versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.2 São Paulo abr./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017gs4002
A desnutrição é verificada em indivíduos que carecem de quantidades adequadas de calorias, proteínas ou outros nutrientes para manutenção de suas funções orgânicas. Ela ocorre a partir de uma inter-relação complexa entre a doença subjacente, as alterações metabólicas relacionadas às doenças e a falta de disponibilidade de nutrientes (diminuição de ingesta, absorção deficiente, aumento das perdas ou combinações destas).1-3 A terapia nutricional (TN) tem o objetivo de fornecer a quantidade necessária de nutrientes para o funcionamento do organismo e visa ainda manter ou recuperar o bom estado nutricional, reduzir o risco de complicações, promover rápida recuperação, e reduzir o tempo de hospitalização e a morbimortalidade.1-3
Habitualmente, existem duas vias alternativas de administração de nutrientes para os pacientes impossibilitados de ingerir ou digerir os alimentos de modo suficiente para evitar a desnutrição. A nutrição enteral é o processo de fornecimento de alimentos, tipicamente na forma líquida, ao trato gastrintestinal, por meio de um tubo de alimentação nasogástrico ou orogástrico, ou de um tubo de alimentação gástrico ou intestinal, instalado por endoscopia ou cirurgia. Por outro lado, a nutrição parenteral tem por objetivo suprir os nutrientes do paciente por uma via venosa, nas situações de impossibilidade de fornecimento de dieta pelo trato gastrintestinal, seja por obstrução, dificuldade de absorção ou digestão adequada do alimento.1,2 Habitualmente, a nutrição enteral é preferencialmente utilizada em razão dos menores custo e risco de complicações (principalmente infecção).4-6
A análise das contas médico-hospitalares, a partir da atividade de auditoria interna analítica, pode contribuir ao levantamento de indicadores fundamentais para subsidiar a gestão das operadoras de saúde. Um destes indicadores é obtido por meio da análise de custos, que contribui na identificação dos principais itens da despesa assistencial em saúde. De maneira geral, os principais custos em saúde ocorrem devido às internações hospitalares (60% dos custos) e às terapias (10% dos custos).7 Os materiais e medicamentos, incluindo os insumos da TN, são os principais custos das internações, representando 57,7%.7 Por outro lado, sabe-se também que pacientes internados com desnutrição podem aumentar os custos médico-hospitalares em 19 a 29%.8,9 Há poucos estudos de avaliação econômica para subsidiar a decisão dos médicos e gestores em saúde na escolha da TN suplementar mais custo-efetiva.10,11
O objetivo principal deste estudo foi realizar uma análise econômica de custos da terapia nutricional enteral e parenteral, conforme o tipo de doença e o desfecho (sobreviventes versus óbitos).
Foi realizado um estudo transversal, documental, retrospectivo, com estratégia qualitativa e quantitativa, no período de janeiro a dezembro de 2015, em uma operadora de saúde classificada como autogestão, com 76.801 usuários, da cidade de Curitiba (PR).12
No período do estudo, dez serviços hospitalares, vinculados à operadora de saúde e localizados em um mesmo município, estavam habilitados a fazer TN enteral e parenteral. A amostra do estudo foi obtida a partir de uma escolha aleatória das contas hospitalares dos serviços vinculados à operadora de saúde, que utilizaram TN enteral e parenteral no ano de 2015. Foram excluídas deste estudo as contas hospitalares referentes a usuários em pediatria.
A demanda iniciava com a internação do usuário em um dos serviços hospitalares credenciado à operadora de saúde. Quando necessário, o usuário era avaliado pela Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional (EMTN) do serviço hospitalar, constituída por nutricionista e nutrólogo. Após a análise do caso e identificada a necessidade de dieta enteral e parenteral, a EMTN do hospital solicitava à operadora de saúde a autorização para início da terapia, mediante preenchimento de formulário com justificativa, informações do usuário, diagnóstico, tipo de dieta, quantidade e período de tratamento. A solicitação era analisada pela auditoria médica da operadora de saúde, e o tratamento era feito mediante a autorização prévia. Apenas as dietas reconhecidas e aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) eram autorizadas. Os tratamentos experimentais, ou dietas sem registro nacional, não eram autorizados. Foram utilizadas somente as dietas industrializadas e não artesanais. A alteração no tipo de dieta era feita mediante solicitação da EMTN do hospital à operadora de saúde e autorização prévia da autoria médica. A TN do usuário era periodicamente avaliada pela auditoria médica pela análise de documentos (prontuário médico) e por visita in loco.
Qualquer informação que pudesse identificar o usuário foi excluída do estudo. Os dados quanto a sexo, idade, doença, tipo de dieta, óbito e custos foram obtidos a partir das informações disponibilizadas pela EMTN dos hospitais à auditoria médica da operadora de saúde nas solicitações de tratamento e nas contas médico-hospitalares analisadas.
As doenças foram agrupadas pelos pesquisadores, por usuários e por contas hospitalares, da seguinte forma: infecção (independente do foco de origem), diabetes, câncer, doenças cérebro-cardiovasculares (inclui acidente vascular cerebral, doenças do coração, tromboembolismo, doença arterial obstrutiva periférica), doença renal (insuficiência renal crônica ou aguda), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença hepática (cirrose, hepatites) e síndrome demencial (principalmente o Alzheimer). Cada usuário ou conta médico-hospitalar poderia ter o registro de mais de uma doença.
Os custos foram calculados em moeda corrente nacional – Real (R$) – a partir das contas hospitalares encaminhadas pelos prestadores de serviço à operadora de saúde a cada 15 dias. Além disto, os valores também foram convertidos para o dólar americano (US$), a partir da cotação média no período do estudo. Considerando a cotação do dólar (compra) no ano de 2015, a média foi de R$ 3,34 (desvio padrão – DP±R$ 0,43) e variação de R$ 2,57 a R$ 4,14.13
Os custos foram aferidos utilizando custos diretos, ou seja, aqueles que são claramente identificados e quantificados. O custo total da conta (CTC) era calculado somando-se todos os valores gastos com honorários, procedimentos, taxas, materiais e medicamentos, incluindo as dietas. O custo total em dieta (CTD) representa a soma dos valores dos frascos de dieta parenteral e enteral utilizados em cada conta, excluindo honorários e materiais relacionados (sonda e cateter, entre outros). O CTD foi subdividido em custos com dieta enteral (CDE) e custos com dieta parenteral (CDP), de acordo com o tipo e a alimentação utilizada em cada conta. Além disto, foram utilizados os indicadores de custo por dia de internação e por usuário, a partir do valor total das contas, das dietas e de acordo com a modalidade de TN.
Cada grupo de doença foi avaliado de acordo com o número de contas e usuários atendidos, assim como os indicadores de custo. Por fim, os usuários que foram a óbito e suas respectivas contas foram comparados com os usuários sobreviventes durante o período do estudo, quanto a sexo, média de idade, dias de internação e de uso de dieta e os indicadores de custo.
Os dados do estudo foram registrados e analisados em uma planilha do programa Microsoft Office Excel 2010®. Os resultados das variáveis quantitativas foram descritas em média, mediana e DP. As variáveis qualitativas foram demonstradas pelas frequências e porcentagens.
Foram analisadas 301 contas hospitalares referentes à TN de 159 usuários, vinculados à operadora de saúde estudada. Houve 208 contas apenas com dieta enteral, 32 contas apenas com dieta parenteral e 61 contas com dieta enteral e parenteral (uso concomitante ou não).
Com relação ao perfil demográfico, 88 usuários eram do sexo masculino (55,4%). A média de idade foi de 68,7 anos (DP±11,7), mediana de 69, variando entre 35 a 92 anos. O número total de dias de permanência hospitalar de todas as contas incluídas no estudo foi de 3.084 dias, com média de 10,24 (DP±3,69), mediana de 10, variando entre 1 a 26 dias. O número total de dias de dieta foi de 2.193, com média de 7,28 (DP ±3,68), mediana de 7, variando entre 1 a 15 dias.
O custo total das 301 contas hospitalares no período do estudo, incluindo dietas, honorários, materiais e medicamentos, foi de R$ 9.289.588,27 (US$ 2,781,313.85), sendo R$ 58.425,08 (US$ 17,492.53) por usuário (DP± R$ 63.652,38), mediana de R$ 35.773,55 (US$ 10,710.64), variando de R$ 1.596,29 (US$ 477.93) a R$ 397.701,91 (US$ 119,072.42). Aproximadamente 35,44% do valor total das contas hospitalares foram apenas com dieta (R$ 3.292.697,00; US$ 985,837.42), sendo 59,82% na modalidade enteral (R$ 1.969.725,29; US$ 589,738.11) e 40,18% na parenteral (R$ 1.322.971,72; US$ 396,099.10). O CTD por usuário foi de R$ 20.708,79 (U$ 6,200.23), com DP±R$ 28.505,62, mediana de R$ 10.291,31 (US$ 3,081.23), variando de R$ 418,27 (US$ 125.23) a R$ 227.185,01 (US$ 68,019.46). O CTD enteral por usuário foi de R$ 13.131,50 (US$ 3,931.58), com DP± R$ 16.345,49, mediana de R$ 8.210,36 (US$ 2,458.19), variando de R$ 418,27 (US$ 125.23) a R$ 110.426,38 (US$ 33,061.79). Já o custo total com dieta parenteral por usuário foi de R$ 29.399,37 (US$ 8,802.20), com DP± R$ 36.011,54, mediana de R$ 15.293,18 (US$ 4,578.79), variando entre R$ 838,68 (US$ 251.10) a R$ 188.391,30 (US$ 56,404.58).
Quanto aos grupos de doenças, as mais frequentes foram as infecções (144 contas hospitalares referentes a 83 usuários), os cânceres (83 contas hospitalares de 46 usuários) e as doenças cérebro-cardiovasculares (71 contas hospitalares de 45 usuários). As menos frequentes foram as doenças hepáticas (oito contas hospitalares referentes a quatro usuários) e o diabetes (nove contas hospitalares de seis usuários), conforme tabela 1.
Tabela 1 Demonstração de análise de custos em terapia nutricional por grupo de doenças
Grupo de doenças | Contas | Usuários | Custo total das contas | Custo total com dieta | Custo com dieta enteral | Custo com dieta parenteral |
---|---|---|---|---|---|---|
Infecção | 144 | 83 | R$ 4.651.935,91 | R$ 1.481.243,56 | R$ 1.046.075,95 | R$ 435.167,61 |
US$ 1,392,795.18 | US$ 443,486.09 | US$ 313,196.39 | US$ 130,289.70 | |||
Diabetes | 9 | 6 | R$ 411.260,08 | R$ 113.975,15 | R$ 88.411,90 | R$ 25.563,25 |
US$ 123,131.76 | US$ 34,124.29 | US$ 26,470.62 | US$ 7,653.66 | |||
Câncer | 83 | 46 | R$ 2.500.518,08 | R$ 1.030.362,45 | R$ 365.558,73 | R$ 664.803,72 |
US$ 748,658.10 | US$ 308,491.75 | US$ 109,448.72 | US$ 199,043.02 | |||
Doença cérebro-cardiovascular | 71 | 45 | R$ 2.108.048,73 | R$ 740.776,27 | R$ 521.472,44 | R$ 219.303,83 |
US$ 631,152.31 | US$ 221,789.30 | US$ 156,129.47 | US$ 65,659.82 | |||
Doença renal | 35 | 21 | R$ 1.114.337,32 | R$ 358.043,12 | R$ 253.732,44 | R$ 104.310,68 |
US$ 333,633.92 | US$ 107,198.53 | US$ 75,967.79 | US$ 31,230.74 | |||
Doença pulmonar obstrutiva crônica | 45 | 17 | R$ 1.501.344,09 | R$ 439.783,04 | R$ 422.973,15 | R$ 16.809,89 |
US$ 44,9504.21 | US$ 131,671.56 | US$ 126,638.66 | US$ 5,032.90 | |||
Doença hepática | 8 | 4 | R$ 271.783,61 | R$ 92.008,45 | R$ 79.231,99 | R$ 12.776,46 |
US$ 81,372.33 | US$ 27,547.44 | US$ 23,722.15 | US$ 3,825.28 | |||
Síndrome demencial | 20 | 13 | R$ 437.886,73 | R$ 202.870,79 | R$ 109.196,70 | R$ 93.674,09 |
US$ 131,103.81 | US$ 60,739.75 | US$ 32,693.62 | US$ 28,046.13 |
Considerando o CTC hospitalar por grupo de doença, três condições se destacaram: infecções (R$ 4.651.935,91; US$ 1,392,795.18), cânceres (R$ 2.500.518,08; US$ 748,658.10) e doenças cérebro-cardiovasculares (R$ 2.108.048,73; US$ 631,152.31). Os mesmos grupos de doenças também apresentaram os maiores custos com dieta total, ou seja, R$ 1.481.243,56 (US$ 443,486.09) nas infecções, R$ 1.030.362,45 (US$ 308,491.75) nos cânceres, e R$ 740.776,27 (US$ 221,789.30) nas doenças cérebro-cardiovasculares. A dieta enteral apresentou um maior custo total nas infecções (R$ 1.046.075,95; U$ 313,196.39), seguida das doenças cérebro-cardiovasculares (R$ 521.472,44; US$ 156,129.47) e da DPOC (R$ 422.973,44; US$ 126,638.75). Já a dieta parenteral teve um custo total maior nos cânceres (R$ 664.803,72; US$ 199,043.02) seguida das infecções (R$ 435.167,61; US$ 130,289.70) e das doenças cérebro-cardiovasculares (R$ 219.303,83; US$ 65,659.82).
A maior relação entre o custo total com dieta e o CTC hospitalar ocorreu nas síndromes demenciais (46,32%) e nos cânceres (41,20%), e a menor relação foi no diabetes (27,71%) e na DPOC (29,29%). A relação de custo entre a dieta enteral pela dieta total foi maior na DPOC (96,18%), nas doenças hepáticas (86,11%) e no diabetes (77,57%). Já a relação de custo entre a dieta parenteral e a total foi maior nos cânceres (64,52%) e nas síndromes demenciais (46,17%).
O custo de TN por dia de internação está demonstrado na tabela 2. Observa-se que o maior tempo de internação e o maior período de uso de TN foram no grupo das infecções (1.525 e 1.063, respectivamente), dos cânceres (779 e 562, respectivamente) e das doenças cérebro-cardiovasculares (712 e 505, respectivamente). Além disto, nota-se que as doença hepáticas apresentaram o maior período de dias de uso de TN durante a internação (em 80% do total de dias de internação a dieta foi utilizada) e o diabetes, o menor (50%). Quanto ao CTC hospitalar por dia de internação, as doenças hepáticas e os cânceres se destacaram (R$ 3.397,30 ou US$ 1,017.15 e R$ 3.209,91 ou US$ 961.05, respectivamente), e as síndromes demenciais apresentaram os menores valores (R$ 2.419,26; US$ 724.32). Com relação ao CTD por dia de internação, o grupo de doenças com os maiores valores foram os cânceres (R$ 1.322,67; US$ 396.00), seguido das doenças hepáticas (R$ 1.150,11; US$ 344.34) e das síndromes demenciais (R$ 1.120,83; US$ 335.57); os menores valores foram com o diabetes (R$ 850,56; US$ 254.65). Os maiores custos com dieta enteral por dia de internação foram nas doenças hepáticas (R$ 990,40; US$ 296.52) e na DPOC (R$ 822,90; US$ 246.37); e, com a dieta parenteral, destacaram-se os cânceres (R$ 853,41; US$ 255.51) e as síndromes demenciais (R$ 603,30; US$ 180.62). Por outro lado, os menores custos em dieta enteral por dia de internação foram nos cânceres (R$ 469,27; US$ 140.50) e nas síndromes demenciais (R$ 517,54; US$ 154.95); com a dieta parenteral, foram a DPOC (R$ 32,70; US$ 9.79) e as doenças hepáticas (R$ 159,71; US$ 47.81).
Tabela 2 Demonstração de análise de custos por dia de internação em terapia nutricional por grupo de doenças
Grupo de doenças | Dias de internação | Dias de uso de dieta | Custo total das contas por dia de internação | Custo total com dieta por dia de internação | Custo com dieta enteral por dia de internação | Custo com dieta parenteral por dia de internação |
---|---|---|---|---|---|---|
Infecção | 1.525 | 1.063 | R$ 3.050,45 | R$ 971,31 | R$ 685,95 | R$ 285,36 |
US$ 913.30 | US$ 290.81 | US$ 205.37 | US$ 85.43 | |||
Diabetes | 134 | 67 | R$ 3.069,11 | R$ 850,56 | R$ 659,79 | R$ 190,77 |
US$ 918.89 | US$ 254.65 | US$ 197.54 | US$ 57.11 | |||
Câncer | 779 | 562 | R$ 3.209,91 | R$ 1.322,67 | R$ 469,27 | R$ 853,41 |
US$ 961.05 | US$ 396.00 | US$ 140.50 | US$ 255.51 | |||
Doença Cerebro-cardiovascular | 712 | 505 | R$ 2.960,74 | R$ 1.040,42 | R$ 732,41 | R$ 308,01 |
US$ 886.44 | US$ 311.50 | US$ 219.28 | US$ 92.21 | |||
Doença renal | 359 | 259 | R$ 3.104,00 | R$ 997,33 | R$ 706,78 | R$ 290,56 |
US$ 929.34 | US$ 298.60 | US$ 211.61 | US$ 86.99 | |||
Doença pulmonar obstrutiva crônica | 514 | 391 | R$ 2.920,90 | R$ 855,61 | R$ 822,9 | R$ 32,7 |
US$ 874.52 | US$ 256.17 | US$ 246.37 | US$ 9.79 | |||
Doença hepática | 80 | 64 | R$ 3.397,30 | R$ 1.150,11 | R$ 990,4 | R$ 159,71 |
US$ 1,017.15 | US$ 344.34 | US$ 296.52 | US$ 47.81 | |||
Síndrome demencial | 181 | 129 | R$ 2.419,26 | R$ 1.120,83 | R$ 517,54 | R$ 603,3 |
US$ 724.32 | US$ 335.57 | US$ 154.95 | US$ 180.62 |
Durante o período do estudo, o número de óbitos foi de 59 usuários, sendo 33 do sexo masculino, totalizando 134 contas hospitalares. A taxa de mortalidade no ano foi de 37,10%, ou 3,09% ao mês. A média de idade dos usuários que foram a óbito foi de 71,08 anos (DP±9,21), mediana de 70, variando entre 51 e 90 anos. Na amostra do estudo, as maiores taxas de mortalidade foram dos usuários com DPOC (58,82%), seguidas por diabetes (50%) e doenças hepáticas (50%), doenças renais (47,61%), doenças cérebro-cardiovasculares (40%), infecções (37,34%), cânceres (34,78%) e síndromes demenciais (23,07%).
Considerando as 134 contas hospitalares dos 59 usuários que foram a óbito, o custo total foi de R$ 4.761.446,27 (US$ 1,425,582.71), representando 51,26% do custo total, ou seja, R$ 80.702,48 (US$ 24,162.41) por usuário, com DP±R$ 75.429,13, mediana R$ 50.646,07 (US$ 15,163.49), mínimo de R$ 1.596,29 (US$ 477.93) e máximo de R$ 397.701,91 (US$ 119,072.42). Neste grupo, o custo total com dieta foi de 32,81% do valor total das contas hospitalares e de 47,45% do valor total em dietas (R$ 1.562.539,37; US$ 467,826.15). O CDE foi de R$ 784.504,70 (US$ 234,881.64), ou seja, 39,38% do custo total com dieta, com média de R$ 13.525,94 (US$ 4,049.68) por usuário (DP±R$ 13.773,28), mediana de R$ 8.774,51 (US$ 2,627.09), variando de R$ 774,55 (US$ 231.90) a R$ 49.836,96 (US$ 14,921.24). Já na dieta parenteral, o custo foi de R$ 778.034,69 (US$ 232,944.51), 58,81% do total, com média de R$ 38.901,73 (US$ 11,647.22) por usuário (DP± R$ 46.690,75), mediana de R$ 22.286,62 (US$ 6,672.64), variando de R$ 838,68 (US$ 251.10) a R$ 188.391,30 (US$ 56,404.58), conforme tabela 3.
Tabela 3 Demonstração de análise de custos em terapia nutricional, conforme desfecho (óbitos versus sobreviventes)
Óbito | % | Sobrevivente | % | Total | |
---|---|---|---|---|---|
Número usuários | 59 | 37,1 | 100 | 62,9 | 159 |
Masculino | 33 | 37,5 | 55 | 62,5 | 88 |
Feminino | 26 | 36,6 | 45 | 63,4 | 71 |
Média de idade | 71,08 | - | 67,42 | - | 68,77 |
Número de contas | 134 | 44,5 | 167 | 55,5 | 301 |
Dias de internação | 1.432 | 46,4 | 1.652 | 53,6 | 3.084 |
Dias de uso de dieta | 966 | 44,3 | 1.215 | 55,7 | 2.181 |
Custo total das contas | R$ 4.761.446,27 | 51,26 | R$ 4.528.142,00 | 48,74 | R$ 9.289.588,27 |
US$ 1,425,582.71 | US$ 1,355,731.13 | US$ 2,781,313.85 | |||
Custo total com dieta | R$ 1.562.539,37 | 47,45 | R$ 1.730.157,64 | 52,55 | R$ 3.292.697,01 |
US$ 467,826.15 | US$ 518,011.26 | US$ 985,837.42 | |||
Custo com dieta enteral | R$ 784.504,68 | 39,83 | R$ 1.185.220,61 | 60,17 | R$ 1.969.725,29 |
US$ 234,881.64 | US$ 354,856.47 | US$ 589,738.11 | |||
Custo com dieta parenteral | R$ 778.034,69 | 58,81 | R$ 544.937,03 | 41,19 | R$ 1.322.971,72 |
US$ 232,944.51 | US$ 163,154.79 | US$ 396,099.31 |
Por outro lado, foram identificadas 167 contas hospitalares referente a outros 100 usuários sobreviventes, sendo 55 masculinos. Neste grupo, o CTC foi de R$ 4.528.142,00 (US$ 1,355,731.14), 48,74% do custo total, com média de R$ 45.281,42 (US$ 13,557.31) por usuário (DP±R$ 51.601,27), mediana de R$ 27.153,14 (US$ 8,129.68), mínimo de R$ 1.727,25 (US$ 517.14) e máximo de R$ 326.899,09 (US$ 97,873.98). Neste grupo, o custo total com dieta foi de 38,20% em relação ao valor total das contas, e de 52,55% do valor total em dietas (R$ 1.730.157,64; US$ 518,011.27). O CDE foi de R$ 1.185.221,00 (US$ 354,856.59), ou seja, 60,17% do custo total com dieta, com média de R$ 12.882,83 (US$ 3,857.13) por usuário (DP±R$ 7.845,89), mediana de R$ 8.140,35 (US$ 2,437.23), variando de R$ 418,27 (US$ 125,23) a R$ 110.426,40 (US$ 33,061.80). Já na dieta parenteral, o custo foi de R$ 544.937,00 (US$ 163,154.79), ou seja, 41,19% do total em dieta, com média de R$ 21.797,48 (US$ 6,526.19) por usuário (DP±R$ 22.720,62), mediana de R$ 13.926,77 (US$ 4,169.69), variando de R$ 4.088,48 (US$ 1,224.10) a R$ 105.224,70 (US$ 31,504.40), conforme tabela 3.
No Brasil, estudos demonstram uma taxa de mortalidade institucional com mediana de 2,6% ao mês, variando entre zero a 15,7%.14 Nos hospitais de pacientes agudos, a taxa de mortalidade varia de 3,4 a 5,3%; nos de pacientes crônicos em cuidados paliativos, é de 18,2%; e em instituições hospitalares de ensino, de 4,7 a 6,8%.14 Quanto a taxa de permanência hospitalar, o tempo médio é de 4 a 5 dias, variando de 0,2 a 18,6 dias.14 Comparando com os dados encontrados neste estudo, pode-se concluir que a TN foi utilizada com maior frequência em indivíduos internados com maior faixa etária, com taxa mortalidade acima da mediana nacional e com taxa média de permanência relativamente superior à encontrada em hospitais privados do Brasil. Deve-se ressaltar que tanto a taxa de mortalidade quanto o tempo de permanência hospitalar dependem de vários fatores − entre eles, o perfil clínico dos pacientes atendidos, os procedimentos ofertados, as especialidades disponíveis, o porte e o nível de complexidade de cada serviço. O estado clínico habitualmente observado nos pacientes em TN pode justificar a maior taxa de mortalidade e o maior tempo de permanência hospitalar.
Quanto à relação entre a TN e as doenças, observou-se que as infecções e as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) foram as principais enfermidades que utilizaram a dieta enteral e parenteral. Além disto, a maior parte das contas hospitalares em usuários com infecção (aproximadamente 60% delas) apresentou alguma doença crônica relatada. O perfil de doenças identificadas na amostra do estudo é compatível com as principais causas de internações na saúde suplementar, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).12 As doenças mais prevalentes (as infecções, os cânceres e as doenças cérebro-cardiovasculares) também apresentaram um maior CTD. Por outro lado, quando se analisa o custo total por dia de internação, observou-se que o valor foi muito semelhante entre as diferentes doenças.
A via de escolha para suplementação nutricional é a oral e, quando não for possível, a via enteral é preferencialmente utilizada, em razão do menor custo e menor risco de complicações.4-6 Assim, esperava-se que os maiores custos em TN seriam na modalidade enteral. Os cânceres apresentaram o maior custo por dia em dieta, principalmente em razão da TN parenteral. Este resultado por ser justificado em função das doenças oncológicas de origem gastrintestinal submetidas a tratamento cirúrgico, que utilizaram a via parenteral para suplementação nutricional. As síndromes demenciais, apesar do menor custo total por dia de internação, apresentaram um custo em dieta total por dia relativamente alto, e predominantemente devido à dieta parenteral. A partir dos dados analisados não foi possível justificar o motivo dos custos em dieta parenteral nas síndromes demenciais.
Determinados grupos de doenças habitualmente têm indicações de dietas especiais, como o diabetes, a DPOC e as doenças hepáticas.15 Com frequência, este grupo de dietas especiais se destaca por apresentar um custo relativamente maior do que outros tipos de dieta.15 No caso em questão, o grupo do diabetes apresentou o menor custo em dieta total por dia de internação. Entretanto, é preciso considerar que o mesmo grupo também apresentou a menor relação entre os dias de uso de dieta e os dias de internação, o que pode ter justificado o resultado encontrado. A DPOC e as doenças hepáticas se destacaram por utilizar a TN no maior número de dias de internação hospitalar e no menor CDP.
A partir desta amostra, portanto, recomenda-se o monitoramento dos custos em TN no grupo dos cânceres e das síndromes demenciais, de acordo com os critérios de utilização, e com a relação entre custo-benefício e custo-efetividade das dietas em cada caso. A padronização de dietas especializadas e a negociação de valores com os serviços hospitalares podem contribuir na redução de custos em algumas doenças, como DPOC, diabetes, doenças hepáticas e renais. Por fim, as ações de prevenção contra as doenças crônicas são importantes e podem contribuir para a redução de custos em internações e do uso de dietas hospitalares, a longo prazo.
Neste estudo, os usuários com faixa etária mais elevada evoluíram com maior frequência ao óbito. Conforme esperado, a mortalidade e a morbidade dos pacientes geriátricos foram maiores do que entre os mais jovens, em razão da baixa reserva de capacidade funcional dos órgãos e sistemas, e de alterações metabólicas, bioquímicas, imunológicas e nutricionais.16 Na amostra deste estudo, observou-se que tanto o CTC hospitalar como o CTD por usuário foram maiores no grupo que foi a óbito (1,78 e 1,53 vez maior, respectivamente). Quanto ao tipo dieta, o custo da modalidade parenteral por usuário também se destacou no grupo que foi a óbito (2,42 vezes maior). Há estudos que demonstram que a desnutrição pode aumentar os custos em saúde.8,9 Por outro lado, os estudos de custo-efetividade do uso da TN ainda são escassos e inconclusivos.10,11 Considerando que os recursos em saúde são limitados, a decisão pela escolha do tratamento deve levar em conta, sempre que possível, os protocolos clínicos, a medicina baseada em evidência, o ganho de qualidade de vida e a sobrevida. Estudos de custo-efetividade e de custo-utilidade são necessários para identificar os grupos que mais se beneficiam da TN enteral e parenteral, garantindo os melhores resultados e a melhor aplicação dos recursos disponíveis.5,17-20
Quanto às limitações deste estudo, deve-se considerar que os resultados retratam a realidade de um segmento específico da saúde suplementar do Brasil, na modalidade de autogestão e de abrangência regional. Em 2015, a participação desta modalidade de operadora de saúde no mercado de saúde suplementar brasileiro foi de 11%.12 Considerando o número total de usuários, podemos classificá-la como de porte médio, ou seja, entre 20 mil até 100 mil usuários, o que representa 23% das operadoras de saúde do sistema de saúde suplementar do país.12 Destaca-se também que os resultados foram obtidos a partir dos registros das contas hospitalares e estão condicionados ao cadastro correto das informações. Habitualmente, os registros dos valores estão em conformidade com o serviço prestado e pago pela operadora de saúde. Entretanto, a informação do diagnóstico pode estar incompleta, retratando apenas a doença principal sem considerar as comorbidades. Quanto à análise de desfecho (óbitos e sobreviventes), deve-se considerar que os grupos não são homogêneos e não estão expostos necessariamente ao mesmo risco. Por fim, não houve grupo controle, ou seja, contas hospitalares de usuários em condições semelhantes e sem TN, com objetivo de comparar os custos e resultados.
As infecções, os cânceres e as doenças cérebro-cardiovasculares foram as morbidades que utilizaram com maior frequência a terapia nutricional e que apresentaram um maior custo total em dieta. Os cânceres apresentaram os maiores custos em dieta por dia de internação. A terapia nutricional parenteral superou o custo da modalidade enteral nos cânceres e nas síndromes demenciais. O custo total das contas hospitalares por usuário, assim como o custo total em dieta por usuário, foi maior no grupo que foi a óbito, principalmente na modalidade de terapia nutricional parenteral. Recomendam-se novos estudos de análise econômica em terapia nutricional nas outras operadoras de saúde, assim como no sistema público de saúde, para comparar com os resultados encontrados neste estudo.