versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.14 no.3 Porto Alegre jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.0004
A irrigação medular foi estudada inicialmente por Albert Wojciech Adamkiewicz [AFI: ʔadamkiɛviʧ]1,2, patologista polonês, em 18813-6. A artéria radicular magna carrega seu nome como epônimo: a artéria de Adamkiewicz (AKA)4.
O conhecimento da irrigação da medula espinhal é importante no planejamento terapêutico das doenças aórticas, porém, sua vasculatura é complexa e difícil de estudar devido ao pequeno calibre de suas artérias que correm em uma intricada rede tridimensional com grande variabilidade anatômica7. A ausência de um exame de imagem padrão ouro também dificulta a comparação dos métodos de imagem existentes8.
O presente projeto visa elucidar a apresentação anatômica da vasculatura medular.
A intrincada anatomia tridimensional da irrigação medular é frequentemente explanada na literatura com diferentes nomenclaturas9 e merece ser apresentada para elucidação da norma seguida (Tabela 1).
Mais frequente | Sinônimos | Termo Adotado |
---|---|---|
Aorta | Aorta | Aorta |
Artérias segmentares |
Segmental a.10, segmental posterior intercostal a.9,11, radicular a.12 aa. intercostales, intercostal a.13 aa. lumbales |
Artérias segmentares AA. intercostais posteriores (TA) lombares |
Ramo ventral | vertebral branch9, ventral branch11, dural a.12, anterior branch13,14, anterior ramus, muscular branch15 | Ramo vertebral |
Ramo dorsal | dorsal branch11, muscular branch14,16, branches to erector spinae and intercostal muscle17, dorsal somatic branch15 | Ramo dorsal (TA) |
Artéria radiculomedular | Dorsal ramus intercostal a.12, nervomedullary a.7,9,11, spinal branch11, radicular a.12, radicular medullary dural a.18, radiculomedullary a.13,14,16, ramo espinhal19, posterior ramus | Ramo espinhal (TA) |
Ramo anterior da artéria radicular | anterior radicular a.9,10,20, medullary a.12, anterior medullary a.18, anterior radiculomedullary aa.16,17, a. radicular anterior19, anterior spinal canal a., segmental a.21 | Ramo radicular anterior (TA) |
Ramo posterior da artéria radicular | posterior radicular a.9,10,20, medullary a.12, posterior medullary a.18, posterior radiculomedullary aa.16, a. radicular posterior19, posterior segmental medullary a.22 | Ramo radicular posterior (TA) |
Artéria espinhal posterolateral | posterolateral spinal aa.9,18, posterior spinal aa.12,16, posterior pial arterilar plexus10, aa. espinhais posteriores19 | Artéria espinhal posterolateral |
Artéria espinhal anterior | a. spinalis anterior5,6; anterior spinal a.12-14,18, anterior median spinal a.10, anterior long spinal a. | Artéria espinhal anterior (TA) |
Artery of Adamkiewicz | a. radicularis magna, great(er) radicular a., anterior great(er) radicular a., lumbar enlargement a., anterior radiculomedullary a., major radicular a., dominant radiculomedullary a., e outros.9,11,23 | Artéria de Adamkiewicz* |
Artérias lombares | aa. lumbales | Artérias lombares (TA) |
Artérias intercostais | aa. intercostales, intercostal a. 13 | Artérias intercostais posteriores (TA) |
Artérias sulcais | a. sulci5,6, sulcal a.10,11, aa. sulcais19, medial medullary branch22, sulco-commissural a.21 | Artérias sulcais |
Plexo pial | pial plexus18 | Plexo pial** |
TA: Termo adaptado da Terminologia Anatômica24.
*Epônimo adotado mediante frequência de uso na literatura23.
**Termo não existente na Terminologia Anatômica.
As artérias intercostais e lombares que alimentam a medula espinhal originam-se da aorta, assim como os ramos subclávios e hipogástricos. As artérias lombares e intercostais dividem-se três vezes antes de alcançar a medula espinhal. Seu primeiro ramo é o espinhal que se divide nas artérias radiculares anterior e posterior, e mais adiante bifurca-se em ramo dorsal e vertebral. A última bifurcação do ramo espinhal é constante para o suprimento anterior e posterior do canal vertebral, das raízes nervosas e da dura-máter, somente em alguns níveis, as artérias radiculares anterior e posterior atravessam a dura-máter e alcançam a medula. Somente alguns (2-14, média de 6) desses ramos segmentares persistem até a idade adulta. A artéria espinhal anterior (ASA), crucial para a vascularização medular e funículos anterior e lateral, é basicamente um canal anastomótico entre os ramos ascendentes e descendentes das artérias radiculares anteriores adjacentes (Figura 1).
Geralmente uma das artérias radiculares anteriores é dominante perante as outras em calibre e é chamada de artéria radicular anterior magna ou artéria de Adamkiewicz (Figura 2). A artéria radicular posterior tem um padrão semelhante, mas dá origem a dois canais anastomóticos longitudinais: as artérias espinhais posterolaterais. Artérias que suprem a medula espinhal são divididas em um sistema central, alimentado pelas artérias sulcais, e em um outro sistema periférico, o plexo pial, que origina ramos perfurantes (Figura 2)7,25-27.
A drenagem medular não é menos controversa, sendo suas características principais a presença posterior da veia radicular magna em formato “coat-hook”, veia espinhal posterior e a presença de veia espinhal anterior15. A importância anatômica da drenagem venosa para este trabalho reside na diferenciação anatômica do sistema arterial (Figura 3) e não será aprofundada. Posteriormente, existe apenas uma veia espinhal posterior, ao invés de duas veias posterolaterais menores, que é frequentemente de maior calibre que a veia mediana anterior28.
Apesar de haver uma artéria identificável isolada irrigando a medula espinhal na altura torácica, ela não é a única responsável pela irrigação medular. Griepp et al. recentemente aprimoraram o conceito de rede de circulação colateral para a irrigação medular29, detalhando sua redundância vascular, porém, a importância da AKA ainda não está devidamente esclarecida. Existe uma rede axial de pequenas artérias no canal medular, nos tecidos paravertebrais e músculos paraespinhosos que se anastomosam entre si e com as artérias nutridoras medulares; a entrada para essa rede inclui vasos segmentares (artérias intercostais e lombares), artérias subclávias, hipogástricas e seus ramos (Figura 4)30,31. Além dessas múltiplas vias de entrada, também existe uma extensa rede arterial epidural e pequenos vasos que suprem a musculatura paraespinhal. Todos esses vasos estão interconectados e possuem anastomoses com as artérias subclávias cranialmente e hipogástricas caudalmente31.
Essa rede colateral pode prover fluxo compensatório no cordão espinhal na eventualidade da oclusão das vias mais calibrosas31, além de poder aumentar o fluxo de uma fonte quando outra está reduzida; e também o inverso: a diminuição de fluxo pode ocorrer se uma via alternativa de baixa resistência for aberta, ou seja, no roubo arterial29. Segundo a teoria de fluxo parcial de Adamkiewicz, o fluxo na artéria espinhal anterior parte das artérias radiculares ao chegar na medula em duas correntes, uma cranial e outra caudal, e, assim, a alteração pressórica, ou oclusão de via da rede colateral, pode inverter o fluxo na artéria espinhal anterior11.
Trabalho recente de avaliação retrospectiva em modelo de risco em banco de dados de 19 centros europeus com 2.235 pacientes cadastrados revelou que 38 (1,7%) pacientes apresentaram isquemia medular sintomática, evidenciando que a exclusão endovascular das artérias intercostais associada à interrupção de outra via colateral de irrigação medular é fator de risco para esse evento. O algoritmo matemático aplicado identificou a hipotensão intraoperatória e a exclusão simultânea de pelo menos dois territórios de irrigação medular como relevantes na gênese da isquemia, concluindo que somente a exclusão extensa de artérias intercostais não está associada com isquemia medular sintomática30. Apesar disso, a avaliação retrospectiva de 457 pacientes e suas complicações intra-hospitalares demonstrou que paraplegia e paraparesia estavam significativamente relacionadas à exclusão endovascular de mais de 20 cm de aorta32, associação esta que corrobora a importância das artérias segmentares na irrigação medular. Yingbin et al.33 demonstrou a importância da identificação da AKA na seleção de endopróteses longas em casos de dissecção aórtica.
Artigo sobre a interrupção da AKA durante espondilectomia34 sugere que a AKA não é a única via importante de irrigação medular.
O mecanismo da isquemia medular após reparo endovascular de aneurisma de aorta torácica não está completamente elucidado e aparentemente está relacionado a um intrincado mecanismo de diferentes fatores, e não exclusivamente à interrupção permanente do suprimento pela artéria segmentar9,35. O conceito de rede colateral descrita por Griepp et al. propõe a existência de extenso suprimento sanguíneo redundante medular. Entretanto, em situações agudas, como procedimentos cirúrgicos, a perfusão medular depende do gradiente de pressão arterial e do fluido cerebroespinhal35. A isquemia medular está, portanto, correlacionada a episódios perioperatórios de hipotensão e exclusão da artéria hipogástrica, como parte da rede colateral28.
Apesar da grande variação da terminologia encontrada na literatura, os estudos mostram concordância na anatomia da circulação medular e na existência de grande rede de circulação colateral. A normatização da nomenclatura se faz necessária e a sugestão deste estudo é baseada na atual terminologia anatômica.
A importância clínica do conhecimento anatômico dessa região é importante no planejamento cirúrgico endovascular de procedimentos na aorta, a fim de minimizar o risco de isquemia, evitando oclusão desnecessária das vias de irrigação medular.