferta de insumos e serviços.

Há necessidade de se especificar no modelo a perspectiva de análise. Em geral, adota-se a perspectiva do pagador, ou seja, do prestador ou do sistema de saúde.1,3 Incluem-se também os custos diretos relacionados ao problema de interesse.4-5 O conjunto dessas informações permite utilizar modelos estáticos ou dinâmicos.6 Esses variam desde planilhas eletrônicas, que possibilitam a construção de modelos de análise de decisão, a softwares específicos, que elaboram modelos dinâmicos e outros mais avançados.

Habitualmente, opta-se pela construção de vários cenários, com o propósito de aumentar a validade da predição.4-5

Horizonte temporal

Análises de impacto orçamentário incluem entre quatro e cinco anos nos cenários em comparação.4-5 Este horizonte temporal influenciará nos demais parâmetros, entre os quais: (i) a população-alvo - ela diminuirá ou aumentará no período?; (ii) os custos no contexto estudado - eles serão modificados ao longo do tempo?; (iii) os potenciais interessados nos cenários alternativos - eles influenciarão na tomada de decisão durante todo o período?

Características e tamanho da população

Na maior parte das vezes, mudanças nas tabelas de procedimento afetam uma parcela dos sujeitos cobertos pelo prestador ou sistema de saúde. Com isso, estimar a população beneficiada em termos de suas características e tamanho dimensionará o gasto em consonância com as perspectivas futuras. Duas abordagens são comuns na perspectiva do prestador ou sistema de saúde:4-5 (i) a série histórica da população em atendimento; e (ii) o cálculo da prevalência do problema ajustado pela capacidade de acesso.

O desafio reside em lidar com variáveis de difícil previsão de comportamento ao longo do tempo, como a incidência e a prevalência do problema de saúde, o nível de aperfeiçoamento dos procedimentos diagnósticos e o uso off label, ou seja, a utilização da tecnologia para propósitos outros que não aqueles a priori especificados.7 Um problema comum, e de difícil equacionamento, refere-se ao fato de o novo cenário modificar a história natural da doença durante o horizonte temporal, aumentando ou diminuindo a morbimortalidade.

Custos relacionados à doença

Uma vez definida a perspectiva, o próximo passo consiste em identificar o percurso financeiro do problema de saúde no cenário de referência. Tendo como base o curso clínico mais frequente, estimam-se os custos diretos em termos, por exemplo, de consultas, internações e consumo de medicamentos.8 Os dados sobre custo são então ponderados em relação ao tamanho da população para se obter o valor do cenário de referência.

Com base na melhor evidência científica disponível, estimam-se as mudanças no curso clínico e, consequentemente, nos custos diretos dos cenários alternativos.9 A partir do tamanho da população-alvo, calcula-se o valor de cada cenário alternativo. De posse das estimativas, é possível calcular a diferença entre os cenários alternativos e o de referência, de modo a estimar o impacto incremental no orçamento. Normalmente, o impacto no orçamento é apresentado em termos percentuais, de modo a facilitar a comunicação dos resultados.

Preferências e comportamento de mercado

Cabe destacar que as mudanças em tabelas de procedimento e reembolso dificilmente ocorrem de maneira abrupta. Diversos fatores influenciam na difusão da mudança, como interesse dos usuários, adoção do insumo pelos profissionais da saúde, influências externas e questões logísticas. Paralelamente, consequências inesperadas do cenário alternativo aparecem e influenciam no acesso à nova estratégia a ser adotada.

Em teoria, a migração do cenário de referência para o alternativo ocorre de maneira gradual dentro do horizonte temporal. Entretanto, os estudos que avaliam o impacto dessa mudança ainda são escassos.10 Considerando a perspectiva do Ministério da Saúde brasileiro, algumas análises envolvendo medicamentos apontam que essa migração é influenciada pelas alternativas disponíveis, pela combinação com outros produtos e pela inovação terapêutica.11

Análise de sensibilidade

As possíveis variações dos parâmetros incluídos nas análises de impacto orçamentário precisam ser averiguadas. Em um primeiro momento, sugere-se a avaliação de todos os elementos inseridos no modelo, com destaque para o tamanho da população, os custos diretos e o comportamento do mercado. O procedimento é semelhante ao realizado em estudos de custo-efetividade, incluindo análises univariadas e diagramas de tornado.12

Adicionalmente, os estudos mais úteis são aqueles que introduzem informações clinicamente válidas (refletem o contexto), são transparentes (garantem repetição dos cálculos) e têm flexibilidade (permitem adaptação).7

Considerações finais

A assistência à saúde é marcada por períodos de crises financeiras e restrições orçamentárias. Mas mesmo em períodos de estabilidade financeira, há mais necessidades de saúde do que de recursos para enfrentá-las. Utilizar bem os recursos disponíveis permitirá alcançar mais benefícios por unidade de gastos. As análises de impacto orçamentário nos ajudam na tomada de decisão, pois estimam a factibilidade financeira de uma estratégia em um serviço ou sistema de saúde.

REFERÊNCIAS

1. Mauskopf J, Earnshaw S. A methodological review of us budget-impact models for new drugs. Pharmacoeconomics. 2016 Nov;34(11):1111-31.
2. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Estudos de avaliação econômica em saúde: definição e aplicabilidade aos sistemas e serviços de saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 jan-mar;25(1):205-7.
3. van de Vooren K, Duranti S, Curto A, Garattini L. A critical systematic review of budget impact analyses on drugs in the EU countries. Appl Health Econ Health Policy. 2014 Feb;12(1):33-40.
4. Sullivan SD, Mauskopf JA, Augustovski F, Jaime Caro J, Lee KM, Minchin M, et al. Budget impact analysis-principles of good practice: report of the ISPOR 2012 Budget Impact Analysis Good Practice II Task Force. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):5-14.
5. Ferreira-Da-Silva AL, Ribeiro RA, Santos VCC, Elias FTS, d'Oliveira ALP, Polanczyk CA. Diretriz para análises de impacto orçamentário de tecnologias em saúde no Brasil. Cad Saude Publica. 2012 jul;28(7):1223-38.
6. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Modelos analíticos em estudos de avaliação econômica. Epidemiol Serv Saude. 2016 out-dez;25(4):855-8.
7. Watkins JB, Danielson D. Improving the usefulness of budget impact analyses: a U.S. payer perspective. Value Health. 2014 Jan-Feb;17(1):3-4.
8. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Identificação, mensuração e valoração de custos em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 abr-jun;25(2):437-9.
9. Silva MT, Silva EN, Pereira MG. Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016 jul-set;25(3):663-6.
10. Garuoliene K, Godman B, Gulbinovic J, Schiffers K, Wettermark B. Differences in utilization rates between commercial and administrative databases: implications for future health-economic and cross-national studies. Expert Rev Pharmacoecon Outcomes Res. 2016;16(2):149-52.
11. Schneiders RE, Ronsoni RM, Sarti FM, Nita ME, Bastos EA, Zimmermann IR, et al. Factors associated with the diffusion rate of innovations: a pilot study from the perspective of the Brazilian Unified National Health System. Cad Saude Publica. 2016 Oct;32(9):e00067516.
12. Silva EN, Silva MT, Pereira MG. Incerteza em estudos de avaliação econômica. Epidemiol Serv Saude. No prelo 2017.