versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.2 São Paulo abr./jun. 2015 Epub 09-Jun-2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015RC2952
Angiomixoma agressivo (AA) é um tumor raro, com elevado risco de infiltração e recorrência local.(1) Sua patogenia não é clara.(2)Ocorre predominantemente em região vulvovaginal, perineal e pélvica, e o diagnóstico é dado por meio de exame histopatológico. O tratamento deve ser a exérese do tumor, com a opção de agonistas do GnRH usados com terapia adjunta.(3,4)
O AA foi primeiro descrito por Steeper e Rosai, em 1983.(4) Em 2009, existiam menos de 250 casos de angiomixoma descritos, o que destaca a raridade da doença.(3) A maioria dos casos relatados tem sido em mulheres na idade reprodutiva na quarta década de vida. Os AA podem acometer mulheres e homens numa proporção de 6:1.(4,5)
Essa é uma doença rara e no melhor do nosso conhecimento existem apenas 74 casos de AA da vulva publicados na literatura.
Mulher, 42 anos (G3P3(v)A0) procurou o ambulatório de ginecologia do Hospital Getúlio Vargas de Teresina, no Piauí, com queixa de dificuldade ao urinar e tumoração na região vulvar há um ano.
Ao exame ginecológico constatou-se volumosa massa localizada na região perineal e vulvar, determinando diminuição da cavidade vaginal e abaulando sua parede posterior (Figura 1).
Realizou-se biópsia da lesão, que mostrou proliferação de células fibroblásticas e miofibroblásticas, sem atipias, em meio à abundante matriz colagenizada com vasos sanguíneos de permeio. Ausência de atividade mitótica e/ou necrose.
Tomografia computadorizada da pelve mostrou lesão pélvica expansiva, com área de necrose hemorrágica de permeio, bem delimitada, com extensão ao canal vaginal e região pressacral, determinando abaulamento das estruturas circunjacentes, sem sinais de invasão dos planos mioadiposos.
Realizou-se a exérese completa da lesão (30x20x10cm) localizada na região vulvoperineal, que se estendia para a parede vaginal posterior e para parede anterior do reto (Figura 2). A síntese do defeito cirúrgico foi realizada com aproximação dos planos profundos e sutura da região vulvoperineal. Deixou-se um dreno de sucção, que foi retirado no quinto dia de pós-operatório. A paciente fez uso de metronidazol e ciprofloxacino por 14 dias e evoluiu sem intercorrências.
Figura 2 Aparência macroscópica do tumor, cujas dimensões eram 18x11x13cm, com superfície externa ondulada e branco-acinzentada, e superfície de corte lobulada, brilhante e branco-acizentada com áreas mixoides
O histopatológico da peça constatou angiomixoma profundo (Figura 3).
Figura 3 Aparência microscópica do tumor. Vasos de tamanho médio e parede espessada, circundados por uma camada de células estromais de aparência mixoide. Hematoxilina e eosina 200X
A paciente encontrava assintomática e sem evidências de doença em atividade 15 meses após a operação.
A doença é diagnosticada erroneamente em 80% dos casos. A apresentação clássica é de uma massa de crescimento lento, indolor, localizada na região da vulva, períneo ou glúteo. As pacientes frequentemente relatam que a massa é assintomática.
A patogênese do AA vulvar é pobremente entendida, entretanto alterações genéticas no braço curto do cromossomo 12 (12q) têm sido implicadas.(6) O histopatológico é o padrão-ouro para o diagnóstico e, geralmente, mostra vasos de tamanho médio e parede espessada, circundados por uma camada de células estromais de aparência mixoide.(4)Histologicamente, esse tumor é hipo ou moderadamente celular, estando as células fusiformes ou estelares no meio de uma matriz mixoide de mucopolissacarídeos, englobando numerosos vasos de pequeno e médio calibres − estes últimos, por vezes, de parede espessa e hialinizada.(7) No presente caso, a peça cirúrgica consistia de um tumor pesando 1.326g com dimensões de 18x11x13cm, com superfície externa ondulada e branco-acinzentada, e superfície de corte lobulada, brilhante e branco-acinzentada, com áreas mixoides. Ao microscópio, mostrava vasos de tamanho médio e parede espessada, circundados por uma camada de células estromais de aparência mixoide. Imunoistoquimicamente, as células tumorais mostram imunorreatividade, pelo menos focalmente, para a vimentina e actina específica de músculo. A positividade para desmina é controversa. Há imunonegatividade para antígeno carcinoembrionário, citoqueratina, fator VIII e proteína S100.(7)
Muitas modalidades de exames de imagem têm sido utilizadas na identificação e na descrição de AA. A ultrassonografia usualmente revela uma massa cística ou hipoecoica. A tomografia computadorizada tipicamente revela um tumor com margens bem definidas, com atenuação menor que a de músculos, provavelmente devido ao estroma mixoide frouxo e ao alto conteúdo aquoso desse tumor. Em relação aos sinais musculares na ressonância magnética, AA mostra um sinal isointenso, nas imagens ponderadas em T1, e hiperintenso, nas imagens ponderadas em T2.(6) Estudos de imagem são importantes na avaliação pré-operatória, desde que a extensão do tumor é frequentemente subestimada pelo exame físico. A detecção precoce de recorrências pode também ser aumentada pela inclusão de estudos de imagem no protocolo de seguimento.(1)
Múltiplas modalidades de tratamento têm sido descritas, entretanto, a exérese cirúrgica completa – quando possível – deve ser tentada. Exérese parcial pode ser justificada quando uma alta morbidade operatória é antecipada. Infelizmente, recorrências podem ocorrer, mesmo com margens cirúrgicas negativas. Muitas abordagens cirúrgicas ou clínicas podem ser usadas para tratar a doença recorrente. A exérese é ainda o melhor tratamento, mas agonistas do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH) têm sido descritos para prevenir a recorrência em casos isolados.(4) A maioria dos angiomixomas mostra positividade para os receptores de estrogênio e de progesterona, sendo provavelmente hormônio-dependentes. Assim, pensa-se que a manipulação hormonal é uma opção viável de tratamento. Análogos do GnRH têm sido usados em alguns poucos casos de mulheres na pré-menopausa, mas o tumor pode voltar a crescer, uma vez que a terapia é descontinuada. O encolhimento pré-operatório de tumores usando análogos do GnRH pode aumentar as chances de excisão completa e minimizar a radicalidade do procedimento cirúrgico.(3) O tratamento hormonal adjuvante também tem sido descrito com tamoxifeno e raloxifeno, com variados graus de sucesso − indo de nenhuma resposta à remissão completa do AA primário ou recorrente. Radioterapia e quimioterapia têm sido usadas como terapias adjuvantes, mas é pouco provável que sejam úteis, visto que AA tem baixa atividade mitótica. A embolização arterial tem sido relatada, mas, geralmente, não é realizada, uma vez que esses tumores são alimentados por muitos vasos. Devido à sua raridade, o papel da biópsia do linfonodo sentinela e da linfadenectomia em AA está ainda por ser determinado. Apesar dessa ampla gama de tratamentos, a recorrência de AA é reportada ser tão alta quanto 72%.(6)
Não existem guidelines sobre o manejo pós-operatório do AA vulvar. No entanto, devido à alta taxa de recorrência e à potencial morbidade associada com recorrências não diagnosticadas, muitos autores têm recomendado avaliações periódicas, com exame físico e ressonância magnética, por até 15 anos após o tratamento.(6)
O angiomixoma deve sempre ser considerado no diagnóstico diferencial de massas nas regiões vulvar, perineal e glútea. O histopatológico é o único modo de fazer o diagnóstico definitivo. O tratamento deve ser a exérese do tumor, com a opção de agonistas do GnRH usados com terapia adjunta.(4)