versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.2 São Paulo 2019 Epub 08-Abr-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018193
A afasia é definida como um distúrbio adquirido de linguagem, resultante de uma lesão do Sistema Nervoso Central, que se caracteriza pela dificuldade na compreensão e na expressão oral e/ou escrita. Podem ser observadas dificuldades para compreender, ler, falar e /ou escrever(1). As causas da afasia estão relacionadas à lesão de hemisfério esquerdo que é associado especialmente a prejuízos na linguagem(2).
A afasia se expressa de diferentes formas em cada indivíduo, dependendo da localização, da gravidade da lesão cerebral e da aptidão linguística anterior à lesão(3). As lesões que a originam podem ser ocasionadas por diferentes etiologias como acidente vascular encefálico, traumatismo cranioencefálico (TCE), doenças infecciosas ou tumores que atingem o SNC(4).
A atuação fonoaudiológica diante das questões relacionadas às afasias tem como objetivo a recuperação da comunicação do paciente afásico.
Há alguns métodos terapêuticos que têm como objetivo a melhora de algumas manifestações linguísticas que ocorrem comumente nesses pacientes. A terapia voltada para as falhas no processamento linguístico permite o controle, ao menos parcial, sobre a eficácia do tratamento(5).Não há literatura brasileira publicada e nem material comercializado que descreva métodos terapêuticos para as manifestações linguísticas específicas da afasia. Neste sentido, pode ser útil o estudo de métodos publicados em outras línguas para a reabilitação de algumas das alterações classicamente encontradas em pacientes afásicos.
Uma das manifestações comuns da afasia é o agramatismo, que é uma modificação na estrutura sintática, evidenciado pela omissão de componentes da frase(6). As palavras gramaticais tendem a ser eliminadas da fala, permanecendo as lexicais. Em casos graves, os enunciados podem estar restritos a uma única palavra; podem ser encontradas formas simplificadas da estrutura frasal. A principal característica da produção gramatical de orações é que as expressões consistem em palavras unidas em uma sequência não gramatical ou, na melhor das hipóteses, orações canônicas simples (por exemplo, sujeito-verbo-objeto) (7-9). No agramatismo as frases são comumente menores e a baixa complexidade gramatical contribui para fluência reduzida(10). O discurso dos indivíduos agramáticos é pausado e caracterizado por omissão e/ou substituição de morfemas e verbos. Além da fala, o agramatismo pode ser observado na repetição, na leitura e na escrita (11,12).
Há uma carência de protocolos específicos para o tratamento do agramatismo. Além disso, o fato de existir uma diferença sintática entre as línguas pode dificultar a adaptação dos protocolos existentes. Destacamos na literatura três protocolos de intervenção terapêutica para o agramatismo: o Linguistic Specific Treatment (LST), que tem como objetivo aumentar o conhecimento sobre as representações lexicais de verbos e o acesso de elementos lexicais e sintáticos das sentenças(13); o Reduced syntax therapy (REST) que tem como objetivo fazer com que o paciente emita orações da forma mais fluente e que a formulação das frases no cotidiano ocorra de maneira mais fácil e simples(14); e o Sentence Production Program for Aphasia (SPPA) (15).
O SPPA possui 120 sentenças organizadas em 8 blocos de 15 sentenças reunidas de acordo com 8 tipos distintos de estruturas gramaticais. As sentenças devem ser apresentadas concomitantemente a uma figura e estão inseridas dentro de um contexto que deve ser lido pela terapeuta. Os 8 tipos de estrutura gramatical têm diferentes complexidades. Por ser um programa desenvolvido nos Estados Unidos, evidentemente algumas de suas imagens correspondem à cultura Norte-Americana, fazendo menção ao beisebol, ao futebol americano, entre outros. Além disso, hipotetiza-se que a complexidade das estruturas gramaticais não seja exatamente idêntica a das frases correspondentes em português.
Para ser utilizado no Brasil, seria necessário analisar se o reconhecimento das figuras e a familiaridade dos contextos em que as sentenças ocorrem dentro do programa são semelhantes aos da nossa cultura ou se é necessário adaptá-los para o contexto brasileiro.
Deste modo, o objetivo do presente estudo foi o de analisar o reconhecimento das figuras e a familiaridade dos contextos do SPPA, a fim de obter dados sobre a possibilidade de seu uso para a língua portuguesa e/ou da necessidade de uma adaptação.
Este estudo foi submetido ao comitê de Ética em Pesquisa da instituição e aprovado sob o número 1475/2016. Todos os participantes voluntários foram informados a respeito da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para o presente estudo, utilizamos como base o programa SPPA que consiste em 120 figuras-estímulo e 120 sentenças que estão contextualizadas a partir de situações do cotidiano de três famílias. As sentenças estão reunidas em 8 blocos de acordo com a estrutura sintática: Imperativas Intransitivas; Imperativas Transitivas; Sentenças interrogativas (quem ou o quê); Sentenças interrogativas (onde ou quando); Afirmativas Transitivas; Afirmativas Intransitivas; Sentenças Comparativas; e a elaboração de sentenças cujas respostas devem ser sim ou não.
Para melhor apresentação metodológica, o estudo foi divido em partes 1 e 2, sendo que a última foi subdividida em 2.1 e 2.2.
A primeira etapa foi a tradução das frases do SPPA, originalmente em inglês, para o português brasileiro. Dois falantes das duas línguas traduziram as instruções e os estímulos para o português. Em seguida, outro tradutor fez a retrotradução desta versão. Após a tradução e a retrotradução, foram realizadas mínimas mudanças nos estímulos, para a equivalência das estruturas no nível das palavras e das sentenças. Quando houve dúvida quanto aos itens que divergiram entre a tradução e a retrotradução, um terceiro juiz especialista, falante do português brasileiro e do inglês, foi consultado para chegar-se a um consenso quanto à melhor forma de tradução do estímulo.
A parte 1 consistiu na tradução do instrumento e a parte 2 do estudo, na análise do reconhecimento das figuras e dos contextos juntamente com as figuras.
Esta etapa consistiu em verificar o quanto as figuras representam o contexto das frases do SPPA, a partir da análise do reconhecimento realizado por juízes não especialistas.
Para analisarmos o reconhecimento do contexto eliciado pelas figuras, foi realizada uma coleta de dados coletiva, com 39 adultos jovens, saudáveis, de alta escolaridade. Foram selecionados participantes de alta escolaridade, já que a baixa escolaridade poderia levar a uma baixa concordância de respostas(2,16).
As figuras do SPPA foram inicialmente escaneadas e organizadas de acordo com o grupo de sentenças. As figuras relativas às sentenças foram apresentadas aos participantes em programa Microsoft Office Power Point, em sala silenciosa, que permitisse uma boa visualização. Para que os participantes pudessem visualizar as imagens, foi utilizado um projetor, acoplado a um microcomputador.
Os participantes receberam uma folha de registro das respostas com uma numeração segundo a dos slides. Eles receberam a seguinte instrução:
Você vai ver uma série de figuras que representam cenas do cotidiano. Você deve imaginar que uma frase é dita dentro do contexto de cada figura. As frases poderão variar segundo a estrutura gramatical (frases imperativas, imperativas com complemento, interrogativas, afirmativas e comparativas). Você deverá criar a frase que você acredita que mais se aplicaria ao contexto mostrado pela figura respeitando a estrutura gramatical previamente determinada.
O tempo máximo de exposição para cada uma das figuras foi de 20 segundos.
Após escreverem as frases relativas às figuras apresentadas nos slides, cada participante entregou o registro para a análise das respostas. Foi então analisada a concordância entre as respostas dos indivíduos e os estímulos previstos no SPPA. Um dos pesquisadores foi responsável por avaliar cada uma das respostas dos participantes e averiguar se nenhum dos participantes negligenciou algumas de suas respostas ou se respondeu as questões de maneira diferente do que foi solicitado. Estipularam-se como erros, respostas que estivessem com o tipo de estrutura gramatical diferente da solicitada.
Para a análise dos dados, submetemos os resultados à análise estatística. Identificaram-se a média geral de reconhecimento das figuras e também a média por bloco de sentenças, e realizou-se um comparativo entre os blocos por meio do teste de Kruskall-Wallis, com comparações múltiplas de Tukey (2 a 2) quando houve significância de 5% para saber quais blocos de sentenças foram mais reconhecidos que os outros.
Para esta etapa, os participantes foram expostos ao material completo, ou seja: as frases originais do SPPA previamente traduzidas foram apresentadas com seus respectivos contextos. Participaram desta etapa os 39 voluntários da fase 2.1 que apenas receberam o contexto completo após o término da primeira etapa. Os participantes ouviram o contexto, enquanto visualizavam a frase e deveriam responder a seguinte pergunta: “O quanto este contexto/cena é familiar para você?”. Os participantes receberam uma folha de registro das respostas com a numeração segundo os slides/contextos e julgaram, dando uma nota numa escala analógica-visual de 0 a 10 para a familiaridade do contexto, sendo que 0 representava nenhuma familiaridade e 10 representava cem por cento de familiaridade. Após a obtenção das respostas, a familiaridade dos estímulos foi analisada estatisticamente.
Para a análise da familiaridade das figuras somadas ao contexto, submetemos o estudo a uma nova análise estatística.
O resultado da comparação entre as duas variáveis (figuras + contexto) foi obtido por meio do teste de Friedman com comparações múltiplas de Sidak (2 a 2) quando houve significância maior do que 5%. Todos os itens que atingiram o nível de significância foram submetidos às comparações múltiplas.
A fase 1 do estudo, caracterizada pela tradução das frases, foi analisada e verificou-se que houve concordância na tradução realizada pelos dois tradutores e na retrotradução, já que os estímulos do SPPA são compostos essencialmente de frases simples e, portanto, os dados obtidos nessa etapa foram consistentes. Por este motivo, o 3o juiz apenas julgou a tradução final de todos os estímulos de acordo com a obrigatoriedade de estar correspondente à mesma estrutura sintática de seus correspondentes em inglês.
Ocorreram duas desistências durante a coleta coletiva da amostra. Deste modo, foram analisadas as respostas de 37 indivíduos.
Na fase 2.1 do estudo, para identificar o quanto as figuras representam o contexto das frases do SPPA, verificamos a média geral de concordância das respostas esperadas, ou seja, as sentenças previstas no SPPA, com as sentenças criadas pelos participantes para saber se havia semelhança entre as duas versões. Na Tabela 1 , apresentamos a média geral das respostas esperadas para todas as figuras do programa.
Tabela 1 Média de reconhecimento geral das figuras do SPPA
Resposta esperada figura | |
---|---|
Média | 35,6% |
Mediana | 24,0% |
Mínimo | 0,0% |
Máximo | 100,0% |
Desvio padrão | 33,0% |
n | 120 |
Para sabermos se esse baixo reconhecimento se deveu aos tipos específicos de sentenças gramaticais distribuídos nos 8 blocos que poderiam ter diminuído a média geral de reconhecimento dos contextos das figuras pelos voluntários, foi calculado o índice médio de reconhecimento para cada Bloco de Figuras. Os resultados são apresentados na tabela 2 . Para melhor visualização das respostas, os dados sāo apresentados em ordem crescente em relação aos Blocos de sentenças (do menor para o maior índice médio de reconhecimento).
Tabela 2 Média de reconhecimento por bloco de sentenças das figuras do SPPA
BLOCO | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 8 | 4 | 5 | 3 | 2 | 7 | 6 | Total | ||
Resposta esperada figura | Média | 19,7% | 27,6% | 30,4% | 31,5% | 35,4% | 36,1% | 40,2% | 63,5% | 35,6% |
Mediana | 16,0% | 5,0% | 19,0% | 24,0% | 30,0% | 32,0% | 32,0% | 76,0% | 24,0% | |
Desvio padrão | 26,2% | 36,0% | 32,1% | 29,3% | 27,7% | 29,6% | 35,7% | 35,2% | 33,0% | |
N | 15 | 15 | 15 | 15 | 15 | 15 | 15 | 15 | 120 |
Em seguida, comparamos estatisticamente todos os blocos de sentenças para sabermos se os blocos se diferenciavam quanto ao reconhecimento das figuras de modo estatisticamente significante. Para isso, foi aplicado o teste de Kruskall-Wallis seguido do teste de comparações múltiplas de Tukey para verificar onde as diferenças ocorreram.
Os resultados indicaram que as figuras relativas às sentenças dos blocos 1 e 8 tiveram menor reconhecimento do que as sentenças do bloco 6, de modo estatisticamente significante. Os demais blocos permaneceram próximos entre si em relação ao reconhecimento, sem diferenças estatisticamente significantes.
Foi verificada a familiaridade dos contextos somados às figuras apresentadas. Para isso, foi verificada a média de reconhecimento de cada sentença em cada um dos blocos e, em seguida, realizou-se uma análise comparativa entre as sentenças de cada um dos blocos, 2 a 2. Devido à limitação de espaço, estas análises estão apresentadas no Apêndice A , para fins de verificação.
A partir da análise de todas as tabelas, verificamos quais as sentenças que obtiveram menor índice de reconhecimento. Estas sentenças estão apresentadas no Quadro 1 .
Quadro 1 Comparação entre o reconhecimento das sentenças do SPPA, em cada Bloco
BLOCO | COMPARAÇÕES |
---|---|
1 | (S4=S15=S7=S5) < (S6=S10=S3=S1) |
2 | (S23=S16=S28=S29=S18=S20) < (S30=S22=S27=S25=S17=S24=S19) |
3 | S32 < (S42=S37=S41=S40=S43=S35=S33=S45=S31) |
4 | (S48=S51=S54=S58=S56=S46) < (S47=S53=S49=S57=S60=S50=S55) |
5 | (S66=S74=S63=S61) < (S75=S71=S70=S64=S72=S67=S65=S62=S68) |
6 | (S88<S87=S86) < (S80=S77=S84=S81=S89=S82=S85=S76=S90=S78=S79=S83) |
7 | (96=S98=S97) < (S103=S92=S101=S102=S95=S99=S91=S100) |
8 | (S115=S109=S110=S113=S119=S11) < (S118=S108=S120=S116=S114=S112=Ss07=S117) |
S = Sentenças com Comparações de Sidak
Neste estudo, procurou-se analisar o reconhecimento das figuras e a familiaridade dos contextos de um programa norte americano para reabilitação do agramatismo para uma possível utilização no Brasil. O achado mais relevante deste estudo foi que houve um baixo reconhecimento das figuras mesmo quando somados aos seus respectivos contextos. Tais achados serão discutidos a seguir.
Sobre a tradução dos estímulos, houve um consenso entre as versões apresentadas pelos tradutores e também pelos pesquisadores, já que eles possuíam contato com a língua inglesa. Foram realizadas algumas adaptações para que as frases pudessem ter sempre a estrutura sintática prevista, além de mudanças nos nomes dos personagens das três famílias para que não houvesse estranhamento por meio dos voluntários. Tais mudanças foram mínimas e acordadas pelos 3 juízes.
É de grande conhecimento que elementos visuais não possuem significados pré-estabelecidos. Eles só passam a determinar algo se relacionados a um contexto formal(15). Para que uma imagem possa ser compreendida e devidamente processada, há uma hierarquia de reconhecimento que garante que a imagem possa ser reconhecida de forma exata. Inicialmente são identificados quais os tipos de signos que estão presentes na imagem: signos icônicos (desenho em si), signo plástico (características como cor, forma e textura) e o signo linguístico (que está relacionado à linguagem verbal)(16). A partir deste momento, a imagem é processada por meio de inferências, que são as representações mentais que o indivíduo tem por meio de seu conhecimento de mundo(17). Acreditamos que a coleta de dados coletiva realizada com os voluntários eliciou esse processamento: a imagem foi apresentada aos indivíduos que teriam que interpretá-la. Essa interpretação foi possível (ou não) por conta do conhecimento de mundo do grupo, que corresponde a adultos jovens de alto grau de escolaridade. O que se esperava, no caso, seria um alto índice ou porcentagem de reconhecimento das imagens.
Esse conhecimento de mundo está diretamente relacionado com a cultura e as vivências do indivíduo. Se a representação da imagem for prejudicada em algum desses processos, principalmente no que diz respeito à representação mental que se tem daquele estímulo, essa inferência provavelmente não será devidamente completa, e podem surgir dúvidas quanto à compreensão da imagem, já que a familiaridade é um importante preditor deste reconhecimento (18,19). O fato de ter ocorrido um baixo reconhecimento geral das figuras, como descrito na Tabela 1 , pode ser explicado por 3 hipóteses diferentes: pela diferença cultural que ocorre entre a população brasileira e a norte-americana; os voluntários reconheceram a imagem, porém ela não gerou o contexto previsto no programa; e pela dificuldade em interpretar figuras que representam ações que são semanticamente mais complexas(20) do que substantivos. Em relação à média geral de reconhecimento das figuras para cada um dos blocos, a análise estatística evidenciou que o reconhecimento das figuras do Bloco 1 e do Bloco 8 foi menor do que o observado para as figuras do Bloco 6. Os demais comparativos entre os blocos foram de igualdade em relação ao reconhecimento. Isso pode ser explicado devido ao tipo de estrutura sintática que deveria ser usada no momento em que os participantes deveriam escrever uma frase correspondente à figura, somado, novamente, à diferença cultural entre a realidade dos nossos voluntários e a população norte-americana. O primeiro bloco diz respeito às sentenças imperativas intransitivas, que correspondem a ordens com apenas um verbo intransitivo, que não necessita de um complemento. Não é comum o uso de sentenças imperativas intransitivas no português, visto que a maioria dos verbos utilizados como pedido ou ordem necessitam de complemento, o que difere do inglês. Por sua vez, as figuras do oito se referem à elaboração de sentenças interrogativas que deveriam ser respondidas com sim ou não. Assim, a partir de uma figura, o indivíduo deveria imaginar uma frase, por exemplo: “Você come carne?” Este bloco obteve um dos menores índices de respostas correspondentes às originalmente previstas no SPPA, pois, como foi dito anteriormente, a ausência de um contexto amplia as possibilidades de interpretação, especialmente se uma figura não é muito clara. As figuras relativas às perguntas por si só geram contextos mais amplos e mais abertos, portanto mais difíceis de serem representados de modo específico, ampliando-se assim a diversidade das respostas e diminuindo o índice de reconhecimento. Isso significa que, nesse caso, as respostas dos indivíduos variaram ainda mais quando eles tiveram que elaborar perguntas já que o próprio fato de serem perguntas provavelmente tornou ainda mais ampla a possibilidade de interpretação e mais vaga a resposta.
O bloco seis, cujas figuras foram mais reconhecidas pelos voluntários, corresponde às sentenças afirmativas intransitivas, que são aquelas em que há o sujeito + verbo sem complemento. As imagens deste bloco eram claras e objetivas, ou seja, levaram à produção da sentença-alvo. Além disso, há que se considerar também a simplicidade da estrutura sintática desse bloco.
Deste modo, podemos afirmar em linhas gerais que na fase 2.1 do estudo, em que foi apresentada a figura sem seu devido contexto aos participantes ( Tabela 2 ), pudemos perceber que, ao retirarmos o contexto, ampliamos as maneiras de interpretação das imagens, que foram identificadas principalmente de acordo com o conhecimento de mundo de cada participante e que, em sua maioria, divergiram das frases-alvo do SPPA. Isso também significa que apenas as figuras foram insuficientes para eliciar as sentenças-alvo do programa.
Essas imagens dizem respeito ao cotidiano de três famílias norte-americanas, e diversas atividades realizadas por essa população nem sempre condizem com as que ocorrem no Brasil(21).
Na fase 2.2 do estudo, os participantes tiveram contato com as imagens e seus contextos e deveriam julgar se eram familiares ou não através de uma escala analógica.
A análise estatística evidenciou, em ordem crescente de reconhecimento, quais imagens somadas aos contextos foram menos familiares aos voluntários, para cada um dos Blocos de sentenças. Pelo que foi observado ao longo das comparações, em todos os blocos, houve figuras que mesmo quando expostas com as suas respectivas sentenças geraram um julgamento como de baixa familiaridade aos participantes deste estudo. A análise isolada de cada um dos Blocos permitiu que se observasse que no Bloco 3, por exemplo, apenas um destes estímulos se diferenciou em relação aos demais, mas, em contrapartida, no Bloco 8, oito estímulos se diferenciaram de modo estatisticamente significante quanto à familiaridade. Observamos, em média, que ao menos 4 estímulos (sentenças+figuras) por bloco suscitaram menor familiaridade nos participantes em relação aos demais. Deste modo, acreditamos, que, mesmo associando-se as figuras às sentenças, houve problemas quanto à identificação cultural dos estímulos. Esse dado é altamente sugestivo de que o SPPA precisaria de amplas reformulações em algumas situações das figuras e em outras das sentenças, para que possa vir a se aproximar da nossa realidade cultural. Através do Quadro 1 , pudemos observar quais seriam as imagens com baixo reconhecimento que necessitariam de reformulações para poderem ser utilizadas no Brasil.
Uma mensagem transmitida através de imagens prediz a mensagem textual, pois a imagem é uma forma de informação universal e compreensível por pessoas de diferentes idiomas e culturas. O processamento dessas imagens requer o uso de inferências linguísticas, definidas como representações mentais que permitem a construção de novos conhecimentos de dados anteriormente mantidos pelo interlocutor (conhecimento de mundo). A memória que é ativada e aplicada à informação linguística explicita uma mensagem. A frequência e a familiaridade das representações semânticas auxiliam no reconhecimento da inferência(22). Porém o grau de imageabilidade e concretude(23) das imagens do SPPA não gerou o reconhecimento dos contextos que elas deveriam expressar. Foi possível verificar que houve grande diferença cultural e dificuldade de compreensão dos estímulos apresentados, pois, mesmo em figuras que representam cenas do cotidiano da cultura brasileira, houve um julgamento abaixo do esperado, e era de se esperar que, por serem imagens pertencentes ao conhecimento de mundo da população, haveria um alto índice de reconhecimento, o que não ocorreu para todos os estímulos. Pudemos também perceber que, quando os participantes tiveram contato com os contextos, várias figuras que inicialmente haviam se mostrado pouco reconhecidas passaram a fazer sentido aos participantes, o que demonstra o baixo índice de reconhecimento das figuras isoladamente e a importância de uma imagem estar inserida em um contexto para que facilite a sua compreensão, conforme previsto no SPPA. No entanto, a importância de se verificar o reconhecimento das figuras e a familiaridade da situação gerada pelos contextos é estimar a participação de cada um deles no processamento dos estímulos do programa. Deste modo, foi possível evidenciar que nem todas as figuras com baixo índice de reconhecimento tiveram seu reconhecimento facilitado ou reconhecido como familiar, quando apresentado concomitantemente ao contexto.
Pode-se considerar como limitações deste estudo a dificuldade da coleta coletiva de dados que dificilmente permite exclusão de participantes e a quantidade de figuras apresentadas, que pode ter contribuído para que o participante perdesse o interesse em fornecer a melhor resposta possível ao longo do procedimento.
As figuras do SPPA apresentaram baixo grau de reconhecimento e familiaridade quanto aos contextos previstos, sendo necessária a realização de adaptações para a utilização do programa na população brasileira. O estudo também permitiu identificar quais as figuras que necessitam de adaptação antes do programa ser utilizado para a reabilitação de pacientes agramáticos no Brasil.