versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016AO3548
Plaquetas são fragmentos celulares originados dos megacariócitos, com aproximadamente 2μm de diâmetro. Possuem, em sua estrutura, algumas organelas, como mitocôndrias, microtúbulos e grânulos (α, δ e λ). Os grânulos α contêm mais de 30 proteínas bioativas, entre fatores de crescimento, citocinas, moléculas de adesão e outras, que possuem papel fundamental na homeostasia e na remodelação tecidual.(1,2) A análise do proteoma das plaquetas mostra que, em resposta à ativação pela trombina, as plaquetas humanas liberam mais de 300 proteínas diferentes.(2) Esses fatores de crescimento têm um impacto importante no funcionamento das células mesenquimais durante os processos de cicatrização tecidual.(3–6) Além disso, citocinas e quimiocinas eventualmente presentes no plasma rico em plaquetas (PRP) podem auxiliar na modulação da inflamação e na resolução dos processos de regeneração.(6–10) O uso de plaquetas como uma fonte rica de fatores bioativos foi sugerido inicialmente como um complemento para a cola alogênica de fibrina. Porém, a disponibilidade dos fatores de crescimento nos concentrados de plaquetas tornou-se um grande atrativo como indutor da cicatrização e regeneração tecidual, sendo considerada uma alternativa de baixo custo,(11) embora ainda nestes últimos 10 anos tenha ocorrido mudança gradativa no custo da aplicação. Um sucedâneo desses concentrados de plaquetas é um produto do qual são retirados leucócitos e hemácias, mas preservadas as plaquetas, que são elementos de menor tamanho e peso, e que recebem o nome de PRP.
O uso do PRP tem sido proposto em várias áreas da saúde e, em especial, na ortopedia, na medicina esportiva e na odontologia, como adjuvante terapêutico em processos de regeneração tecidual. Vários investigadores relacionaram este tipo de aplicação clínica do PRP com a indução de formação óssea ou aceleração na cicatrização de tecidos, como ligamentos, músculo ou tendões.(4,12–15) No entanto, o tema é controverso, pois alguns relatos referem bons resultados com o uso do PRP,(16,17) enquanto outros indicam resultados insuficientes ou negativos.(16–18)
O PRP corresponde a um volume de plasma cuja concentração de plaquetas está acima do valor normal. Normalmente, a contagem de plaquetas, no sangue é, em média, de 200.000 plaquetas/μL, mas, após o processamento, espera-se no PRP uma concentração de 1.000.000 plaquetas/μL, ou seja, um enriquecimento de cinco vezes.(19,20) Sendo este um produto geralmente de origem autóloga, é considerado, por este motivo, seguro para aplicação clínica, por não envolver reação com hospedeiro e nem transmitir doenças.(3,21) No entanto, ao utilizar preparados oriundos de pacientes com doenças de natureza imune e inflamatória, uma variável não controlada é adicionada à proposta terapêutica. Há poucos estudos que documentam, de forma consistente, os efeitos da aplicação de PRP nos pacientes ou mesmo a própria composição dos preparados.(22) Informações mais claras sobre eficiência do tratamento, tempo de duração dos efeitos, incidência e tipo de eventos adversos não são conhecidas. Além disso, não há consenso sobre a composição ideal e nem sobre o perfil dos componentes presentes nas diversas formulações e modos de preparo do PRP.(20,22,23) Não menos importante, diversos estudos que mostram efeitos positivos da aplicação de PRP conduziram, na verdade, ensaios que incluíram osso autógeno, além do PRP na regeneração de pele e osso.(15) Uma das questões ainda em aberto trata da presença de hemácias e leucócitos contaminantes do PRP e seu papel no sucesso ou fracasso do tratamento. Alguns estudos mostram que as hemácias presentes em injeções intra-articulares podem levar à irritação da membrana sinovial, ao passo que leucócitos podem ser associados tanto à proteção tecidual quanto à maior inflamação.(4) De fato, a presença de leucócitos parece acarretar um aumento significativo de citocinas inflamatórias, alterando o potencial regenerador do PRP,(20,24) induzindo dor e limitação funcional. Por outro lado, outros estudos mostram a possível função antibacteriana do PRP.
Existem vários métodos que buscam a obtenção de PRP a partir do sangue total.(21,22) O método aberto, ainda visto como um dos mais eficientes, utiliza a centrifugação com posterior recuperação do plasma isolado.(18) Há também colunas para obtenção do PRP comercializados em forma de kits sem especificações de seu conteúdo. Nesse estudo, comparamos o PRP obtido por meio do método aberto com dois produtos comerciais, mais especificamente as colunas Magellan (Arteriocyte Medical System, Cleveland, Ohio, EUA) e GPSIII (Biomet, Warsaw, Indiana, EUA). Analisamos amostras de sangue antes do preparo e o PRP obtido após o processamento, quanto à presença e contagem de elementos figurados, em especial a contagem de plaquetas, concentração fator de crescimento transformador-beta1 (TGF-β1) e fator de crescimento fibroblástico 2 (FGF-2), TGF-β1 e FGF-2 básico. Além disso, medimos citocinas e quimiocinas envolvidas em processo de cicatrização ou com potencial imunomodulador, a saber: interleucina (IL) 1β, IL-6, IL-8, IL-10, tumor necrosis factor alpha (TNF-α), monocyte chemotactic protein-1 (MCP-1), macrophage inflammatory protein-1 (MIP-1) e regulated on activation, normal T cell expressed and secreted (RANTES). As amostras foram obtidas de pacientes submetidos à cirurgia por lesão com o racional de avaliar se estavam presentes fatores pró- e anti-inflamatórios, e se as amostras de PRP se encontravam livres de elementos figurados eventualmente danosos ao tratamento.
Avaliar fatores de crescimento e citocinas em amostras de plasma rico em plaquetas, obtidas por meio de três métodos diferentes de centrifugação.
Foi coletado sangue periférico de seis indivíduos, submetidos à cirurgia de lesão do manguito rotador, sem doença hematológica, com idade entre 18 e 68 anos, para obtenção de PRP, aplicando o método aberto e, em paralelo, utilizando as colunas Magellan e GPSIII. A primeira refere-se a uma coluna de separação de plaquetas usada em uma única etapa de centrifugação, sem indicações sobre a contaminação com hemácias, mas com a informação de que leucócitos estarão presentes no concentrado. A segunda coluna é indicada para uso em um protocolo de duas etapas, nas quais o PRP é recuperado da camada intermediária entre as hemácias e o sobrenadante. Foram coletados 26mL e 60mL de sangue periférico, respectivamente, para cada kit. As amostras foram processadas pelo representante local de cada marca, seguindo o protocolo estabelecido pelos fabricantes. Estas duas marcas têm em comum o fato de prepararem PRP mais rico em leucócitos e plaquetas.(22)
Para análise do sistema aberto de obtenção de PRP, desenvolvido por Anitua et al.,(21) foram coletados 20mL de amostra de sangue periférico com agulha de calibre 19, em tubos contendo citrato sódico, de quatro indivíduos, com idade entre 54 e 63 anos. O material foi centrifugado a 650g por 8 minutos, em temperatura ambiente, e o sobrenadante de plasma coletado na terceira fração, próxima dos leucócitos e hemácias, correspondendo à fração rica em plaquetas e fatores bioativos, mas buscando evitar a coleta de leucócitos.(25)
Após, dentro do período máximo de 1 hora após a coleta das amostras de PRP, pelos três diferentes métodos, estas foram submetidas à avaliação em laboratório clínico, sem ativação com a trombina ou tratamento com cloreto de cálcio para induzir a formação de fibrina. O restante das amostras foi armazenado a -20°C até o momento das análises.
O estudo foi realizado em plena conformidade com as diretrizes do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, número do protocolo 07/733, CAAE: 0182.0.028.000-07. As amostras foram coletadas após obtenção do consentimento informado por escrito de todos os doadores.
Os seguintes parâmetros foram medidos nas amostras de PRP: concentração de plaquetas, leucócitos e hemácias, volume médio plaquetário (VMP), hemoglobina e hematócrito, no laboratório de análises clínicas do Hospital Israelita Albert Einstein.
Os fatores de crescimento FGF-2 (básico) e TGF--β1 foram mensurados utilizando Quantikine Human FGF basic Immunoassay kit (R&D) e Human TGF-β1 ELISA Set, (BD OptEIA™), respectivamente, seguindo as instruções dos fabricantes. Foram incubados 100μL de cada amostra com reagente RD1-43 ou tampão de captura Ab por 2 horas (após ativação com HCl 1N, na diluição de 1:25 por 60 minutos a 4°C, seguido de neutralização com NAOH 1N 1:25) em temperatura ambiente. Após lavagens, as amostras foram incubadas com FGF-2 conjugado ou com substrato TGF-β1 por 30 minutos. A reação foi interrompida com adição da solução stop, e as leituras de absorbância foram obtidas em leitor de microplacas (DTX 880 Multimode Detector – Beckman Coulter, Inc.), no comprimento de onda de 450nm para FGF-2 e 570nm para TGF-β1.
As análises de citocinas inflamatórias e quimiocinas foram realizadas utilizando a técnica de Cytometric Bead Array (CBA), com o kit Human Inflammatory Cytokines (IL-8, IL-1β, IL-6, IL-10, TNF, IL-12p70) e Human Chemokine (IL-8, RANTES, MIG, MCP-1, IP-10), ambos da BD Pharmingen (San Diego, CA), seguindo as indicações do fabricante. Resumidamente, uma curva de diluição seriada foi preparada com a amostra padrão das citocinas. Para a reação, 50μL de cada amostra foram incubados com a mistura de beads específica para cada um dos analitos, seguidos da reação com o anticorpo secundário conjugado com o reagente PE Detection, por uma hora, em temperatura ambiente. Em seguida, as amostras foram lavadas e ressuspensas com tampão de lavagem (Wash Buffer), sendo analisadas no citômetro de fluxo (FACSARIA, BD Biosciences, San Jose, CA). Os dados foram analisados por meio dos programas FlowJo (TreeStar, Ashland, OR) e BD CBA.
Média e erro padrão foram calculados para todas as variáveis, utilizando o programa GraphPad Prism versão 6 (GraphPad Software, Inc., La Jolla, CA). As variáveis foram avaliadas pelo teste de Análise de Variância (ANOVA) para dados não paramétricos. Os valores de p<0,05 foram definidos como nível de significância.
O perfil e a composição do concentrado plaquetário obtido por meio dos três métodos são apresentados na tabela 1. Observaram-se diferenças significativas em relação à composição do PRP das mesmas seis amostras submetidas aos diferentes métodos. Apesar da variabilidade observada entre amostras, as duas colunas geraram, para cada amostra, perfis sistematicamente diferentes referentes ao número de plaquetas e de leucócitos. A maior concentração de plaquetas foi obtida usando-se a coluna Magellan, em média 2,7 (2,11 a 3,95) vezes maiores que GPSIII. Os dados indicaram um concentrado de apenas 1,5 vez obtida com a coluna GPSIII, ao contrário da coluna Magellan, capaz de concentrar as plaquetas em torno de 5 vezes. No entanto, não houve diferença no volume médio de plaquetas em nenhuma das amostras, indicando ausência de lise das plaquetas, um fator que poderia explicar os valores mais baixos.
Tabela 1 Perfil e composição do concentrado plaquetário
Sistema | Plaquetas (x 103/uL) | Volume médio (mL) | Leucócitos (x 103/uL) | Hematócrito (%) | Hemoglobina (g/dL) |
---|---|---|---|---|---|
GPS III | 606,33±84,7 | 6,7±1,3 | 25,03±1,9 | 14,23±5,1 | 5,65±1,4 |
Magellan | 1630,25±271 | 6,4±1,3 | 12,96±1,87 | 6,96±1,4 | 3,1±0,6 |
Aberto | 55±8,6 | 5,65±0,27 | 0,6±0,2 | 0,025±0 | 0,13±0,1 |
Valores de referência para plaquetas: de 150 a 450 × 103/μL; para volume médio: de 6,5 a 11mL; (n=6).
Apesar do baixo número de plaquetas no PRP preparado pelo método aberto, o produto resultante continha as moléculas bioativas desejadas. De fato, a concentração de TGF-β1 observada foi a maior das três preparações.
A presença de FGF-2 (Figura 1A) também apresentou alta variabilidade, mas majoritariamente, de forma invertida, em relação ao TGF-β1 (Figura 1B).
Figura 1 Concentração dos fatores de crescimento. (A) fator de crescimento transformador beta 1 e (B) fator de crescimento fibroblástico 2 analisados nos plasmas rico em plaquetas obtidos pelos métodos Magellan (n=6), GPSIII (n=6) e aberto (n=4)* Comparação entre sistema aberto e GPSIII, p<0,05.TGF-β1: fator de crescimento transformador-beta1; FGF-2: fator de crescimento fibroblástico-2.
Os resultados da análise de citocinas e quimiocinas encontram-se nas figuras 2 e 3, respectivamente. Os valores das citocinas foram muito semelhantes entre as amostras obtidas pelas três técnicas. Nas amostras obtidas com GPSIII, este índice foi ainda mais elevado quando comparado às amostras Magellan (Figura 2A). O mesmo ocorreu em relação a IL-1β, pois as amostras obtidas com GPSIII apresentaram uma quantidade expressivamente maior que as dos demais grupos (Figura 2B). Por outro lado, embora as plaquetas não tenham sido recuperadas com o método aberto, os níveis de IL-6 observados foram consistentemente elevados neste último método do que nos outros dois (Figura 2C). As demais citocinas, IL-10, TNF-α e IL-12p70 (Figuras 2D, 2E e 2F), foram similares nos três tipos de amostras.
Figura 2 Niveis de interleucina no plasma rico em plaquetas medidos pelos metodos avaliados Magellan (n=6), GPSIII (n=6) e aberto (n=4). (A) IL-8; (B) IL-1β; (C) IL-6; (D) IL-10; (E) tumor necrosis factor alpha (TNF-α) (F) IL-12p70* Valor de p<0,05; ** Valor de p<0,01.TNF-α: tumor necrosis factor alpha; IL: interleucina
Figura 3 Níveis de quimiocinas medidos nas amostras de plasma rico em plaquetas pelos métodos Magellan (n=6), GPSIII (n=6) e aberto (n=4)*Valor de p<0,05.MIG: monokine induced by gamma; MCP: monocyte chemotactic protein; IP: inducible protein; RANTES: regulated on activation, normal T cell expressed and secreted.
Os resultados mostraram a presença, ainda que moderada, das quimiocinas MIG, MCP-1 e IP-10 nos concentrados obtidos pelos três métodos (Figura 3A, 3B e 3C), ao contrário de RANTES, presente em valores maiores que os esperados, em especial nas amostras obtidas pelo sistema aberto (Figura 3D).
Os resultados obtidos nesse estudo mostram uma enorme variabilidade, conforme o tipo de preparação, mesmo em se tratando da mesma amostra coletada. Pergunta-se qual é, afinal, a composição desejada de um PRP? E, acima de tudo, quais são os componentes indesejados que podem levar a efeitos colaterais e a dano ao tecido quando do seu emprego? Já foi descrito que o conteúdo final do PRP obtido com os métodos comerciais apresenta uma maior concentração de hemácias, o que aparentemente não induz complicações inflamatórias em razão de alguma reação tecidual a hemácias.(26,27) No entanto, nesse trabalho a aplicação em tratamento ortodôntico foi testada e foram possíveis efeitos inflamatórios diferentes conforme o tecido avaliado.(27) De fato, no caso do reparo musculoesquelético, preconiza-se evitar a contaminação com hemácias. O ferro contido nas moléculas heme catalisa a formação de radicais livres, que, por sua vez, podem induzir não só a morte das bactérias, mas também a apoptose das células no tecido em resposta à sinalização pró-inflamatória.(28) O número de hemácias e leucócitos presente no preparado GPSIII era praticamente o dobro do encontrado no preparado em coluna Magellan. Esta última, em contraste, gerou amostras com concentração de plaquetas três vezes maior, na faixa do preconizado, ao contrário dos demais métodos.
Por outro lado, o volume médio plaquetário se manteve proporcional em todos os métodos, indicando que a concentração final obtida não é um artefato, devido à lise plaquetária durante o processo de centrifugação, deixando claro, então, que, para cada método utilizado, obtém-se um produto final diferente. Assim, conclui-se que as diferenças no número de plaquetas observadas é devida à própria composição das colunas ou aos procedimentos indicados pelos fabricantes. Já o método aberto resultou em produto com a menor concentração de plaquetas, ou seja, um resultado inesperado. Durante o processo aberto, parece ter havido perda de plaquetas, mas não foi possivel precisar o motivo, já que a perda foi significativa. Na definição aceita de PRP, este deve conter, no mínimo, 200.000 plaquetas/μL.(28) Ainda assim, nas amostras obtidas pelo sistema aberto, as demais análises foram efetuadas para avaliar se esses preparados, apesar da baixa concentração de plaquetas, continham os fatores considerados importantes para o efeito terapêutico desejado. É importante salientar que o produto obtido na coluna GPSIII apresentou uma quantidade significativamente maior de leucócitos quando comparado à coluna Magellan, e o mesmo ocorreu com o hematócrito. Havia, ainda, níveis altos de hemoglobina nas amostras de PRP preparadas com as duas colunas comerciais (Magellan e GPSIII).(26,29)
Em contraste, a medida dos fatores de crescimento TGF-β1 e FGF-2 mostrou um maior nível de TGF-β1 apenas no preparado obtido com o sistema aberto, indicando que a concentração dos fatores de crescimento TGF-β1 e FGF-2 no PRP não está necessariamente relacionada à massa de plaquetas recuperadas. Este resultado contrapõe estudos anteriores, que sugerem uma relação direta entre a concentração de plaquetas e de outros elementos figurados nos preparados e os níveis de TGF-β1 e FGF-2.(3,24) A maior concentração de TGF-β1 no PRP obtido com o sistema aberto pode ter sido em razão do TGF-β1 circulante no plasma. Por outro lado, a obtenção de medidas reprodutíveis de TGF-β1 é reconhecidamente difícil.(30) Alguns trabalhos indicam valores séricos na faixa de 0,1 a 25ng/mL(29,30) ou em torno de 5ng/mL.(31) Na comparação, os valores obtidos no nosso estudo são bem mais baixos. De acordo com Veselý et al.,(31) o FGF-2 é normalmente indetectável no soro, com valores muito baixos, conforme pudemos observar. No entanto, apesar de serem classificadas como geradoras de PRP rico em leucócitos(22) e, portanto, com potencial de apresentarem quantidades maiores de TGF-β1, apenas o preparado com GPS III atingiu níveis estatisticamente significantes em relação ao sistema aberto. A grande variação dos dados, mesmo em se tratando de análises feitas concomitantemente, em triplicata, indica que a variação nesses valores não deva ter um grande significado biológico. De fato, os valores séricos normais de TGF-β1 relatados na literatura variam entre 4,83 e 55,05ng/mL,(31) confirmando que os valores obtidos de TGF-β1 são, na verdade, todos abaixo do esperado. Os valores medidos neste trabalho são equiparados aos obtidos por outros autores(29) e correspondem provavelmente ao TGF-β1 das plaquetas, pois as amostras de plasma sofreram processo de ativação para liberar o TGF-β1 dimerizado com peptídeo associado à latência (LAP - latency-associated peptide).(30)
Em paralelo, nossos resultados mostram que a obtenção de PRP pelos três métodos descritos produziram consideráveis quantidades de IL-6, IL-1β, IL-8 e TNF-α. Todas as amostras de PRP apresentaram níveis de IL-8 elevados em comparação aos valores de referência descritos na literatura, ou seja, 1,2 a 1,5ng/L.(24,26) A proliferação de fibroblastos, com produção de matriz e fibrose cicatricial, é uma das características principais dos estágios finais da cicatrização, e vários fatores de crescimento têm sido estudados com possível atuação em melhorar a cicatrização de tecidos alvo.(32) Os fibroblastos proliferam em resposta ao estímulo de citocinas e fatores, como IL-1, IL-6, IL-4, TNF-α, FGF-2 e TGF-β1 − justamente os fatores liberados pelas plaquetas e, por este motivo, medidos neste estudo. Estes resultados sugerem que a utilização de PRP em tecido cartilaginoso pode acarretar um efeito fortemente pró-inflamatório. De fato, já foi mostrado que a IL-6 está associada a mecanismos pró-inflamatórios na cartilagem e que, junto da IL-1 e do TNF-α, atua no mecanismo de degradação da cartilagem.(33) IL-6 e TNF-α também estão associados à cicatrização de lesão muscular,(34) e o TGF-β1 age por meio da IL-6 na transdiferenciação de fibroblastos em miofibroblastos.(35) No entanto, é importante salientar que, neste estudo, os níveis de TGF-β1 não acompanharam os valores altos de IL-6 observados. Por fim, a IL-10, considerada uma citocina anti-inflamatória, também se apresentou em concentrações acima do esperado.(36) No entanto, é consenso que os valores de IL-10 circulante podem variar fortemente e, em especial, aumentam em resposta a estímulos inflamatórios.(36–38)
Essas considerações são importantes, ainda mais que as amostras analisadas foram obtidas de pacientes com indicação cirúrgica para tratamento de lesão do manguito rotador e, portanto, provavelmente apresentando um processo inflamatório ativo. Assim, é possível que indivíduos tratados com anti-inflamatórios, portadores de outros tipos de lesões, ou mesmo sem processos ativos, gerem preparados com perfis muito diferentes dos que observamos.
Torna-se cada vez mais importante a validação do uso de PRP, ao avaliar sua aplicação de forma direcionada para doenças específicas, escolher os tecidos-alvo e controlar a heterogeneidade dos pacientes por suas características demográficas. Ensaios clínicos devem também incluir a otimização do preparado, com escolha do melhor método, dosagem dos componentes presentes nos preparados, volume do concentrado, número de aplicações, inclusão ou não de leucócitos, e quaisquer outros fatores de confusão que tornam controverso o emprego do PRP.(39) Recente estudo revisou os ensaios clínicos publicados sobre o uso clínico do PRP com tratamento de lesões musculoesqueléticas, e concluiu que as evidências são insuficientes para a utilização desta terapia. Segundo os autores, a padronização dos métodos de preparação de PRP é um dos pontos críticos que impede a comprovação da eficácia do uso clínico do PRP.(40)
Nossos resultados corroboram a literatura, demonstrando que as diferentes metodologias de preparo de PRP geram produtos com composição totalmente diferentes, tanto em relação a elementos figurados como em citocinas e fatores de crescimento, o que, provavelmente, deve resultar em efeitos terapêuticos totalmente diferentes, fragilizando, assim, a avaliação clínica do PRP.
Até o momento, o uso clínico do plasma rico em plaquetas ainda não apresentou evidências seguras e comprovadas de eficácia, em parte devido à ausência de padrões claros da metodologia para sua obtenção e sua caracterização. A concentração de elementos figurados, fatores de crescimento e citocinas, em amostras de plasma rico em plaquetas, variaram conforme a técnica de centrifugação utilizada. O método utilizando o sistema Magellan resultou em um produto com maior concentração plaquetária, principal característica do plasma rico em plaquetas, mas com variabilidade na concentração de fatores de crescimento e citocinas. A validação do uso terapêutico do plasma rico em plaquetas necessita de estudos clínicos rigorosamente controlados, em relação à metodologia de sua obtenção e as características dos doadores. O conhecimento da composição dos diferentes preparos deve contribuir para as associações do uso do plasma rico em plaquetas com a evolução do paciente.