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Análise do Dissincronismo Cardíaco - Uma Questão não Resolvida! Como Melhorar a Seleção e a Resposta à Terapia de Ressincronização Cardíaca?

Análise do Dissincronismo Cardíaco - Uma Questão não Resolvida! Como Melhorar a Seleção e a Resposta à Terapia de Ressincronização Cardíaca?

Autores:

Eduardo Arrais Rocha

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.4 São Paulo out. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180200

Os autores Nascimento et al.,1 publicaram relevante trabalho demonstrando o valor da cintilografia de perfusão miocárdica (SPECT-Gated) na identificação do dissincronismo cardíaco (DC) e com posterior implante do eletrodo do ventrículo esquerdo (VE) na área de maior dissincronia, com correlação favorável com resultados clínicos e de função cardíaca. O estudo levanta questões importantes na tentativa de reduzir a taxa de não respondedores (30 a 40%). Estas elevadas taxas são decorrentes de implantes em fases muito avançadas e irreversíveis da doença, ou posicionamento de eletrodo do VE em áreas com fibrose ou devido ausência de dissincronismo.

Todas as diretrizes atuais consideram a indicação da terapia de ressincronização cardíaca (TRC) com base em critérios de dissincronismo elétrico, em detrimento de critérios de dissincronismo mecânico. O estudo Echo CRT2 confirmou os resultados desfavoráveis em pacientes submetidos à TRC na ausência de DC, podendo ser uma terapia deletéria.

A ocorrência do DC é a base fisiopatológica da TRC. Mais de 1/3 dos pacientes com bloqueio de ramo esquerdo (BRE) podem não ter DC, em especial com QRS < 150 ms.3 Este número é maior nos outros distúrbios de condução intraventricular. Portanto, novas técnicas que melhorem a seleção destes pacientes e permitam implantes dos eletrodos nas regiões com maior grau de atraso na contração intraventricular são desejadas.

Entretanto, diversos aspectos merecem consideração especial. O presente trabalho engloba um subgrupo de pacientes, de um estudo global multicêntrico VISION-CRT, em andamento, que deverá trazer uma resposta definitiva sobre o valor da cintilografia de perfusão na seleção de pacientes para TRC, auxiliando no local de posicionamento do eletrodo no seio coronário.4

Diversos métodos de imagem foram e continuam sendo descritos como importantes na identificação e quantificação do DC. Todos apresentam vantagens e desvantagens, sendo os estudos na grande parte, unicêntricos, realizados em populações pequenas, com resultados não reprodutíveis e sem direta correlação com desfechos relevantes como mortalidade, ou mesmo com desfechos substitutos como a resposta à TRC.

O ecocardiograma, classicamente, tornou-se o método padrão e mais utilizado, em virtude do baixo custo, facilidade de acesso e repetição, quando necessário para reprogramações dos marca-passos (MP), entretanto, em virtude da falta de padronização da melhor metodologia, da grande variabilidade intra- e inter-observador, da necessidade de janela acústica adequada e, principalmente, devido à falta de resultados favoráveis em estudos multicêntricos como o PROSPECT trial, fez com que a sua confiabilidade e aplicabilidade fosse sendo reduzida.5

Novas técnicas ecocardiográficas surgiram e tem evoluído neste aspecto, como o “Speckle-tracking “, o “Flash Septal”, o “Apical Rocking”, o ecocardiograma 3D, algumas já com evidências iniciais de correlação com melhor prognóstico após a TRC, como demonstrando nos estudos de Hoke e Bax JJ,6 no PREDICT -CRT7 e no estudo TARGET.8 Como desvantagens, são sempre observadores dependentes e até o momento com resultados favoráveis não confirmados em grandes séries.

A cintilografia miocárdica de perfusão tem surgido na última década, com a técnica da análise de fases, como um método adicional na análise de DC. Tem como vantagem menor variabilidade intra- e inter-observador, alta reprodutibilidade e por permitir a análise tridimensional da contração do VE, com possibilidade ainda de análise associada de isquemia e fibrose, entretanto, agrega maiores custos que o ecocardiograma, radiação, maior tempo de aquisição, menor possibilidade de repetições para comparações e reprogramações dos MP, necessitando ainda de confirmações do benefício da sua utilização em grandes séries. Variações de protocolos e nos valores de cortes relacionados com a melhor evolução, também estão em discussão.9 Este método pode ter dificuldade de análises em segmentos cardíacos com perfusão tecidual ruim, superestimar áreas de cicatrizes extensas, principalmente, em corações dilatados e com paredes finas.9-11

A ressonância magnética tem permitido boa avaliação do DC e excelente análise da função cardíaca e de suas áreas de fibrose, tendo a desvantagem do elevado tempo do exame, ruídos auditivos, dificuldade para claustrofóbicos, impossibilidade de uso para pacientes com MP antigos que vão submeter-se a “up-grading”, custos elevados, menor disponibilidade e com análises de resultados realizados apenas em pequenas séries.10,11

Exames de imagens como a tomografia cardíaca surgem como uma perspectiva do uso combinado de vários métodos, visando, além da análise do DC, também a identificação da anatomia do seio coronário, permitindo a escolha da melhor técnica cirúrgica, como a realização de mini-toracotomia lateral, a vídeo-toracoscopia ou o implante de eletrodo do VE endocárdico por punção transeptal quando necessário, devido à ausência de veias tributárias adequadas para seu posicionamento nas regiões de maior grau de atraso.

Algumas questões parecem certas: a importância do dissincronismo cardíaco como alvo terapêutico inicial na ressincronização cardíaca, a necessidade da sua identificação, quantificação e localização, a importância do posicionamento ideal do eletrodo no VE, em áreas sem fibrose e com maior retardo de contração ventricular. A confirmação dos dados mencionados anteriormente em estudos multicêntricos, correlacionados com desfechos de melhor prognóstico, deverá clarear uma área em efervescência na estimulação cardíaca artificial, podendo assim, estas técnicas serem amplamente difundidas nas diretrizes médicas e implementadas na prática clínica. Dessa maneira, o estudo em questão, apresenta perspectivas positivas na busca de melhores resultados na terapia de ressincronização cardíaca.

REFERÊNCIAS

1 Nascimento EA, Wiefels Reis CC, Ribeiro FB, Alves CR, Silva EN, Ribeiro ML, Mesquita CT. Relação entre dissincronismo elétrico e mecânico em pacientes Submetidos a TRC com implante do eletrodo de VE orientado pela cintilografia GATED SPECT. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):607-615.
2 Ruschitzka F, Abraham WT, Singh JP, Bax JJ, Borer JS, Brugada J, et al. Cardiac-resynchronization therapy in heart failure with a narrow QRS complex. N Engl J Med. 2013;369(15):1395-405.
3 Sillanmäki S, Lipponen JA, Tarvainen MP, Laitinen T, Hedman M, Hedman et al. Relationships between electrical and mechanical dyssynchrony in patients with left bundle branch block and healthy controls. J Nucl Cardiol.2018 Feb 08:1-12.
4 International Atomic Energy Agency (IAEA). IAEA Annual Report 2013. Vienna (Austria);2013. [Cited in 2017 Feb 09] Available from: <>.
5 Chung ES, Leon AR, Tavazzi L, Sun JP, Nihoyannopoulos P, Merlino J, et al. Results of the predictors of response to CRT (PROSPECT) trial. Circulation. 2008; 117(20):2608-16.
6 Höke U, Bax JJ, Delgado V, Ajmone Marsan N. Assessment of left ventricular dyssynchrony by three-dimensional echocardiography: Prognostic value in patients undergoing cardiac resynchronization therapy. J Cardiovasc Electrophysiol. 2018; 29(5):780-7.
7 Stankovic I, Prinz C, Ciarka A, Daraban AM, Kotrc M, Aarones M, et al. Relationship of visually assessed apical rocking and septal flash to response and long-term survival following cardiac resynchronization therapy (PREDICT-CRT). Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2016; 17(3):262-9.
8 Khan FZ, Virdee MS, Palmer CR, Pugh PJ, O’Halloran D, Elsik M, et al. Targeted left ventricular lead placement to guide cardiac resynchronization therapy: the TARGET study: a randomized, controlled trial. J Am Coll Cardiol. 2012; 59(17):1509-18.
9 Romero-Farina G, Aguadé-Bruix S. Analysis of ventricular synchrony: A complex puzzle. J Nucl Cardiol. 2018 Mar 13. [Cited im 2018 June 10]. Available from:
10 Sassone B, Nucifora G, Mele D, Valzania C, Bisignani G, Boriani G; for Task Force on Imaging of Italian Association of Arrhythmias and Cardiac Stimulation (AIAC). Role of cardiovascular imaging in cardiac resynchronization therapy: a literature review. J Cardiovasc Med (Hagerstown). 2018;19(5):211-22.
11 Reis CCW, Nascimento EAD, Dias FBR, Ribeiro ML, Wanderley APB, Batista LA, Mesquita CT. Aplicabilidade da cintilografia miocárdica de perfusão na avaliação do sincronismo cardíaco. Arq Bras Cardiol imagem cardiovasc. 2017; 30(2):54-63.