versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.2 Porto Alegre abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.040
Em 1952, Dubost et al.( 1 ) deram início à fase de correção efetiva do aneurisma da aorta infrarrenal por meio de enxerto homólogo de aorta de cadáver, após aneurismectomia. Com a evolução dos substitutos arteriais, o rigor na técnica cirúrgica, o melhor conhecimento da doença, o advento da ultrassonografia com expansão no diagnóstico e o apurado controle clínico pré, intra (anestesia) e pós-operatório, a cirurgia do aneurisma infrarrenal passou a ser rotineira e com resultados cada vez mais animadores. A perspectiva da possibilidade de tratamento efetivo começou a gerar dúvidas a respeito de quais seriam os pacientes, com aneurismas assintomáticos, candidatos ao tratamento. O conhecimento da história natural da doença tornou-se imprescindível e numerosos estudos abordaram esta questão.
Com o aumento do número de pacientes operados demonstrou-se que, embora as taxas de mortalidade para a cirurgia convencional eletiva apresentassem declínio no decorrer dos anos (17,4% para 5,0% em 20 anos( 2 ), entre 2,5% e 3,5% no Brasil)( 3 - 5 ), as taxas de mortalidade nos casos de aneurismas rotos permaneciam elevadas (mais de 50%).( 6 ) Este fato determinou uma conduta agressiva no tratamento dos aneurismas, com indicação cirúrgica mesmo para os pacientes de maior risco, idade elevada e com aneurismas considerados pequenos( 7 , 8 ). Apesar de esta conduta eliminar a probabilidade de rotura nestes pacientes, um considerável contingente de indivíduos, com aneurismas pequenos, seriam submetidos a um grande procedimento cirúrgico, não isento de riscos e talvez desnecessário, pois muitos aneurismas permanecem estáveis( 9 , 10 ) e 75% dos indivíduos com aneurismas morrem de outras doenças( 11 ), em especial as afecções cardiovasculares.
Portanto, tornou-se imperativo estabelecer qual o paciente tem maior risco de rotura do aneurisma, isto é, quais os fatores que influenciam a rotura dos aneurismas aórticos infrarrenais.
Estes( 12 ), em 1952, relatou que a principal causa de morte nos pacientes com aneurismas abdominais era a rotura e, em segundo lugar, estava a doença coronariana. Em 1962, Shatz et al.( 13 ) notaram uma diminuição do número de roturas, associada à expansão do tratamento cirúrgico dos aneurismas. Para esses autores, os aneurismas eram pequenos até atingir o diâmetro transverso máximo de 7,5 cm. Estes fatos foram corroborados por Szilagui et al.( 14 ), que afirmaram, em 1966, que a correção cirúrgica dos aneurismas equiparava a sobrevida destes pacientes à observada na população normal e recomendavam o tratamento cirúrgico quando o diâmetro máximo do aneurisma atingisse 6,0 cm. Hollier et al.( 15 ) demonstraram que a doença coronariana limitava a sobrevida dos pacientes após a correção dos aneurismas.
Atualmente, é consenso que o fator de risco isolado mais importante para a rotura do aneurisma da aorta abdominal (AAA) é o seu diâmetro transverso máximo; portanto, este é o fator mais utilizado na indicação cirúrgica. Por meio da análise de vários estudos, constatou-se que os aneurismas maiores são mais propensos à rotura do que aqueles de menor diâmetro( 9 , 16 ).
Estudos controlados( 17 , 18 ) concluíram que os aneurismas de até 55 mm de maior diâmetro apresentavam baixa taxa de rotura em homens e, nas mulheres, este valor era de 50 mm. Assim, definiu-se o limiar de diâmetro para indicação de intervenção. Porém, outros estudos preconizavam a indicação também para aqueles entre 4,0 e 5,0 cm( 7 , 8 ), com a justificativa de baixa mortalidade na cirurgia eletiva e alta mortalidade no caso de rotura.
É neste teatro que, a partir de 1991, outro importante fator contribuiu para aumentar a discussão e a polêmica em torno do AAA: a correção por via endovascular (EVAR). Comprovadamente, este procedimento é favorável, em termos de mortalidade e morbidade, em relação à correção aberta tradicional, no período perioperatório e na evolução do paciente em curto prazo( 19 - 21 ). Em longo prazo, a EVAR mostra-se com uma incidência maior de falhas, com necessidade maior de reintervenção e um número de roturas preocupante( 22 - 24 ). Adiciona-se o fato da exigência imperiosa de seguimento, com imagem tomográfica, imediato e em médio e longo prazo. Mas a discussão parece longe de ter fim, pois as endopróteses estão sempre em constante evolução e mostram resultados em longo prazo cada vez melhores. A evolução tecnológica coloca um desafio aos estudos randomizados, pois, quando os resultados são publicados, a prótese, a técnica e a experiência já mudaram, diminuindo a validade externa do estudo( 25 ). Por sua vez, os métodos diagnósticos de imagem para evolução também melhoram e já se realiza o seguimento com ultrassografia Doppler, com ultrassonografia Doppler com contraste e, começa a ser utilizada, a ultrassonografia Doppler 3D( 26 , 27 ).
Novamente, a seleção de pacientes para intervenção (endovascular ou convencional) ou observação apresenta-se com maior quantidade de informações e mais polêmica.
Dois aspectos constantemente destacados são o risco clínico do paciente e a anatomia do AAA, em relação ao colo e aos vasos ilíacos. Um paciente com anatomia favorável e alto risco seria selecionado para EVAR. Um paciente de baixo risco e anatomia desfavorável seria elencado para correção aberta tradicional. O que é baixo e alto risco? O que é anatomia desfavorável? São conceitos difíceis de serem aplicados na vida real. As endoproteses, cada vez mais, são utilizadas fora da Information for Use ( 28 ). Questione um Cirurgião Vascular jovem saindo da Residência. Qual será sua tendência de reparo de um AAA, sendo que ele viu, na sua formação, que 60% a 75% dos AAA são corrigidos pela via EVAR? Com qual técnica ele pode ir aos limites? Ele está sujeito a conflito de interesse entre uma ou outra endoprotese? O paciente já tem informação das técnicas e tem sua preferência. Ele saberá lidar com este aspecto? Em resumo, fará o que é melhor para o paciente ou o que é 'moderno'? Fará aquilo que o paciente pede ou, ainda, o que a indústria dita?
Estudos demonstram que a EVAR tem evolução melhor quando a correção é feita em aneurismas pequenos, devido ao menor remodelamento do saco aneurismático, quando comparado a aneurismas grandes( 29 ). É importante observar que, à medida que o aneurisma cresce em diâmetro, este perde o colo proximal e distal, e progride para o envolvimento dos vasos ilíacos( 30 ), limitando o uso do EVAR. Porém, o número de pacientes eleitos para correção poderia dobrar, caso o limite do diâmetro de indicação de intervenção do AAA diminuísse nos serviços de saúde de países que realizam mapeamento da população( 31 , 32 ). É evidente o impacto do custo desta política( 33 ).
Considerando-se que apenas 25% dos aneurismas detectados rompem( 11 , 34 ), torna-se claro que o mais óbvio seria identificar quais são os candidatos a esta evolução.
O maior diâmero transverso não é um excelente indicador da rotura, pois há AAA pequenos que rompem e grandes que permanecem íntegros.
A análise de fatores de risco de rotura é importante e não deve ser desprezada. Contemplam-se as seguintes situações predisponentes:
Jovens
Mulheres
Tabagistas ativos
Indivíduo com histórico familiar
Hipertensos graves
Portadores de DPOC
Não diabéticos
Esses fatores são importantes, mas não suficientes para determinada indicação, pois indivíduos de alto risco de intervenção podem ter todos estes fatores de risco e a balança risco-benefício não adequada.
Do ponto de vista biomecânico, a rotura de um AAA ocorre quando, em determinado ponto da parede, a resistência se torna menor do que a tensão exercida sobre essa parede.
Os trabalhos que analisam e calculam o estresse na parede dos AAA, como substituto ao diâmetro no critério de intervenção, são extremamente imperfeitos, embora com grande apelo para publicação e divulgação no meio médico( 35 , 36 ). Para este cálculo, são necessárias três informações: geometria do AAA/espessura da parede, forças atuantes e contra-atuantes na parede, e, por fim, informação sobre as propriedades mecânicas da parede. Até hoje se utiliza a geometria dos AAA baseada em imagens tomográficas e/ou de ressonância magnética; talvez, no futuro, utilize-se USG-DOPPLER 3D. A espessura não pode ser medida, em bases individuais, com nenhum método de aplicação clínica disponível e utiliza-se, na equação do cálculo do estresse, uma espessura constante (15 a 25 mm). As forças atuantes baseiam-se na pressão arterial, mas a contraforça, exercida pelo retoperitônio e pelos órgãos vizinhos, não é possível de ser mensurada. No campo das propriedades mecânicas da parede, a Ultrasonografia Doppler pode medir o deslocamento da parede (strain) de modo biplanar; note-se que os métodos destrutivos em espécimes, removidos de indivíduos operados, são amostras limitadas da face anterior do aneurisma, de um todo complexo. Amostras de AAA removidas de cadáveres permitem estudar vários segmentos, mas não todos, e com testes destrutivos uniaxiais ou biaxiais (em uma estrutura sujeita a forças multiaxiais)( 37 , 38 ). Existe, portanto, grave limitação no conhecimento das propriedades biomecânicas da parede dos AAA.
Além destes aspectos mecânicos de uma estrutura completamente heterogênea, existe a questão da mecanobiologia, isto é, como o trombo interage com a parede. Este trombo protege o AAA da rotura ou ajuda a degradar ainda mais a parede já destruída( 39 ), interfere com as enzimas proteolíticas - elastases e colagenases - e seus inibidores( 40 ), com a expressão genética de proteínas reparadoras e com as características do fluxo e sua interação celular no remodelamento da parede( 41 )?
Quando os métodos de imagem fornecerem as informações de espessura de todo o aneurisma (incluindo ponto de fraqueza, blebs) e as propriedades mecânicas de todo o volume 3D do AAA, as equações constitutivas de risco de rotura poderão ser melhoradas, mas dificilmente serão infalíveis. Até lá ou até a descoberta de uma cura para a doença, a seleção dos candidatos à intervenção e qual o tipo de intervenção parece ser a garantia de boa qualidade na assistência individual e de credibilidade e viabilidade do sistema de saúde nesta área.