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Análise do desempenho dos centros de especialidades odontológicas da região sudeste brasileira

Análise do desempenho dos centros de especialidades odontológicas da região sudeste brasileira

Autores:

Deborah Cassia Roland Cabral,
Flávia Martão Flório,
Luciane Zanin

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.27 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2019 Epub 27-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201900020205

Abstract

Background

The Dental Specialties Centers (CEOs) were created with the purpose of expanding and qualifying specialized attention in oral health in Brazil.

Objective

to evaluate the performance of Dental Specialties Centers (CEOs) in the southeastern Brazilian, in relation to demographic and service characterization variables.

Method

A total of 151 CEOs were evaluated in 2012 by the Global Goal Compliance indicator. The information was obtained from the Outpatient Clinic Information System and evaluated according to the following variables: HDI, population size, Oral Health Team coverage (ESB), type of CEO, macro-region states and type of municipal management.

Results

66.9% of the CEO met the basic care subgroup goal such as 61.6% to periodontics, 25.8% to endodontic and 36.4% to surgery. The higher coverage of ESB (p=0.0466) and the lower HDI (0.0389) were associated with the worse performance. Most CEOs presented poor performance and very poor performance due to GGM association with ESB coverage and HDI. Most of the population coverage was associated with CEOs classified as poor or very poor.

Conclusion

The study indicated low performance for most of the CEOs evaluated, showing association with the higher coverage of the ESB and lower IDHM evidencing the importance of reorganizing the practice, considering that the planning of the actions and services should be based on the socioeconomic reality and the coverage of the ESB in the Primary Care.

Keywords:  health services; secondary care; specialties dental

INTRODUÇÃO

As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado1. Permitem ofertar uma atenção contínua, integral e humanizada à população2.

Para um adequado funcionamento de um sistema de saúde, é necessária a oferta de serviços em todos os níveis de atenção à saúde3, no entanto, o alcance da integralidade tem sido um grande desafio para o Sistema Único de Saúde – SUS4. A criação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) que compõem o desenho da Rede de Atenção em Saúde Bucal teve o intuito ampliar e qualificar a atenção secundária em saúde bucal, contribuindo com a integralidade da assistência.

A Portaria/GM nº1464 de 24 de junho de 2011 estabelece o elenco mínimo de procedimentos que devem ser realizados nos CEOs, distribuídos por quatro subgrupos: Atenção Básica, Periodontia, Endodontia e Cirurgia, além de oficializar as normas para o registro desses procedimentos no Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde – SIA/SUS5.

A literatura mostra estudos que avaliaram os CEOs no Brasil4,6-11. Entretanto, nenhum deles voltou-se especificamente à região Sudeste, que na época do estudo concentrava 33,7% do total de CEOs implantados no Brasil, considerando na análise a individualidade de cada Estado da região.

Assim, considerando a importância dos CEOs na Política Nacional de Saúde Bucal – Brasil Sorridente, o desafio e a necessidade de conhecimento e avaliação constantes desses serviços de saúde, foi objetivo deste estudo avaliar o desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas da Região Sudeste do Brasil e sua associação com variáveis demográficas e de caracterização do serviço.

MÉTODO

Este foi um estudo transversal, quantitativo, analítico de caráter exploratório, que utilizou dados coletados no Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS) e do Departamento de Atenção Básica (DAB), no período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2012, primeiro ano com produção completa, subsequente à Portaria 1464 de 24 de junho de 2011. As informações coletadas são de domínio público, justificando a dispensa de submissão ao Comitê de Ética da Instituição.

Inicialmente, com base no Relatório de Habilitações do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), realizou-se um levantamento de todos os CEOs da região Sudeste, habilitados pelo Ministério da Saúde com base nas portarias GM nº 1570 de 29 de julho de 200412 e GM nº 599 de 23 de março de 200613. Este levantamento inicial mostrou 297 CEOs habilitados na região Sudeste no ano de 201214 .

Do total de CEOs habilitados, foram selecionados 174, considerando os aderidos à Regra Contratual 7107 – Estabelecimento sem geração de crédito nas ações especializadas de odontologia15. Posteriormente foram excluídos 23 CEOs que não apresentaram produção no ano de 2012, resultando em um total de 151 serviços avaliados neste estudo.

A avaliação do desempenho dos CEOs foi realizada com base na Portaria 1464 de 24 de junho de 20115, considerando a média mensal de procedimentos realizados, pelo número de procedimentos correspondente à meta de cada subgrupo, multiplicado por cem (Quadro 1).

Quadro 1 Características estruturais e metas mensais dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) 

Estrutura CEO TIPO I CEO TIPO II CEO TIPO III
Equipamentos 3 4 a 6 Acima de 7
Processo de Trabalho
(procedimentos/mês)
Meta mensal
CEO TIPO I CEO TIPO II CEO TIPO III
Atenção Básica 80 110 190
Periodontia 60 90 150
Endodontia 35 60 95
Cirurgia Oral Menor 80 90 170

O desempenho (variável dependente) foi classificado em péssimo (CEO que não cumpriu nenhuma meta); ruim (cumprimento de 1 meta); regular (cumprimento de 2 metas); bom (cumprimento de 3 metas) e ótimo (cumprimento da totalidade das metas)7.

As informações relativas às variáveis independentes foram obtidas no Departamento de Atenção Básica (DAB)16, sendo avaliado por estado e para a macrorregião, considerando as seguintes variáveis:

Variáveis demográficas:

  • IDHM (muito baixo, entre 0 e 49; baixo entre 0,5 e 0,59; médio entre 0,6 e 0,69; alto entre 0,7 e 0,79; muito alto entre 0,8 e 1)17;

  • porte populacional dos municípios considerando média da população durante o ano de 2012, e a categorização sendo 1º estrato: até 50.000 habitantes; 2º estrato: de 50.000 a 100.000 habitantes; 3º estrato: mais de 100.000 habitantes18;

  • Estados da macrorregião Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo).

Variáveis de caracterização do serviço:

  • cobertura populacional das ESB: média da população durante o ano de 2012 dividida pela média de equipes durante o mesmo ano, considerando-se o parâmetro de 01 equipe para cada 3.450 habitantes16. Para categorização, consideraram-se os quartis calculados: 1º - ≤7; 2º - >7≤18; 3º - >18≤51.5 e 4º - >51.5;

  • tipo de ceo,(I,II e II);

  • tipo de gestão do município – Considerando como gestão Plena os municípios que assumiram a gestão de todos os seus prestadores de serviço. Municípios com teto MAC (média e alta complexidade) aqueles que assumiram total ou parcialmente a gestão dos seus prestadores de serviço, e municípios sem teto MAC aqueles cujos prestadores de serviços se encontram sob a gestão do estado.

Os dados foram analisados por meio de tabelas de distribuição de frequências absolutas e relativas, as associações dos indicadores com as variáveis independentes foram analisadas pelo teste Exato de Fisher. Todas as análises foram realizadas no programa SAS 9.2, considerando nível de significância estatística de 5%.

RESULTADOS

Na Tabela 1 pode-se observar a distribuição dos 151 CEOs, considerando-se os estados e a região Sudeste. Com exceção ao estado do Espírito Santo, a maioria dos CEOs encontrados na região Sudeste foi do Tipo II e não foi encontrada associação entre o tipo de CEO e o estado (p>0,05).

Tabela 1 Distribuição de frequências do tipo CEO em função do Estado. Região Sudeste Brasileira, 2012 

Estado Tipo de CEO N(%) Total
I II III
Espirito Santo 3 (75,0) 1 (25,0) 0 (0,0) 4 (100,0)
Minas Gerais 13 (31,7) 28 (68,3) 0 (0,0) 41 (100,0)
Rio de Janeiro 3 (13,6) 17 (77,3) 2 (9,1) 22 (100,0)
São Paulo 26 (31,0) 53 (63,1) 5 (5,9) 84 (100,0)
Região Sudeste 45 (29,8) 99 (65,6) 7 (4,6) 151 (100,0)

p=0,1061 (Teste Exato de Fisher). As frequências relativas foram calculadas nas linhas, informando as porcentagens de cada tipo de CEO em de cada estado.

A Tabela 2 apresenta dados das metas da Atenção Básica e dos subgrupos de especialidades em função dos estados. A maioria dos CEOs cumpriu a meta da Atenção Básica, não havendo associação com o estado (p>0,05). Houve associação do estado (p=0,0249) apenas com o cumprimento das metas de Periodontia e de Endodontia, sendo verificado que o estado do Rio de Janeiro foi o que mais cumpriu a meta de Periodontia (77,3%) e de endodontia (50,0%), seguido pelo estado de São Paulo, com 66,7% para a especialidade de Periodontia e 26,2 para a Endodontia.

Tabela 2 Distribuição de frequências do cumprimento das metas dos subgrupos de procedimentos, por CEO, em função do estado. Região Sudeste brasileira, 2012 

Meta cumprida Atenção Básica Periodontia Endodontia Cirurgia
N (%) N (%) N (%) N (%)
Espírito Santo Não 0 (0,0) 2 (50,0) 4 (100,0) 1 (25,0)
Sim 4 (100,0) 2 (50,0) 0 (0,0) 3 (75,0)
Minas Gerais Não 14 (34,2) 23 (56,1) 35 (85,4) 25 (61,0)
Sim 27 (65,8) 18 (43,9) 6 (14,6) 16 (39,0)
Rio de Janeiro Não 3 (13,6) 5 (22,7) 11 (50,0) 16 (72,7)
Sim 19 (86,4) 17 (77,3) 11 (50,0) 6 (27,3)
São Paulo Não 33 (39,6) 28 (33,3) 62 (73,8) 54 (64,3)
Sim 51 (60,7) 56 (66,7) 22 (26,2) 30 (35,7)
Região Sudeste Não 50 (33,1) 58 (38,4) 112 (74,2) 96 (63,6)
Sim 101 (66,9) 93 (61,6) 39 (25,8) 55 (36,4)
p-valor 0,0654* 0,0249* 0,0171* 0,3347*

As frequências relativas foram calculadas nas colunas, informando as porcentagens do cumprimento da meta em cada estado. *Teste Exato de Fisher

Dentre os 151 CEOs avaliados, 14,6% tiveram seu desempenho classificado como péssimo, 27,8% ruim, 23,8% regular, 19,9% bom e 13,9% ótimo, e dentre as variáveis analisadas, apenas a cobertura populacional pela ESB (p=0,0466) e o IDHM (p=0,0389) associaram-se com o desempenho dos CEOs (Tabela 3)

Tabela 3 Análise bivariada para a associação entre a variável dependente (desempenho do CEO) e as independentes. Região Sudeste brasileira, 2012 

Característica Desempenho p-valor*
Péssimo Ruim Regular Bom Ótimo
Tipo de CEO I 6 (13,3%) 12 (26,7%) 11 (24,4%) 9 (20,0%) 7 (15,6%) 0,9746
II 14 (14,1%) 28 (28,3%) 24 (24,2%) 19 (19,2%) 14 (14,1%)
III 2 (28,6%) 2 (28,6%) 1 (14,3%) 2 (28,6%) 0 (0,0%)
IDHM Médio 4 (28,6%) 3 (21,4%) 4 (28,6%) 1 (7,1%) 2 (14,3%) 0,0389
Alto 12 (11,1%) 30 (27,7%) 21 (19,4%) 27 (25,0%) 18 (16,7%)
Muito alto 6 (20,7%) 9 (21,4%) 11 (37,9%) 2 (6,90%) 1 (3,4%)
Porte populacional Até 50.000 7 (16,3%) 16 (37,2%) 9 (20,9%) 4 (9,3%) 7 (16,3%) 0,3227
>50.000-100.000 4 (13,3%) 8 (26,7%) 5 (16,7%) 10 (33,3%) 3 (10,0%)
>100.000 11 (14,1%) 18 (23,1%) 22 (28,2%) 16 (20,5%) 11 (14,1%)
Cobertura ESB (%) ≤7 5 (10,4%) 16 (33,3%) 17 (35,4%) 5 (10,4%) 5 (10,4%) 0,0466
7 ┤18 5 (17,2%) 5 (17,2%) 6 (20,7%) 10 (34,4%) 3 (10,3%)
18 ┤51,5 4 (11,1%) 9 (25,0%) 5 (13,9%) 12 (33,3%) 6 (16,7%)
>51,5 8 (21,0%) 12 (31,5%) 8 (21,0%) 3 (7,9%) 7 (18,4%)
Gestão Gestão Plena 13 (13,7%) 23 (24,2%) 25 (26,3%) 21 (22,1%) 13 (13,7%) 0,6968
Com teto MAC& 9 (17,0%) 17 (32,0%) 10 (18,9%) 9 (17,0%) 8 (15,1%)
Sem teto MAC 0 (0,0%) 2 (66,7%) 1 (33,3%) 0 (0,0%) 0 (0,0%)
Estado Espirito Santo 0 (0,0%) 0 (0,0%) 3 (75,0%) 1 (25,0%) 0 (0,0%) 0,2484
Minas Gerais 8 (19,5%) 15 (36,6%) 6 (14,6%) 8 (19,5%) 4 (9,8%)
Rio de Janeiro 2 (9,1%) 4 (18,2%) 5 (22,7%) 5 (22,7%) 6 (27,3%)
São Paulo 12 (14,3%) 23 (27,4%) 22 (26,2%) 16 (19,0%) 11 (13,1%)

As frequências relativas foram calculadas nas linhas, informando o desempenho em cada categoria

*Teste Exato de Fisher

&Média e alta complexidade

DISCUSSÃO

O número de CEOs implantados no país vem aumentando de forma gradativa, tendo passado de 853 em 2010, para 882 em 2011 e para 1035 em 2015, o que correspondeu a um aumento de quase 20% em 5 anos19.

A Politica Nacional de Saúde Bucal tem como diretriz a garantia da integralidade nas ações de saúde bucal, e para que isso ocorra é imprescindivel a articulação entre o individual com o coletivo, da promoção e prevenção com o tratamento e recuperação da saúde da população, conformando as redes integradas de atenção à saúde20. Dessa forma, torna-se importante avaliar se o avanço quantitativo da oferta dos serviços tem levado a melhores resultados relacionados ao atendimento da demanda por serviços especializados, estabelecendo uma estreita relação entre a atenção básica e a secundária.

Levando-se em consideração a importância das evidências geradas por estudos avaliativos da atenção especializada em saúde bucal no Brasil, este estudo torna-se relevante pela análise específica dos CEOs da região Sudeste, considerando os estados da região, podendo contribuir de forma efetiva para o processo de avaliação e posterior tomada decisão. A metodologia empregada diferencia-se das demais apresentadas na literatura por avaliar somente os CEOs habilitados na Regra Contratual 7107 (Estabelecimento sem geração de crédito nas ações especializadas de odontologia), condição necessária para o recebimento do incentivo mensal de custeio repassado pelo Ministério da Saúde.

Dentre os 151 CEOs avaliados, observou-se maior frequência de CEO Tipo II, o que já foi identificado em estudos anteriores realizados no Brasil4,6,7,9,10,21,22. Apenas no estado do Espírito Santo, quando avaliado isoladamente, verificou-se maior frequência (75%) de CEO Tipo I. Uma hipótese para a maior frequência de CEO Tipo II pode estar relacionada à opção dos gestores, baseando-se na ideia de que o acréscimo de apenas mais um equipo odontológico (33% a mais de estrutura física e de recursos humanos em relação ao CEO Tipo I) aumenta o incentivo mensal na mesma proporção, possibilitando uma cobertura populacional de até 44% a mais23.

Entretanto, é importante ressaltar aos gestores que as metas dos procedimentos para os subgrupos também aumentam consideravelmente, variando de 71% para endodontia, 50% para periodontia e 12% para cirurgia. Em relação à especialidade de Endodontia, esse aumento pode tornar o cumprimento da meta ainda mais dificultado, já que, de acordo com a Portaria 1464, faz-se necessário que 20% dos procedimentos realizados sejam obturação em dentes permanentes com três ou mais raízes e/ou retratamento endodôntico em dente permanente com três ou mais raízes.

No que diz respeito ao desempenho, a maior frequência de desempenho Ótimo foi encontrada para os CEOs Tipo I, enquanto os CEOs Tipo II e III tiveram a maior frequência de desempenhos Péssimo e Ruim, o que provavelmente se explica pela quantidade mínima de procedimentos especializados exigidos para cada modalidade de CEO. Este resultado vai de encontro à hipótese já levantada de que, ao se optar pelos CEO Tipo II, maioria neste estudo, os gestores estariam considerando, a princípio, aumento da cobertura e de repasse financeiro, sem se atentarem para o aumento das metas a serem cumpridas. Partindo-se do princípio de que os CEOs Tipo II e III têm ou deveriam ter uma abrangência populacional maior, pode-se inferir que a integralidade das ações em saúde bucal para a população adscrita não está sendo devidamente garantida. Após uma avaliação qualitativa desses serviços, caso as hipóteses levantadas se confirmem, deve ser proposto um redimensionamento e redesenho da rede de atenção saúde bucal nesses municípios. Em relação ao subgrupo de meta da Atenção Básica, a maioria dos CEOs (66,9%) cumpriram as metas deste subgrupo.

Segundo a Portaria 1464 de 2011, os procedimentos da Atenção Básica nos CEOs devem ser exclusivos para usuários portadores de necessidades especiais cujo conceito abrange um universo extenso de pessoas, o que justificaria a facilidade em cumprir as metas estabelecidas para esse subgrupo24,25. Outro fator a ser ponderado é a possibilidade de estarem sendo encaminhados para a atenção secundária pacientes que poderiam ser atendidos na atenção básica, refletindo dessa forma uma fragilidade no processo de trabalho do sistema de referência e contrarreferência26. Para se verificar essa hipótese, seria necessária a realização de um levantamento dos agravos de todos os pacientes atendidos na especialidade, paralelamente à avaliação da estrutura e processo de trabalho do serviço de saúde bucal nos municípios envolvidos. Observou-se, ainda, maior tendência de cumprimento dessa meta para os CEO tipo I, o que pode ser justificado pela menor quantidade de procedimentos exigidos para esta especialidade nesse tipo de serviço.

Avaliando individualmente o cumprimento dos subgrupos de metas da atenção secundária, observa-se que a maioria dos CEOs cumpriu a meta de periodontia, seguido pela meta de cirurgia e endodontia. Este resultado corrobora estudo realizado anteriormente21, no qual a atenção secundária em saúde bucal foi avaliada em todas as regiões do país, evidenciando que os subgrupos de metas de cirurgia e endodontia foram os de menor percentual de cumprimento na região Sudeste. Esta realidade pode estar associada à complexidade e custo dos procedimentos, à falta de profissionais especializados nas áreas atuando nos serviços públicos, à conduta dos tratamentos na Atenção Primária, ao mecanismo de referência dos pacientes entre os níveis de atenção, ao tempo necessário para se completar os tratamentos ou à dificuldade do acesso que pode levar à desistência por parte do usuário27.

A avaliação geral do desempenho mostrou que a maior porcentagem dos CEOs com desempenho Ruim e Regular (42,4%) estavam da região Sudeste diferindo do resultado encontrado por Goes et al.7, no qual a região Sudeste, comparada às demais regiões, teve maior percentual de CEOs com desempenho bom. Esta diferença pode ser explicada pelo fato de aquele estudo7 ter se baseado na Portaria 600 de 23 de março de 2006, que não exigia que 20% da meta dos procedimentos do subgrupo de endodontia fossem para obturação em dente permanente com três ou mais raízes e/ou retratamento endodôntico em dente permanente com 3 ou mais raízes. Esta exigência na Portaria 1464 de 24 de junho de 2011 pode ter dificultado ainda mais o cumprimento da meta desse subgrupo, que associado ao percentual de CEOs que não cumpriram a meta de cirurgia, influenciou na classificação do Cumprimento Global de Metas.

Neste estudo observou-se que houve associação entre o IDHM e o desempenho dos CEOs. O IDH é um índice que avalia o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. Desta forma, municípios com IDHM mais altos tendem a ser mais desenvolvidos, resolutivos e organizados, e, por consequência, tendem a atingir mais facilmente as metas estabelecidas6,7,23.

Em relação aos resultados deste estudo, questiona-se a razão de a atenção especializada em saúde bucal não apresentar desempenho favorável, mesmo sendo realizada em uma região que apresenta de forma geral características socioeconômicas favoráveis e avançadas na organização da assistência à saúde. Resultado semelhante foi encontrado na região Sul do país28, que também apresenta características socioeconômicas favoráveis. A possível causa poderia estar associada à falha no mecanismo de referência e conrtrarreferência dos municípios29 ou fatores associados à gestão municipal, como apontado por Goes et al.7 e Berretta et al.30. Talvez a gestão municipal não esteja organizada do ponto de vista do uso de informações em saúde no processo de gestão, a avaliação sistemática e contínua da qualidade dos dados não segue um plano regular31.

Outra hipótese seria a dificuldade de acesso por parte dos usuários, sendo importante saber o que é preciso para que os usuários cheguem aos serviços27, ou a falta de profissionais especializados22,27. Outras justificativas poderiam estar relacionadas à carga horária, ao tipo de vínculo trabalhista31 ou à falta de estrutura dos serviços6, equipes de profissionais não envolvidas, desconsiderando-se as metas de procedimentos a serem cumpridas32 ou até mesmo problemas relacionados aos bancos de dados, como sugerido em vários estudos prévios30,33.

Ainda a respeito do desempenho dos CEOs, observou-se que municípios com cobertura superior a 51,5% de ESB tiveram os piores desempenhos, o que significa dizer que a cobertura pela ESF não garantiu bom desempenho, como observado em outros estudos da literatura6,9. Seria necessário outro estudo para verificar esse aspecto, mas permite-se sugerir que isso ocorra devido à falta de um bom planejamento local por parte da gestão municipal, falha no mecanismo de referência e contrarreferência, realização de procedimentos específicos da atenção secundária pela atenção primária ou, ainda, o CEO restringindo sua produção a procedimentos da Atenção Básica, considerando-se que o conceito de pacientes especiais é extremamente abrangente.

O presente estudo avaliou os serviços da região Sudeste habilitados no SCNES como CEO e na Regra Contratual 7107, ou seja, estabelecimentos que, de acordo com a legislação, deveriam ter um ótimo desempenho, cumprir todas as metas dos subgrupos de procedimentos para fazerem jus ao incentivo mensal de custeio. Entretanto, não foi essa a realidade encontrada, já que a maioria dos CEOs não apresentaram bom desempenho, contrariando os preceitos da PNSB, que tem como objetivo reorganizar a prática e qualificar as ações e serviços de saúde bucal de forma resolutiva em todos os níveis de atenção, permitindo a ampliação e o atendimento dos níveis secundário e terciário, de modo a garantir o acesso universal e a integralidade das ações à população brasileira25. Cabe ainda refletir se a oferta de serviços especializados, simplesmente, é o bastante para que se alcance maior resolutividade dos serviços34.

Após mais de dez anos de implantação da PNSB, muitas dúvidas e questionamentos precisam e devem ser esclarecidos, reforçando a importância do monitoramento e da avaliação abrangente das políticas, programas e serviços de saúde de forma rotineira e permanente35.

O fato de se tratar de um estudo quantitativo, baseado em dados secundários, limita o esclarecimento de situações importantes que poderiam ser esclarecidas por meio de uma avaliação qualitativa que complementaria as informações obtidas sobre as ações desenvolvidas nos CEOs, considerando outros aspectos que podem influenciar os resultados encontrados. Além disso, apesar da utilização de dados secundários, que podem levar à sub ou supernotificação, as bases de dados nacionais apresentam qualidade e vêm sendo amplamente usadas em estudos na linha deste36.

O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO), instituído pela Portaria nº 261 de 21 de fevereiro de 201337 propõe a avaliação de todos CEOs do Brasil que recebiam incentivo do Ministério da Saúde. Porém, a adesão ao programa é voluntária e cabe aos profissionais, nos três níveis de governo, incentivarem os gestores municipais de saúde a realizá-la como forma de monitoramento e avaliação constante desses serviços prestados.

O desempenho ruim da maioria dos CEOs avaliados e a influência das variáveis coberturas da ESF e IDHM neste desempenho evidenciam necessidade de organizar a rede de atenção em saúde bucal, onde os diversos pontos dessa rede dialoguem na perspectiva da integralidade do cuidado em saúde bucal

REFERÊNCIAS

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