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Análise Hierarquizada da Hipertensão Arterial Sistêmica com a Variante Polimórfica do Gene da ECA e Outros Fatores de Risco em Idosos

Análise Hierarquizada da Hipertensão Arterial Sistêmica com a Variante Polimórfica do Gene da ECA e Outros Fatores de Risco em Idosos

Autores:

Breno Barreto Ribeiro,
Pedro Eleutério dos Santos Neto,
Jairo Evangelista Nascimento,
João Marcus Oliveira Andrade,
Alanna Fernandes Paraíso,
Sérgio Henrique Sousa Santos,
Marise Fagundes Silveira,
Andréa Maria Eleutério de Barros Lima Martins

ARTIGO ORIGINAL

International Journal of Cardiovascular Sciences

versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647

Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170031

Introdução

A população com idade acima de 60 anos tem crescido progressivamente em nosso país e acredita-se que em 2020 estará acima dos 30 milhões de indivíduos.1 Este processo de envelhecimento acarreta inúmeras alterações fisiológicas e funcionais no organismo humano, tornando o idoso mais susceptível ao desenvolvimento de doenças crônicas, principalmente as cardiovasculares.2

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) representa uma das principais condições clínicas de agravo à saúde do idoso, e em idosos hipertensos, o risco cardiovascular é maior do que em idosos normotenso com a mesma idade.3 Fatores genéticos e ambientais estão associados à manutenção crônica de níveis pressóricos elevados e esta correlação na população hipertensa é de 30% e 70%, respectivamente.4 A HAS pode ser considerada uma condição clínica poligênica na qual as alterações em múltiplos genes interagem entre si e com diversos outros fatores de risco.5

A enzima conversora da angiotensina (ECA), componente-chave do sistema renina angiotensina (SRA), tem como função converter o decapeptídeo angiotensina I no octapeptídeo angiontensina II, o mais potente vasoconstritor circulante no organismo humano. Deste modo, a ECA exerce um papel fundamental no controle da pressão arterial (PA).6 O nível sorológico intraindividual da ECA é estável, mas a variação interindividual é alta e é atribuída às variantes polimórficas do gene da ECA (DD > DI > II).7 Ressalta-se a inexistência de estudos recentes que tenham avaliado a associação destas variantes polimórficas com a HAS exclusivamente entre idosos.8

Além da genética, outros fatores têm sido relatados como sendo de risco para a HAS: idade superior a 60 anos, sexo (mulheres na pós-menopausa), etnia (cor de pele não branca), dieta, sedentarismo, obesidade, etilismo e tabagismo, entre outros.9 A interação destes vários fatores ao longo do tempo colabora para o surgimento e agravamento da HAS, e quanto maior o número de fatores de risco aos quais o indivíduo está exposto, maior será a sua chance de se tornar hipertenso.10

Desta forma, o presente estudo teve por objetivo avaliar a prevalência da HAS entre idosos e a sua possível correlação com a variante polimórfica I/D do gene da ECA e com outros fatores de risco associados.

Métodos

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal e populacional, conduzido em idosos com idade igual ou superior a 60 anos, residentes e domiciliados no município de Ibiaí, norte de Minas Gerais (MG), Brasil.

Procedimento e instrumento de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada no período de 2011 a 2012. Os idosos foram avaliados por profissionais da saúde treinados e calibrados (kappa ≥ 0,63) para as características demográficas, socioeconômicas, comportamentais, antropométricas, laboratoriais e genotípicas da variante polimórfica da ECA. Segundo o censo de 2010, um total de 505 idosos com 60 anos ou mais de idade estavam cadastrados no Sistema de Informação de Atenção Básica. Dos 479 nomes obtidos a partir da lista da Estratégia de Saúde da Família (ESF), 449 (93,74%) foram encontrados. O cadastro possuía ainda 27 idosos cujos nomes não constavam nesta lista mas que foram também adicionados, totalizando 476 idosos. Destes, 387 (84,31%) responderam às perguntas e/ou foram avaliados quanto à principal variável de interesse deste estudo (HAS).

A aferição da PA foi conduzida por técnica auscultatória com esfigmomanômetro calibrado. As medidas da PA foram realizadas com o indivíduo sentado e após descansar por 5 minutos. Os indivíduos foram questionados sobre estarem com a bexiga vazia, terem evitado atividade física, alimentação, fumo, ingestão de bebida alcoólica ou café (pelo menos 30 minutos antes da medida) e se haviam ingerido drogas que pudessem interferir com os mecanismos de regulação da PA.11 Foram realizadas três medidas da PA; a primeira foi desprezada e a média aritmética da segunda e terceira medidas foi considerada. Os pacientes foram instruídos previamente sobre o procedimento, com explicação sobre as suas etapas e objetivos. Foi classificada como HAS a presença de PA diastólica média ≥ 90 mmHg e/ou PA sistólica média ≥ 140 mmHg e/ou uso de medicação sistêmica anti-hipertensiva.11

Para atingir o objetivo do estudo, as variáveis foram agrupadas em: individuais, socioeconômicas, comportamentais, metabólicas e de saúde, como descrito a seguir:

  • Individuais: idade (60 a 69 anos e ≥ 70 anos), sexo (masculino e feminino), cor de pele autodeclarada (branca/amarela e parda/negra) e variante polimórfica I/D (rs 4646994) do gene da ECA (II, DI e DD).

  • Socioeconômicas: estado civil (com companheiro [casado e união estável] e sem companheiro [solteiro, viúvo/divorciado]), escolaridade (≥ 4 anos e 0 a 3 anos), aglomeração domiciliar (menos de uma pessoa/cômodo e mais de uma pessoa/cômodo), bens materiais (pelo menos um bem material [domicílio e/ou automotivo] ou ausência de bens materiais), trabalho (sim [empregado, autônomo, trabalho informal, aposentado/empregado] e não [aposentado/sem trabalho, não trabalha/nunca trabalhou e desempregado]) e renda (avaliada pela renda individual mensal em reais).

  • Comportamentais: fatores dietéticos (consumo de frutas e hortaliças [mais de 3 porções/dia e menos de 3 porções/dia] e consumo de sal [uma porção/dia e mais de uma porção/dia]),12 tabagismo (não fumantes e fumantes), etilismo (nunca realizou consumo versus consumo de bebidas alcoólicas), atividade física (ativo [moderadamente ativo, ativo e muito ativo] e não ativo [inativo e pouco ativo]).

  • Metabólicas e de saúde: colesterol total desejável (< 200 mg/dL), lipoproteína de alta densidade (HDL) desejável (mulheres ≥ 50 mg/dL e homens ≥ 40 mg/dL), lipoproteína de baixa densidade (LDL) desejável (< 130 mg/dL), triglicerídeos desejável (< 150 mg/dL) e relação cintura-quadril (RCQ) desejável (mulheres < 0.85 e homens < 0.95). Avaliou-se a taxa de filtração glomerular (TFG) através da fórmula de Cockcroft-Gault: [TFG (mL/min) = (140 - idade) x peso (kg) / 72 x creatinina sérica (multiplicar por 0.85 para indivíduos do sexo feminino)], na qual valores < 60 mL/min/ 1.73 m2 são considerados alterados e ≥ 60 mL/min/ 1.73 m2 são considerados normais.13

As variáveis antropométricas peso e estatura foram utilizadas para o cálculo do índice de massa corporal (IMC), cujos resultados < 25 kg/m2 são considerados desejáveis.

Avaliação do polimorfismo da ECA - reação em cadeia da polimerase

Para investigar as frequências genotípicas da variante polimórfica I/D (rs 4646994) do gene da ECA (II, DI e DD), foram obtidas amostras salivares. Amostras do gene foram obtidas por meio de esfregaço da mucosa bucal feito com um swab, armazenado em temperatura de -20 ºC e em tubos de ensaio com solução de Krebs. As amostras foram isoladas com utilização de partículas de sílica, que absorvem o DNA. Subsequentemente, o DNA foi lavado para remoção de impurezas e suspendido com tampão TE. A amplificação do DNA genômico foi realizada pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR).

Análise estatística

Todos os dados foram tabulados e analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 20.0. As variáveis investigadas foram descritas como distribuições de frequências. Na análise univariada, foram estimados os valores brutos de odds ratio, com intervalo de confiança de 95%. As variáveis com nível descritivo p ≤ 0,20 foram selecionadas para a análise múltipla. Na análise múltipla, foi adotado o modelo de regressão logística hierarquizada e a ordem de entrada dos blocos foi determinada a partir de um modelo teórico e envolveu conhecidos fatores associados à HAS.11

Para a análise hierarquizada neste estudo, foi seguido o esquema apresentado na Figura 1, que orientou a ordem de entrada dos blocos das variáveis no modelo. O bloco dos "fatores individuais" foi o primeiro a ser incluído no modelo e permaneceu como fator de ajuste para as demais variáveis. Foram incluídos em seguida os "fatores socioeconômicos", e somente aqueles que apresentaram nível descritivo p < 0,05 permaneceram no modelo após o ajuste pelas variáveis do bloco dos "fatores individuais". Foi incluído, logo após, o bloco "hábitos comportamentais" e permaneceram no modelo somente as variáveis com nível descritivo p < 0,05 após ajuste pelos "fatores individuais" e "socioeconômicos". Para inclusão dos demais blocos, foi adotado o mesmo procedimento dos blocos anteriores.

Figura 1 Modelo hierarquizado das variáveis analisadas em idosos no município de Ibiaí, MG. ECA: enzima conversora da angiotensina; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; HAS: hipertensão arterial sistêmica. 

Aspectos éticos

O projeto foi conduzido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e apresentou parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (CEP/Unimontes) com o parecer consubstanciado nº 2903/11. Os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, concordando com a participação na pesquisa.

Resultados

A prevalência da HAS entre os 387 idosos avaliados foi de 76%. Quanto às características individuais, prevaleceram a faixa etária de 60-69 anos de idade (n = 131, 78,7%), o sexo feminino (n = 184, 80,7%), a cor de pele parda/negra (n = 252, 77,3%) e o genótipo II (n = 67, 82,7%). A maior parte vivia sem companheiro (n = 155, 82%), apresentava baixa escolaridade (n = 231, 76,2%), residia em domicílios com pouca aglomeração (n = 251, 75,8%), tinha pelo menos um bem material (n = 269, 75,8%), não trabalhava (n = 212, 77,4%) e apresentava uma renda média de R$ 531,97 ± 219,86 (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição dos idosos não hipertensos e hipertensos segundo fatores individuais e socioeconômicos (Ibiaí, MG) 

Não Hipertensos Hipertensos Total ORbruta IC95% Valor de p
n % n %
Fatores individuais
Idade
60-69 anos 44 21,3 163 78,7 207 1,00 0,171
≥ 70 anos 49 27,2 131 71,8 180 1,39 (0,87-2,21)
Sexo
Masculino 49 30,8 110 69,2 159 1,00 0,009
Feminino 44 19,3 184 80,7 228 1,86 (1,16-2,98)
Cor de pele
Branca/amarela 19 31,1 42 68,9 61 1,00 0,156
Parda/negra 74 22,7 252 77,3 326 1,54 (0,84-2,80)
ECA*
II 14 17,3 67 82,7 81 1,00 0,316
DI 31 24,8 94 75,2 125 0,63 (0,31-1,28)
DD 35 25,9 100 74,1 135 0,60 (0,30-1,19)
Fatores socioeconômicos
Estado civil
Com companheiro 59 29,8 139 70,2 198 1,00 0,007
Sem companheiro 34 18,0 155 82,0 189 1,93 (1,20-3,13)
Escolaridade*
≥ 4 anos 19 26,4 53 73,6 72 1,00 0,640
0-3 anos 72 23,8 231 76,2 303 1,15 (0,64-2,07)
Aglomeração domicílio*
< 1 pessoa/cômodo 80 24,2 251 75,8 331 1,00 0,839
≥ 1 pessoa/cômodo 12 25,5 35 74,5 47 0,93 (0,46-1,88)
Bens materiais*
Possui 86 24,2 269 75,8 355 1,00 0,840
Não possui 6 26,1 17 73,9 23 0,90 (0,35-2,37)
Trabalho*
Trabalha 30 29,1 73 70,9 103 1,00 0,191
Não trabalha 62 22,6 212 77,4 274 1,40 (0,84-2,34)
Renda (média ± DP) 511,73±506,42 531,97±219,86 1,00 0,597
1,00 (0,99-1,00)

*n<387. OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança; DP: desvio padrão; ECA: enzima conversora da angiotensina.

Quanto aos hábitos comportamentais, destacaram-se o baixo consumo de hortaliças (n = 225, 76,5%), enquanto que o consumo de sal esteve dentro do considerado ideal (n = 206, 80,2%). A maioria não tinha hábito etílico (n = 173, 77,6%) e não era tabagista (n = 178, 78,8%). Dentre as condições metabólicas e de saúde, a maioria apresentava alteração no IMC (n = 134, 81,2%), na RCQ (n = 209, 80,1%) e na TFG (n = 143, 76,9%) (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição dos idosos não hipertensos e hipertensos segundo fatores comportamentais, metabólicos e de saúde (Ibiaí, MG) 

Não Hipertensos Hipertensos Total ORbruta IC 95% Valor de p
n % n %
Hábitos comportamentais
Frutas*
Mais de 3x/dia 11 22,0 39 78,0 50 1,00 0,756
Menos de 3x/dia 73 24,0 231 76,0 304 0,89 (0,43-1,83)
Hortaliças*
Mais de 3x/dia 15 25,0 45 75,0 60 1,00 0,800
Menos de 3x/dia 69 23,5 225 76,5 294 1,09 (0,57-2,07)
Consumo de sal*
Uma porção/dia 51 19,8 206 80,2 257 1,00 0,004
Mais de uma porção/dia 33 34,4 63 65,6 96 0,47 (0,28-0,80)
Etilismo*
Não consome álcool 50 22,4 173 77,6 223 1,00 0,099
Consome álcool 15 34,1 29 65,9 44 0,56 (0,28-1,12)
Tabagismo*
Não fumante 48 21,2 178 78,8 226 1,00 0,126
Fumante 44 28,0 113 72,0 157 0,69 (0,43-1,11)
Atividade física*
Ativo 22 24,2 69 75,8 91 1,00 0,995
Não ativo 69 24,2 216 75,8 285 1,00 (0,57-1,73)
Condições metabólicas e de saúde
RCQ*
Normal 41 37,6 68 62,4 109 1,00 0,000
Alterada 52 19,9 209 80,1 261 2,42 (1,48-3,96)
IMC*
Normal 55 29,6 131 70,4 186 1,00 0,019
Alterado 31 18,8 134 81,2 165 1,81 (1,10-3,00)
Colesterol*
Desejável 42 25,5 123 74,5 165 1,00 0,807
Risco 40 26,7 110 73,3 150 0,94 (0,57-1,55)
HDL*
Desejável 35 31,0 78 69,0 113 1,00 0,156
Risco 44 23,5 143 76,5 187 1,46 (0,86-2,46)
LDL*
Desejável 40 26,1 113 73,9 153 1,00 0,939
Risco 39 26,5 108 73,5 147 0,98 (0,59-1,64)
Triglicerídeos*
Desejável 38 30,4 87 69,6 125 1,00 0,151
Risco 43 23,1 143 76,9 186 1,45 (0,87-2,42)
TFG*
Normal 38 30,4 87 69,6 125 1,00 0,151
Alterada 43 23,1 143 76,9 186 1,45 (0,87-2,42)

*n < 387. OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança; RCQ: relação cintura-quadril; IMC: índice de massa corporal; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; TFG: taxa de filtração glomerular.

Na análise univariada, a faixa de idade de 60-69 anos demonstrou uma associação positiva com a HAS, sendo que as mulheres tiveram uma chance maior de HAS em relação aos homens. Os idosos sem companheiro(a) mostraram também esta associação, assim como os que apresentavam IMC e RCQ alterados (Tabela 1 e 2) do gene da ECA não se mostrou associada à HAS (p = 0,316).

Na análise de regressão logística múltipla após ajuste hierarquizado, as seguintes variáveis foram mantidas no modelo por apresentarem diferenças estatisticamente significativas: sexo, estado civil e RCQ. As demais variáveis perderam o efeito após este ajuste (Tabela 3).

Tabela 3 Resultados da análise de regressão logística múltipla hierarquizada (Ibiaí, MG) 

Bloco 1 - Individuais1 Modelo 1
Bloco 1
ORbruta ORajustada IC 95% Valor de p χ 2 HL
Sexo
Masculino 1,00 1,00 0,009 0,402
Feminino 1,39 1,88 (1,17-3,02)
Bloco 2 - Socioeconômicos2 Modelo 2
Blocos 1 e 2
Sexo
Masculino 1,00 0,067 0,567
Feminino 1,59 (0,97-2,63)
Estado civil
Com companheiro 1,00 1,00 0,032
Sem companheiro 1,93 1,73 (1,05-2,86)
Bloco 4 - Metabólicas e de saúde3 Modelo 3
Blocos 1, 2 e 4
Sexo
Masculino 1,00 0,941 0,561
Feminino 1,03 (0,52-2,02)
Estado civil
Com companheiro 1,00 0,126
Sem companheiro 1,59 (0,88-2,89)
RCQ
Normal 1,00 1,00 0,050
Alterada 2,42 2,01 (1,00-4,04)

OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança; χ2HL: teste de Hosmer-Lemeshow; RCQ: relação cintura-quadril.

1Ajustado pelas variáveis individuais entre si;

2ajustado pelos fatores individuais;

3ajustado pelos fatores pessoais e socioeconômicos.

Discussão

A abordagem hierarquizada é uma alternativa aplicável a estudos epidemiológicos com grande número de variáveis. Este estudo tentou estabelecer uma inter-relação entre vários fatores de risco e em vários níveis, avaliando a importância de cada bloco sobre a HAS. Os principais achados do presente estudo apontam para uma prevalência de 76% de idosos hipertensos na população estudada, com associação significativa de maior acometimento da doença em idosos do sexo feminino, sem companheiro, que consumiam mais de uma porção de sal ao dia e com alterações nos índices de RCQ e IMC.

O presente estudo não encontrou associação da HAS com a variante polimórfica I/D do gene da ECA. Em idosos, os estudos são escassos e não mostram uma associação desta variante polimórfica com a HAS; neste sentido, este estudo corroborou com esta literatura, sugerindo talvez a pouca influência genética desta variante no aumento da PA nesta faixa etária.14

Nossos achados corroboram os de outro estudo epidemiológico brasileiro que demonstrou uma prevalência de HAS em torno de 65% em idosos, com maior prevalência entre as mulheres com idade acima de 75 anos, podendo chegar a 80%.15 Nesta presente investigação, esta condição clínica foi semelhante à observada em outros estudos populacionais.9,16

A maior chance de apresentação de HAS foi verificada entre as mulheres (p = 0,009). A literatura destaca uma maior prevalência de HAS entre mulheres idosas quando comparadas a homens da mesma faixa etária.9 Um estudo prévio já havia demonstrado esta maior probabilidade de associação com a HAS.17 Até a menopausa, as mulheres são hemodinamicamente mais jovens do que os homens de mesma idade e, desta forma, menos vulneráveis às elevações da PA. Contudo, após a menopausa e devido ao ganho de peso e às alterações hormonais, as mulheres tornam-se mais vulneráveis ao aumento da PA.18

Apesar da relação direta e linear da PA com o aumento da idade, esta não se manteve associada, possivelmente pelo fato da faixa etária nesta população investigada ter sido mais homogênea. A literatura destaca uma maior chance de HAS em negros.19 No presente estudo, a cor de pele não se mostrou associada com a HAS, o que foi comparável com outro estudo que incluiu esta variável em suas análises.17 Isto demonstra que ainda não se conhece com exatidão o impacto que a miscigenação brasileira apresenta sobre a HAS. Em um recente estudo sobre a ancestralidade genômica em nosso país, observou-se que o genoma brasileiro é muito mais uniforme do que era esperado devido à grande mistura racial ocorrida nos dois últimos séculos.20

Ao ser controlada pelos fatores socioeconômicos, a variável sexo perdeu a sua força de associação (p = 0,067), ao passo que o estado civil (p = 0,032) se mostrou estatisticamente significativo. Há poucos estudos correlacionando especificamente o estado civil com a HAS.21,22 No presente estudo, os idosos sem companheiro apresentaram uma maior chance de HAS e uma das possíveis explicações pode ser o fato de que o idoso que vive sozinho apresenta uma maior probabilidade de ter distúrbios emocionais, o que influencia o aumento da PA.23 Entretanto, vale destacar que em outro estudo, a maior chance de HAS esteve entre os casados ou que viviam com companheiro(a).17

A RCQ passou a apresentar uma correlação positiva (p = 0,050) com a HAS. São poucos os es tudos que investigam especificamente a relação entre diferentes indica dores de gordura (corporal e/ou abdominal) com a HAS.24,25 O excesso de peso entre as pessoas idosas ainda é uma realidade, especialmente entre as mulheres.26 Munaretti et al.24 publicaram o primeiro estudo de base populacional e domici liar a verificar uma associação entre HAS e indicadores antropométricos de gordura (corporal e abdominal) em idosos brasileiros. No estudo, os indicadores antropométricos de gordura (corporal e abdominal) mostraram-se associados à HAS, corroborando os resultados de outros estudos realizados com indivíduos de diferentes populações e grupos etários, nos quais foi constatado que o excesso de gordura, independentemente do indicador antropométrico utilizado, é um dos principais fatores de risco para HAS.27-29 Apesar de não haver um consenso sobre os critérios e valores mais adequados para definir obesidade entre idosos, o IMC ainda é o indicador mais utilizado em estudos epi demiológicos nesta faixa etária.28 Entretanto, alguns autores têm sugerido que o IMC por si só não é suficiente para identificar a associação en tre a gordura corporal e a HAS.30

Em um estudo realizado com 9.936 homens e 12.154 mulheres com idades entre 45 a 79 anos, os indicadores RCQ e IMC apresentaram, de forma similar, uma associação com a HAS.28 Tal fato pode ser provavelmente explicado pelas alterações fisiológicas que ocorrem nos indivíduos obesos, como por exemplo, a ativação do sistema nervoso simpático, do SRA, da disfunção endotelial e da resistência à insulina (aumentando a reabsorção tubular de sódio).28 Destaca-se que a predominância da obesidade tende a ser maior nas classes socioeconômicas mais baixas, como foi o caso desta população investigada.30

O fato das outras variáveis do estudo não terem apresentado força de associação com a HAS talvez se deva ao tamanho da amostra e às possibilidades de vieses de seleção e/ou informação envolvendo fatores de confusão e achados ocasionais da análise, que constituem limitações de estudos observacionais em geral.

Conclusão

Apesar da variante polimórfica da ECA não ter mostrado influência sobre a prevalência da HAS em idosos, fatores de risco como sexo feminino, estado civil (ausência de companheiro) e fatores de risco modificáveis, como consumo excessivo de sal e alterações da RCQ e peso corporal, mostraram associação com esta condição. O estudo propõe a adoção de um estilo de vida saudável para a prevenção da doença, uma vez que fatores modificáveis se correlacionaram significativamente à HAS. Além disso, pesquisas que abordem esta questão em grupos populacionais de maior risco são fundamentais para melhorar o conhecimento de polimorfismos genéticos na etiologia da doença.

REFERÊNCIAS

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