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Análise ultrassonográfica qualitativa e quantitativa da deglutição orofaríngea

Análise ultrassonográfica qualitativa e quantitativa da deglutição orofaríngea

Autores:

Simone Galli Rocha,
Roberta Gonçalves da Silva,
Larissa Cristina Berti

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.27 no.5 São Paulo set./out. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152015015

INTRODUÇÃO

Dentre as diferentes tecnologias utilizadas para a avaliação instrumental da deglutição, no que se refere à relação custo/benefício, a ultrassonografia (USG) do movimento de língua se destaca como um instrumento viável para a investigação das funções orofaciais, em especial para a investigação da deglutição orofaríngea1.

As vantagens da utilização da técnica ultrassonográfica podem ser descritas em termos de custo do equipamento, portabilidade, obtenção da imagem em tempo real, setting para a realização do exame, conforto ao paciente e segurança à saúde. O procedimento de avaliação pode ser feito pelo fonoaudiólogo repetidas vezes ou por longos períodos de tempo, uma vez que é um procedimento não invasivo e não utiliza radiação, não oferecendo, consequentemente, riscos e/ou bioefeitos à exposição em longo prazo. Não se faz necessária a preparação prévia do paciente e o seu próprio alimento pode ser utilizado, na medida em que nenhum material de contraste é preciso para visualizar o bolo alimentar durante a deglutição1 2 3.

Destaca-se, porém, que a avaliação USG da deglutição, como todas as outras técnicas de imagem, requer que o fonoaudiólogo tenha treinamento específico com profissional especializado e apresente conhecimento básico sobre a aparência das estruturas anatômicas da orofaringe, procedimentos de imagens e operação do sistema4.

Há estudos que utilizaram a ultrassonografia do movimento de língua para caracterizar a fase oral da deglutição orofaríngea1 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18. Dentre esses estudos, alguns priorizaram uma descrição qualitativa1 5 6 7 enquanto outros propõem medidas quantitativas8 9 10 11 12 13 14 15. Há, ainda, estudos que abordaram concomitantemente os parâmetros qualitativos e quantitativos da deglutição orofaríngea16 17 18.

Em termos qualitativos, encontram-se na literatura diferentes descrições ultrassonográficas, desde a proposição de diferentes etapas durante a deglutição orofaríngea, variando de quatro a nove etapas, até a adoção de diferentes critérios para cada descrição, como o movimento da língua, trânsito do bolo alimentar e deslocamento do osso hióide1 4 5 6 7.

O primeiro estudo1 que descreveu o padrão qualitativo ultrassonográfico da deglutição propôs nove etapas da deglutição orofaríngea, considerando desde a recepção e propulsão do alimento na cavidade oral até o estado de repouso da língua e do osso hióide após o disparo da deglutição. Em estudo posterior5, os autores descreveram a deglutição orofaríngea a partir de quatro marcos ultrassonográficos, utilizando como parâmetro descritivo somente o movimento da língua. Outro grupo de pesquisadores6 também analisou o movimento de língua durante a deglutição orofaríngea, a partir de quatro fases, concluindo que a avaliação ultrassonográfica parece ser um método de triagem para o diagnóstico de coordenação de língua durante a deglutição. Por outro lado, em um estudo mais recente7 encontra-se a descrição da deglutição orofaríngea a partir do deslocamento do osso hióide, categorizando a sua trajetória em quatro fases. Os autores ainda chamam a atenção para o fato de variações nesse deslocamento serem indicativas de alguma anormalidade durante a deglutição.

Dentre os estudos que propuseram medidas quantitativas com o uso do ultrassom (US) 8 9 10 11 12 13 14 15, observa-se a adoção de diferentes parâmetros, tais como: duração da propulsão do bolo alimentar (seg); deslocamento das paredes laterais da faringe (cm); velocidade (mm/s), amplitude (mm) e duração (s) do movimento da língua durante a deglutição; além do deslocamento do osso hióide, tanto em termos de duração (ms), quanto em termos de distância (mm).

Outros estudos16 17 18, porém, descreveram a deglutição orofaríngea à luz da ultrassonografia, tanto qualitativa como quantitativamente, propondo não somente etapas do movimento de língua e deslocamento do osso hióide, como também mensurando a duração do movimento de língua, do contato língua/palato, da velocidade de propulsão da língua e da distância hióide-larínge.

A população investigada nos estudos citados caracteriza-se, fundamentalmente, por indivíduos sadios (sem qualquer alteração de deglutição), em diferentes faixas etárias, desde a infância até a terceira idade (com idade variando de 8 a 65 anos).

Verifica-se, entretanto, que embora haja pesquisadores que descreveram qualitativamente e quantitativamente a deglutição orofaríngea, a grande maioria não considera a interação entre fatores que possam interferir nos parâmetros da deglutição, como idade, consistência e volume, fatores descritos como relevantes na literatura sobre deglutição orofaríngea ao longo dos últimos 30 anos19 20 21 22 23.

Em geral, esses fatores são analisados nos estudos que utilizaram a USG separadamente e, ainda, quando considerados conjuntamente (no caso da idade) investiga-se apenas uma única faixa etária ou faixas etárias bastante díspares na comparação. Adicionalmente, não há concordância entre os estudos sobre o efeito das variáveis, consistência do alimento e faixa etária, sobre os parâmetros ultrassonográficos considerados, seja do movimento da língua, seja do deslocamento do osso hióide.

Também são escassos os estudos que investigam as etapas da deglutição com USG na população adulta e idosa saudável. Acredita-se que eles devem ser desenvolvidos para ampliar e aprofundar a descrição ultrassonográfica da deglutição a fim de fornecer subsídios para futuras comparações com populações que apresentam alteração da deglutição.

Desse modo, o objetivo do presente estudo foi analisar a influência do efeito da consistência do alimento e da idade sobre os parâmetros qualitativos e/ou quantitativos no exame USG da deglutição.

O desenvolvimento do presente estudo visa contribuir para a avaliação objetiva e quantitativa da deglutição orofaríngea com o uso da ultrassonografia, disponibilizando medidas de indivíduos saudáveis que possam ser utilizadas como preditivos de risco para a disfagia em grupos clínicos.

MÉTODOS

Estudo clínico, transversal, observacional. Foram realizadas avaliações ultrassonográficas de 100 indivíduos adultos sadios para a função da deglutição de ambos os gêneros, com faixa etária subdivididas em quatro subgrupos: GI: 20 a 30 anos, GII: 31 a 40 anos, GIII: 41 a 50 anos e GIV: 51 a 60 anos (cada grupo composto por 25 indivíduos). Na seleção dos indivíduos foi aplicado um checklist para rastrear fatores que sugerissem qualquer dificuldade e/ou alteração na função da deglutição. Dentre os 122 indivíduos recrutados, 22 responderam positivamente a uma das questões do checklist sendo, consequentemente, excluídos da amostra.

O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (nº 0886/2013). Todos os indivíduos incluídos na pesquisa tiveram ciência e assinaram o consentimento livre e esclarecido.

Para análise ultrassonográfica foi utilizado ultrassom portátil modelo DP 6600, transdutor micro-convexo acoplado a um computador, além do estabilizador de cabeça. As imagens ultrassonográficas da deglutição foram capturadas e, posteriormente, analisadas com o uso do software AAA (Articulate Assistant Advanced).

A avaliação ultrassonográfica da deglutição foi conduzida com os participantes sentados em uma posição confortável. O estabilizador de cabeça foi ajustado em cada um dos indivíduos, de modo a acoplar o transdutor micro-convexo a 90º graus com a região submandibular. Foi utilizado o gel condutor para acoplamento de impedância entre a superfície do transdutor e a superfície cutânea da região submandibular do indivíduo propiciando a formação da imagem da superfície da língua no plano sagital (Figuras 1 e 2).

Figura 1: Coleta de dados: indivíduo sentado utilizando o estabilizador de cabeça com o transdutor do ultrassom acoplado na região submandibular 

Figura 2: Imagem capturada do ultrassom e correspondente à superfície da língua em corte sagital. O traçado em vermelho foi sobreposto à imagem ultrassonográfica da superfície da língua. Da esquerda para a direita, as setas indicam, respectivamente, o dorso e a ponta da língua 

Após a certificação de que os indivíduos estariam dispostos confortavelmente, cada participante foi instruído a segurar o alimento no interior da cavidade oral por alguns segundos e deglutir após o comando verbal da avaliadora. Foram utilizadas duas consistências de alimento: líquida (água, correspondente a 1-50 centipoise) e purê (danone, correspondente a >1750 cP)24.

Os alimentos foram ofertados em colheres descartáveis, com o volume controlado de 5 mL para ambas as consistências, além da deglutição livre para a consistência líquida. Para cada situação foram realizadas duas ofertas.

As imagens ultrassonográficas referentes a cada uma das deglutições foram gravadas pelo software AAA em uma taxa de 30 frames/segundo e arquivadas separadamente, computando um total de 600 arquivos (100 indivíduos x 3 condições x 2 ofertas = 600).

Tanto a análise qualitativa quanto a análise quantitativa foram realizadas pelo primeiro autor do estudo. O terceiro autor conferiu a mensuração de 5% dos dados.

Os parâmetros para a análise qualitativa foram adaptados de um estudo prévio(1). Não foram utilizadas as nove etapas descritas no estudo citado, porque a taxa de frames fornecida pelo software corresponde a 30 frames/segundo, dificultando a apreensão precisa de parâmetros dinâmicos. Desse modo, optou-se pela adoção de pontos fixos durante a deglutição orofaríngea, ao invés da adoção de pontos dinâmicos, tais como aqueles relacionados ao transporte do bolo alimentar. Considerou-se, portanto, a presença de cinco etapas durante a deglutição orofaríngea, que são:

  • • Etapa 1: corresponde ao instante que antecede a recepção do bolo alimentar, osso hióide em repouso.

  • • Etapa 2: corresponde à elevação da ponta da língua para segurar o bolo alimentar contra o alvéolo, com pequena elevação do osso hióide.

  • • Etapa 3: corresponde ao instante em que se observa o acoplamento da parte medial da língua contra o palato com propulsão do bolo.

  • • Etapa 4: corresponde ao pico da deglutição com o máximo de deslocamento do osso hióide e contato completo da língua contra o palato;

  • • Etapa 5: corresponde ao repouso da língua e osso hióide.

Os parâmetros quantitativos adotados foram: duração da propulsão da língua durante a deglutição e distância do deslocamento máximo do osso hióide durante o pico da deglutição (distância entre a parte inferior do osso hióide e inserção do músculo milo-hióide).

A duração da propulsão da língua foi mensurada conforme os seguintes critérios:

  • • início da duração: correspondeu ao instante (em milissegundos) de elevação da ponta da língua para segurar o bolo alimentar contra o alvéolo (etapa 2);

  • • final da duração: correspondeu ao instante (em milissegundos) de repouso da língua e osso hióide (etapa 5).

Após a análise estatística descritiva dos parâmetros, um tratamento estatístico inferencial dos dados foi realizado com o uso do software Statistica (versão 7.0). Para verificar o efeito da consistência do alimento e da idade nos parâmetros da deglutição (duração da propulsão do movimento de língua e deslocamento do osso hióide) foi utilizado o teste paramétrico GLM - MANOVA. A escolha do teste paramétrico baseou-se na verificação da não violação da curva do teste de normalidade, adotando-se o valor de α≤0,05. Já para verificar a correlação entre os parâmetros duração da propulsão do movimento de língua e da distância do deslocamento do osso hióide em função da idade absoluta, foi utilizado o teste paramétrico Correlation matrices, também em virtude da não violação do teste de normalidade. Estabeleceu-se um nível de significância α≤0,05 e um intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

A tabela 1 apresenta uma síntese dos resultados obtidos na análise qualitativa. São distribuídas as porcentagens de indivíduos que apresentaram o mesmo padrão de movimento qualitativo em cada uma das etapas, em função dos grupos etários e consistência do alimento.

Tabela 1: Distribuição da porcentagem de indivíduos que apresentaram o mesmo padrão qualitativo em função de cada etapa observada e oferta alimentar 

As etapas 1 e 5 corresponderam, respectivamente, ao início e final da deglutição. Nessas etapas, o mesmo padrão de movimento da língua, ou seja, a língua em posição de repouso foi observada em todos os indivíduos, independente da consistência e volume do alimento.

Na etapa 2, fase em que ocorre a elevação da ponta da língua para segurar o bolo alimentar contra o alvéolo, com pequena elevação do osso hióide, 89% (89/100) dos indivíduos utilizaram a porção média da língua contra o palato para conter o bolo alimentar; 11% (11/100) dos indivíduos utilizaram outra porção da língua (anterior ou posterior). Dentre os indivíduos que mantiveram o bolo alimentar na cavidade oral com a porção anterior da língua, 0,75% (3/25) dos indivíduos pertence ao GI, 0,75% (3/25) pertence ao GII, 0,5% (2/25) pertence ao GIII e 0,25% (1/25) pertence ao GIV. Já para os indivíduos que mantiveram o bolo alimentar na cavidade oral com a porção posterior da língua, 0,25% (1/25) dos indivíduos pertence ao GI e 0,25% (1/25) pertence ao GIII.

Na etapa 3 observou-se uma grande variabilidade inter-sujeitos do movimento ondulatório da língua durante a propulsão do bolo alimentar, para todos os tipos de oferta alimentar em todos os grupos etários. Nessa fase, especificamente, observaram-se diferentes padrões de movimentos de língua, tais como: curva côncava, curva convexa, onda completa, onda incompleta e onda em forma de U. Em linhas gerais, o padrão mais encontrado para ambos os grupos etários em todas as ofertas foram a curva côncava e a curva convexa e o padrão menos encontrado foi a onda incompleta e a onda em forma de U.

Por fim, na etapa 4, o pico máximo do deslocamento do osso hióide na imagem ultrassonográfica foi categorizado tendo como referência o ângulo de 45º, ou seja, consideraram-se deslocamentos menores/iguais ou maiores que o ângulo de 45° para cada tipo de oferta alimentar. Seguindo esse critério, foi possível observar que, de modo geral, conforme o aumento da consistência de alimento, maior o ângulo observado. Conclui-se que os indivíduos realizaram maior força para deglutir a consistência de purê, o que resultou em um deslocamento maior que o ângulo de 45º quando comparada com a consistência líquida. As Figuras 3 e 4, a seguir, ilustram o máximo deslocamento do osso hióide durante a deglutição: ângulo menor que 45º e ângulo maior que 45º, respectivamente.

Figura 3: Imagem capturada do ultrassom e relativa à fase 4 da deglutição orofaríngea: máximo deslocamento do osso hióide durante o pico da deglutição, ângulo menor que 45°. A seta em vermelho ilustra a medida da distância entre o osso hióide e o músculo milo-hióide 

Figura 4: Imagem capturada do ultrassom relativa à fase 4 da deglutição orofaríngea: máximo deslocamento do osso hióide durante o pico da deglutição, ângulo maior que 45°. A seta em vermelho ilustra a medida da distância entre o osso hióide e o músculo milo-hióide 

A partir da análise qualitativa das fases da deglutição, notam-se duas características marcantes: a primeira refere-se à maior facilidade em visualizar a imagem ultrassonográfica para a oferta da consistência líquida quando comparada à oferta da consistência de purê para todos os grupos etários; e a segunda característica refere-se à presença de deglutições múltiplas, que ocorreram de duas a três vezes para o mesmo bolo em todas as ofertas alimentares e para todas as faixas etárias. Para os indivíduos que necessitaram deglutir duas vezes o mesmo bolo, verificou-se: 11% (11/100) para deglutição de líquido volume livre; 4% (4/100) para deglutição de líquido 5 mL; e 21% (21/100) para deglutição de purê 5 mL. Já para os indivíduos que necessitaram deglutir três vezes o mesmo bolo, foram observados 5% (5/100) somente para a consistência de purê com volume 5 mL.

No tocante à análise ultrassonográfica quantitativa da deglutição orofaríngea, as Tabelas 2 e 3 ilustram os resultados da duração da propulsão da língua e da distância do deslocamento do osso hióide em função do tipo de oferta alimentar para cada faixa etária.

Tabela 2: Valores médios, desvio padrão e intervalo de confiança da duração (ms) da propulsão do movimento de língua em função do tipo de consistência do alimento para cada faixa etária 

Legenda: DP = desvio padrão; IC95% = intervalo de confiaça de 95%

Tabela 3: Valores médios, desvio padrão e intervalo de confiança da distância (mm) do deslocamento do osso hióide em função do tipo de consistência do alimento para cada faixa etária 

Legenda: DP = desvio padrão; IC95% = intervalo de confiaça de 95%

Utilizando o teste estatístico MANOVA, consideraram-se como variáveis dependentes a duração da propulsão do movimento de língua e a distância do deslocamento do osso hióide; como variável independente, o grupo etário; e como fator intra-grupo, a consistência. Verificou-se uma diferença estatística para os grupos etários (F=2,071; p=0,03), para as consistências dos alimentos (F=944,011; p=0,00), bem como para a interação entre os grupos etários e as consistências (F=2,05;p=0,03).

Após a análise multivariada, buscou-se, a partir da análise univariada, verificar qual ou quais das variáveis dependentes contribuíram para o efeito principal. Constatou-se que as medidas de duração da propulsão do movimento de língua, tanto na consistência líquida com volume 5 mL (F=2,91; p=0,03) quanto na consistência de purê com volume 5 mL (F=4,33; p=0,00), mostram-se significativas em relação aos grupos etários.

Por fim, uma análise Post-hoc, a partir do Teste de FISHER, foi conduzida para verificar os grupos etários, bem como as consistências que se diferenciaram entre si, considerando as variáveis de duração da propulsão do movimento de língua e distância do deslocamento do osso hióide. Considerando as medidas de duração, sempre o GI (20-30 anos) diferenciou-se dos demais grupos (com valor de p variando entre 0,00 e 0,03). Já para as medidas de distância, o GI diferenciou-se do GII (p=0,01) e GIV (0,00) (Figura 5).

Figura 5: Diferenciação dos grupos etários nas medidas de duração 

Em relação à consistência, verificou-se que em termos de duração da propulsão do movimento de língua, as medidas relacionadas à consistência de purê foram estatisticamente maiores em relação à consistência líquida; ao contrário do que ocorreu para as medidas de distância do deslocamento do osso hióide, que foram significantemente menores em relação à consistência líquida (df=96,00; p=0,00) (Figura 6).

Figura 6: Diferenciação dos grupos etários nas medidas de distância 

Utilizando o teste estatístico Correlation matrices, foi realizado um teste de matriz de correlação em que todas as variáveis são correlacionadas entre si. Como resultado geral, verificamos que a idade se correlacionou positivamente, tanto com a duração da consistência líquida 5 mL, quanto com a duração da consistência de purê 5 mL. Em outras palavras, com o aumento da idade há também uma tendência para o aumento da duração da propulsão do bolo.

Constatou-se que as medidas de duração da propulsão do movimento de língua sempre se correlacionaram positivamente entre si, considerando as variáveis consistência e volume do alimento (força de correlação variando entre 0,24 a 0,43). Da mesma forma, as medidas de distância do deslocamento do osso hióide também sempre apresentaram uma correlação quase perfeita entre si (força de correlação variando entre 0,93 a 0,97), conforme exposto na Tabela 4.

Tabela 4: Força da correlação entre duração da propulsão do movimento de língua e da distância do deslocamento do osso hióide em função da idade absoluta e da consistência e volume do alimento (p>0,05) 

Teste Correlation matrices

DISCUSSÃO

Na literatura encontram-se diversos estudos1 4 5 6 que utilizaram parâmetros qualitativos para descrever o padrão do movimento de língua e do osso hióide durante a fase oral da deglutição. Nesses estudos, foram adotadas de quatro a nove fases para realizar essa descrição e as fases contemplavam critérios como direção da língua, movimento do bolo alimentar e deslocamento do osso hióide. Vale ressaltar que todos os estudos citados utilizaram somente a consistência líquida, com volume variando entre 2 e 20 mL, para realizar sua descrição. Nesses estudos, independentemente de suas peculiaridades metodológicas, sugere-se que as fases propostas foram suficientes para descrever e caracterizar a deglutição orofaríngea. No entanto, essa descrição não foi comparada com o desempenho das etapas em outra consistência de alimento.

Em relação à descrição qualitativa, a etapa 1 (que corresponde ao instante que antecede a recepção do bolo alimentar, osso hióide em repouso) correspondeu ao início da deglutição. Usualmente, na etapa 2 (correspondente à elevação da ponta da língua para segurar o bolo alimentar contra o alvéolo, com pequena elevação do osso hióide), inicia-se um ajustamento tônico de toda musculatura constituinte do estojo bucal com a porção média da língua. A maioria dos indivíduos posicionou o bolo alimentar na cavidade oral com a língua anteriorizada, e somente uma pequena parcela de indivíduos posicionou o bolo com a língua posteriorizada, possivelmente pelo fato de ser iniciado, justamente na região posterior, o processo de ejeção oral18.

Na etapa 3 (acoplamento da parte medial da língua contra o palato com propulsão do bolo com movimento contínuo do osso hióide), foi observada grande variabilidade inter-sujeitos do movimento ondulatório da língua. Esse fato pode ser explicado, possivelmente, pelo desempenho individual dos sujeitos para realizar a propulsão oral do alimento. A propulsão oral é uma fase voluntária e codependente de inúmeros fatores de modulação oral, tais como: tipo facial, padrão oclusal, pressão da língua contra o palato, além do sabor e da temperatura do bolo alimentar25. A elevada variabilidade de movimento ondulatório da língua nessa fase pode dificultar a identificação de um padrão mais recorrente de acordo com a idade e a consistência, o que aponta para a necessidade de avaliações com elevado número de participantes dentro dos diferentes grupos etários e distintas consistências de alimento.

Na etapa 4 (relativa ao pico da deglutição com o máximo de deslocamento do osso hióide e contato completo da língua contra o palato), foi possível observar muitas vezes que, na consistência de purê, o osso hióide obteve uma elevação maior que 45º, enquanto na oferta da consistência líquida, tanto com volume livre como controlado de 5 mL, o deslocamento do osso hióide foi caracterizado como sendo igual ou menor a 45º. Esse fato pode ser explicado pela viscosidade do alimento, que, conforme aumenta, pode alterar o deslocamento do osso hióide, como mostra estudo11 em que houve aumento no tempo da duração do deslocamento do osso hióide em função do aumento da consistência alimentar. Por fim, a etapa 5 (correspondente ao repouso da língua e osso hióide) foi o parâmetro que demarcou o final da deglutição.

A maior facilidade em interpretar a imagem ultrassonográfica para a oferta da consistência líquida, quando comparada à oferta da consistência de purê, pode ser explicada pelas próprias características de densidade dos bolos alimentares ofertados (água e danone(r)(r)). Como a consistência de purê apresenta maior densidade, consequentemente apresenta maior impedância acústica (resistência à passagem de energia acústica). Assim sendo, as ondas ultrassônicas encontram maior resistência à refração na consistência de purê do que na líquida, modificando a formação da imagem ultrassonográfica26

Cabe destacar que embora haja uma vantagem na interpretação da imagem US na consistência líquida comparativamente à consistência de purê, isso não significa dizer que as imagens na última condição sejam menos confiáveis. O contraste entre o bolo alimentar e a superfície da língua na consistência de purê é apenas mais atenuado quando comparado à consistência líquida.

Em relação à presença de deglutições múltiplas para a mesma oferta, este é um sinal característico e presente nos indivíduos normais, uma vez que são necessários ajustes motores para as distintas modulações orais.

No tocante à análise quantitativa da deglutição, foi possível verificar que houve diferença estatística tanto para os grupos etários como para as consistências. Quanto aos grupos etários, não seria necessária a divisão em quatro grupos, ou seja, o grupo intermediário GIII poderia ser unido aos grupos GII ou GIV, pois os grupos extremos (GI e GIV), em especial o GI, foram estatisticamente significativos em relação aos grupos intermediários.

Já em relação às consistências, observa-se maior duração da propulsão do movimento de língua para a consistência de purê. Esse resultado corrobora os estudos anteriores9 11 12 27 28 sobre duração da fase oral da deglutição em função da consistência alimentar. No primeiro estudo27, os autores realizaram simultaneamente análises videofluoroscópicas e manométricas para descrever as características quantitativas das fases oral e faríngea da deglutição. Os principais efeitos da alta viscosidade de bolo alimentar consistiram em aumento do tempo do trânsito oral e faríngeo, além do aumento da duração das ondas peristálticas na faringe. Em pesquisa posterior9, alguns autores mensuraram a distribuição da força na parte anterior da língua durante a fase oral da deglutição, verificando aumentos significativos no pico de amplitude da força em função do aumento da viscosidade. Estudos posteriores12 28 reforçaram, mais uma vez, o achado de que o tempo de trânsito oral é significativamente superior para alimentos com maior viscosidade em indivíduos saudáveis, na faixa etária de 19 a 40 anos. Considerando a duração do movimento total do osso hióide, outros autores11 também observaram uma maior duração em função do aumento da consistência do alimento.

Já para o parâmetro distância do deslocamento do osso hióide, também foi a consistência purê significante em relação à consistência líquida, assim como em um estudo29 que, embora tenha utilizado a avaliação videofluroscópica para essa mensuração, quantificou o deslocamento do osso hióide vertical e horizontalmente, mostrando que apenas a amplitude vertical do deslocamento do osso hióide foi altamente variável e significativamente maior para os alimentos sólidos se comparados aos líquidos, indicando correlação entre deslocamento e maior viscosidade do bolo alimentar. Analogamente, em um estudo mais recente13 autores verificaram que o movimento do osso hióide é dependente do tipo de consistência alimentar. No entanto, o maior deslocamento do osso hióide ocorreu para a oferta de líquido no volume de 10 mL. Talvez a diferença possa ser explicada pela natureza da população estudada: jovens adultos saudáveis (no caso do presente estudo) vs. adultos e idosos saudáveis, além de diferenças metodológicas.

Em relação à interação entre os parâmetros da deglutição com a variável consistência em função da idade, não foram encontrados estudos ultrassonográficos que estabelecessem essa relação de interação e possibilitassem um confronto com os resultados do presente estudo. Porém, alguns autores7 11 13 18 relataram a importância de se considerar a idade como fator influente nos parâmetros de movimento de língua e osso hióide. Portanto, faz-se necessário considerar o efeito da idade e consistência conjuntamente no estudo da deglutição orofaríngea.

Quanto às correlações estabelecidas neste estudo, verificou-se, conforme o aumento da idade, uma tendência ao aumento da duração da propulsão do movimento de língua para as consistências líquido 5 mL e purê no volume de 5 mL. Um estudo em particular7 relatou que as medidas de duração da deglutição podem ser alteradas pelo fator idade, assim como as medidas do ponto de máxima elevação do osso hióide. No entanto, nosso estudo não corrobora esse último resultado relativo ao deslocamento do osso hióide, assim como outros estudos11, nos quais também foi relatado que quanto maior a idade maior o tempo (duração) para iniciar o deslocamento do hióide e maior sua distância total. Outro estudo18 também verificou que o aumento da distância hióide-laringe ocorreu nos indivíduos mais velhos.

Em contrapartida, o resultado da presente pesquisa corrobora com o estudo mais recente13, segundo o qual a idade foi insignificante para o deslocamento (cm) do osso hióide quando comparado às consistências ofertadas.

Embora o uso do US tenha se mostrado um instrumento viável para análise qualitativa e quantitativa do movimento de língua e da elevação do osso hióide na deglutição, corroborando os achados da literatura sobre a influência da consistência do alimento e da idade, essa técnica não permite a análise da fase faríngea da deglutição, limitando sua aplicação nos casos de indivíduos que apresentam disfagia. Outra limitação a ser destacada é a necessidade de treinamento do fonoaudiólogo com profissionais especializados para o uso e interpretação das imagens. Por outro lado, e por ser de fácil acesso, este método pode auxiliar tanto no diagnóstico quanto no controle da eficácia da reabilitação, quando o objetivo for o desempenho da fase oral e seu impacto sobre a elevação do osso hióide.

CONCLUSÃO

Pode-se afirmar que a adoção das cinco etapas descritas na análise ultrassonográfica qualitativa foram suficientes para resgatar os principais padrões de movimento da língua e do osso hióide na deglutição orofaríngea. A análise quantitativa do USG confirmou a influência da idade e da consistência, bem como da interação entre idade e consistência nos parâmetros de duração da propulsão da língua e distância do deslocamento do osso hióide.

O US parece ser um instrumento viável para avaliação da fase oral da deglutição, confirmando achados já estabelecidos na literatura da área. Mostra-se, ainda, como instrumento potencial não somente para avaliação de indivíduos disfágicos, como também como recurso de biofeedback no processo terapêutico.

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