versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol., ahead of print Epub 01-Jun-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2019-0183
A nefrolitíase representa um distúrbio comum, com uma incidência cumulativa ao longo da vida de 5 a 10% e com uma prevalência progressivamente crescente em todo o mundo1. Essa condição sistêmica resulta da interação de fatores metabólicos, herança genética e exposição ambiental, e está associada à hipertensão, doença arterial coronariana, síndrome metabólica e diabetes mellitus2. Obesidade, excesso de peso e ganho de peso também foram associados a um risco aumentado de formação de cálculos3,4. A síndrome metabólica e a resistência à insulina, consequências de um maior índice de massa corpórea, podem contribuir para o desenvolvimento de cálculos renais, por aumentar a excreção urinária de cálcio, ácido úrico e oxalato, e diminuir o pH urinário3,5.
A intervenção alimentar é um componente da prevenção de cálculos renais, pois dietas ricas em proteínas animais, cloreto de sódio e baixa ingestão de cálcio e líquidos conferem maior risco de formação de cálculos6,7. Algumas recomendações alimentares já foram associadas à redução do risco de nefrolitíase, como a proposta pela dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension)8.
A dieta DASH é rica em frutas, vegetais, grãos integrais, oleaginosas e leguminosas, moderada em produtos lácteos com reduzido teor de gordura e pobre em proteína animal, sódio, açúcar e gorduras saturadas. Os efeitos protetores dessa dieta parecem ser devido ao aumento de magnésio, citrato, potássio e pH urinários8. Foi demonstrado que a ingestão de frutas aumenta os níveis de citrato na urina9,10. Além disso, o citrato urinário pode aumentar devido à ingestão de frutas alcalinas, não cítricas e ricas em potássio, com alto teor de malato e citrato11.
Dada a potencial influência das condições nutricionais e da dieta sobre a litogênese, o presente estudo teve como objetivo realizar uma análise do padrão alimentar, investigando a adequação à uma dieta DASH de 222 indivíduos litiásicos (Lit) e compará-los com um grupo controle composto por 136 indivíduos sem histórico de litíase renal (não-Lit). A influência do padrão alimentar sobre os parâmetros litogênicos também foi avaliada.
Um total de 240 pacientes encaminhados ao Ambulatório de Nefrolitíase da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) devido a um diagnóstico de litíase renal foi recrutado para o presente estudo transversal e prospectivo. O diagnóstico de nefrolitíase foi realizado com base na presença de cólica renal com hematúria e eliminação espontânea e/ou remoção cirúrgica/endoscópica dos cálculos e/ou evidência radiográfica dos cálculos. Os critérios de exclusão foram idade < 18 anos, doença renal crônica (taxa de filtração glomerular estimada < 60 mL/min/1.73m2), gravidez, acidose tubular renal, hiperparatireoidismo, infecção recorrente do trato urinário, doença inflamatória intestinal, ressecção intestinal/cirurgia bariátrica ou doenças malignas. Na avaliação inicial, foram obtidos dados antropométricos, incluindo índice de massa corporal (IMC) e circunferência da cintura (CC), e os pacientes foram instruídos a preencher um registro de ingestão alimentar de três dias sob sua dieta regular e sem restrições, a coletar sangue em jejum de 12 horas e a trazer uma amostra de urina de 24 horas para determinação de alterações metabólicas. A amostra de urina de 24 horas deveria ser coletada preferencialmente após a conclusão do último (terceiro) dia do registro alimentar. Caso não fosse possível, era aceitável um intervalo de 1 semana entre a conclusão do registro alimentar e a coleta da amostra de urina. Todos os pacientes eram virgens de tratamento em relação à litíase renal. No caso de estarem recebendo tiazídicos para hipertensão, eles eram orientados a interromper o tratamento por 72 horas antes da coleta da amostra de urina de 24 horas. Um grupo controle de 150 indivíduos adultos sem histórico de litíase renal, composto por membros da equipe ou pessoas que acompanham pacientes, e que concordaram em completar os registros alimentares e seguir o mesmo protocolo mencionado acima, foi considerado para comparação. O estudo foi realizado no período de maio de 2016 a maio de 2018.
O Comitê de Ética e Pesquisa Médica Local aprovou o estudo e um termo de consentimento informado foi obtido de todos os indivíduos.
Todos os participantes foram submetidos à medida da CC e peso corporal e altura para o cálculo do IMC. Os pacientes foram classificados de acordo com o IMC em: eutrofia (< 25 kg/m2), sobrepeso (25 - 29,9 kg/m2) e obesidade (≥ 30 kg/m2). A ingestão alimentar foi avaliada a partir dos registros alimentares de três dias. Os participantes foram instruídos a anotar sua ingestão diária total de alimentos próximo à data da coleta de urina de 24 horas, no último (terceiro) dia de preenchimento do diário alimentar ou no intervalo máximo de uma semana. A ingestão de alimentos foi relatada através de medidas caseiras, descrevendo a quantidade de cada alimento consumido sem alterar os hábitos alimentares atuais. Após receber os registros, um nutricionista avaliou e corrigiu o diário alimentar durante uma entrevista. Esses dados foram utilizados para calcular os nutrientes usando o Software Dietpro 6.0, que contém as tabelas do Departamento de Agricultura dos EUA como banco de dados de nutrientes. As porções de alimentos do padrão de dieta DASH também foram determinadas a partir dos registros alimentares e com base no guia de dieta DASH12. Os grupos alimentares foram classificados de acordo com o padrão alimentar da dieta DASH como pertencentes a: grãos refinados; grãos integrais; vegetais; frutas; leite ou produtos lácteos com reduzido teor de gordura ou desnatados; carnes, aves e peixes; oleaginosas, sementes e leguminosas; gorduras e óleos; doces/açúcar de adição e sódio. A ingestão de oxalato foi calculada com base na tabela, encontrada no site de Harvard, utilizando os alimentos disponíveis neste banco de dados13. A amostra de urina de 24 horas foi empregada para estimar a ingestão de sódio e proteína. A ingestão de proteínas foi calculada usando a fórmula do Equivalente Protéico do Aparecimento de Nitrogênio Urinário (PNA): PNA = (nitrogênio da uréia urinária + [0,031 × peso]) × 6,25, onde o nitrogênio da uréia urinária é igual a (uréia urinária/2,14 × volume urinário).
As amostras de sangue foram testadas para creatinina, uréia, fósforo, ácido úrico, potássio, glicemia de jejum, colesterol total, LDL, HDL e triglicerídeos. Nas amostras de urina de 24 horas foram determinados volume urinário, cálcio, creatinina, uréia, ácido úrico, citrato, oxalato, sódio, potássio, magnésio, fósforo e pH. A creatinina foi determinada de acordo com a reação de Jaffe modificada, por um método rastreável por espectrometria de massa de diluição isotópica (ID-MS). O cálcio, o fósforo e o magnésio urinários foram determinados por um método colorimétrico; uréia, ácido úrico, citrato e oxalato por método enzimático e sódio/potássio por eletrodo íon-seletivo. A glicose sérica, ácido úrico, colesterol sérico total e HDL foram determinados por um método enzimático automatizado. O LDL foi calculado usando a Equação de Friedwald. Todos os parâmetros bioquímicos foram medidos em um analisador - Beckman Clinical Chemistry Analyzer (AU480-America Inc., Pensilvânia, EUA) e o pH da urina por medidor de pH (Micronal São Paulo, Brasil). A hipercalciúria idiopática foi definida como cálcio sérico dentro dos limites de normalidade e excreção urinária de 24 horas de cálcio ≥ 250 ou 300 mg/24 horas (para mulheres e homens, respectivamente). A hiperuricosúria foi considerada como ácido úrico urinário > 750 ou > 800 mg/24 horas (para mulheres e homens, respectivamente), hipocitratúria como citrato urinário < 320 mg/24 horas e hiperoxalúria como oxalato urinário > 45 mg/24 horas.
As distribuições das variáveis foram avaliadas pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas. Variáveis contínuas normais e assimétricas foram apresentadas como média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil (IQR), conforme apropriado. Modelos lineares generalizados (GLM) foram realizados para determinar as diferenças entre os 2 grupos, permitindo ajustes de idade. O teste de Spearman foi usado para correlações. A significância estatística foi definida como p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas usando o Statistical Package for the Social Sciences for Windows versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
Dos 240 pacientes elegíveis, 10 se recusaram a participar do estudo, 4 não realizaram a coleta adequada da amostra de urina de 24 horas e 4 não preencheram adequadamente o registro alimentar. Entre os controles inicialmente recrutados, 10 não compareceram para entregar as amostras de urina de 24 horas, 3 não coletaram a amostra adequadamente e 1 não completou adequadamente o registro alimentar. Os dados demográficos, parâmetros clínicos e laboratoriais são mostrados na Tabela 1. A porcentagem de mulheres foi significantemente menor (53,2 vs. 68,4%) e a idade média significantemente maior (41,7 ± 12,5 versus 36,0 ± 12,5 anos) entre os Lit do que no grupo não-Lit, com diabetes e hipertensão mais prevalentes no primeiro. O grupo Lit apresentou IMC, CC e porcentagens de sobrepeso e obesidade significantemente maiores. As médias de glicemia e de triglicérides foram significantemente maiores e o potássio sérico foi significantemente menor no grupo Lit quando comparado ao não-Lit. Em relação aos parâmetros urinários, o grupo Lit apresentou valores médios significantemente maiores de excreção de cálcio, sódio e oxalato e valores significantemente menores de citrato urinário. A distribuição de distúrbios metabólicos entre os Lit, isoladamente ou em associação, foi: hipocitratúria (31,7%), hipercalciúria (28,4%), hiperuricosúria (19,9%) e hiperoxalúria (6,5%).
Tabela 1 Parâmetros demográficos, clínicos e laboratoriais dos indivíduos litiásicos (Lit) e não litiásicos litiásicos (não-Lit)
Não-Lit n = 136 |
Lit n = 222 |
p | |
---|---|---|---|
Homens/Mulheres [n (%)] | 43 (31.6) / 93 (68.4) | 104 (46.8)/118 (53.2) | 0.004 |
Idade | 36.0 ± 12.5 | 41.7 ± 12.5 | < 0.001 |
IMC (kg/m2) | 25.8 ± 4.9 | 28.3 ± 5.8 | < 0.001 |
Eutrofia [n(%)] | 67 (49.3%) | 69 (31.1%) | 0.54 |
Sobrepeso [n(%)] | 42 (30.9%) | 80 (36.0%) | < 0.001 |
Obesidade [n(%)] | 27 (19.9%) | 67 (30.2%) | 0.03 |
CC (cm) | 89.7 ±14.0 | 96.5 ± 14.2 | 0.012 |
Diabetes [n(%)] | 5 (3.7%) | 26 (11.7%) | 0.006 |
Hipertensão [n(%)] | 10 (7.4%) | 57 (25.7%) | < 0.001 |
Plasma | |||
Glicemia de jejum (mg/dL) | 81.7 ± 9.9 | 96.6 ± 24.7 | < 0.001 |
Uréia (mg/dL) | 28.4 (23.0 - 34.5) | 29.9 (24.0 - 34.7) | 0.22 |
Creatinina (mg/dL) | 0.8 (0.6 - 0.9) | 0.9 (0.7 - 1.0) | 0.07 |
Ácido úrico (mg/dL) | 4.9 (4.0 - 5.8) | 5.2 (4.0 - 6.3) | 0.38 |
Potássio (mg/dL) | 4.5 (4.2 - 4.7) | 4.3 (4.1 - 4.5) | 0.02 |
Fósforo (mg/dL) | 3.4 (2.9 - 3.7) | 3.3 (2.9 - 3.7) | 0.50 |
Colesterol total mg/dL) | 183 (156 - 209) | 198 (166 - 224) | 0.16 |
Colesterol LDL (mg/dL) | 105 (80 - 126) | 114 (91 - 138) | 0.07 |
Colesterol HDL (mg/dL) | 53.2 ± 12.8 | 52.2 ± 23.0 | 0.69 |
Triglicérides (mg/dL) | 116 ± 88.0 | 159 ± 93.1 | 0.01 |
Urina | |||
Volume (mL) | 1478 ± 691 | 1937 ± 763 | < 0.001 |
Cálcio (mg/24h) | 158 ± 88 | 216 ± 118 | 0.01 |
Sódio (mEq/24h) | 172 ± 62 | 206 ± 89 | 0.04 |
Potássio (mEq/24h) | 49.0 (33.7 - 60.7) | 50.0 (39.5 - 63.5) | 0.57 |
Magnésio (mg/24h) | 98.2 ± 78.7 | 87.5 ± 38.0 | 0.23 |
Citrato (mg/24h) | 765 ± 578 | 449 ± 254 | < 0.001 |
Oxalato (mg/24h) | 20.2 ± 7.4 | 23.9 ± 10.4 | 0.02 |
Ácido úrico (mg/24h) | 551 (430 - 665) | 585 (438 - 726) | 0.31 |
Fósforo (mg/24h) | 741 (498 - 923) | 821 (598 - 1052) | 0.58 |
Uréia (g/24h) | 18.4 (14.4 - 24.2) | 20.7 (16.1 - 24.8) | 0.15 |
Creatinina (mg/24h) | 1379 (1108 - 1801) | 1478 (1174 - 1892) | 0.36 |
pH | 6.2 (5.6 - 6.6) | 6.1 (5.7 - 6.5) | 0.15 |
IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; Média ± DP; Mediana (Intervalo Interquartil).
A Tabela 2 mostra as correlações entre os parâmetros urinários e antropométrico. Entre os Lit, houve uma correlação positiva significante do IMC com excreção de uréia, creatinina, ácido úrico, sódio e oxalato e da CC com excreção de uréia, creatinina, ácido úrico, cálcio, sódio e oxalato. A CC apresentou correlação negativa com o pH da urina no grupo Lit. Entre os não-Lit, a CC apresentou correlação positiva com uréia, creatinina, ácido úrico, cálcio e citrato. Apenas 14,4% dos pacientes fizeram análise de cálculos e, dentre eles, 81,2% eram compostos de oxalato de cálcio monohidratado ou dihidratado, 15,6% de ácido úrico e 3,2% de cistina.
Tabela 2 Correlação entre os parâmetros urinários e antropométricos de indivíduos litiásicos (Lit) e não litiásicos (Não-Lit)
Parâmetros urinários | Não-Lit | Lit | ||
---|---|---|---|---|
IMC | CC | IMC | CC | |
r | r | r | r | |
Uréia (mg/24hs) | 0.30 | 0.54* | 0.35† | 0.38† |
Creatinina (mg/24hs) | 0.07 | 0.39* | 0.39† | 0.39† |
Ácido úrico (mg/24hs) | 0.36 | 0.42* | 0.49† | 0.45† |
Cálcio (mg/24hs) | 0.21 | 0.37* | 0.14 | 0.18* |
Citrato (mg/24hs) | 0.22 | 0.43* | -0.01 | -0.04 |
Sódio (mEq/24hs) | 0.02 | 0.16 | 0.43† | 0.39† |
Oxalato (mg/24hs) | 0.04 | 0.11 | 0.31* | 0.31* |
pH | 0.10 | -0.08 | -0.07 | -0.15* |
IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura;
†p < 0.001;
*p < 0.05.
Em relação aos dados alimentares, para evitar subestimação, a taxa metabólica basal (TMB) foi calculada e comparada com a ingestão calórica obtida nos registros alimentares de três dias (dados não mostrados nas tabelas). A mediana de ingestão calórica dos registros alimentares foi significantemente maior que a TMB para os grupos Lit (1826 Kcal [1456 - 2259] v.s. 1565 Kcal [1415 - 1782], p < 0,001) e não-Lit (1757 Kcal [1480 - 2156] v.s. 1608 Kcal [1439-1790], p < 0,001). Como visto na Tabela 3, o grupo Lit apresentou uma ingestão significantemente maior de proteína (avaliada por PNA), fibras e NaCl e menor ingestão de lipídios e cálcio, principalmente de origem animal. Ao comparar o PNA com a ingestão de proteínas obtida nos registros alimentares, observamos que o PNA médio foi significativamente maior que o último entre os Lit (1,8 ± 0,1 g ∕ kg v.s. 1,1 ± 0,4 g ∕ kg, p < 0,001) e entre os não-Lit (1,4 ± 0,1 g kg versus 1,1 ± 0,4 g kg, p = 0,04). O perfil de dieta DASH do grupo Lit revelou menor ingestão de frutas, lácteos com reduzido teor de gordura e doces / açúcar de adição, e maior ingestão de vegetais e oleaginosas/sementes/leguminosas quando comparados aos não-Lit. De qualquer forma, ambos os grupos estudados não revelaram um padrão alimentar próximo a um padrão de dieta DASH.
Tabela 3 Dados nutricionais de indivíduos litiásicos (Lit) e não-litiásicos (não-Lit)
Não-Lit | Lit | p | ||
---|---|---|---|---|
PNA (g/kg) | 1.4 ± 0.1 | 1.8 ± 0.1 | 0.03 | |
Lipídios (% energia) | 29.9 ± 9.2 | 25.4 ± 11.5 | < 0.001 | |
Carboidratos (% energia) | 49.6 ± 9.3 | 50.7 ± 8.8 | 0.52 | |
Fibras (g) | 17.1 ± 7.9 | 20.1 ± 11.2 | 0.02 | |
Cálcio (mg) | 596 ± 292 | 492 ± 266 | 0.001 | |
Animal (mg) | 437 ± 275 | 330 ± 227 | < 0.001 | |
Vegetal (mg) | 158 ± 72.0 | 161 ± 99.6 | 0.84 | |
Fósforo (mg) | 1000 ± 33.5 | 961 ± 26.5 | 0.09 | |
Animal (mg) | 632 ± 270 | 590 ± 350 | 0.18 | |
Vegetal (mg) | 378 ± 171 | 364 ± 159 | 0.44 | |
Oxalato (mg) | 47.9 ± 5.5 | 56.2 ± 4.4 | 0.51 | |
Potássio (mEq) | 52.8 ± 18.7 | 51.3 ± 21.0 | 0.32 | |
Magnésio (mg) | 205 ± 71.0 | 195 ± 72.1 | 0.44 | |
Vitamina C (mg) | 61.5 ± 69.3 | 77.3 ± 79.6 | 0.48 | |
NaCl (g) | 10.1 ± 3.4 | 12.0 ± 5.2 | 0.01 | |
DASH-grupos alimentares | Porções recomendadas |
|||
Grãos refinadosa | 6 - 8 | 7.3 ± 2.4 | 7.8 ± 3.1 | 0.09 |
Grãos integraisa | ND | 0.3 ± 0.7 | 0.3 ± 0.8 | 0.50 |
Legumesa | 4 - 5 | 1.4 ± 1.3 | 1.6 ± 1.4 | 0.03 |
Frutasa | 4 - 5 | 1.4 ± 1.3 | 1.3 ± 1.5 | 0.02 |
Lácteos com teor reduzido em gorduraa | 2 - 3 | 0.6 ± 0.9 | 0.3 ± 0.7 | < 0.001 |
Carnes magras (vermelha, frango, peixe) e ovosa | < 2 | 1.5 ± 0.8 | 1.5 ± 0.9 | 0.52 |
Oleaginosas, sementes e leguminosasb | 4 - 5 | 8.1 ± 7.3 | 12.3 ± 10.3 | < 0.001 |
Gorduras e óleosa | 2 - 3 | 2.2 ± 1.0 | 2.5 ± 1.2 | 0.008 |
Doces e açúcarb | < 5 | 24.7 ± 18.2 | 20.4 ± 14.6 | < 0.001 |
Sódio (mg)a | 2300 | 2810 ± 136 | 4110 ± 290 | 0.02 |
PNA: equivalente proteico do aparecimento do nitrogênio urinário; itens relatados como porções por diaa ou por semanab; ND - Não determinado.
A Tabela 4 mostra os coeficientes de correlação entre grupos alimentares da dieta DASH e parâmetros litogênicos do grupo Lit. É importante enfatizar que, de 222 pacientes, 190 coletaram a urina de 24 horas no terceiro dia da conclusão do registro alimentar e os 32 restantes, até 1 semana após. Houve uma correlação positiva significante entre o grupo de grãos refinados com a excreção urinária de oxalato, sódio e ácido úrico, dos vegetais com potássio urinário, frutas com citrato, carnes magras com oxalato, sódio e ácido urinários e oleaginosas/sementes/leguminosas com oxalato e potássio urinários. Também encontramos uma correlação significantemente negativa entre o grupo de lácteos com teor reduzido de gordura com oxalato, sódio e citrato urinarios.
Tabela 4 Correlação entre grupos alimentares da dieta DASH e parâmetros litogênicos no grupo de indivíduos litiásicos (Lit)
Porções dos grupos alimentares | Cálcio | Oxalato | Sódio | Citrato | Ácido úrico | Potássio |
---|---|---|---|---|---|---|
Grãos refinados | 0.08 | 0.29* | 0.17* | 0.05 | 0.16* | -0.04 |
Grãos integrais | 0.07 | -0.05 | -0.04 | 0.07 | 0.01 | -0.00 |
Vegetais | 0.03 | 0.16 | 0.08 | -0.00 | -0.04 | 0.19* |
Frutas | -0.03 | 0.09 | -0.09 | 0.13* | -0.02 | 0.06 |
Lácteos com teor reduzido em gordura | 0.01 | -0.20* | -0.18* | -0.21* | -0.06 | 0.12 |
Carnes magras e ovos | 0.09 | 0.19* | 0.13* | 0.11 | 0.31† | 0.12 |
Oleaginosas, sementes e leguminosas | 0.10 | 0.36* | 0.26† | 0.17 | 0.18* | 0.20* |
Gorduras e óleos | -0.01 | 0.09 | 0.08 | 005 | -0.03 | -0.04 |
Doces e açúcar | -0.05 | -0.12 | -0.03 | 0.03 | -0.03 | -0.12 |
†p < 0.001;
*p < 0.05.
Como mostra a Figura 1, o PNA se correlacionou de maneira positiva e significante com cálcio, oxalato, sódio e ácido úrico urinários no grupo Lit e apenas com os dois últimos parâmetros urinários no não-Lit.
Figura 1 Gráficos de dispersão entre PNA (proteína equivalente à aparência de nitrogênio) e parâmetros litogênicos em indivíduos litiásicos (Lit) (●) e não-Lit (○ - - -). Cálcio urinário: Lit r = 0,28 (p = 0,003) não-Lit r = 0,19 (p = 0,26)/Sódio urinário: Lit r = 0,43 (p < 0,001) não-Lit r = 0,36 (p < 0,005)/oxalato urinário: Lit r = 0,35 (p < 0,05) não-Lit r = 0,16 (p = 0,37)/ácido úrico Lit r = 0,43 (p < 0,001) não-Lit r = 0,48 (p = 0,003).
Houve correlação positiva e significante entre a ingestão de NaCl com cálcio, ácido úrico e oxalato urinários entre os Lit e com cálcio e ácido úrico urinários entre os não-Lit (Figura 2).
Figura 2 Gráficos de dispersão entre NaCl na dieta e parâmetros litogênicos em indivíduos litiásicos (Lit) (●) e não-Lit (○ - - -). A Cálcio urinário: Lit r = 0,41 (p < 0,001) não-Lit r = 0,54 (p = 0,001) / B Ácido úrico urinário: Lit r = 0,69 (p < 0,001) não-Lit r = 0,47 (p = 0,003) / C Urinário oxalato: Lit r = 0,52 (p < 0,001) não-Lit r = 0,31 (p = 0,16).
Foi demonstrado previamente uma associação entre padrão de dieta DASH e reduzido risco de formação de cálculos renais, devido à potencial elevação do citrato e volume urinários8. O presente estudo teve como objetivo avaliar o padrão alimentar de indivíduos litiásicos e sua adequação a um padrão de dieta DASH, e sua influência sobre os parâmetros litogênicos.
Na presente série, os Lit eram mais velhos, apresentavam maior porcentagem de obesidade e sobrepeso e apresentavam níveis séricos médios de glicose e triglicerídeos mais elevados do que os não-Lit. Desta forma, os Lit apresentaram maior prevalência de diabetes (e hipertensão). Seu perfil metabólico apresentou maior excreção urinária de cálcio, sódio, oxalato e menor citrato, quando comparados aos não-Lit. Além disso, no grupo Lit, tanto o IMC quanto a CC foram diretamente correlacionados ao oxalato e sódio urinários. A CC apresentou correlação positiva com o cálcio e negativa com o pH urinário. Essas observações concordam bem com os dados relatados por Shavit et al.14, que enfatizaram que não apenas os obesos, mas também os com sobrepeso, apresentaram maior cálcio, sódio e oxalato na urina. Esses achados destacam que tanto a obesidade quanto o excesso de peso afetam os parâmetros litogênicos urinários, como relatado anteriormente3.
Considerando a recomendação de ingestão de cálcio para adultos saudáveis em torno de 1000 mg/dia, a presente análise revelou um baixo consumo de cálcio, abaixo de um valor médio de 600 mg/dia para ambos os grupos. Essas observações estão de acordo com uma revisão sistemática recente sobre a ingestão global de cálcio, mostrando que os países nas categorias de ingestão de 400 a 500 e 500 a 600 mg/dia estão agrupados na América do Sul (Argentina, Bolívia e Brasil) e espalhados pela costa Asiática e do Pacífico e Norte da África15. Independentemente da quantidade total de consumo diário de cálcio, a maioria dos estudos mostra uma ingestão de cálcio semelhante ou até mais baixa no grupo Lit quando comparados a indivíduos saudáveis16-18. Além disso, ao caracterizar o perfil alimentar dos Lit da presente série, observamos que a menor ingestão média de cálcio foi proveniente de fontes animais, associada a uma tendência de menor ingestão de fósforo de origem animal, sugerindo, assim, um consumo reduzido de lácteos. Desde 1993, Curhan et al.7 mostraram que uma baixa ingestão de cálcio afeta negativamente o risco de formação de cálculos, independentemente de sua origem19. Os resultados atuais destacam que, apesar da recomendação para a abolição da restrição de cálcio7,20, um baixo consumo de cálcio/lácteos por Lit permanece como um hábito alimentar contraproducente.
Além disso, no presente estudo, observamos uma maior excreção de oxalato pelo grupo Lit, embora dentro dos limites normais. Dado que a ingestão de oxalato não diferiu entre os grupos, parece que a menor ingestão de cálcio pode ter contribuído para aumentar o oxalato urinário, uma vez que menos cálcio livre está disponível para quelar o oxalato intestinal, aumentando sua absorção7,21. Sabe-se que a contribuição do oxalato na dieta para a oxalúria é altamente dependente da ingestão de cálcio, uma vez que uma maior ingestão de oxalato não aumenta o risco de formação de cálculos quando a ingestão de cálcio é adequada22, reforçando a necessidade de equilibrar a ingestão de ambos. Dessa forma, encontramos uma associação inversa entre a ingestão de produtos lácteos com teor reduzido em gordura e oxalato urinário (Tabela 4). Na presente amostra de Lit, e em estudos anteriores do nosso grupo18, a ingestão de oxalato havia sido baixa e dentro das recomendações da American Dietetic Association (< 60 mg/dia), mas muito abaixo dos dados epidemiológicos dos EUA, cerca de 200 mg/dia23.
Paradoxalmente, um dos achados intrigantes do presente estudo foi que o volume urinário médio de 24 horas foi maior entre os Lit em relação aos não-Lit, provavelmente refletindo recomendações prévias de outros médicos e profissionais de saúde ou mesmo dos meios de comunicação para aumentar a ingestão de líquidos.
Foi encontrada uma maior ingestão proteica no grupo Lit quando comparado ao não-Lit, o que está de acordo com os achados de outros pesquisadores17. Por outro lado, embora seja esperado que a proteína altere muitos parâmetros urinários relacionados à formação de cálculos renais, vários estudos não observaram um maior consumo proteico entre os pacientes formadores de cálculos16,24. Tais discrepâncias podem ser atribuídas ao uso atual de PNA, que não foi empregado em nenhum dos estudos mencionados acima. A diferença significante entre o PNA e a ingestão de proteínas calculada a partir dos registros alimentares na presente série pode ser devido ao PNA refletir a ingestão de proteínas a partir de um dia, em oposição à média de três dias a partir dos registros alimentares. No entanto, diferenças semelhantes já foram descritas por outros autores25. De qualquer forma, o nitrogênio na urina é um melhor indicador do teor de proteína da dieta do que as estimativas dos registros alimentares26. Observamos uma correlação positiva entre o PNA com o cálcio urinário, que pode ser atribuído à carga ácida da proteína27 ou não28. O atual aumento do PNA no grupo Lit não foi explicado pelo consumo de carnes.
O registro alimentar revelou um consumo muito baixo ou inexistente de todas as sementes e oleaginosas. Portanto, a maior contribuição para um consumo significativamente maior desse grupo de alimentos pelos Lit pode ter sido de leguminosas, especialmente feijão. Um alto consumo diário de feijão é, de fato, uma parte muito frequente dos hábitos alimentares diários da população brasileira, divulgada por 70% dos indivíduos29. Além de garantir uma boa porção do grupo de leguminosas, o consumo de feijão contribui ainda mais para o aumento de potássio, fibras e proteínas vegetais na dieta. Por outro lado, também pode fornecer uma grande quantidade de oxalato13,30. Embora Ferraro et al.31 não encontraram um risco aumentado para a formação de cálculos por proteína vegetal; é importante enfatizar que a quantidade de ingestão proteica do grupo Lit na presente série foi mais do que duas vezes acima da recomendação do IOM para ingestão total de proteína de 0,8 g/kg/dia. De qualquer forma, a possibilidade de carnes processadas e não-magras terem contribuído para o aumento da PNA não pode ser descartada, pois a coleta de urina de 24 horas não foi obtida no mesmo dia do registro alimentar em todos os pacientes.
A avaliação dos grupos alimentares do padrão de dieta DASH revelou que o consumo de carnes magras/ovos não diferiu entre Lit e não-Lit. No entanto, o grupo alimentar de carnes magras/ovos e o PNA se correlacionaram positivamente com a excreção de oxalato apenas entre os Lit. Vale ressaltar que o grupo de leguminosas também se correlacionou diretamente com a oxalúria. Essas observações estão de acordo com os dados de Nguyen et al.32 que mostraram que um terço dos pacientes formadores de cálculos são sensíveis à ingestão de proteínas da carne em termos de excreção de oxalato. Embora teoricamente o efeito oxalúrico da proteína esteja ligado à ingestão de hidroxiprolina, um aminoácido encontrado na carne, dados epidemiológicos não mostraram relação entre a ingestão de proteína animal e a excreção de oxalato33. Os resultados encontrados sugerem que um alto consumo de carne não magra/processada, feijão ou ambos foram responsáveis pelo aumento da excreção de oxalato. Outra correlação positiva observada foi entre os grupos alimentares DASH de grãos refinados, carnes magras/ovos e leguminosas com ácido úrico urinário entre os Lit. Por fim, o ácido úrico urinário correlacionou-se com o PNA em ambos os grupos, conforme relatado em outros estudos31.
Na presente série, o grupo Lit apresentou maior consumo de NaCl do que o não-Lit, que se correlacionou diretamente com o cálcio, ácido úrico e oxalato urinários. Um consumo elevado de sal por Lit foi previamente divulgado por nosso grupo34,35 e outros17. O efeito da ingestão de Na no aumento da excreção de cálcio está bem estabelecido36, e um estudo transversal constatou que os Lit nos quartis mais altos de sódio urinário excretaram 37 mg/dia a mais de cálcio urinário do que os participantes no quartil mais baixo37. Além disso, mostramos anteriormente que uma alta ingestão de NaCl está relacionada à perda óssea entre os formadores de cálculos renais34. A redução da excreção de oxalato pela diminuição da ingestão de sódio foi previamente atribuída a uma redução na absorção intestinal de oxalato38. Mais recentemente, foi demonstrado que o ácido úrico urinário diminuiu significativamente com uma dieta com pouco sal39.
No presente estudo, nenhum dos grupos apresentou um padrão de dieta DASH. O grupo Lit alcançou apenas a ingestão recomendada pela dieta DASH em relação a quatro grupos de alimentos: grãos refinados, carnes magras/ovos, legumes e gorduras/óleos. A ingestão média de vegetais, frutas, grãos integrais e lácteos com teor reduzido em gordura não atingiu a recomendação mínima de 2 porções por dia para os dois primeiros grupos de alimentos e 1 porção por dia para os dois últimos. Também é importante enfatizar que a ingestão média de Na pelos Lit foi quase o dobro da quantidade recomendada pela dieta DASH e o consumo habitual de doces e açúcar de adição foi quatro vezes maior que a recomendação de 5 porções/semana. Curiosamente, o consumo deste último no grupo Lit foi significativamente menor quando comparado aos não-Lit, uma observação que pode ser explicada pela maior prevalência de diabetes entre os Lit.
Apesar do consumo inadequado de frutas, os dados atuais mostraram uma correlação positiva entre o consumo de frutas e a excreção de citrato entre os FC, como esperado10,40. Além disso, embora a ingestão de vegetais também estivesse abaixo da recomendação para ambos os grupos, a ingestão significativamente maior detectada entre os Lit ainda foi suficiente para ser positivamente associada ao potássio urinário. Por outro lado, o potássio na dieta detectado pelo registro alimentar não diferiu entre os grupos, o que pode ter sido resultado de uma maior ingestão de vegetais, mas uma menor quantidade de frutas pelo grupo FC.
Algumas limitações do nosso estudo devem ser apontadas. Nutrientes e grupos de alimentos da dieta DASH foram derivados de um diário alimentar de 3 dias, auto-relatado, conhecido por fornecer dados subnotificados e erros na estimativa do tamanho das porções. O oxalato pode ter sido subnotificado desde que a presente análise foi realizada incluindo apenas os alimentos disponíveis fornecidos pela tabela da Harvard13. Os grupos não foram pareados por idade, mas os presentes resultados foram ajustados estatisticamente através do GLM. Um dos pontos fortes desta pesquisa foi a avaliação de um padrão alimentar entre pacientes formadores de cálculos, usando um registro alimentar de três dias, uma vez que a maioria dos artigos anteriores havia focado na ingestão de macro e micronutrientes avaliados por questionários de frequência alimentar, que não são quantitativamente precisos. Também é importante destacar a relevância deste estudo para a divulgação de um possível padrão de dieta DASH em uma nação ocidental diferente.
Em resumo, detectamos maior prevalência de obesidade na atual série de Lit, e correlação positiva entre CC e cálcio, sódio, ácido úrico e oxalato urinários e negativa com pH urinário. Embora o grupo Lit tenha atingido a ingestão recomendada pela dieta DASH em relação a grãos refinados, carnes magras/ovos, leguminosas e gorduras/óleos, eles ainda consomem menos cálcio e mais sal e proteína do que a recomendação, não refletindo um padrão ideal de dieta DASH.