versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.4 Rio de Janeiro 2018 Epub 26-Jul-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0402
No atual cenário do sistema de saúde mundial, tornou-se premente a busca por métodos e estratégias eficazes e eficientes para promover a melhoria da qualidade e segurança dos serviços oferecidos. A necessidade de aplicar métodos para acompanhar resultados e investir em melhoria contínua tem instigado, valorizado e integrado outras áreas de conhecimentos à saúde. Essa integração tem sinalizado aspectos relacionados à assistência aos pacientes, tanto estruturais, como de gestão e de processos.
Recentemente, o pensamento Lean alcançou as instituições de saúde e sua aplicação vem proporcionando essa amplitude, pois o uso de suas ferramentas, além de reduzir desperdícios de tempo, recursos e força de trabalho, promove a melhoria da qualidade dos serviços e produtos e da satisfação dos pacientes e equipes.1-3 O pensamento Lean é conceituado como "um sistema de gestão que tem por objetivo melhorar os processos ou o conjunto de ações exigidos para concretizar o trabalho",3 sendo usado para "criar e produzir o máximo de valor do ponto de vista do cliente, consumindo, ao mesmo tempo, o mínimo de recursos e utilizando plenamente o conhecimento e as habilidades das pessoas que executam o trabalho".4 Os princípios da filosofia Lean promovem um olhar diferenciado sobre o sistema, resgatando o propósito de focar a assistência no atendimento das necessidades do paciente.1
No cenário específico das instituições hospitalares, o processo de medicação é considerado um dos mais críticos relacionados à assistência ao paciente e consiste no principal recurso utilizado no tratamento de doenças.5 A administração de medicamentos é uma atividade executada principalmente pela equipe de enfermagem, no entanto, destaca-se a vinculação dessa atividade a outras áreas, considerando todo o processo de medicação.6
Atualmente, discute-se sobre a segurança do processo de medicação, a qual pode comprometer a qualidade do cuidado aos pacientes, devido a interpretações subjetivas da prescrição,7 preparo sem padronização, além das lacunas nas informações para acompanhamento do tratamento dos pacientes, em decorrência da falta de registros da administração de medicamentos, condição que interfere na tomada de decisão clínica por outros profissionais.5 Essas dificuldades culminam com erros de medicação.
Em âmbito internacional e nacional, os erros relacionados ao processo medicamentoso estão elencados entre as causas mais frequentes de eventos adversos que acometem a segurança dos pacientes hospitalizados.8-15 A extensão dos danos, além dos prejuízos sociais e financeiros ainda carecem de estudos detalhados para medir seu impacto nos sistemas de saúde, proposição de estratégias de prevenção e planejamento de melhorias.
O relatório americano do Institute of Medicine demonstrou que os erros relacionados aos medicamentos ocasionaram cerca de 7.000 mortes anuais em hospitais e mais de 10.000 mortes em instituições ambulatoriais. O estudo previu que cada paciente admitido em um hospital sofreria pelo menos 1,4 erros de administração de medicamento durante sua hospitalização e, a cada 1.000 prescrições realizadas pelos médicos, ocorreriam 4,7 erros.8 Nessa perspectiva, um estudo canadense evidenciou que um em cada sete pacientes internados em unidades clínicas experienciou pelo menos um evento adverso relacionado ao cuidado de enfermagem e os erros de administração de medicamentos estão entre os mais comuns.9
As principais causas de erros durante o preparo do medicamento envolvem distrações, layout inadequado das áreas de trabalho e informações desatualizadas ou de difícil acesso para a execução da tarefa.16,17 Em relação aos erros de administração de medicamentos, o erro na etapa de preparo é o mais frequente,16,18,19 cuja causa mais comum é a diluição inadequada do medicamento.20
Apesar do progresso em prol da segurança do paciente, quinze anos após a publicação do relatório inicial que disparou essas discussões, tem-se evidências de que os pacientes ainda sofrem danos que poderiam ter sido evitados e de que as melhorias necessárias no sistema de saúde evoluíram em escala limitada, condição que caracteriza a segurança do paciente ainda como um importante problema de saúde pública.21
Diante da complexa situação e elevada probabilidade de falhas, é evidente a necessidade de reorganização do processo de medicação, de forma que se propiciem condições de segurança no cuidado. Entende-se que o processo de medicação abrange a prescrição, dispensação, preparo e administração de medicamentos e considera uma série de decisões e ações inter-relacionadas que envolve diferentes profissionais de saúde.6 Frente a essas considerações, o presente estudo foca-se nas fases de preparo e administração de medicamentos, com os objetivos de analisar a situação atual e aplicar um método para estabelecer prioridades entre os problemas levantados para o planejamento de melhorias, com base no pensamento Lean.
Trata-se de um estudo de caso, do tipo exploratório e descritivo, integrante de um projeto de pesquisa denominado Processos de Gestão em Operações em Saúde em um Hospital. Os participantes da pesquisa compreenderam 13 profissionais da equipe de saúde envolvidos no processo de medicação de uma unidade de internação cirúrgica com 45 leitos, de um hospital público, geral e universitário da Região Sul do país. Os critérios de inclusão consistiram em ser profissional da equipe de saúde que desempenha atividades relacionadas ao fluxo do medicamento, ter interesse em discutir a temática e disponibilidade em participar das etapas de coleta de dados. O critério de exclusão foi possuir vinculação trabalhista com contrato de trabalho por tempo determinado, em razão das etapas subsequentes da pesquisa.
Os dados foram coletados entre janeiro e agosto de 2015, por meio de observação participante e dois Grupos Focais (GFs). A observação do processo de preparo e administração de medicamento foi realizada em 15 horas, tempo considerado suficiente para acompanhar a caminhada pelo fluxo de valor do medicamento, contemplando os profissionais envolvidos, as instalações físicas e os recursos empreendidos. A observação se deu no turno diurno devido a características e dinâmicas institucionais, tais como identificação do horário de pico de medicações, disponibilidade da prescrição médica e aprazamento dos horários dos medicamentos. O resultado da observação serviu para elaborar o Mapa do Fluxo de Valor (MFV) e organizar os temas norteadores discutidos com os profissionais participantes na etapa seguinte, organizada com base na Técnica de GF.5
Realizaram-se dois GFs coordenados por duas enfermeiras da equipe de pesquisa, com periodicidade semanal e duração de 2 horas e 30 minutos cada, organizados em local de fácil acesso aos participantes, em sala do hospital reservada para essa finalidade. No primeiro, discutiu-se sobre os envolvidos no processo de preparo e administração de medicamentos e os requisitos ou necessidades de cada um deles para desenvolver o seu trabalho ou ser atendido no que precisa, a situação atual dessas etapas do processo de medicação, os problemas presentes no processo, alinhados aos requisitos não atendidos. No segundo GF deu-se sequência à discussão sobre os problemas levantados e desencadearam-se a construção e aplicação de critérios para priorização dos problemas, com vistas ao planejamento de melhorias.
O critério para definição do número de GFs realizados esteve na dependência da evolução da discussão do grupo, de forma que permitisse chegar à etapa de priorização de problemas, atendendo aos objetivos da pesquisa.22 Na composição dos GFs houve alternância dos participantes nos dois encontros em virtude da organização das escalas de trabalho. Pesquisas com grupos focais apresentam diferenças entre o número de participantes, podendo variar entre seis a 15, de acordo com o objeto, a abrangência e a especificidade do tema em estudo.22,23
Não houve gravação dos GFs e o registro do conjunto das informações foi realizado em diário de campo (observações e GF) pela equipe de pesquisa e organizado no software Microsoft Visio 2013, gerando uma representação gráfica do MFV do processo.
A análise das informações seguiu o referencial Lean ou produção enxuta, o qual sustenta os esforços para melhoria dos processos e, no contexto da área de saúde, envolve o atendimento ao paciente e concentra-se nas perspectivas de efetividade do resultado no atendimento dos requisitos e na eficiência do fluxo em questão.24 Nesse sentido, o foco da análise foi direcionado às atividades que agregam valor ou que geram perdas para o preparo e a administração de medicamentos.
Na perspectiva do pensamento Lean atividades que agregam valor são aquelas que atendem aos requisitos do cliente, com menor custo e no momento oportuno.24 As perdas são atividades que não agregam valor, consideradas desperdícios na cadeia de valor e processos, sendo comumente classificadas em oito tipos: falhas (tempo gasto fazendo algo incorretamente, inspecionando erros ou consertando erros); produção em excesso (produzir antes de surgir a demanda); transporte de insumos e pacientes; espera de trabalhadores, de recursos ou pacientes, relacionada ao desequilíbrio da carga de trabalho; estoque desnecessário, com enfoque nas causas (pode gerar data de validade vencida); movimentação (tempo dos profissionais gasto para se movimentar procurando insumos, organizando os materiais); processos desnecessários que não agregam valor ao paciente (operações que existem por desenhos de processos inadequados); e desperdício de talento ou potencial humano (funcionários desengajados, que não se sentem ouvidos, não participam das sugestões de melhorias ou funcionários com potencial para execução de tarefas que exijam conhecimentos ou habilidades específicas, mas que desempenham algo que não exige).2
Os dados da observação de campo e dos GFs foram analisados de forma integrada seguindo-se as etapas previstas no método de MFV: (i) identificação dos clientes envolvidos no processo e seus requisitos; (ii) validação do mapeamento elaborado pela equipe de pesquisa; (iii) identificação dos problemas presentes com base nos requisitos não atendidos; (iv) priorização dos problemas levantados.4
A priorização dos problemas foi realizada pelas pesquisadoras, mediante a aplicação de três critérios: impacto na segurança do paciente com atraso do preparo e administração do medicamento, implementação de melhorias a curto prazo (3 a 6 meses) e ausência de outro problema precedente para implementar melhoria (precedência "zero"). Aplicaram-se os critérios de forma sucessiva, ou seja, aplicou-se o primeiro critério a cada problema, pontuando-se escore 1, 3 ou 9, respectivamente, quando a relação do problema com o critério foi fraca, intermediária ou forte. A seguir, aplicou-se o segundo critério apenas nos problemas que receberam escore 9, sendo aplicado o último critério nos problemas restantes. A configuração final das prioridades foi validada no grupo focal.
Quanto aos aspectos éticos, a pesquisa contemplou a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, obteve Parecer favorável sob nº 14-0712 do Comitê de Ética em Pesquisa situado no campo de estudo (CAAE: 33705014.8.0000.5327), sendo aplicados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para as observações e GFs.
Os resultados compreenderam a identificação dos clientes do processo e seus requisitos, o mapeamento do fluxo de valor do estado atual do preparo e administração de medicamento, a identificação de 45 problemas vigentes no processo, com base nos requisitos dos clientes não atendidos, e a priorização de problemas com vistas ao planejamento de melhorias, os quais emergiram da observação e das discussões realizadas nos GFs.
Com a análise do fluxo do medicamento foram identificados como clientes do processo o paciente e sua família, a sociedade e o ambiente, enfermeiros e técnicos de enfermagem, os quais constituem os destinatários dos serviços. Médicos e farmacêuticos foram considerados fornecedores do processo, visto que são responsáveis por informações que desencadeiam a atividade.
A seguir, apresenta-se a relação dos requisitos identificados para cada grupo de clientes, os quais correspondem a itens obrigatórios a serem atendidos para o funcionamento adequado do fluxo, tanto sob a ótica da execução do trabalho, como sob a ótica de ter suas necessidades supridas em relação ao tratamento medicamentoso. No Quadro 1, destaca-se a relação dos requisitos da equipe de enfermagem, composta por enfermeiros e técnicos de enfermagem.
Quadro 1 Requisitos da equipe de enfermagem. Porto Alegre, RS, Brasil, 2015
Requisitos da Equipe de Enfermagem | |
---|---|
1 | Informações subjetivas e objetivas da saúde do paciente coletadas pela equipe multiprofissional atualizadas no prontuário do paciente |
2 | Cadeia de ajuda para esclarecimento de dúvidas quanto ao preparo e administração dos medicamentos |
3 | Prescrição médica vigente, individualizada, com foco nas necessidades do paciente, com informações claras e completas para preparo e administração correta do medicamento, inclusive com tempo de infusão |
4 | Aprazamento do horário de administração dos medicamentos atendendo interações medicamentosas e tempo necessário para realizar toda a demanda assistencial |
5 | Estrutura segura de preparo e descarte, que proporcione atenção e foco para interpretação da prescrição, livre de ruídos e de circulação excessiva de pessoas, sem interrupções |
6 | Acesso ao medicamento e materiais necessários para preparo e administração |
7 | Funcionamento adequado do dispensário eletrônico de medicamentos |
8 | Rotinas institucionais para preparo e administração de fácil interpretação |
9 | Sistema funcional para registros de administração, de efeitos e reações |
Os requisitos do paciente e sua família em relação ao tratamento medicamentoso abrangeram aspectos interpessoais e técnicos. Um dos requisitos identificados foi a abordagem humanizada e empática pelos profissionais, destacada pela maneira com que a equipe de enfermagem estabelece o contato com o paciente à beira leito, por meio da identificação verbal, uso de uniforme e crachá, com sorriso e bom humor. Em relação aos aspectos técnicos, identificou-se que rapidez e resolutividade no atendimento de suas necessidades agregam valor para o paciente.
Outros requisitos apresentam-se no momento da administração do medicamento, como a obtenção de informações sobre o tratamento medicamentoso, o que está recebendo e qual é o resultado esperado. Além disso, constataram-se como requisitos executar a administração de acordo com o padrão preconizado, com mesma apresentação de volume nos diferentes horários e dias de tratamento, com controle da velocidade de infusão e procedendo à lavagem de equipo recomendada, com cumprimento do horário programado de administração e da técnica correta de cuidados à beira leito, tais como higiene de mãos e atenção e assepsia no manuseio do acesso venoso, evitando novas punções ou infecção.
Quanto aos requisitos ambientais e da sociedade, estes se referem a condições estruturais necessárias para o preparo e administração de medicamentos e ao retorno que esse processo pode oferecer à sociedade. Identificou-se a necessidade de área física da unidade de internação adequada para armazenagem dos medicamentos e insumos, com controle de temperatura. A área física também deve dispor de condições para preparo do medicamento e descarte de resíduos, além de conter equipamentos necessários para guarda, preparo, deslocamento do medicamento até o paciente, administração do medicamento e registros no prontuário. O altruísmo no uso dos recursos, focado nas necessidades dos pacientes e prevenção de eventos adversos, foi considerado requisito da sociedade.
Apresenta-se, na Figura 1, o MFV do estado atual do medicamento, identificando como ocorre o fluxo de atividades e de informações. As linhas contínuas representam informações em meio físico e as linhas seccionadas representam informações eletrônicas via sistema informatizado. Os problemas identificados no processo estão enumerados de 1 a 45.
O processo inicia-se com a avaliação do paciente pelos profissionais de saúde, etapa denominada Paciente - Informações subjetivas e objetivas de saúde, as quais são registradas em prontuário eletrônico. Essas informações servem de base para a elaboração da Prescrição 24 horas e para Alteração da Prescrição, sendo esta atividade privativa dos profissionais médicos.
A etapa Aprazamento da prescrição é realizada por técnico de enfermagem, a qual consiste na definição dos horários em que os medicamentos devem ser administrados. Essa atividade demanda conhecimento acerca de interações medicamentosas, tempo de infusão, entre outras. O Preparo dos Medicamentos é realizado por sete ou oito técnicos de enfermagem escalados nos turnos diurnos e seis no turno noturno, cada técnico de enfermagem assumindo o cuidado integral de seis pacientes, em média. Essa etapa ocorre no posto de enfermagem e compreende subetapas que vão desde providenciar o medicamento no dispensário eletrônico, como preencher etiquetas, providenciar os insumos, preparar os medicamentos, organizar o carro de medicamentos e descartar resíduos.
O preparo dos medicamentos demanda necessidade de interpretação da prescrição e envolve uma grande quantidade de informações específicas sobre preparo e descarte de resíduos. Como exemplo, vários medicamentos para serem administrados são reconstituídos, diluídos, fracionados ou triturados pelo técnico de enfermagem, havendo rotinas institucionais para cada via de administração. As rotinas escritas ficam disponíveis para consulta em um sistema informatizado institucional de acesso interno. Essa etapa gera deslocamento da equipe, inclusive até o setor de farmácia, quando há falta de algum item necessário.
A etapa seguinte do fluxo é a Administração do Medicamento, a qual foi mapeada em subetapas que compreendem o deslocamento até o paciente, a higiene de mãos à beira leito, a conferência da identificação do paciente, a administração do medicamento e o descarte de resíduo. Destaca-se que é neste momento, de contato direto com o paciente, que se concretiza o atendimento de suas necessidades e de sua família em relação ao tratamento medicamentoso, mediante o qual se espera atender aos requisitos descritos anteriormente. Salientam-se ao final do MFV as informações acerca da orientação do paciente sobre o medicamento que está recebendo, bem como a busca de seu relato sobre o efeito do medicamento. Finalizando-se esta etapa, o técnico de enfermagem procede ao Registro no Prontuário e à Comunicação ao Enfermeiro sobre as reações do paciente observadas e relatadas.
Apresentam-se no Quadro 2 as etapas do processo de preparo e administração de medicamentos e os 45 problemas identificados e ordenados no MFV.
Quadro 2 Problemas identificados no MFV do medicamento. Porto Alegre, RS, Brasil, 2015
Etapa do Processo | Descrição do problema |
---|---|
Todo o processo de medicação | 1. Detecção e encaminhamento para solução das falhas no processo ficam ao encargo do enfermeiro ou técnico de enfermagem. |
2. Falta clareza no fluxo da cadeia de ajuda para solução de dúvidas. | |
Paciente/Informações subjetivas e objetivas de saúde | 3.Tempo de passagem de plantão é reduzido, dificultando a comunicação. |
4. Falta de privacidade na enfermaria para coletar informações | |
5. Barreira linguística na obtenção das informações (idiomas) | |
6. Avaliação da dor para pacientes em uso crônico de analgésicos | |
7. A coleta de dados sobre alergias não é padronizada. | |
8.Tempo de contato com paciente é reduzido. | |
Prescrição para 24 horas | 9. Pacientes sem prescrição vigente gera atraso no processo de medicação. |
10. Falta de padrão de preparo e administração | |
11. Falta de parametrização da prescrição | |
12. Apresentações diferentes para o mesmo paciente | |
13. Conciliação, preparo e administração geram atraso. | |
14. Rotina de instalação da solução de Nutrição Parenteral Total é no noturno. | |
15. Divergência nos protocolos internos gera dúvidas. | |
Alteração da prescrição | 16. Falta de comunicação de alterações entre médico e enfermeiro |
17. Medicamentos excluídos não são estornados. | |
18. Equipes não médicas alteram prescrição do suporte nutricional, sem alteração na prescrição médica informatizada. | |
Aprazamento da prescrição médica | 19. Falta de conhecimento sobre interações |
20. Retrabalho em reimprimir, atualizar e organizar a última prescrição | |
21. Não é visualizada na lista de pacientes, sendo necessário acessar a prescrição de cada paciente para verificar a realização da tarefa. | |
22. Item não aprazado não é sinalizado e não é administrado. | |
Informações sobre preparo, administração e descarte de resíduos | 23. Rotinas são atualizadas e equipe assistencial desconhece, exigem interpretação e cálculos e o sistema para consulta das rotinas é de difícil acesso. |
Preparo do medicamento/Retirada do medicamento do dispensário eletrônico | 24. O medicamento retirado não é identificado imediatamente. |
25. Periférico para leitura do código de barras é de difícil manejo, apresenta falhas na leitura, atrasando o processo. | |
26. Existência de medicamento vencido no dispensário eletrônico | |
27. Falta organização ergonômica de medicamentos por volume de uso, validade, aparência ou nome semelhantes | |
28. Tempo curto de login, gera necessidade de informar usuário e senha individual novamente. | |
29. Falta reposição de soro, pois não é exigido registro de saída. | |
Preparo do medicamento/Busca do medicamento na Farmácia | 30. Técnico de enfermagem se afasta do cuidado para deslocar-se à farmácia de dispensação em busca dos medicamentos que não estão no dispensário eletrônico. |
Preparo do medicamento | 31. Ambiente de guarda sem controle de temperatura e umidade |
32. Deslocamento excessivo da equipe por distribuição dos insumos e descarte de resíduos no posto de enfermagem | |
33. Ambiente de preparo com interrupções não propicia concentração | |
34. Preparo dos medicamentos para vários pacientes gerando esperas | |
35. Preenchimento manual das etiquetas de identificação do medicamento | |
36. Separadores das bandejas não permitem organização adequada. Carro utilizado tanto para medicamentos quanto para banho | |
Administração do medicamento | 37. A administração de medicamento próprio do paciente não é supervisionada pela equipe. |
38. Atraso na administração em relação ao horário aprazado | |
39. Conferência é visual da identificação do medicamento e do paciente | |
Registro no prontuário | 40. Não é realizado em tempo real. Checagem manual em dois locais |
41. Falta de disponibilidade de computadores | |
42. Checagem é realizada no horário aprazado e não no administrado. | |
43. Informação relatada pelo paciente da ação do medicamento não é registrada em tempo real, ocasionando atraso na tomada de decisão clínica. | |
44. Reação adversa ao medicamento dificilmente é registrada em evolução, gerando dificuldade no rastreamento realizado pelo farmacêutico. | |
Paciente | 45. Não recebe os medicamentos no horário programado por demora no processo. |
No Quadro 3 estão listados os oito problemas resultantes da aplicação dos critérios definidos para priorização dos problemas. A aplicação do primeiro critério nos 45 problemas resultou em 20 problemas com escore 9. A aplicação do segundo critério nesses 20 problemas resultou em nove problemas aos quais foi aplicado o terceiro critério, restando oito problemas priorizados, cuja soma dos escores foi de 27 pontos, denotando uma forte relação do problema com os três critérios adotados.
Quadro 3 Problemas priorizados no MFV do medicamento. Porto Alegre, RS, Brasil, 2015
Etapa do Processo | Descrição do problema |
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Todo o processo de medicação | 2. Falta clareza no fluxo da cadeia de ajuda para solução de dúvidas. |
Prescrição | 9. Pacientes sem prescrição vigente gera atraso no processo de medicação e necessidade de reorganização das atividades assistenciais e do processo de trabalho da farmácia. |
11. Falta de parametrização da prescrição, refere-se à relação entre posologia e parâmetros clínicos do paciente, bem como à permanência em prescrição de medicamentos dos quais o paciente não faz uso. | |
Preparo do medicamento/Retirada do medicamento do dispensário eletrônico | 24. O medicamento retirado não é identificado imediatamente com os dados do paciente, não atendendo à normativa de uso seguro de medicamentos. |
27. Falta organização ergonômica de medicamentos por volume de uso, validade, aparência ou nome semelhantes. | |
Preparo do medicamento | 32. Deslocamento excessivo da equipe por distribuição dos insumos e descarte de resíduos |
33. Ambiente de preparo com interrupções não propicia concentração. | |
Registro no prontuário | 41. Falta de disponibilidade de computadores para atividades assistenciais como aprazamento, impressão de prescrições, registros dos cuidados realizados, dos efeitos dos medicamentos após administração e da evolução clínica do paciente |
Estudos demonstram que os princípios da produção enxuta têm assinalado potenciais aplicações em serviços de saúde e, especialmente, em ambientes hospitalares, possibilitando o desenvolvimento de planos de melhorias que englobam a qualidade e segurança, além da eficiência e eficácia, considerando os fatores que caracterizam esse setor como complexo.24,25
Em relação aos requisitos dos clientes, esses são descritos como necessidades a serem satisfeitas para prestar um serviço ou receber um produto de qualidade, definidas pela perspectiva do cliente, que apontam como fatores fundamentais a serem ponderados nas características de qualidade.3 A análise dos requisitos dos clientes que são impactados pelos problemas identificados no MFV sustenta a motivação para estabelecer um plano de melhorias capaz de transformar a situação atual do processo.4
O requisito gatilho ou disparador do preparo e administração de medicamentos foi a prescrição médica vigente. A prescrição médica é um instrumento de comunicação entre os profissionais de saúde; sendo assim, deve estar vigente, ser consultada e conferida a cada preparo de medicamentos, o que reflete a colaboração efetiva de recursos humanos na equidade do atendimento e na humanização.26
No requisito de estrutura para preparo do medicamento, considerou-se a segurança do ambiente, de forma a proporcionar atenção e foco para interpretação da prescrição, livre de ruídos e de circulação excessiva de pessoas, sem interrupções. Consta na literatura que o erro de medicação pode estar relacionado a falhas de interpretação da prescrição7 e de atenção no momento de preparo do medicamento e administração, induzidas por interrupções.20 Outros fatores ambientais estão associados a erros no preparo de medicamentos, tais como iluminação insuficiente ou irregular, nível de ruído elevado ou frequente, presença de interrupções, falta de espaço para o preparo de medicamentos, ausência de local para higienização das mãos, presença de sujidade, umidade ou resíduos e falta de organização do posto de enfermagem.17,26
Na perspectiva do paciente, considerando os requisitos de rapidez e resolutividade no atendimento das necessidades e administração correta dos medicamentos, a totalidade dos problemas identificados tem relação direta com essas expectativas e implicações nesses requisitos. Os resultados do presente estudo corroboram os requisitos de pacientes e familiares descritos no Protocolo de Segurança na Prescrição, Uso e Administração de Medicamentos destacados como os sete certos a serem seguidos: paciente, medicamento, via, hora e dose certas, registro correto e indicação correta.6
Recentemente, foi recomendada a adoção de nove certos nas boas práticas para o preparo, administração e monitoramento de medicamentos, divulgando guias que apresentam, além dos sete certos já mencionados, a necessidade de orientação ao paciente e do reconhecimento do direito de recusa do medicamento.27 No presente estudo, a necessidade de orientação ao paciente foi identificada como um requisito a ser atendido no momento da administração de medicamento, descrito pela necessidade de o paciente saber o que está recebendo e qual o resultado esperado.
Em relação à falta de parametrização dos medicamentos prescritos caso necessário, os quais podem incorrer em falta de individualização ou de foco nas necessidades, o documento de referência do Programa Nacional para Segurança do Paciente aponta o quanto é essencial definir a condição que determina o uso ou a interrupção do uso do medicamento prescrito nessa condição.28 Para a sociedade e ambiente, medicamentos prescritos sem propósito podem gerar insegurança ao paciente e desperdício.
A partir dos dados apresentados, entende-se que a adoção do referencial do pensamento Lean e a participação da equipe de enfermagem permitiram uma análise ampla e detalhada do processo de medicação. O emprego das ferramentas propostas nessa abordagem demonstrou a diversidade e complexidade desse processo, dando visibilidade ao papel central da equipe de enfermagem para a identificação de problemas, assim como para a proposição de planejamento de melhorias.
Implicações práticas do presente estudo traduziram-se em iniciativas apoiadas pela alta liderança da instituição, com foco nos problemas priorizados. Foram desencadeadas modificações na prescrição médica para uniformizar os horários de validade e orientar a indicação de medicamentos, e na organização dos dispensários eletrônicos para otimização e disposição ergonômica dos medicamentos. Em fase de desenvolvimento, destaca-se o projeto que atenderá à segurança do ambiente de preparo e administração dos medicamentos.
Identificou-se como limitações do estudo o escopo do mapeamento do fluxo de valor ser restrito às etapas de preparo e administração de medicamentos, apesar de essa delimitação respaldar-se na complexidade e criticidade que envolvem essas etapas.
A premissa principal para condução da pesquisa foi o respeito às pessoas envolvidas no processo, considerando a intenção de analisá-lo tal qual ocorre, principalmente, por considerar que as soluções para melhoria do desempenho encontram-se entre essas pessoas.
O uso da ferramenta de mapeamento do fluxo de valor, na perspectiva do pensamento Lean, forneceu de forma sistemática e objetiva elementos para identificar as atividades que agregam valor ou que geram perdas no preparo e administração de medicamentos, com vistas à melhoria efetiva do processo de medicação. O envolvimento da equipe na priorização dos problemas oportunizou aos profissionais repensar o processo de trabalho e buscar alternativas para o planejamento de futuras melhorias de forma sistematizada e agregando valor ao processo.
Mediante os resultados, considera-se premente a necessidade de redução dos desperdícios de tempo, recursos e força de trabalho da equipe de enfermagem, para melhorar a qualidade e segurança do processo de medicação, atendendo aos pacientes naquilo que efetivamente eles necessitam, alcançando níveis mais elevados de satisfação.