Print version ISSN 0102-6720On-line version ISSN 2317-6326
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.29 no.3 São Paulo July/Sept. 2016
https://doi.org/10.1590/0102-6720201600030016
As anomalias anorretais consistem de um grupo complexo de defeitos congênitos. A anorretoplastia laparoscópica permite melhor visualização da fístula retourinária e propicia o posicionamento do reto abaixado dentro do complexo muscular do elevador do ânus com mínima dissecção. Não há consenso na literatura sobre o melhor tratamento dessa fístula.
Avaliar a anorretoplastia laparoscópica e o selamento bipolar da fístula retourinária.
Ela foi realizada de acordo com a descrição original de Georgeson1. Utilizou-se o acesso infraumbilical com portal de 10 mm para a ótica de 30º. O pneumoperitônio foi estabelecido com pressão de 8-10 cm de H2O. Dois trocárteres adicionais de 5 mm foram colocados à direita e à esquerda da cicatriz umbilical. A dissecção foi iniciada na reflexão peritoneal usando Ligasure(r). Com a redução do calibre do reto distalmente, foi identificada a fístula para a o trato urinário. O local do novo ânus foi definido por meio da localização do complexo muscular do esfíncter anal externo, utilizando-se estimulador eletro muscular externamente. Por fim, foi confeccionada uma anastomose entre o reto e o novo local do ânus. Uma sonda uretral de Foley foi deixada durante sete dias.
Sete meninos foram operados, seis com fístula retoprostática e um retovesical. O período de seguimento variou de um a quatro anos. Os dois últimos pacientes operados foram submetidos ao selamento bipolar da fístula entre o reto e a uretra, sem suturas ou ligadura cirúrgica com pontos. No seguimento em longo prazo não houve evidências de fístulas urinárias.
Há benefícios da anorretoplastia laparoscópica para o tratamento de anomalia anorretal. O uso de uma fonte de energia bipolar que promova o selamento da fístula retourinária propiciou redução significativa do tempo cirúrgico e tornou o procedimento mais elegante.
DESCRITORES: Anomalia anorretal; Videocirurgia; Selamento bipolar
The anorectal anomalies consist in a complex group of birth defects. Laparoscopic-assisted anorectoplasty improved visualization of the rectal fistula and the ability to place the pull-through segment within the elevator muscle complex with minimal dissection. There is no consensus on how the fistula should be managed.
To evaluate the laparoscopic-assisted anorectoplasty and the treatment of the rectal urinary fistula by a bipolar sealing device.
It was performed according to the original description by Georgeson1. Was used 10 mm infraumbilical access portal for 30º optics. The pneumoperitoneum was established with pressure 8-10 cm H2O. Two additional trocars of 5 mm were placed on the right and left of the umbilicus. The dissection started on peritoneal reflection using Ligasure(r). With the reduction in the diameter of the distal rectum was identified the fistula to the urinary tract. The location of the new anus was defined by the location of the external anal sphincter muscle complex, using electro muscle stimulator externally. Finally, it was made an anastomosis between the rectum and the new location of the anus. A Foley urethral probe was left for seven days.
Seven males were operated, six with rectoprostatic and one with rectovesical fistula. The follow-up period ranged from one to four years. The last two patients operated underwent bipolar sealing of the fistula between the rectum and urethra without sutures or surgical ligation. No evidence of urethral leaks was identified.
There are benefits of the laparoscopic-assisted anorectoplasty for the treatment of anorectal anomaly. The use of a bipolar energy source that seals the rectal urinary fistula has provided a significant decrease in the operating time and made the procedure be more elegant.
HEADINGS: Anorectal anomaly; Videosurgery; Bipolar sealing.
As anomalias anorretais consistem em um grupo complexo de defeitos congênitos com ampla variedade de apresentações. A incidência é de um para 5.000 nascimentos e ocorre devido à anormalidade de desenvolvimento embrionário do ânus, reto, e/ou do trato urogenital; apresenta alta morbidade e mortalidade3,4. O defeito mais comum no sexo masculino é a fístula retouretral e nas meninas a retovestibular. Existem diferentes técnicas para a correção, cada uma com a sua morbidade específica. O mais importante é o adequado abaixamento do reto dentro do complexo muscular esfincteriano8. A anorretoplastia sagital posterior (ARPSP) tem sido a técnica mais utilizada para o tratamento das anomalias anorretais altas desde o início dos anos 803. Em 2000, Georgeson et al.1 introduziram a anorretoplastia videolaparoscópica (ARPVL) que ganhou interesse devido à melhor visualização da fístula reto urinária e estruturas vizinhas, ao adequado abaixamento do segmento de reto dentro do complexo muscular esfincteriano, sem nenhuma divisão muscular e com mínima dissecação abdominal e perineal. O tratamento da fístula retourinária é controverso. Existe a descrição da utilização de clipes, suturas, ligaduras ou simplesmente a divisão do trajeto fistuloso4,7,9.
O objetivo deste estudo foi demonstrar o tratamento cirúrgico da anomalia anorretal alta por videocirurgia e a apresentar o tratamento da fístula retourinária por meio do selamento com dispositivo bipolar.
Análise retrospectiva de revisão dos prontuários de março de 2012 a janeiro de 2016. Foram operados sete crianças do sexo masculino com idades entre oito meses a um ano e seis meses no momento da operação. Seis pacientes eram portadoras de fístula retoprostática e um retovesical. O período de seguimento variou de um a quatro anos. Os dois últimos pacientes operados foram submetidos ao selamento bipolar da fístula entre o reto e a uretra, sem suturas ou ligadura cirúrgica com pontos.
A ARPVL foi realizada de acordo com a descrição original de Georgeson4 com pequenas modificações. Utilizou-se o acesso infraumbilical com portal de 10 mm para a ótica de 30º. O pneumoperitônio foi estabelecido com pressão de 8-10 cm de H2O. Dois trocárteres adicionais de 5 mm foram colocados à direita e à esquerda da cicatriz umbilical (Figura 1). A dissecção retal laparoscópica foi iniciada na reflexão peritoneal usando o dispositivo bipolar (Ligasure, Valleylab, Boulder, CO). O mesorreto distal foi dividido e a dissecação bipolar continuou anterior e lateralmente bem próxima da parede retal. Com a redução do calibre do reto distalmente, foi identificada a fístula para a o trato urinário (Figura 2). Nos cinco primeiros casos, ela foi transfixada com um ponto de fio absorvível e seccionada. Nos dois últimos, a fístula foi meramente selada e seccionada na inserção da uretra posterior (Figura 3). O local do novo ânus foi definido por meio da localização do complexo muscular do esfíncter anal externo, utilizando-se estimulador eletro muscular externamente, identificando-se a região com a melhor contração muscular (Figura 4). Uma agulha de Veress foi introduzida neste ponto e por visão laparoscópica foi identificado sua posição próxima e paralela ao trato urinário. Em seguida, o complexo muscular foi dilatado com trocárteres de 5 e 10 mm e o reto abaixado através de um trocarte de 10 mm (Figura 5). Por fim, foi confeccionada uma anastomose entre o reto e o novo local do ânus (Figura 6). Uma sonda uretral de Foley foi deixada durante sete dias.
FIGURA 1 Posição da criança com um trocarte de 10 mm no umbigo e dois de 5 mm nos flancos direito e esquerdo
FIGURA 5 Pinça laparoscópica ( seta) dentro de um trocarte de 10 mm introduzido pelo local escolhido com o eletroestimulador (novo ânus), abaixando o reto
A operação abdominal foi efetuada exclusivamente por via laparoscópica, com tempo cirúrgico total (abdominal e tempo perineal) variando, em média, de 90 min (com selagem bipolar da fístula retourinária) a 120 min (com transfixação e secção da fístula retourinária). Um paciente apresentou uma perfuração do reto durante a dissecação laparoscópica e foi tratado com suturas em dois planos. Outra criança apresentou prolapso retal mucoso 90 dias após a operação, que foi corrigido. Os dois últimos pacientes tiveram suas fístulas retourinárias seladas por um dispositivo bipolar. O acompanhamento em longo prazo não identificou complicação. Cinco crianças com mais de três anos foram avaliadas de acordo com o Consenso de Krickenbeck2. Os critérios avaliados foram a percepção das evacuações, a presença de perda fecal involuntária e a constipação intestinal. Quatro crianças tiveram perda fecal involuntária ocasional (bom resultado) e uma perda fecal involuntária frequente (mau resultado). As últimas duas submetidas ao selamento da fístula estavam com menos de três anos e não foram avaliados pelos critérios de Krickenbeck. Não houve evidências de fístulas uretrais.
Os benefícios da ARPVL para o tratamento da anomalia anorretal alta incluem a melhor visualização da fístula retourinária e estruturas vizinhas, ao adequado abaixamento do segmento de reto dentro do complexo esfincteriano, sem nenhuma divisão muscular e com mínima dissecção abdominal e perineal. Ela promove a melhoria da pressão de repouso retal e do reflexo inibitório anorretal9. É procedimento menos invasivo e os resultados são semelhantes aos da operação tradicional (ARPSP) com melhor recuperação pós-operatória e menor tempo de internação. No sexo masculino, é indicada para o tratamento de anomalias altas com fístulas retoprostáticas ou retovesicais. Nas anomalias do sexo feminino, a operação minimamente invasiva é raramente indicada. A fístula retourinária é geralmente tratada de maneira convencional por transfixação cirúrgica.
O dispositivo bipolar é utilizado com frequência para selamento de vasos sanguíneos. Ele gera energia que promove a desnaturação do colágeno e da elastina nas paredes dos vasos, criando um selo. Foi demonstrado em um modelo experimental, a possibilidade da anastomose de uma alça intestinal utilizando-se o dispositivo bipolar, devido ao rico conteúdo de colágeno na parede submucosa intestinal, selando as bordas justapostas5. Desta forma, foi possível o simples selamento da fístula retourinária. Foi deixado um cateter uretral durante sete dias. Depois de mais de um ano de seguimento, estas crianças não tiveram complicações.
Há benefícios de LAARP para o tratamento de anomalia anorretal. O uso de uma fonte de energia bipolar que promova selamento da fístula retourinária proporcionou diminuição significativa do tempo cirúrgico e tornou o procedimento mais elegante.