versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.2 Rio de Janeiro fev. 2020 Epub 03-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020252.15452018
Many studies analyze the epidemiological profile of deaths caused by a single toxic agent. However, broader mortality analyses can be obtained by evaluating multiple agents over the same period of time. For this purpose, a retrospective descriptive study was carried out of the deaths by intoxication registered in the Mortality Information System that occurred in Brazil from 2010 to 2015. Deaths were selected according to ICD-10 codes related to intoxication. There were 18,247 deaths and an increase of 3% of rates of mortality by intoxication during the period. The agents that caused the most deaths were pesticides (24%) followed by medication (23%) and street drugs (22%). With the exception of medication, where the female participation was 52%, there was a higher concentration of males for all agents and in most of the age groups. Only in the case of medication and pesticides was suicide the main circumstance of deaths. The results presented made it possible to define a mortality profile for each of the major toxic agents studied.
Key words Mortality; Intoxication; Medication; Pesticides; Street drugs
No Brasil, as causas externas ocupam o segundo lugar nas estatísticas de mortalidade1. Dentre os óbitos por causas externas, podemos dar destaque aqueles causados por intoxicação, dado a severidade de suas consequências e do crescimento de sua ocorrência. A Organização Mundial de Saúde considera as intoxicações como um importante agravo de Saúde Pública, que deve ser investigado com consequente geração de informações que fomentem a capacidade dos países para lidar com essa questão2.
Dado que as intoxicações constituem um problema de saúde pública em todo o mundo, deve-se ter em mente, para uma correta determinação da epidemiologia de seus óbitos, que este agravo tem peculiaridades geográficas, sociais, econômicas e culturais, que determinam perfis diferentes entre os países e até entre as regiões geográficas de um mesmo país3. Desta forma, é necessária a análise quantitativa e qualitativa deste agravo à saúde. Segundo Laurenti et al.4, "as estatísticas de mortalidade constituem os melhores indicadores para identificar os problemas de saúde da população".
A análise da mortalidade permite a avaliação da situação de saúde no tempo utilizando variáveis como sexo, faixa etária e causas; a identificação de grupos e áreas de risco para diferentes agravos, incluindo as intoxicações; e a construção de indicadores de saúde tais como a mortalidade prematura, expressa em Anos Potenciais de Vida Perdido (APVP)4,5.
O APVP traz informações tanto da extensão da mortalidade na população, descrita por meio das taxas de mortalidade e da mortalidade proporcional, quanto quantificam o impacto resultante desta perda para a sociedade, qualificando estas mortes. A morte precipitada de uma pessoa traz consequências não apenas para ela e sua família, mas impede toda a sociedade do contato com seu potencial econômico, cultural e intelectual6.
Na análise dos indicadores de mortalidade, o Sistema de Informação Sobre Mortalidade (SIM) assume um papel fundamental na medida que possui variáveis que permitem, a partir da causa mortis atestada pelo médico, construir indicadores e processar análises epidemiológicas que contribuam para a eficiência da gestão em saúde.
Muitos estudos analisam o perfil epidemiológico dos óbitos causados por um único agente tóxico, como Mota et al.7, que traçaram o perfil da mortalidade por intoxicação com medicamentos no Brasil para o período de 1996 a 2005 e Santana et al.8, que analisaram a mortalidade por intoxicação ocupacional relacionada a agrotóxicos no Brasil no período de 2000 a 2009. No entanto, há carência de trabalhos que contemplem mais de um agente em um mesmo período, apontando a necessidade de estudos mais amplos, capazes de realizar comparações e apresentar um perfil menos segmentado.
Intoxicações causadas por múltiplos agentes, ou pelo uso de mais de um agente tóxico em situações de tentativa de suicídio, por exemplo, são bastante comuns. Além disso, distintas substâncias químicas classificadas em grupos químicos diferentes, apresentam o mesmo perfil social de usuário e até mesmo efeitos bastante similares. Desta forma, a análise dos óbitos por intoxicação levando em consideração a gama de substâncias mais prevalentes se mostra bastante necessária, embora complexa e laboriosa.
A análise dos óbitos no Brasil, decorrentes de intoxicação considerando múltiplos agentes, revela-se de grande importância para a Saúde Pública, pois evidencia informações novas, que podem subsidiar intervenções específicas em saúde, gerando ações e políticas melhor direcionadas.
Diante disso, o objetivo deste estudo é traçar o perfil epidemiológico dos óbitos decorrentes de intoxicação ocorridos de 2010 a 2015 no Brasil, registrados pelo SIM.
Foram coletados no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Ministério da Saúde (DATASUS)9 os bancos de dados contendo as declarações de óbito (DO) para os anos de 2010 a 2015, disponibilizados por UF.
Neste estudo, foi considerado como caso de "óbito decorrente de intoxicação" todo registro de paciente notificado no SIM que apresentou como causa básica de óbito códigos da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)10 associados à intoxicação.
O Quadro 1 apresenta os códigos utilizados da CID-10 relacionados à intoxicação, considerados neste estudo.
Quadro 1 Códigos da CID-10 relacionados a intoxicação.
Código | Capítulo/ Descrição |
---|---|
Capítulo I: Algumas Doenças Infecciosas e Parasitárias | |
A02.0 A02.1 A02.2 A02.8 A02.9 |
Enterite por salmonela Septicemia por salmonela Infecções localizadas por salmonela Outras infecções especificadas por salmonela Infecção não especificada por salmonela |
A05.0 A05.1 A05.2 A05.3 A05.4 A05.8 A05.9 |
Intoxicação alimentar estafilocócica Botulismo Intoxicação alimentar devida a Clostridium perfringens [Clostridium welchi] Intoxicação alimentar devida a Vibrio parahemolyticus Intoxicação devida a Bacillus cereus Outras intoxicações alimentares bacterianas especificadas Intoxicação alimentar bacteriana não especificada |
Capítulo V: Transtornos Mentais e Comportamentais devidos ao uso de | |
F10.0 F11.0 F12.0 F13.0 F14.0 F15.0 F16.0 F17.0 F18.0 F19.0 |
Álcool - intoxicação aguda Opiáceos - intoxicação aguda Canabinóides - intoxicação aguda Sedativos e hipnóticos - intoxicação aguda Cocaína - intoxicação aguda Outros estimulantes, inclusive a cafeína - intoxicação aguda Alucinógenos - intoxicação aguda Uso de fumo - intoxicação aguda Uso de solventes voláteis - intoxicação aguda Uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas - intoxicação aguda |
Capítulo XVI: Algumas Afecções Originadas no Período Perinatal | |
P93 | Reações e intoxicações devidas a drogas administradas ao feto e ao recém-nascido |
Capítulo XX: Causas Externas de Morbidade e de Mortalidade | |
Contato com Animais e Plantas Venenosos | |
X28 | Contato com outras plantas venenosas especificadas |
Envenenamento [Intoxicação] Acidental por e Exposição a Substâncias Nocivas | |
X40 X41 X42 X43 X44 X45 X46 X47 X48 X49 |
Analgésicos, antipiréticos e antirreumáticos, não opiáceos Anticonvulsivantes [antiepilépticos], sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos, não classificados em outra parte Narcóticos e psicodislépticos [alucinógenos], não classificados em outra parte Outras substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo Outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas não especificadas Exposição ao álcool Solventes orgânicos e hidrocarbonetos halogenados e seus vapores Outros gases e vapores Pesticidas Outras substâncias químicas nocivas e às não especificadas |
Lesões Autoprovocadas Intencionalmente | |
X60 X61 X62 X63 X64 X65 X66 X67 X68 X69 |
Analgésicos, antipiréticos e antirreumáticos, não opiáceos Drogas anticonvulsivantes [antiepilépticos], sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos, não classificados em outra parte Narcóticos e psicodislépticos [alucinógenos], não classificados em outra parte Outras substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo Outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas não especificadas Álcool Solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores Outros gases e vapores Pesticidas Outros produtos químicos e a substâncias nocivas não especificadas |
Agressões | |
X85 X86 X87 X88 X89 X90 |
Drogas, medicamentos e substâncias biológicas Substâncias corrosivas Pesticidas Gases e vapores Outros produtos químicos e substâncias nocivas especificados Produtos químicos e substâncias nocivas não especificados |
Eventos (Fatos) cuja Intenção é Indeterminada | |
Y10 Y11 Y12 Y13 Y14 Y15 Y16 Y17 Y18 Y19 |
Analgésicos, antipiréticos e antirreumáticos, não opiáceos Anticonvulsivantes [antiepilépticos], sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos, não classificados em outra parte Narcóticos e a psicodislépticos [alucinógenos], não classificados em outra parte Outras substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo Outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas não especificadas Álcool Solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores Outros gases e vapores Pesticidas Outros produtos químicos e substâncias nocivas e aos não especificados |
Com o banco já selecionado pela variável de interesse "causa básica" de forma a termos somente os óbitos decorrentes de intoxicação, foram realizadas análises com base nas variáveis agente tóxico, UF, região geográfica, sexo, idade, circunstância, escolaridade.
A variável agente tóxico foi criada a partir dos códigos presentes na variável causa básica, descritos no Quadro 1, da seguinte forma: medicamentos - F13.0, F15.0, P93, X40, X41, X43, X44, X60, X61, X63, X64, Y10, Y11, Y13, Y14, agrotóxicos - X48, X68, X87, Y18, drogas de abuso - F10.0, F11.0, F12.0, F14.0, F16.0, F17.0, F19.0, X42, X62, Y12, produtos químicos industriais - F18.0, X46, X47, X66, X67, X86, X88, X89, X90, Y16, Y17, alimentos - A02, A05, plantas - X28, X29, medicamentos + drogas de abuso - X85, drogas de abuso + produtos químicos industriais - X45, X65, Y15, miscelânea (produtos químicos industriais + domissanitários + plantas + metais + alimentos) - X49, X69, Y19. A combinação de agentes tóxicos se fez necessária, uma vez que alguns códigos da CID-10 não são suficientemente específicos para caracterizar um único agente.
A variável circunstância utilizada neste estudo foi construída com base nos códigos da CID-10 presentes na variável causa básica, da seguinte forma: acidental – X28 e X40 a X49; suicídio – X60 a X69; agressão – X85 a X90; não determinada – Y10 a Y19; não classificada – A02, A05, F10.0 a F19.0, P93.
Foram calculados os coeficientes de mortalidade por 100.000 habitantes para as regiões geográficas referente ao período de 2010 a 2015, padronizadas por faixa etária e sexo pela população do Brasil em 2010, utilizando as estimativas populacionais fornecidas pelo DATASUS11.
Os APVP foram determinados pela soma das diferenças entre as idades individuais das vítimas e as expectativas anuais de vida por sexo disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)12. Para o sexo masculino considerou-se 70 anos em 2010 e 2011, 71 em 2012, 2013 e 2014 e 72 em 2015. Para o sexo feminino, nos anos de 2010 e 2011 adotou-se a expectativa de vida de 77 anos, para os anos de 2012, 2013 e 2014 o valor considerado foi de 78 anos e para 2015 adotou-se o valor de 79 anos.
Para análise de tendência, foi aplicada regressão exponencial para todos os agentes tóxicos.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, unidade da Fundação Oswaldo Cruz.
No Brasil, no período de 2010 a 2015, foram registrados pelo SIM 18.247 óbitos decorrentes de intoxicação, resultando em um crescimento de 3% no coeficiente de mortalidade.
Dentre os nove agentes tóxicos identificados pelos códigos da CID-10, os agrotóxicos, as drogas de abuso e os medicamentos figuraram como os principais agentes responsáveis pelos óbitos, tanto para as regiões geográficas quanto para o país como um todo. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, assim como no Brasil, destacaram-se os agrotóxicos. Na região Norte, as drogas de abuso foram apontadas como o principal agente tóxico e nas regiões Sul e Sudeste os medicamentos assumiram a liderança.
A Tabela 1 apresenta, para o período de 2010 a 2015, o número de óbitos por intoxicação e coeficientes de mortalidade por 100.000 habitantes distribuídos por sexo, agente tóxico, faixa etária e região geográfica. Para a região os coeficientes foram padronizados por sexo e faixa etária com base na população do país em 2010.
Tabela 1 Número (N) de óbitos por intoxicação, proporção (%) e coeficiente de mortalidade por 100.000 habitantes segundo agente tóxico, sexo, faixa etária e região geográfica. Brasil, 2010 a 2015.
Variáveis | Sexo | Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | Feminino | ||||||||
N | % | Coef. | N | % | Coef. | N | % | Coef. | |
Agente tóxico | |||||||||
Agrotóxico | 2878 | 23,7 | 0,49 | 1503 | 24,6 | 0,25 | 4381 | 24,0 | 0,36 |
Medicamento | 1978 | 16,3 | 0,33 | 2142 | 35,1 | 0,35 | 4120 | 22,6 | 0,34 |
Droga de abuso | 3287 | 27,1 | 0,55 | 640 | 10,5 | 0,11 | 3927 | 21,5 | 0,33 |
Produto químico industrial | 798 | 6,6 | 0,13 | 254 | 4,2 | 0,04 | 1052 | 5,8 | 0,09 |
Alimento | 173 | 1,4 | 0,03 | 153 | 2,5 | 0,03 | 326 | 1,8 | 0,03 |
Droga de abuso + Prod. quím.ind. | 932 | 7,7 | 0,16 | 164 | 2,7 | 0,03 | 1096 | 6,0 | 0,09 |
Droga de abuso + Medicamento | 54 | 0,4 | 0,01 | 18 | 0,3 | 0,00 | 72 | 0,4 | 0,01 |
Planta | 8 | 0,1 | 0,00 | 6 | 0,1 | 0,00 | 14 | 0,1 | 0,00 |
Miscelânea* | 2028 | 16,7 | 0,34 | 1228 | 20,1 | 0,20 | 3256 | 17,8 | 0,27 |
Faixa Etária | |||||||||
0 a 4 | 147 | 1,2 | 0,31 | 121 | 2,0 | 0,27 | 268 | 1,5 | 0,29 |
5 a 9 | 35 | 0,3 | 0,07 | 17 | 0,3 | 0,04 | 52 | 0,3 | 0,05 |
10 a 14 | 84 | 0,7 | 0,16 | 137 | 2,2 | 0,27 | 221 | 1,2 | 0,22 |
15 a 19 | 962 | 7,9 | 1,84 | 533 | 8,7 | 1,05 | 1495 | 8,2 | 1,45 |
20 a 29 | 2646 | 21,8 | 2,52 | 1049 | 17,2 | 1,02 | 3695 | 20,3 | 1,77 |
30 a 39 | 2591 | 21,3 | 2,72 | 1190 | 19,5 | 1,24 | 3781 | 20,7 | 1,98 |
40 a 49 | 2302 | 19,0 | 3,02 | 1257 | 20,6 | 1,59 | 3559 | 19,5 | 2,29 |
50 a 59 | 1601 | 13,2 | 2,78 | 858 | 14,0 | 1,38 | 2459 | 13,5 | 2,05 |
60 a 69 | 865 | 7,1 | 2,54 | 448 | 7,3 | 1,13 | 1313 | 7,2 | 1,78 |
70 a 79 | 563 | 4,6 | 3,38 | 277 | 4,5 | 1,26 | 840 | 4,6 | 2,17 |
80 e + | 279 | 2,3 | 4,12 | 214 | 3,5 | 1,92 | 493 | 2,7 | 2,75 |
Ign | 61 | 0,5 | 7 | 0,1 | 68 | 0,4 | |||
Região | |||||||||
Norte | 1139 | 9,4 | 2,35 | 385 | 6,3 | 0,81 | 1524 | 25,0 | 1,57 |
Nordeste | 3254 | 26,8 | 2,04 | 1629 | 26,7 | 0,98 | 4883 | 79,9 | 1,50 |
Sudeste | 5316 | 43,8 | 2,04 | 2700 | 44,2 | 1,00 | 8016 | 131,2 | 1,51 |
Sul | 1397 | 11,5 | 1,54 | 843 | 13,8 | 0,92 | 2240 | 36,7 | 1,23 |
Centro-Oeste | 1030 | 8,5 | 2,26 | 551 | 9,0 | 1,23 | 1581 | 25,9 | 1,74 |
Total | 12136 | 100,0 | 2,04 | 6108 | 100,0 | 1,01 | 18244 | 100,0 | 1,52 |
Fonte: Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Excluído 3 registros com sexo ignorado.
*prod. quím ind. + domissanitário + plantas + metais + alimentos
No Brasil, no período de 2010 a 2015, a participação do sexo masculino nos óbitos por intoxicação foi de 66%. O coeficiente de mortalidade para intoxicação foi de 1,52 por 100.000 habitantes, sendo 1,01 para o sexo feminino e 2,05 para o masculino, o que demonstra um risco duas vezes maior para os homens de morrer em decorrência de intoxicações quando comparado às mulheres (Tabela 1).
Segundo o agente tóxico envolvido, observa-se que os coeficientes de mortalidade por agrotóxicos, medicamentos e drogas de abuso, 0,36; 0,34 e 0,33 respectivamente, foram os maiores quando comparados aos demais agentes. Além disso, esses três agentes concentraram 68,1% dos óbitos (Tabela 1).
Grandes diferenças entre os sexos são observadas para os coeficientes de mortalidade por drogas de abuso e por agrotóxicos. O risco de morrer em decorrência de intoxicação por drogas de abuso foi 5 vezes maior entre homens do que entre mulheres. Já para os agrotóxicos, o risco entre homens foi duas vezes maior que o observado entre mulheres. Os homens apresentaram maior concentração de óbitos por drogas de abuso e agrotóxicos (51%), enquanto que para as mulheres os medicamentos e agrotóxicos responderam pela maioria dos óbitos (60%) (Tabela 1).
Com relação às faixas etárias mais acometidas, 61% estão relacionados a adultos com idades entre 20 a 49 anos.
Os maiores coeficientes de mortalidade foram observados em adultos de 40 a 49 anos e idosos com 80 anos ou mais. Esse mesmo comportamento é observado para o sexo feminino, contudo para o sexo masculino os maiores valores de coeficientes de mortalidade encontram-se nas faixas de 70 a 79 anos e de 80 anos e mais. Com exceção da faixa de 10 a 14 anos, para todas as demais faixas etárias os coeficientes de mortalidade para o sexo masculino foram superiores ao do sexo feminino, implicando em riscos maiores para homens, variando de 1,2 a 2,7 vezes, quando comparados aos das mulheres (Tabela 1).
A análise segundo as regiões geográficas demonstrou ser mais homogênea do que as avaliações segundo sexo e faixa etária. A região Centro-Oeste apresentou o maior valor, 1,74 por 100.000 habitantes. As taxas de mortalidade para o sexo masculino mostraram-se superiores ao do sexo feminino em todas as regiões, contudo com riscos diferenciados. Na Região Norte, o risco de um homem morrer em decorrência de intoxicação é 2,9 vezes maior do que o de uma mulher. Nas demais regiões esse risco é de 2,1 para a região Nordeste; 2,0 para a Sudeste; 1,7 para a Sul e 1,8 para a Centro-Oeste (Tabela 1).
A Tabela 2 apresenta a distribuição por agente tóxico e ano dos óbitos decorrentes de intoxicação registrados pelo SIM para os anos de 2010 a 2015. Fornece também o coeficiente de mortalidade padronizado por faixa etária e sexo e o total de APVP.
Tabela 2 Distribuição de óbitos registrados pelo SIM, coeficiente de mortalidade padronizado por faixa etária e sexo, APVP, por agente tóxico e ano. Brasil, 2010 a 2015.
Agentes tóxicos | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Agrotóxicos | Óbitos | 897 | 891 | 694 | 672 | 607 | 620 | 4381 |
Coef | 0,46 | 0,45 | 0,34 | 0,32 | 0,29 | 0,29 | 0,36 | |
APVP | 28545 | 27608 | 21966 | 20844 | 18013 | 19689 | 136665 | |
Medicamentos | Óbitos | 652 | 649 | 734 | 648 | 726 | 711 | 4120 |
Coef | 0,33 | 0,33 | 0,36 | 0,32 | 0,35 | 0,34 | 0,34 | |
APVP | 21472 | 20984 | 23720 | 20936 | 24514 | 23831 | 135457 | |
Drogas de abuso | Óbitos | 508 | 659 | 627 | 677 | 709 | 747 | 3927 |
Coef | 0,26 | 0,33 | 0,31 | 0,33 | 0,35 | 0,36 | 0,32 | |
APVP | 16089 | 21630 | 23555 | 26226 | 28183 | 30038 | 145721 | |
Prod. Quím.Industriais | Óbitos | 102 | 88 | 138 | 196 | 276 | 253 | 1053 |
Coef | 0,05 | 0,04 | 0,07 | 0,10 | 0,14 | 0,12 | 0,09 | |
APVP | 3137 | 2819 | 4736 | 7441 | 12031 | 10965 | 41129 | |
Alimentos | Óbitos | 70 | 68 | 48 | 45 | 52 | 43 | 326 |
Coef | 0,04 | 0,03 | 0,02 | 0,02 | 0,02 | 0,02 | 0,02 | |
APVP | 2241 | 1918 | 1370 | 1255 | 1436 | 1034 | 9254 | |
Drogas de abuso + Prod. Quím.Industriais |
Óbitos | 81 | 128 | 176 | 261 | 225 | 226 | 1097 |
Coef | 0,04 | 0,06 | 0,08 | 0,13 | 0,11 | 0,11 | 0,09 | |
APVP | 2545 | 3730 | 4707 | 7062 | 6277 | 6586 | 30907 | |
Drogas + Medicamentos | Óbitos | 13 | 12 | 9 | 15 | 15 | 8 | 72 |
Coef | 0,01 | 0,01 | 0,00 | 0,01 | 0,01 | 0,00 | 0,01 | |
APVP | 531 | 441 | 381 | 546 | 624 | 347 | 2870 | |
Plantas | Óbitos | - | 1 | 2 | 2 | 4 | 5 | 14 |
Coef | - | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | |
APVP | - | 15 | 63 | 80 | 142 | 164 | 464 | |
Miscelânea | Óbitos | 584 | 561 | 573 | 483 | 534 | 522 | 3257 |
Coef | 0,30 | 0,28 | 0,28 | 0,23 | 0,25 | 0,24 | 0,25 | |
APVP | 18616 | 18004 | 19465 | 15189 | 17240 | 17078 | 105592 | |
Total | Óbitos | 2907 | 3057 | 3001 | 2999 | 3148 | 3135 | 18247 |
Coef | 1,48 | 1,53 | 1,48 | 1,46 | 1,52 | 1,49 | 1,49 | |
APVP | 93176 | 97149 | 99963 | 99579 | 108460 | 109732 | 608059 |
Com base na análise temporal dos coeficientes padronizados para os anos de 2010 a 2015, verificou-se tendência significativa de decréscimo para agrotóxicos (p-valor 0,004), alimentos (p-valor 0,036) e miscelânea (p-valor 0,032), e aumento para as drogas de abuso (p-valor 0,029), produtos químicos industriais (p-valor 0,012) e drogas de abuso + produtos químicos (p-valor 0,021).
Ao analisar os 18.247 óbitos por intoxicação, verificou-se um total de 608.059 APVP, o que representa uma média de 33 anos potenciais de vida perdidos por óbito. No período do estudo observou-se um crescimento nos APVP de 18%. As drogas de abuso foram responsáveis por 24% do total dos APVP, superando os agrotóxicos e os medicamentos, ambos com 22% (Tabela 2).
Ao longo do período do estudo verificou-se um aumento importante dos óbitos por drogas de abuso, que chegaram a ultrapassar o número de óbitos por medicamentos nos anos de 2011 e 2013 e também o número por agrotóxicos nos anos de 2013, 2014 e 2015. Este aumento é ainda mais pronunciado ao levar em consideração os APVP, quando observa-se que esse indicador é maior para drogas de abuso do que para medicamentos em 2011, 2013, 2014 e 2015 e maior do que agrotóxicos em 2012, 2013, 2014 e 2015 (Tabela 2).
A Figura 1 apresenta a distribuição por faixa etária e sexo para os principais agentes tóxicos envolvidos nos óbitos decorrentes de intoxicação: medicamentos, agrotóxicos, drogas de abuso e produtos químicos industriais.
Figura 1 Distribuição por faixa etária e sexo para medicamentos, agrotóxicos, drogas de abuso, e produtos químicos industriais. Brasil, 2010 a 2015.
Com exceção dos medicamentos, em que a participação do sexo feminino nos óbitos é de 52%, verifica-se maior concentração de óbitos para o sexo masculino em todos os agentes: drogas de abuso (84%), produtos químicos industriais (76%) e agrotóxicos (65%), bem como para a maioria das faixas etárias. Somente para agrotóxicos e medicamentos nas faixas etárias de 10 a 14 e 15 a 19 anos e produtos químicos industriais nas faixas de 0 a 4 e 10 a 14 anos foram observadas maior participação do sexo feminino nos óbitos (Figura 1).
A análise do formato da distribuição por faixa etária dos óbitos demonstra similaridade entre pares de agentes tóxicos. Os medicamentos e agrotóxicos apresentam uma distribuição aproximadamente simétrica em torno da faixa de 40 a 49 anos. As drogas de abuso e produtos químicos industriais apresentam uma distribuição assimétrica à direita, diferindo apenas pelo fato das drogas de abuso praticamente não apresentarem óbitos para as faixas de 0 a 4 e de 5 a 9 anos. Apenas um óbito na faixa etária de 0 a 4 anos, para o sexo masculino, foi registrado no período do estudo por drogas de abuso (Figura 1).
Para medicamentos e agrotóxicos o suicídio foi a principal circunstância dos óbitos, respondendo por 58% e 78%, respectivamente. Já para as drogas de abuso e produtos químicos industriais a circunstância acidental foi a que concentrou o maior percentual de óbitos, 49% e 53%, respectivamente.
Para os medicamentos, os códigos X44, X64 e Y14 que contemplam outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas não especificadas concentraram 50% dos óbitos; seguidos dos anticonvulsivantes [antiepilépticos], sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos, representados nos códigos X41, X61 e Y11, com 39% dos óbitos.
Para as drogas de abuso, os narcóticos e psicodislépticos [alucinógenos], descritos nos códigos X42, X62 e Y12, e o uso de álcool, traduzido pelo código F10.0, responderam por quase a totalidade dos óbitos, 67% e 27%, respectivamente.
Para os produtos químicos industriais, outros gases e vapores presentes nos códigos X47, X67, Y17 e X88, e os solventes orgânicos e hidrocarbonetos halogenados e seus vapores, representados pelos códigos X46, X66, Y16, concentraram 40% e 44% dos óbitos, respectivamente.
A circunstância agressão não foi elencada para os medicamentos e para as drogas de abuso pelo fato do código da CID-10, X85, reunir esses dois agentes para avaliar essa circunstância.
Com relação a variável escolaridade, 20% dos registros não foram preenchidos ou são ignorados. Assim, partindo de um total de 14.524, a distribuição de escolaridade das vítimas deu-se da seguinte forma: 34,5% possuíam até 3 anos de estudo, 33,7% tinham 4 a 7 anos de estudo; 23,9% apresentavam 8 a 11 anos de estudo e 7,9% possuíam mais de 12 anos de escolaridade. Esse perfil, com maior percentual de óbitos em vítimas com baixa escolaridade foi observado para agrotóxicos e medicamentos, 37,3% e 30,6%, respectivamente. Para os demais agentes tóxicos a maioria das vítimas apresentaram 4 a 7 anos de estudo: drogas de abuso (40%) e produtos químicos industriais (36,8%).
No Brasil, os óbitos por intoxicações vitimaram predominantemente indivíduos do sexo masculino, fato relacionado às diferenças nas características de saúde entre os sexos, bem como daquelas ligadas ao gênero, que levam em consideração mudanças comportamentais10.
A maioria dos indicadores tradicionais de saúde mostra, com clareza, a existência de diferencial entre os sexos, sendo a mortalidade masculina maior em praticamente todas as idades13.
Ao analisar a mortalidade decorrente de intoxicação por sexo e faixa etária, as taxas para o sexo masculino mostraram-se superiores às do sexo feminino. Somente os pré-adolescentes, representados pela faixa de 10 a 14 anos, apresentaram taxa de mortalidade superior para o sexo feminino em comparação ao masculino. Esses pré-adolescentes se encontram em uma etapa de transição localizada entre a infância e a adolescência/início da vida adulta14. Nessa etapa, com relação aos óbitos decorrentes de intoxicação, os meninos costumam apresentar comportamento mais próximo da faixa etária de 5 a 9 anos, na qual prevalece a circunstância acidental. Por outro lado, as meninas mostram um perfil que se aproxima das jovens de 15 a 19 anos, para as quais o suicídio aparece como principal circunstância15. Sabe-se que a letalidade das tentativas de suicídio é maior que a dos acidentes. Estes fatos podem explicar o menor número de óbitos do sexo masculino na faixa de 10 a 14 anos quando comparados ao do sexo feminino.
As intoxicações geram óbitos concentrados na faixa etária de 20 a 49 anos, o que impõe um número alto de APVP, indicador que incorpora informações sobre o impacto social e econômico da morte16.
Os resultados apresentados foram capazes de delinear um perfil de mortalidade para cada um dos agentes tóxicos estudados.
Os óbitos causados por agrotóxicos ocorreram em sua maioria em homens (65%), na faixa etária de 30 a 49 anos (40%), com baixa escolaridade (<= 3 anos) (36%), pela circunstância suicídio (79%). Esse perfil de mortalidade acompanha o de morbidade já descrito em outros estudos17,18. A baixa escolaridade observada mostrou-se em consonância com Soares et al.19, uma vez que esses autores consideraram a escolaridade um fator de proteção à intoxicação por agrotóxicos.
O maior número de óbitos causados por agrotóxicos já é um resultado recorrente nas estatísticas dos sistemas nacionais de informação20,21, explicado por suas altas toxicidade e letalidade comparadas aos demais agentes22,23. Além disso, o Brasil passou a ocupar desde 2009, o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos24. Diante disso, a tendência de diminuição do coeficiente de mortalidade por agrotóxicos observada neste estudo deve ser encarada com ressalvas, uma vez que as políticas do uso de agrotóxicos no país não mudaram, pelo contrário, estão cada vez mais intensas22. Deve-se considerar também a subnotificação de óbitos decorrentes de intoxicação por agrotóxicos já apontada por Bochner25, resultante do preenchimento equivocado da causa básica do óbito.
Apesar da baixa toxicidade dos medicamentos, traduzida pelos seus baixos valores de letalidade23,26, estes figuram como o segundo principal agente tóxico responsável pelos óbitos de intoxicação. Nesse sentido, a magnitude dos casos de intoxicação por medicamentos, principal agente tóxico para os casos de intoxicação20,21,23,26, justifica esse achado.
Os óbitos decorrentes de intoxicação por medicamentos referem-se em sua maioria a mulheres (52%), na faixa etária de 30 a 49 anos (43%), com 4 a 7 anos de escolaridade, pela circunstância suicídio. A relação de medicamentos com o sexo feminino, bem como a participação da faixa etária de 30 a 49 anos, já foi apontada por outros estudos26-29.
Os óbitos por intoxicações, causados por medicamento, acometem de forma significativa crianças menores de 5 anos, em circunstância acidental. Bortoletto e Bochner26, em 1999, já apontavam para a preocupação com essas intoxicações, ressaltando que crianças nesta faixa etária são as maiores vítimas de intoxicações por esse agente toxico no país. Até os 5 anos de idade, as crianças estão desenvolvendo suas habilidades motoras, descobrindo o novo, principalmente através do toque. Esta característica comportamental das crianças torna-se preocupante em países como o Brasil, onde há um padrão de consumo de medicamentos descontrolado, com facilidade de compra e consequente grande disponibilidade de medicamentos nas residências, possibilitando o contato de crianças com esses agentes tóxicos. Além disso, não temos exigência legal bem fundamentada para embalagens seguras de produtos farmacêuticos, fato que favorece as intoxicações e óbitos por medicamentos em crianças na faixa etária abaixo dos 5 anos30.
Apesar de agrotóxicos e medicamentos apresentarem uma distribuição por faixa etária similar e a mesma principal circunstância, o suicídio, cabe salientar as diferenças encontradas entre esses dois agentes, que impõem formas distintas de enfrentamento. Por um lado, os agrotóxicos com maior participação do sexo masculino e baixa escolaridade, e do outro, os medicamentos com maior participação do sexo feminino e maior nível de escolaridade, ambos exigindo políticas públicas específicas focadas em suas particularidades.
Entre as classes de medicamentos mais envolvidas com óbitos estão os anticonvulsivantes [antiepilépticos], sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos. Esses grupos farmacológicos foram também elencados por Bernardes et al.27 ao analisar o perfil das tentativas de suicídio atendidas pelo Centro de Controle de Intoxicações de Londrina, no período de 1997 a 2007. Esse comportamento pode ser explicado pelo fato desses medicamentos possuírem várias indicações terapêuticas, sofrerem prescrição médica indiscriminada, além de serem de baixo custo. Tudo isso favorece ainda mais o acesso a esses produtos e consequentemente a automedicação.
Os óbitos decorrentes de intoxicação por drogas de abuso ocorrem principalmente em pessoas do sexo masculino (84%), na faixa etária de 20 a 39 anos (52%), com 4 a 7 anos de estudo (40%), pela circunstância acidental (45%).
Em número de óbitos, as drogas ficam em terceiro lugar, entretanto ocupam a segunda posição quando se avalia os APVP, mostrando que esse agente acomete vítimas mais jovens do que as de medicamentos, mesmo não apresentando incidência em crianças.
O aumento dos óbitos por drogas de abuso seria ainda mais pronunciado se os códigos da CID-10 permitissem a separação, em alguns casos, das drogas de medicamentos (X85) e também de produtos químicos industriais (X45, X65, Y15). Em especial o álcool utilizado como bebida ficou subestimado por estar misturado com outros tipos de álcoois, estes pertencentes a categoria dos produtos químicos industriais. Ainda assim, neste estudo, o álcool esteve envolvido em 30% dos óbitos decorrentes de intoxicação por drogas de abuso. Outros trabalhos já sinalizaram a importância do álcool devido ao seu grande consumo, em especial pelos jovens, o que o torna um forte agente causador de intoxicações31-34.
Os óbitos decorrentes de drogas de abuso, apesar de subdimensionados por problemas de classificação da CID-10, merecem destaque tanto pelo crescimento observado no período do estudo, quanto pelo elevado número de APVP, evidenciado pela sua distribuição por faixa etária, concentrada em jovens, muito diferente da curva para os óbitos em geral. Dentre as drogas envolvidas, o álcool é a principal substância. O grande aumento dos óbitos decorrentes de intoxicação por drogas pode ter relação com o uso concomitante e abusivo de álcool e bebidas energéticas a base de cafeína, taurina e carboidratos, por parte da população, em especial de jovens. O uso de bebidas energéticas está diretamente relacionado ao consumo de álcool. Ferreira, já em 2004, apontava para a rápida popularização da ingestão de bebidas alcoólicas, principalmente destiladas, em combinação com bebidas energéticas35.
Além disso, outro estudo realizado em 2010 com universitários nos EUA, avaliou o aumento do consumo de álcool, drogas e medicamentos associado ao consumo de bebidas energéticas. Os resultados mostraram que em comparação com os jovens que não consumiam bebidas energéticas, aqueles que faziam uso delas tinham padrões de maior consumo de álcool e estavam mais propensos ao uso de drogas e medicamentos36.
Os óbitos decorrentes de produtos químicos industriais ocorreram em sua maioria em homens (76%), na faixa etária de 15 a 29 anos (42%), com 4 a 7 anos de estudo (36%) pela circunstância acidental (48%).
Apesar da maioria dos óbitos decorrentes de intoxicação estar relacionada com suicídio, é importante salientar que para drogas de abuso e produtos químicos industriais essa relação não foi observada. Nesses casos os acidentes são a principal circunstância, o que impõe medidas diferenciadas voltadas a prevenção e controle.
A relação entre drogas de abuso e produtos químicos industriais observada pelas suas curvas de distribuição de faixa etária, somado com as similaridades do uso abusivo que é feito dos produtos químicos15, indicam que mais estudos devem ser realizados para esses dois agentes tóxicos. É importante salientar que para os produtos químicos há incidência de óbitos em crianças, o que é raro de observar em se tratando de drogas de abuso. Nesse sentido muitos afirmam que os produtos químicos, como cola de sapateiro, benzina, tiner, e outros solventes, são uma das portas de entrada para o consumo das drogas33,37. No entanto, não se pode esquecer que muitos desses produtos encontram-se dentro das residências, o que favorece a ocorrência de acidentes envolvendo crianças.
Os maiores crescimentos de mortalidade decorrentes de intoxicação observados no período ocorreram para esses dois agentes e a combinação entre eles, drogas de abuso + produtos químicos industriais (178%), produtos químicos industriais (171%) e drogas de abuso (40%). Tal constatação reforça a necessidade da realização de estudos mais aprofundados sobre esses agentes.
A análise conjunta dos agentes tóxicos envolvidos nos óbitos nacionais decorrentes de intoxicação possibilitou uma avaliação comparativa do perfil da mortalidade relacionada a cada um desses agentes, bem como foi possível verificar suas tendências de aumento ou diminuição para o período do estudo. Esta análise ampla e exploratória mostrou a participação expressiva e crescente das drogas de abuso nos óbitos, em especial evidenciada pelos APVP.
Outro ponto importante que deve ser ressaltado é a dificuldade de se trabalhar com os óbitos por intoxicação utilizando a CID-10, devido à classificação toxicologicamente pouco qualificada dos agentes tóxicos, gerando perdas de casos e dados menos confiáveis.